Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:194/12.2BELRS
Secção:
Data do Acordão:05/21/2020
Relator:BENJAMIM BARBOSA
Descritores:CADUCIDADE – ORIENTAÇÕES GENÉRICAS E VINCULATIVAS
Sumário:1. Não se verifica insuficiência da matéria de facto considerada provada na sentença recorrida quando esta contém todos os elementos factuais que permitem a aplicação das várias soluções jurídicas plausíveis em Direito para a decisão das questões que lhe cumpra conhecer.

2. Para que seja aplicável o prazo de caducidade de três anos, previsto no artigo 45.º, n.º 2, a LGT, é necessário que o erro seja detectado, exclusivamente, por mera análise da declaração e seus anexos. Se a detecção do erro obrigar à consulta de informação não contida na declaração, ainda que em poder da AT, tal prazo é inaplicável.

a. As orientações vinculativas não abrangem nem podem ser invocadas pela totalidade dos contribuintes.

b. Um despacho do dirigente máximo do serviço, proferido a requerimento de um banco, contendo a doutrina a aplicar à situação concreta desse banco, ainda que extensiva aos demais contribuintes do mesmo sector de actividade, não pode ser encarada como uma orientação genérica, por lhe faltar as características da generalidade e abstracção.

3. O conceito de boa-fé a que alude o nº 2 do artigo 68.º-A, da LGT, é um conceito objectivo ou de conduta, pelo que, só o contribuinte que possua uma crença legítima e justificada na plausibilidade da interpretação que faz da norma de incidência é que pode invocar a irretroactividade de uma orientação genérica. A proibição da aplicação retroactiva de uma orientação genérica depende, por isso, do interessado demonstrar que estava de boa-fé e que fez uma interpretação plausível da norma de incidência. Não se verificam estes dois requisitos se a conduta do contribuinte denuncia uma interpretação forçada do conceito de orientação genérica de molde a abranger uma orientação vinculativa como a anteriormente referida e se, por isso, é juridicamente censurável a interpretação que faz da norma de incidência.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL:

1. Relatório

1.1. As partes
A FAZENDA PÚBLICA, não se conformando com a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida por P…..
, Lda., contra a liquidação adicional relativa a IRC do exercício de 2006, veio interpor recurso jurisdicional.


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1.2. O objecto do recurso

1.2.1. Alegações

Nas suas alegações a recorrente formulou as seguintes conclusões:
1.ª Da análise da decisão recorrida no que respeita à factualidade dada como provada em 1.ª instância, verifica-se que a mesma é omissa na parte da matéria de facto respeitante à concreta fundamentação do ato tributário aqui sindicado e, em concreto, à factualidade relativa ao objeto e âmbito da ação de inspeção que lhe está subjacente, matéria que assume extrema relevância, uma vez que tem impacto direto na contagem do prazo de caducidade aplicável no caso em apreço.
2.ª Com efeito, conforme resulta expresso no relatório final de inspeção, as correções ora sindicadas resultam exclusivamente da "análise dos valores inscritos nos Quadros 07 e 10 da Declaração Modelo 22, que consta do sistema informático" - cfr. página 2; sendo que, por outro lado, resulta do mesmo documento, aquando da especificação dos elementos analisados e que estão na origem das correções, que "Da análise dos elementos constantes do sistema informático, nomeadamente modelo 22, do exercício de 2006, verifica-se que deduziu no campo 234-Benefícios Fiscais, o valor de € 8.517.409,95, sendo C 8.467.230,71, referentes à Majoração à Criação de Emprego para Jovens, nos termos do artigo 17.º do CIRC e que não aplicou o disposto no artigo 86.º do CIRC, como se pode verificar pelos valores inscritos no quadro 10 desta Declaração de Rendimentos." (sombreado nosso).
3.ª Estando perante um facto documentalmente provado e que é determinante na análise da questão controvertida, é evidente que o mesmo merecia outra ponderação por parte do Tribunal; contudo, este facto não consta da matéria dada como assente pelo Tribunal a quo, em frontal contradição com a prova documental constante dos autos.
4.ª É, assim, evidente a manifesta insuficiência da base instrutória, o que se invoca para efeitos de revogação da decisão ora recorrida, requerendo-se a este Venerando Tribunal a ampliação da matéria de facto dada como assente nos presentes autos, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 662.º do CPC, pois, como demonstrado, a prova produzida impõe decisão diversa sobre o concreto ponto da matéria de facto acima mencionado.
5.ª Requer-se assim a ampliação da matéria de facto assente em 1.ª instância de modo a abranger o seguinte ponto: a ação de inspeção desencadeada pela Administração Tributária ao ano de 2006 foi de natureza interna e teve como objeto a simples análise da declaração Modelo 22 do exercício, tendo sido a correção à matéria coletável efetuada com base nos referidos elementos.
6.ª No que respeita à questão do prazo de caducidade, o legislador consagrou no número 2 do artigo 45.º da LGT um encurtamento do prazo geral de caducidade, nos casos em que o erro do qual resultou o pagamento de imposto inferior ao legalmente devido está evidenciado na própria declaração entregue pelo sujeito passivo, dispondo a Autoridade Tributária de todos os elementos que permitem efetuar a correção sem necessidade de proceder a qualquer diligência instrutória adicional.
7.ª No caso em apreço, ao contrário do que defende o Tribunal a quo, a Recorrente considera que da prova documental junta aos autos, em concreto do relatório final de inspeção, é claro que as correções resultam apenas da análise efetuada às declarações fiscais da Recorrente, em concreto a Declaração Modelo 22.
8.ª Ou seja, da análise do relatório final de inspeção, resulta claro que a Administração Tributária analisou e fundamentou as suas correções exclusivamente com base na análise interna dos elementos constantes da declaração Modelo 22 da Recorrente, assim se preenchendo o conceito de "erro evidenciado na declaração" para os efeitos consignados no n.º 2 do artigo 45.º da LGT.
9.ª Com efeito, como vimos, para realização da correção, a AT apenas precisou de analisar os campos da Modelo 22 do exercício para confirmar (i) a dedução de benefícios fiscais e (ii) o não preenchimento do campo da declaração relativo ao artigo 86.º do CIRC, tão simples quanto isto!
10.ª Por outras palavras, a conclusão da AT no sentido da (não) aplicação do artigo 86.º do CIRC por parte da Recorrente resultou diretamente da leitura do campo da Modelo 22 relativo a esta questão.
11.ª Tudo resumido, tratando-se de uma inspeção interna de mera verificação dos elementos declarados e da correção de erro evidenciado na própria declaração, nenhuma dúvida restará que será de aplicar o prazo de 3 anos previsto no n.º 2 do artigo 45.º da LGT, pelo que o ato tributário em apreço deveria ter sido notificado à Recorrente o mais tardar até 31.12.2009, o que não sucedeu, como resulta da factualidade exposta nos presentes autos, assim se evidenciando, sem mais delongas, o decurso do prazo de caducidade — conforme prova documental junta aos autos, o que motivará a procedência do presente recurso, tudo com as devidas consequências legais.
12.ª Conforme exposto em 1.ª instância, a questão material ora controvertida e que está na base das correções subjacentes ao ato tributário ora sindicado, prende-se em determinar se a ora Recorrente, tendo apurado prejuízos fiscais no exercício de 2006, estava obrigada a aplicar o limite previsto no artigo 86.º do CIRC (atual artigo 92.º) à liquidação de IRC do referido exercício.
13.ª A ora Recorrente, ao apurar o IRC devido no exercício de 2006, não aplicou a limitação prevista na disposição legal acima referida, uma vez que no exercício em apreço apurou prejuízos fiscais, apoiando-se na doutrina constante do Despacho n.º 3469/2005 — o qual visou clarificar o âmbito de aplicação do artigo 86.º do CIRC nos exercícios em que os contribuintes apurem prejuízos fiscais.
14.ª Da análise e leitura do referido Despacho resulta de forma inequívoca que nos casos em que os sujeitos passivos tivessem benefícios fiscais que operassem por dedução ao rendimento e, simultaneamente, apurassem prejuízos fiscais, não seria de aplicar a limitação prevista no artigo 86.º do CIRC (vide 4.º parágrafo), sendo que o Despacho n.º 3469/2005 de 19 de Janeiro de 2006 era a única orientação administrativa em vigor à data dos factos tributários, os quais recorde-se, tratando-se de IRC do exercício de 2006 se consumaram no último dia do período de tributação, i.e. 31.12.2006, conforme resulta do disposto no n.º 9 do artigo 8.º do CIRC.
15.ª De igual modo, parece claro que estamos perante uma orientação administrativa vinculativa na acepção do n.º 4 do artigo 68º da LGT em vigor à data dos factos tributários - pois trata-se de um Despacho proferido pelo dirigente máximo dos serviços, o Excelentíssimo Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, vertido numa orientação da AT sobre a interpretação de uma norma tributária em vigor no momento em que se consumou o facto tributário.
16.ª A Recorrente não desconhece que o despacho em causa tem origem numa resposta a um pedido de informação vinculativa prestada para uni contribuinte concreto, contudo, uma leitura atenta da forma como está redigido o referido despacho permite-nos concluir sem margem para dúvidas que a AT transformou a resposta dada ao referido contribuinte e aplicável na sua situação concreta, num texto de caráter genérico orientador para os serviços e contribuintes sobre a aplicação do artigo 86.º do CIRC, mormente em casos de apuramento de prejuízos fiscais.
17.ª Aliás, no referido despacho não se faz qualquer menção ao caso concreto que lhe deu origem, sendo que se não estivéssemos perante uma verdadeira orientação genérica, não haveria qualquer necessidade de o Despacho de 2008 clarificar ou esclarecer (nas palavras da AT) aquela primeira orientação.
18.ª Como já salientou o STA, "III - Orientações genéricas, para efeitos do disposto no art.º 131.º, n.º 3 do CPPT, são actos do poder de direcção típico da relação de hierarquia administrativa, os quais dão a faculdade de emanar circulares interpretativas, ou seja, instruções gerais, vinculativas, dirigidas aos órgãos da administração tributária, funcionários e agentes subalternos, acerca do sentido em que devem — mediante interpretação ou integração ­entender-se as normas e princípios jurídicos que, no âmbito do exercício das suas funções, lhes caiba aplicar." - Acórdão n.º 26622, de 31.05.2006.
19.ª Assim, a questão não é a natureza geral da referida orientação, mas sim a circunstância da mesma ter sido revogada por despacho posterior, sendo que, nos termos do artigo 68.º, n.º 5 da LGT, não são invocáveis retroativamente os atos tributários decorrentes de orientações genéricas emitidas pela Administração Tributária.
20.ª A Recorrente não consegue compreender em que passagem das duas orientações administrativas o Tribunal a quo se baseou para referir que os dois despachos têm natureza complementar, pois da leitura conjugada dos mesmos retira-se sem margem para grandes dúvidas a natureza contraditória entre si, nomeadamente quanto aos contribuintes em situação de prejuízos fiscais.
21.ª Há sim, no despacho de 2008 uma redação e um entendimento claramente inovador e divergente e em sentido diametralmente oposto da orientação administrativa vigente até à data em que o mesmo foi proferido, pelo que, face ao disposto no artigo 68.º, n.º 5 da LGT, parece claro que o entendimento dos serviços de inspeção tributária padece de vício de violação de lei, uma vez que a aplicação do Despacho 56/2008 configura a aplicação retroativa de uma orientação genérica a factos tributários ocorridos antes da sua entrada em vigor.
22.ª No caso em apreço, parece claro que estando em causa IRC do exercício de 2006, o Despacho n.º 3469/2005 era a única orientação administrativa em vigor à data do facto tributário relevante (31-12-2006) que versava sobre a aplicação e interpretação do artigo 86.º do CIRC.
23.ª Nesta matéria, ainda que se entenda, como sustentou a AT nos autos, que estamos perante a mesma doutrina administrativa e que o Despacho n.º 56/2008 não revogou o Despacho n.º 3469/05, sempre terá de referir-se que a mera clarificação propugna um entendimento menos favorável para o sujeito passivo, pelo que não será admissível a sua aplicação retroativa sob pena de violação dos princípios que regem o nosso ordenamento fiscal, em particular os princípios da boa-fé, da tutela da confiança, da legalidade e da proibição de aplicação retroativa das normas fiscais e orientações administrativas, questões que não foram tidas em conta por parte do Tribunal a quo na decisão ora recorrida.
24.ª Da doutrina e jurisprudência aplicáveis é possível concluir que: (i) a Administração Tributária está vinculada às orientações genéricas em vigor no momento dos factos tributários relevantes, e (ii) não podem ser invocadas retroativamente contra os contribuintes as orientações administrativas, desde que os contribuintes tenham agido de boa fé.
25.ª Mais uma vez, no caso em apreço, estando em vigor no exercício de 2006 um Despacho sancionado pelo Exma. Senhor Secretário de Estados dos Assuntos, em concreto o Despacho n.° 3469/05, que regulava em termos genéricos a aplicação do regime do artigo 86.° do CIRC em exercícios em que existissem prejuízos fiscais, é evidente que tal despacho configura uma orientação genérica, nos termos e para os efeitos do artigo 68.° da LGT, sendo assim a interpretação aí exposta susceptível de gerar a confiança na ora Recorrente de que, ao analisar a sua situação tributária, a Administração Tributária agiria de acordo com a orientação a que estava legalmente vinculada.
26.ª É verdade, como refere o Tribunal a quo, que o artigo 86.º do CIRC "já evidenciava os termos do cálculo dos valores a considerar.", contudo, o mesmo é omisso ou, pelo menos, pouco esclarecedor sobre a sua aplicação em caso de contribuintes com prejuízos fiscais, nomeadamente se a situação de prejuízos fiscais se deveria aferir antes e após dedução dos benefícios fiscais, o que levou, aliás, à prolação das duas orientações administrativas aqui em análise sobre o âmbito do artigo 86.º do CIRC, e, em concreto, sobre a questão da sua aplicação em exercícios com prejuízos fiscais.
27.ª Termos em que se concluiu pela ilegalidade do ato tributário sindicado, por violação expressa do Despacho n.º 3469/05 do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, bem como dos artigos 68.º da LGT e 55.º do CPPT, tudo com as demais consequências legais, em particular a restituição do imposto indevidamente pago pela Recorrente, acrescido dos juros indemnizatórios devidos nos termos do artigo 43.º da LGT, o que motivará a revogação da decisão ora recorrida.
28.ª Requer-se assim a este Venerando Tribunal que se digne julgar procedente por provado o presente recurso, revogando-se a sentença ora recorrida e concluindo-se no sentido da anulação da liquidação de IRC objeto dos presentes autos, nos termos e com os fundamentos legais acima melhor expostos, e, consequentemente, a anulação integral da respetiva liquidação de juros compensatórios acima melhor identificada, tudo com as devidas consequências legais, mormente o reembolso da quantia de IRC e juros indevidamente paga pela Recorrente, acrescida dos juros indemnizatórios a computar nos termos do artigo 43.º da LGT.
29.ª Em harmonia com a mais recente jurisprudência dos nossos tribunais superiores e dada as questões materiais controvertidas, em função da posição já sustentada pela nossa Doutrina e pela jurisprudência dos tribunais, incluindo os arbitrais, a ora Recorrida vem requerer a este Venerando Tribunal, tal como determinado pelo Tribunal a quo em 1.ª instância, a fixação do valor do presente recurso no montante máximo de EUR 275.000 para efeitos de custas, determinando-se igualmente nos presentes autos a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos e para os efeitos do n.º 7 do artigo 6.° do RCP.


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1.2.2. Contra-alegações

A recorrida Fazenda Pública apresentou não apresentou contra-alegações.


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1.2. Parecer do Ministério Público

Neste TCA Sul a EMMP emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.


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1.3. – Questões a decidir

Se a factualidade considerada provada deve ser alargada;
- Se se verifica caducidade do direito à liquidação, por ser aplicável o prazo de 3 anos de caducidade;
- Se a liquidação em crise é ilegal, por ir contra orientação genérica da AT vigente por referência ao momento da ocorrência do facto tributário;
- Se houve aplicação retroactiva do despacho n.º 56/2008- XVII.
- Se a liquidação de juros compensatórios é ilegal, por violar o disposto no art.º 35.º, n.º 7, da LGT.


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III — Fundamentação
2.1 De facto
A sentença considerou provados os seguintes factos:
1)       A 30.05.2007 a impugnante apresentou, junto dos serviços da AT, declaração modelo 22 de IRC, relativa ao exercício de 2006, na qual foram designadamente declarados os seguintes valores:
a)       Campo 234 do quadro 07 (benefícios fiscais): 8.517.409,95 Eur.;
b)    Campo 239 do quadro 07 (prejuízo para efeitos fiscais): 741.820,66 Eur.;
c)    Campo 351 (coleta): em branco;
d)    Campo 371 [resultado da liquidação (art.º 86.º)]: em branco (cfr. declaração constante de fls. 91 a 95, do processo administrativo – reclamação graciosa).
2) Na sequência da declaração referida em 1), foi emitida demonstração da liquidação de IRC n.º …..278, da qual resultou um valor a reembolsar de 708.102,01 Eur. (cfr. fls. 52).
3) A impugnante declarou, na Informação Empresarial Simplificada, a natureza e o valor dos benefícios fiscais declarados na declaração referida em 1) (não controvertido).
4) A 17.11.2009 a impugnante apresentou, junto dos serviços da AT, declaração modelo 22 de IRC de substituição, relativa ao exercício de 2006, na qual foram designadamente declarados os seguintes valores:
a)    Campo 234 do quadro 07 (benefícios fiscais): 8.517.409,95 Eur.;
b)    Campo 239 do quadro 07 (prejuízo para efeitos fiscais): 741.820,66 Eur.;
c)    Campo 351 (coleta): em branco;
d)    Campo 371 [resultado da liquidação (art.º 86.º)]: em branco;
e)    Anexo C (cfr. declaração constante de fls. 96 a 101, do processo administrativo – reclamação graciosa).
5) Na sequência da declaração referida em 4), foi emitida demonstração da liquidação de IRC n.º 2…..011, da qual resultou um valor a reembolsar de 708.062,85 Eur. (cfr. fls. 54).
6) A impugnante foi objeto de ação inspetiva, em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI….., pela Direção de Finanças de Lisboa (cfr. documento constante de fls. 77, dos autos, e fls. 160, do processo administrativo).
7) Da ação inspetiva referida em 6), após elaboração de projeto de correções e exercício do direito de audição por parte da impugnante, resultou um Relatório de Inspeção Tributária (RIT), datado de 25.08.2010, do qual consta designadamente o seguinte:
“...











(...)





...” (cfr. documentos juntos de fls. 56 a 68, 70 a 74 e 76 a 86, dos autos, e fls. 160 a fls. 169, do processo administrativo).
8) Na sequência do RIT mencionado em 7) foi emitida, a 23.09.2010, pela AT, em nome da impugnante, a liquidação adicional de IRC n.º …..136 e a dos respetivos juros compensatórios, relativa ao exercício de 2006, no valor de 530.526,71 Eur. (cfr. documentos juntos a fls. 90 e 92).
9) Foi emitida demonstração de acerto de contas, da qual consta o estorno da liquidação referida em 5), bem como o valor da liquidação mencionada em 8), calculando-se como valor a pagar o de 1.238.589,56 Eur. (cfr. documento junto a fls. 94).
10) O valor referido em 9) foi pago a 02.11.2010 (cfr. documento junto a fls. 94).
11) Na sequência do mencionado em 8) e 9), através de documento escrito, que deu entrada no Serviço de Finanças (SF) de Lisboa 6, a impugnante apresentou reclamação graciosa da referida liquidação, alegando caducidade do direito à liquidação, erro de cálculo, ilegalidade da liquidação de juros compensatórios e direito a juros indemnizatórios (cfr. documentos juntos de fls. 98 a 120, dos autos, e fls. 3 a 60, do processo administrativo – reclamação graciosa).
12) Na sequência do referido em 11), foi autuado o procedimento de reclamação graciosa n.º …..811 (cfr. fls. 1 e 2, do processo administrativo – reclamação graciosa).
13) No âmbito do procedimento mencionado em 12), após elaboração de projeto de decisão e exercício do direito de audição por parte da impugnante, foi elaborada, na divisão de justiça administrativa da direção de finanças de Lisboa, informação, datada de 13.12.2011, no sentido do deferimento parcial da reclamação referida em 11), da qual consta designadamente o seguinte:
“...


(...)








(...)


(...)






...” (cfr. documentos constantes de fls. 107 a 127 e 148 a 158, do processo administrativo – reclamação graciosa).
14) Sobre a informação mencionada em 13) e após parecer de concordância, foi proferido, a 22.12.2012, despacho, pela Diretora de Finanças Adjunta da Direção de Finanças de Lisboa, de deferimento parcial da reclamação graciosa referida em 11), com o seguinte teor:
“Concordo, pelo que convolo em definitivo o projecto de decisão e, com os fundamentos constantes daquele, bem com a presente informação e respectivo parecer, defiro parcialmente o pedido. // Notifique-se” (cfr. documentos juntos de fls. 148 a 158, do processo administrativo – reclamação graciosa).
15) Foi apresentado junto dos serviços da AT por um contribuinte (entidade bancária) um pedido de informação abrangendo, entre outras, a questão de aplicação do art.º 86.º, do CIRC, quando o resultado tributável não é positivo, que deu origem ao processo n.º ….. (cfr. fls. 193 a 201).
16)     Na sequência do mencionado em 15), foi elaborada informação, nos serviços da AT, datada de 17.01.2006, da qual consta designadamente o seguinte:
“...


(...)


(...)


(...)

...” (cfr.fls. 193 a 201).
17) Sobre a informação referida em 16) e após pareceres de concordância, foi proferido despacho n.º 183/2005-XIII, a 19.01.2016, pelo SEAF, com o seguinte teor:
“Concordo com o entendimento expresso. Comunique-se o presente entendimento à APB, bem como aos respectivos interessados” (cfr. fls. 193 a 201).
18) Por iniciativa de direção de serviços do IRC, foi elaborada informação, datada de 26.05.2006, relativa à limitação prevista no então art.º 86.º, do CIRC, da qual consta designadamente o seguinte:
“...


(...)



...” (cfr. fls. 202 a 208).
19)     Sobre a informação referida em 18) e após pareceres de concordância, foi proferido, a 04.01.2008, o despacho n.º 56/2008-XVII, do SEAF, de concordância com a mesma (cfr. fls. 202 a 208).
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Quanto a factos NÃO PROVADOS a sentença exarou o seguinte:
Não existem factos não provados, em face das possíveis soluções de direito, com interesse para a decisão da causa.
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Quanto à MOTIVAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO, referiu:
A convicção do tribunal, no que respeita aos factos provados, assentou na prova documental junta aos autos, conforme indicado em cada um desses factos.

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2.2. De Direito

2.2.1. Da Insuficiência da matéria de facto

A recorrente insurge-se contra a sentença recorrida apontando-lhe, à cabeça, uma falha quanto à matéria de facto que deveria ter sido dada como provada.

Essa matéria, conexionada com uma das questões suscitadas – o prazo de caducidade - é, na sua perspectiva, essencial para a boa decisão da mesma.

Como é sabido, o tribunal de recurso não está vinculado à decisão da matéria de facto proferida pelo tribunal a quo, devendo operar-lhe as transformações que se mostrem necessárias para que aquela se aproxime o mais possível da realidade, de modo a permitir uma subsunção que permita construir um silogismo perfeito entre os factos, o direito e a decisão, segundo a perspectiva jurídica que tenha por correcta – cfr. artigo 662.º, n.º 1, do CPC.

Este poder-dever não depende da iniciativa das partes mas terá, obviamente, uma maior densidade se a questão for suscitada no recurso.

Porém, no caso vertente, não parece que seja necessário qualquer aditamento à matéria de facto, visto que os factos que a recorrente pretende ver aditados já constam do RIT, na parte em que este foi reproduzido, designadamente a natureza interna da inspecção e a referência à análise de elementos do sistema informático, nomeadamente da declaração mod. 22.

É claro que, numa visão mais formalista, se poderia dizer que servindo os documentos para prova dos factos e não para a sua alegação ou consignação no probatório, se deveria exarar que “a inspecção efectuada não abrangeu diligências externas – Cfr. RIT” e que “A inspecção foi efectuada com base nos elementos informáticos e, nomeadamente, na declaração mod. 22 – cfr. RIT”, mas entende-se que esse “preciosismo” é dispensável. O Importante é que a factualidade essencial à decisão possa ser colhida e avaliada e que integre a sua fundamentação (de facto), seja porque é expressamente referida no probatório, seja porque é convocada na fundamentação de direito, convindo relembrar que, neste aspecto, a sua inserção em tal lugar poderá constituir erro técnico mas que, ainda assim, impede a verificação de deficiente fundamentação de facto.

No caso nem sequer é necessário ir tão-longe, visto que o probatório contém todos os elementos a partir dos quais é possível construir o conjunto dos factos essenciais à decisão da causa segundo as várias soluções plausíveis de direito.

Como sucede, por exemplo, com o facto a que respeita o n.º 5 do cap. II – Análise do Pedido, do RIT, onde se refere que a análise da declaração do mod. 22 foi desencadeada depois de uma informação da IGF.

Por conseguinte, não havendo, nesta perspectiva, factos a aditar, por se mostrar devidamente estabilizada a matéria de facto e os factos que a recorrente pretende aditar já constarem do probatório, indefere-se a pretendida consignação neste, com autonomia, dos factos que indicou.


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2.2.2 Da caducidade do direito de liquidar

Entrando então na análise da segunda questão, verifica-se que os argumentos avançados pela recorrente para sustentar a sua visão repousam nos seguintes:
- A inspecção teve natureza interna;
- Bastou a análise da declaração (em sentido amplo, abrangendo os respectivos anexos) para detectar o erro;

Logo, o prazo de caducidade é de 3 anos por força de aplicação do artigo 45.º, n.º 2, a LGT.

A sentença entendeu que não, invocando que foram necessárias diligências que envolveram a busca de elementos exteriores à declaração.

A recorrente insiste argumentando que consta do RIT que a análise foi feita directa e exclusivamente a partir dos elementos declaratórios por si entregues; apoia-se na passagem do RIT em que se refere: “Da análise dos elementos constantes do sistema informático, nomeadamente modelo 22, do exercício de 2006, verifica-se que deduziu no campo 234-Benefícios Fiscais, o valor de C 8.517.409,95, sendo € 8.467.230,71, referentes à Majoração à Criação de Emprego para Jovens, nos termos do artigo 17.9 do C/RC e que não aplicou o disposto no artigo 86.9 do C/RC, como se pode verificar pelos valores inscritos no quadro 10 desta Declaração de Rendimentos(negrito da recorrente).

Vejamos.

É verdade que a inspecção foi interna, não envolvendo diligências exteriores aos serviços da AT.

Já não corresponde à realidade que a análise se fez exclusivamente com base na declaração (e anexos).

A recorrente alega que está provado que: “Da análise dos elementos constantes do sistema informático, nomeadamente modelo 22, do exercício de 2006, verifica-se que deduziu no campo 234-Benefícios Fiscais, o valor de € 8.517.409,95, sendo C 8.467.230,71, referentes à Majoração à Criação de Emprego para Jovens, nos termos do artigo 17.g do CIRC e que não aplicou o disposto no artigo 86.-g do CIRC, como se pode verificar pelos valores inscritos no quadro 10 desta Declaração de Rendimentos (concl. 2.ª).

A utilização do advérbio nomeadamente significa que se quis dizer “em particular; especialmente; designadamente, sobretudo; principalmente”; isto é, quis-se dizer que a análise se baseou na declaração. Não que essa análise tenha sido feita exclusivamente com base na mesma, como a recorrente afirma no ponto 51 das suas declarações e reafirma nas conclusões B e H da minuta de recurso – conclusões 2.º e 8.ª supra.

Por conseguinte, nada legitima essa conclusão, de que o erro estava evidenciado na sua declaração, e que não houve necessidade de recorrer a elementos externos.

Pelo contrário.

Diz a sentença a este propósito:

“Logo, a situação abrangida pelo n.º 2 do art.º 45.º, da LGT, é aquela em que a declaração, de per si e sem necessidade de cruzamento com elementos adicionais (designadamente os constantes da IES, alegados pela impugnante), evidencia erro.

Ora, tal não se trata do caso dos autos.

É certo que a impugnante declarou a dedução de benefícios fiscais e nada preencheu no campo relativo ao então art.º 86.º, do CIRC.

No entanto, como resulta deste art.º 86.º, nem todos os benefícios fiscais são abrangidos por aquela norma, como decorre do elenco constante do n.º 2 da mesma disposição legal.

Ora, não consta da declaração modelo 22 qualquer elemento que permita discernir os benefícios fiscais elegíveis para efeitos do art.º 86.º, do CIRC, dos não elegíveis.

Daí que o valor total dos benefícios fiscais declarado tenha sido de 8.517.409,95 Eur., sendo que 8.467.320,71 Eur. respeitam ao benefício respeitante à majoração à criação de emprego para jovens e 16.384,27 Eur. são relativos a mecenato. Apesar de em sede de ação inspetiva ter sido expurgada a totalidade do valor dos benefícios fiscais, em sede de reclamação graciosa foi deferida, nessa parte, a pretensão da impugnante, tendo sido expurgado não o valor total, mas sim o valor de 8.483.704,98 Eur.

Ora, estes elementos não decorrem de uma análise da declaração modelo 22, exigindo que se recorra a elementos adicionais para se poder caraterizar os benefícios fiscais em causa e daí partir-se para a sua subsunção ou não no âmbito do art.º 86.º, do CIRC (no caso recorreu-se a elementos colhidos previamente pela Inspeção-Geral de Finanças).

Como tal, não se trata de situação de erro evidenciado na declaração do sujeito passivo, motivo pelo qual é de aplicar não o prazo previsto no n.º 2 do art.º 45.º, da LGT, mas sim o prazo previsto no n.º 1 da mesma disposição legal.

Tendo sido a liquidação em causa emitida no decurso do ano de 2010, a mesma foi-o dentro do prazo de 4 anos previsto no art.º 45.º, n.º 1, da LGT, não estando, pois, ultrapassado o respetivo prazo de caducidade”.

Ademais, consta do RIT que a situação só foi espoletada depois de uma informação da IGF, pelo que não tem fundamento, salvo o devido respeito, dizer-se que bastou a análise da declaração para detectar o erro.

Nesta ordem de ideias, claudicando a argumentação da recorrente neste ponto, tem de concluir-se que bem andou a sentença no modo como enfrentou e decidiu esta questão, pelo que nessa parte a sentença só merece ser confirmada, já que era inaplicável o prazo de caducidade previsto no artigo 45.º, n.º 2, da LGT.


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2.2.3. Das orientações genéricas e vinculativas

Quanto à questão da aplicabilidade (ou não) do Despacho do SEAF n.º 3469/2005, de 19-01-2006 e da aplicabilidade retroactiva (ou não) do Despacho do SEAF n.º 56/2008-XVII, de 04-01-2008, a tese da recorrente é de que, ao contrário do afirmado na sentença, o primeiro tem natureza geral e abstracta não obstante ter sido proferido num procedimento desencadeado por um contribuinte, pelo que é indevida a conclusão extraída na sentença, de que tinha a sua eficácia limitada ao caso concreto que o motivou.

No que concerne à aplicação do segundo ao caso sub judice, argumenta que se trata de uma aplicação retroactiva de uma orientação administrativa, o que violaria o princípio da confiança previsto no artigo 68.º da LGT.

Quanto ao primeiro a sentença partiu do pressuposto de que “corporiza a posição que a AT tomou perante um conjunto de questões concretamente apresentadas por um banco, uma das quais a relativa ao art.º 86.º, do CIRC” e como tal é inaplicável a outros contribuintes.

Vejamos.

As orientações genéricas são aquilo que Freitas Rocha classifica como actos gerais, por terem um alcance indeterminado, por contraponto aos actos singulares, cujos efeitos se confinam a um contribuinte ou grupo de contribuintes[1].

Segundo Jorge Lopes de Sousa, “Orientações genéricas, para efeitos do disposto no artigo 131º, nº 3 do CPPT, são atos do poder de direcção típico da relação de hierarquia administrativa, os quais dão a faculdade de emanar circulares interpretativas, ou seja, instruções gerais, vinculativas, dirigidas aos órgãos da administração tributária, funcionários e agentes subalternos, acerca do sentido em que devem – mediante interpretação ou integração – entender-se as normas e princípios jurídicos que, no âmbito do exercício das suas funções, lhes caiba aplicar”[2].

O artigo 55.º do CPPT confere ao dirigente máximo do serviço ou a quem este delegar, a competência para a emissão de orientações genéricas que vinculem os serviços. Estas, não constituindo um acto legislativo, não estão sujeitas a publicação no DR (cfr. artigos 1.º e 2.º da Lei n.º 74/98, de 11 de Novembro). No entanto, o artigo 59.º da LGT impõe à AT a publicidade das orientações genéricas, princípio que o artigo 56.º do CPPT concretiza através da previsão de uma base de dados, permanentemente actualizada pela AT.

De harmonia com o disposto no artigo 55.º, n.º 2, do CPPT, “Somente as orientações genéricas emitidas pelas entidades referidas no número anterior vinculam a administração tributária”. Ou seja, não é qualquer acto do dirigente máximo do serviço ou do funcionário em quem ele tiver delegado essa competência que pode configurar uma orientação genérica, mas apenas aqueles que tenham essa natureza intrínseca.

Por seu turno, as informações vinculativas não se destinam a produzir efeitos, abstractamente, perante a AT; outrossim, os seus efeitos restringem-se a uma situação individual e concreta, produzindo efeitos apenas perante a própria administração tributária e em relação ao contribuinte que as requereu (cfr. artigo 57.º, n.º 3, do CPPT e artigo 68.º, n.º 2, da LGT, na redacção da Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro). Para Jorge Lopes de Sousa as informações vinculativas não constituem atos administrativos, à luz da definição contida no artigo 120.º do anterior CPA, não podendo ser impugnadas contenciosamente”[3], situação que contrasta com as orientações genéricas, que podem catalogar-se como verdadeiros regulamentos internos, quer à luz do anterior CPA, quer do actual.

Nos termos do artigo 57.º, n.º 1, do CPPT, na redacção anterior à Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, “O despacho que recair sobre pedido de informação vinculativa sobre a concreta situação tributária dos contribuintes ou os pressupostos de quaisquer benefícios fiscais será notificado aos interessados, vinculando os serviços a partir da notificação que, verificados os factos previstos na lei, não poderão proceder de forma diversa, salvo em cumprimento de decisão judicial” (negrito nosso).

Com este enquadramento é fácil concluir que o Despacho n.º 3469/2005, de 19-01-2006 não constitui uma orientação genérica, mas sim uma informação vinculativa que apenas abrangia o universo de entidades bancárias associadas da Associação Portuguesa de Bancos, por expressa decisão do autor do acto, o SEAF (cfr. ponto 17 do probatório).

Com efeito, não foi determinado que fosse dado conhecimento genérico da doutrina a todos os contribuintes, independentemente de quem fossem, mas apenas à APB e “respectivos interessados”, entenda-se, requerente e associados da APB.

Ou seja, não lhe foi conferida as características de generalidade e abstracção próprias das orientações genéricas; além disso não foi publicada na respectiva base de dados, pelo que qualquer contribuinte, imbuído de diligência e sagacidade normais não deixaria, pelo menos, de questionar-se sobre o âmbito da sua eficácia.

A propósito da base de dados importa referir que antes da introdução do artigo 68.º-A da LGT a sua relevância era maior do actualmente, sendo difícil conceber uma orientação genérica que não fosse publicitada na base de dados, sem prejuízo, obviamente, das situações em que a sua não publicação resultasse de erro ou indevido comportamento da administração tributária. O que não é o caso.

Como nota final a este propósito, convém sublinhar que vinculação da administração tributária “às orientações genéricas constantes de circulares, regulamentos ou instrumentos de idêntica natureza, independentemente da sua forma de comunicação, visando a uniformização da interpretação e da aplicação das normas tributárias”, só passou a vigorar em momento posterior à data em que a recorrente submeteu a declaração original, pois só foi introduzida pelo n.º 1 do artigo 68.º-A, da LGT, aditado pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro.

Do exposto se pode concluir que a sentença ajuizou com acerto ao considerar que o citado despacho não configurava uma orientação genérica.

Mas se, por hipótese, sem admitir nem conceder – hipótese que se suscita a mero benefício de raciocínio -, o referido despacho fosse efectivamente uma orientação genérica? Estava a AT impedida de aplicar o Despacho do SEAF n.º 56/2008-XVII, de 04-01-2008?

Na tese da recorrente a resposta é positiva, quer porque à data do facto tributário vigorava a doutrina interpretativa do despacho anterior, quer porque a aplicação do segundo despacho implicava retroactividade.

Recorde-se que se provou que em 17.11.2009 a impugnante apresentou, junto dos serviços da AT, declaração modelo 22 de IRC de substituição, relativa ao exercício de 2006, isto é, quando já estava em vigor a orientação genérica de 2008.

O artigo 68.º-A, da LGT, aditado pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, tinha a seguinte redacção:

Orientações genéricas

1 - A administração tributária está vinculada às orientações genéricas constantes de circulares, regulamentos ou instrumentos de idêntica natureza, independentemente da sua forma de comunicação, visando a uniformização da interpretação e da aplicação das normas tributárias.

2 - Não são invocáveis retroactivamente perante os contribuintes que tenham agido com base numa interpretação plausível e de boa-fé da lei as orientações genéricas que ainda não estavam em vigor no momento do facto tributário.

3 - A administração tributária deve proceder à conversão das informações vinculativas ou de outro tipo de entendimento prestado aos contribuintes em circulares administrativas, quando tenha sido colocada questão de direito relevante e esta tenha sido apreciada no mesmo sentido em três pedidos de informação ou seja previsível que o venha a ser.

Conforme resulta do n.º 2, a proibição da retroactividade da orientação genérica funciona mediante uma condição imposta ao contribuinte: que a interpretação da norma de incidência em jogo fosse plausível e de boa-fé.

O conceito de boa-fé a que alude o nº 2 do artigo 68.º-A, da LGT, é um conceito objectivo ou de conduta. Impõe que, no caso vertente, a recorrente possuísse uma crença legítima e justificada de que poderia beneficiar da interpretação acolhida no Despacho do SEAF de 2006.

Já vimos que a circunstância desse despacho se dirigir, não a todos os contribuintes em geral, mas a um grupo de contribuintes em particular (os bancos), de não ter sido publicitado no lugar próprio das orientações genéricas e ter sido desencadeado por um pedido de informação de um particular pode levantar – pelo menos - a dúvida razoável sobre a natureza do despacho. Consubstanciaria uma mera informação vinculativa ou uma orientação genérica?

Esta dúvida, que se tem por adquirida por qualquer contribuinte de média sagacidade e diligência – em termos equivalentes ao bonus pater familiae – impede que se diga que a interpretação da recorrente fosse pautada, sem margem para dúvidas, pela boa-fé.

É certo que a informação dos serviços que esteve na base do Despacho de 2008 se lhe refere como ficha doutrinária. Mas como todas as informações vinculativas contém uma “ficha doutrinária”, e portanto visam uma aplicação concreta, é muito duvidoso que só por essa referência se pudesse atribuir ao Despacho do SEAF n.º 3469/2005, de 19-01-2006 a natureza de orientação genérica, de natureza abstracta.

Concluindo-se que a interpretação do artigo 86.º, feita pela recorrente, do CIRC à luz da doutrina deste despacho, não se pode considerar manifestamente de boa-fé, ainda assim impõe-se apurar se seria plausível.

E a resposta também terá de ser negativa.

Com efeito, muito pouco tempo depois da emissão do Despacho do SEAF n.º 3469/2005, de 19-01-2006,em 26-05-2006 a Direcção de Serviços do IRC questionou a sua bondade (cfr. supra, 2.2.18), através de uma informação que foi sancionada pelo Despacho n.º 56/2008-XVII, do SEAF, de concordância com a mesma (supra, 2.2.19).

Além disso, como refere a sentença:

“Por outro lado, refira-se, ainda que se considerasse o despacho em causa uma orientação genérica, do mesmo não resultava uma interpretação para situação idêntica à da impugnante, uma vez que a situação concreta ora em apreciação não está ali configurada (o que aliás motivou a emissão do despacho de 2008). Com efeito, do mesmo não resulta que a situação da impugnante fosse excluída do âmbito do art.º 86.º, do CIRC. O que resulta do despacho é que não há lugar à aplicação do art.º 86.º, do CIRC, quando se apurem prejuízos, sendo omissa no que toca à forma de cálculo inerente à mencionada disposição designadamente em situações como a ora em causa, na qual só há uma situação de prejuízo após a dedução dos benefícios fiscais. O despacho de 2008, fazendo expressa menção, aliás, ao de 2006 [cfr. facto 18)], ao contrário do referido pela impugnante, optou por esclarecer a interpretação da AT em situações como a dos autos, não se vislumbrando que do mesmo decorra qualquer revogação tácita do despacho de 2006, dada a sua complementaridade.

Por conseguinte, a interpretação da norma em causa à luz do citado Despacho n.º 3469/2005 não mostra ser plausível, quer em face do Despacho subsequente, quer mesmo face à letra da lei.

De facto, como refere a sentença:

“(…) o art.º 86.º, do CIRC, dispunha que:

“1 - Para as entidades que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola não abrangidas pelo regime simplificado, bem como as não residentes com estabelecimento estável em território português, o imposto liquidado nos termos do n.º 1 do artigo 83.º, líquido das deduções previstas nas alíneas b) e d) do n.º 2 do mesmo artigo, não pode ser inferior a 60% do montante que seria apurado se o sujeito passivo não usufruísse de benefícios fiscais, dos regimes previstos no n.º 13 do artigo 40.º e no artigo 69.º

2 - Para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se benefícios fiscais os previstos:

a) Nos artigos 17.º e 59.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais;

b) Na Lei n.º 26/2004, de 8 de Julho, e no Decreto-Lei n.º 74/99, de 16 de Março;

c) Em benefícios na modalidade de dedução à colecta, com excepção dos previstos na Lei n.º 40/2005, de 3 de Agosto, e dos que têm natureza contratual;

d) Em regime de incentivos fiscais à interioridade;

e) Em acréscimos de reintegrações e amortizações resultantes de reavaliação efectuada ao abrigo de legislação fiscal”.

Por seu turno, previa o art.º 83.º, do CIRC, que:

“1 - A liquidação do IRC processa-se nos termos seguintes:

a) Quando a liquidação deva ser feita pelo contribuinte nas declarações a que se

referem os artigos 112º e 114º, tem por base a matéria colectável que delas conste; (...)

2 - Ao montante apurado nos termos do número anterior são efectuadas as seguintes deduções, pela ordem indicada:

(...) b) A correspondente à dupla tributação internacional; (...)

d) A relativa a benefícios fiscais”.

Ora, deste conjunto normativo já decorria quais as operações aritméticas a realizar para efeitos de aplicação do art.º 86.º, do CIRC, resultando do mesmo que se deveria calcular o valor antes e depois das deduções e daí partir para a comparação.

Portanto, não resulta que a situação se enquadre no âmbito do n.º 5 do art.º 68.º, da LGT, uma vez que a correção veio refletir o que decorre do texto da lei, não sendo a explanação constante do despacho de 2008 inovatória face a entendimentos anteriores. Ainda que se considere, como a AT em sede de reclamação graciosa considerou, que a impugnante atuou de boa-fé, a interpretação que a mesma fez, atentas as particularidades da sua situação, não decorria nem do despacho do SEAF de 2006 nem da letra da lei”.

Donde, não sendo evidente que a recorrente fez uma interpretação plausível e dominada pela boa-fé, não estava impedida a aplicação retroactiva da doutrina do Despacho do SEAF 56/2008-XVII, de 04-01-2008, à liquidação adicional impugnada.

Em face de todo o exposto, também não merece censura a sentença quando considera que foi correcta a aplicação de tal despacho.


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2.2.4. Da aplicação do princípio da legalidade

Acrescente-se que, embora com algumas discordâncias na doutrina, é entendimento jurisprudencial prevalecente que as informações genéricas apenas vinculam a AT e não os tribunais.

Assim, como a doutrina do Despacho n.º 56/2008-XVII, do SEAF, é claramente mais ajustada à correcta interpretação do artigo 86.º do CIRC, mesmo que que se concluísse pela inaplicabilidade do referido despacho sempre o tribunal teria de considerar válida a liquidação, por nela se ter feito uma interpretação da norma, que como se demonstrou, foi dominada pelo princípio da legalidade, que vincula a administração fiscal (artigo 8.º da LGT).

Donde, claudicar também a argumentação expendida pela recorrente na conclusão 23.ª, de que alegada aplicação retroactiva do despacho de 2008 configuraria “violação dos princípios que regem o nosso ordenamento fiscal, em particular os princípios da boa-fé, da tutela da confiança, da legalidade e da proibição de aplicação retroativa das normas fiscais e orientações administrativas, questões que não foram tidas em conta por parte do Tribunal a quo na decisão ora recorrida”, pois como se viu, esta argumentação não tem o necessário suporte fáctico-juridico para ser considerada procedente.


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2.2.5. Dos juros compensatórios

Por fim, quanto à questão dos juros compensatórios, também não tem razão a impugnante, como lucidamente se decidiu na sentença recorrida.

Na tese da recorrente, a serem devidos juros compensatórios os mesmos só poderiam ser exigidos por um prazo máximo de 180 dias, nos termos do artigo 35.º, n.º 7, da LGT, dado tratar-se de erro do sujeito passivo evidenciado na declaração.

Como já se demonstrou não se verifica um erro evidenciado na declaração, pelo que é inaplicável o artigo 35.0, n.0 7, da LGT.

Improcede também, pois, este ponto do recurso.

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2.2.6. Da taxa de justiça remanescente

A sentença dispensou o pagamento da taxa de justiça remanescente.

Considerando que não alteraram os pressupostos que justificaram tal dispensa, remetendo para a fundamentação da sentença a este respeito, mantem-se a referida dispensa.


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3. Dispositivo

Em face de todo o exposto acordam em negar provimento ao recurso e em confirmar a sentença recorrida.

Custas pela recorrente, sem prejuízo da dispensa de pagamento do remanescente, tal como decidido em 1.ª instância.

D.n.

Lisboa, 2020-05-21

Benjamim Barbosa

Ana Pinhol

Isabel Fernandes

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[1]     Joaquim Freitas da Rocha, Lições de Procedimento e de Processo Tributário, 4.ª Edição, Coimbra, Coimbra Ed.ª, 2011, p. 20 e ss.
[2]     Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Vol. II, 6.ª Edição, Lisboa, Áreas Ed.ª, 2011, p. 415
[3]     Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Vol. I, 6.ª Edição, Lisboa, Áreas Ed.ª, 2011, p. 497