Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 843/24.0BELRS |
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Secção: | CT |
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Data do Acordão: | 02/06/2025 |
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Relator: | LUÍSA SOARES |
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Descritores: | EXECUÇÃO FISCAL PENHORA PEDIDO DE DISPENSA DE PRESTAÇÃO DE GARANTIA PRINCÍPIO DA BOA-FÉ |
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Sumário: | ![]() |
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Votação: | UNANIMIDADE |
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Indicações Eventuais: | Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | I – RELATÓRIO Vem AT- Autoridade Tributária e Aduaneira interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a reclamação deduzida por R..., ao abrigo do art. 276º do Código de Procedimento e de Processo Tributário contra o ato de penhora dos saldos bancários efetuado no âmbito do processo de execução fiscal nº 3255202301158350, para cobrança da dívida de IRS do ano 2021 no montante de € 318.390,18. A Recorrente termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões: “I. Vem o presente recurso interposto da Sentença proferida pelo Tribunal a quo, que julgou procedente a Reclamação, apresentada por R..., contra o ato de penhora de contas bancárias, de que a reclamante é titular, nomeadamente, Caixa Geral de Depósitos; Caixa de Credito Agrícola; Bankinter e Millennium BCP. Fundamentalmente, invoca que” (…) carece, em absoluto, de sentido que, tenha sido deferido o pagamento em prestações da dívida exequenda e, em simultâneo, seja ordenada a penhora da totalidade das contas bancárias da executada”. II. Por sentença datada de 12-11-2024, ora recorrida, veio a Mma. Juiz do Tribunal a quo, estribando-se na factualidade descrita na secção III, que aqui se dá por inteiramente reproduzida para todos os efeitos legais, conceder provimento à Reclamação apresentada e, consequentemente, determinar que “A actuação da Administração Tributária com os contornos descritos no probatório deve ter-se, ainda, como violadora dos princípios da justiça material e da boa fé que presidem à actividade administrativa (cf. artigos 266.º da CRP, 8.º e 10.º do CPA e 59.º, n.º 2, da LGT), porque frustra a legítima expectativa de apreciação da pretensão apresentada pela Reclamante, ancorada no princípio da decisão.”. III. A douta Sentença, ora objeto de recurso, fundamenta o seu decisório, como a seguir se transcreve: “A prestação ou o pedido de dispensa de prestação de garantia tem a faculdade de impedir a Administração Tributária de penhorar o património do executado, não se tendo preenchido os pressupostos legais para a Administração Tributária, no exercício do seu poder/dever, poder accionar a cobrança coerciva, efectuando a penhora reclamada. A actuação da Administração Tributária com os contornos descritos no probatório deve ter-se, ainda, como violadora dos princípios da justiça material e da boa fé que presidem à actividade administrativa (cf. artigos 266.º da CRP, 8.º e 10.º do CPA e 59.º, n.º 2, da LGT), porque frustra a legítima expectativa de apreciação da pretensão apresentada pela Reclamante, ancorada no princípio da decisão. E, assim, deve ter-se por ilegal a actuação da Administração Tributária que, sabendo que a Reclamante apresentara, no âmbito do procedimento de reclamação graciosa, pedido de dispensa de prestação da garantia, informa-a de que não se encontra emitida qualquer certidão de dívida que possa dar origem a instauração de processo de execução fiscal (cf. letras A a C do probatório) e interposto recurso hierárquico do indeferimento da reclamação graciosa, ainda pendente de decisão (cf. letra D do probatório), ordena e realiza a penhora de saldos de contas bancárias reclamada e notifica a Reclamante do deferimento do pedido de pagamento em prestações e para apresentar garantia idónea (cf. letras I e J do probatório) e da constituição de penhor do direito de crédito (cf. letra P do probatório), sem nunca conhecer do pedido de dispensa de prestação de garantia apresentado.”. IV. A decisão ora recorrida não perfilhou, com o devido respeito, e salvo sempre melhor entendimento, a acertada solução jurídica no caso sub judice, porquanto, em nosso entendimento e salvo melhor opinião, a douta sentença proferida considera, erradamente, que as penhoras são ilegais e violadoras dos princípios da justiça material e da boa fé que presidem à atividade administrativa. V. Antes do mais, ter presente que, o legislador previu um processo de execução fiscal primordialmente direcionado à cobrança dos créditos tributários de qualquer natureza, estruturado em termos mais simples do que o processo de execução comum, com o objetivo de conseguir uma maior celeridade na cobrança dos créditos, recomendada pelas finalidades de interesse público das receitas que através dele são cobradas (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 8/08/2012, proc.5859/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 4/02/2016, proc.9100/15; Jorge Lopes de Sousa, Código do Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, 6ª. edição, III Volume, Áreas Editora, 2011, pág.28). VI. Ora, de acordo com o disposto nos art.º 52.º da LGT e 169.º do CPPT o processo de execução fiscal pode ser suspenso no caso de ser apresentado meio contencioso desde que seja prestada garantia. Assim, para que se verifique a suspensão da execução fiscal torna-se indispensável que seja constituída ou prestada garantia, nos termos dos art.ºs 195.º e 199.º do CPPT. Deste modo, de acordo com o disposto no art.º 199.º n.º 2 do CPPT a garantia idónea poderá consistir, mediante concordância da Administração Tributária, em penhor ou hipoteca voluntária. VII. No caso dos autos resulta, entre o mais, do probatório: “Em 22 de Maio de 2023, foi autuado, contra a Reclamante, na Direcção de Finanças de Lisboa, o processo de execução fiscal n.º 3255202301158350, para cobrança coerciva de dívida proveniente de liquidação de IRS, referente ao ano de 2021, no valor total de € 318.390,18” – facto E. “Em 23 de Junho de 2023, foi a Reclamante considerada citada, via CTT, para os termos da execução fiscal” - facto F. “Em 20 de Agosto de 2023, foi a Reclamante considerada notificada, via CTT, nos seguintes termos essenciais (cf. doc. junto a fl. 151 do SITAF): “Em 31 de Agosto de 2023, foi emitido ofício dirigido à Reclamante, com o seguinte teor essencial (cf. doc. junto a fl. 53 do SITAF): (IMAGEM, ORIGINAL NOS AUTOS) VIII Efetivamente, conforme decorre da informação elaborada pelo órgão de execução fiscal, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 277.º CPPT, os pedidos de penhora n.º 325520230000027905, junto do BANKINTER S.A., e o pedido de penhora n.º 325520230000028405, junto ao BACO COMERCIAL PORTUGUES, S.A., foram efetuados antes de decorridos os trinta dias da citação, período durante o qual, a aqui Recorrida, poderia ter apresentado garantia decorrente da notificação formal do plano prestacional. Motivo pelo qual, aqueles montantes cativos seriam suscetíveis de restituição.IX. Todavia, a não suspensão do processo de execução fiscal, por falta de apresentação de garantia – que, ainda assim, pode ser apresentada a qualquer altura, para além dos quinze dias, suspendendo os autos após a sua aceitação expressa – torna possível nova penhora dos montantes cativos, a favor do próprio processo. Importa ter presente que, não obstante a Recorrida ter apresentado garantia e esta ter sido aceite, por se mostrar idónea, o certo é que a mesma apresentava um valor insuficiente para garantir a divida exequenda e acrescidos. Nessa conformidade, foi a aqui Recorrida notificado para reforçar a garantia oferecida. O que nunca logrou fazer. Nem, tampouco, regularizou a sua situação tributária. X. Nessa sequencia e porque o interesse da eficácia da cobrança se afigurou recomendável, o órgão de execução fiscal, nos termos do artigo 195.º CPPT, constitui penhor, sobre os montantes penhorados. Em bom rigor, na situação fática constante dos autos, o que está em apreço não é a quebra do princípio da boa-fé, mas o benefício da execução prévia de que a AT goza, uma vez que os atos jurídico-fiscais depois de notificados aos sujeitos passivos, são capazes de produzir os seus efeitos independentemente da legalidade ou ilegalidade dos mesmos; pois que se assim não fosse, o interesse público seria posto em causa. XI. Como refere em sumário o acórdão proferido pelo STA no processo n.º 0320/15: "I – Os n.ºs 2 e 3 do art.º 36.º da LGT são perentórios ao estabelecer que os elementos essenciais da relação jurídica tributária não podem ser alterados por vontade das partes e que a AT não pode conceder moratórias no pagamento das obrigações tributárias (cfr. Também o n.º 3 do art. 85.º do CPPT), salvo nos casos expressamente previstos na lei. II – A indisponibilidade dos créditos tributários, consagrada no n.º 2 do art. 30.º da LGT («O crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária»), foi reafirmada pelo n.º 3 aditado àquele artigo pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2011), que estipula: «O disposto no número anterior prevalece sobre qualquer legislação especial". XII. Portanto, como decorre do quadro legal, nas situações em que o executado não cumpriu a obrigação de pagamento após o período de pagamento voluntário e, efetivamente não tenha prestado garantia, por via da execução não admitir moras ou paragens, terá que se dar cumprimento à previsão do art.º 215.º do CPPT, procedendo de imediato à penhora, sendo irrelevante que ainda não se tenha esgotado o prazo para discutir a legalidade da dívida quando a mesma não se encontre garantida. A suspensão da execução fiscal apenas pode ter lugar nos casos expressamente previstos na lei - art.º 85.º, n.º3, do CPPT, o que não foi ponderado pela decisão recorrida. XIII. Assim sendo, não se compreende a motivação da sentença recorrida quando afirma que: “A actuação da Administração Tributária com os contornos descritos no probatório deve ter-se, ainda, como violadora dos princípios da justiça material e da boa fé que presidem à actividade administrativa (cf. artigos 266.º da CRP, 8.º e 10.º do CPA e 59.º, n.º 2, da LGT), porque frustra a legítima expectativa de apreciação da pretensão apresentada pela Reclamante, ancorada no princípio da decisão”. XIV. Porquanto, a tutela da confiança no âmbito das situações indicadas implica, no que interessa ao caso dos autos, ter sido criada de modo justificado a expectativa de uma certa conduta na destinatária executada e reclamante, de que poderia a reclamante razoavelmente contar, e tal não resulta da situação dos autos. Com o pedido de prestação de garantia não ficou o órgão da execução fiscal investido desde logo na obrigação de suspensão da execução, nem foram por este praticados atos ou omissões que criassem de modo causal a expectativa da aceitação ou mesmo da suspensão da execução até sua aceitação. XV. A única expectativa justificadamente criada era da decisão do pedido de suspensão da execução mediante a garantia concretamente prestada, em respeito do art. 56º do CPPT, não mais, especialmente quanto ao sentido e conteúdo da decisão a tomar. Nada nos autos revela ter existido uma atuação que tenha criado na executada aqui reclamante a confiança da aceitação ou suspensão da execução, ou que tenha suscitado um investimento de confiança por parte deste, no sentido de que a partir da simples prestação de garantia não seriam praticados no processo atos dirigidos à cobrança da dívida. XVI. Cabe salientar, especialmente, que nenhuma situação de confiança se encontrava já consolidada para que a reclamante se pudesse dela louvar, traduzida, nomeadamente, em atos por parte do órgão de execução fiscal que gerassem na executada/reclamante a convicção da subsequente aceitação da garantia oferecida, conforme o critério estabelecido no artigo 6º-A do CPA. XVII. Estando-lhe vedada, no caso concreto, a suspensão do processo de execução fiscal sem que a garantia prestada se mostre capaz de satisfazer os créditos tributários, o que não acontece no caso concreto se não for atualizado o registo predial do imóvel supra identificado ou reforçada a garantia oferecida. A suspensão da execução nos termos do artigo 169º do CPPT mediante aceitação de uma garantia como idónea nos termos e para os efeitos do artigo 199º do mesmo diploma implica, obviamente, um trabalho de análise adequado e proporcional ao montante da dívida a garantir, em vista a confirmar a idoneidade da garantia oferecida, que a priori não permite qualquer expectativa de que a sua aceitação fosse previsível. XVIII. Face ao exposto, não resta à Fazenda Pública senão concluir, respeitosamente, que a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo e ora objeto de recurso, incorreu em erro de julgamento de direito na interpretação do disposto nos artigos 169.º e 199.º do CPPT. TERMOS EM QUE, CONCEDENDO-SE PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, DEVE A DOUTA SENTENÇA, ORA RECORRIDA, SER REVOGADA, ASSIM SE FAZENDO A COSTUMADA JUSTIÇA!”. * * A Recorrida apresentou contra-alegações não tendo formulado conclusões e peticionando a final seja julgado improcedente o recurso por não provado, mantendo-se a sentença proferida nos autos.* * A Exma. Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu douto parecer, pronunciando-se no sentido da improcedência do recurso.* * Com dispensa de vistos prévios atenta a natureza urgente do processo, vêm os autos à conferência para decisão.* * II- OBJECTO DO RECURSOCumpre, desde já, relevar em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, que as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso. Atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, a questão que importa decidir é saber se a sentença padece de erro de julgamento de direito na interpretação do disposto nos artigos 169.º e 199.º do CPPT, ao ter julgado procedente a reclamação judicial apresentada pela Recorrida contra os atos de penhora dos saldos das contas bancárias. * * O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto: “III. Com interesse para a decisão a proferir, consideram-se provados os factos referidos no ponto I supra e bem assim, os seguintes factos: A. Em 14 de Dezembro de 2022, foi apresentada reclamação graciosa, com o n.° (de procedimento) 3255202204009835, tendo por objecto a liquidação de IRS n.° 2022.015005850181, referente ao ano de 2021, no valor a pagar de € 554.844,50 (cf. doc. junto a fl. 410 do SITAF); B. Em 22 de Fevereiro de 2023, a Reclamante apresentou, via correio registado, no âmbito do procedimento referido na letra anterior, pedido de dispensa de prestação de garantia, nos termos do artigo 170.º do CPT e 52.º, n.º 4, da LGT, com a consequente suspensão do processo de execução, invocando, essencialmente, o seguinte (cf. doc. junto a fl. 379 do SITAF): C. Em 23 de Fevereiro de 2023, foi enviado ao mandatário da Reclamante email com o seguinte teor essencial (cf. ofício junto a fl. 178 do SITAF): “Deu entrada neste SF requerimento remetido a coberto do registo CTT no RH974113993PT solicitando a dispensa de prestação de garantia relativa a IRS de 2021 liquidado em nome de R..., NIF 2.... Da consulta à liquidação 2022 5005850181 verifica-se que a mesma apresenta data limite de pagamento em 21/09/2022 e que a nota de cobrança se encontra "Suspensa Pagamento a Prestações", não se encontrando emitida qualquer certidão de dívida que possa dar origem à instauração de processo de execução fiscal. Em caso de instauração de processo executivo será a contribuinte citada para pagamento sendo indicado o valor da garantia. Nessa data (até 15 dias após a citação) poderá/deverá vir requerer a dispensa da prestação da garantia de modo a obter a suspensão dos atos coercivos que possam decorrer da prossecução do processo após os 30 dias da citação”; D. Em 10 de Abril de 2023, foi interposto recurso hierárquico com o n.° (de procedimento) 3255202310000224, tendo por objecto o indeferimento da reclamação graciosa referida na letra A supra, o qual foi considerado tempestivo e se encontra pendente de decisão (cf. doc. junto a fl. 459 do SITAF); E. Em 22 de Maio de 2023, foi autuado, contra a Reclamante, na Direcção de Finanças de Lisboa, o processo de execução fiscal n.º 3255202301158350, para cobrança coerciva de dívida proveniente de liquidação de IRS, referente ao ano de 2021, no valor total de € 318.390,18 (cf. ofício junto a fl. 151 do SITAF); F. Em 23 de Junho de 2023, foi a Reclamante considerada citada, via CTT, para os termos da execução fiscal (cf. doc. junto a fl. 51 do SITAF); G. Em 19 de Julho de 2023, veio a Reclamante, via ebalcão, solicitar o seguinte (cf. doc. 1 junto com a p. i. a fl. 5 do SITAF e ofício junto a fl. 151 do SITAF): (IMAGEM, ORIGINAL NOS AUTOS) H. Em 21 de Julho de 2023, foi a Reclamante informada, via ebalcão, de que “foi autorizado o plano prestacional nº 3255.2023.23456 - 36 prestações. Relativamente à garantia informa-se que o valor da mesma consta indicado na notificação que será remetida e apresenta o valor de 323.134.97€. Tendo oferecido como garantia um bem imóvel informa-se que o prazo de apresentação da garantia é de 15 dias após a notificação antes referida, devendo ser registada hipoteca voluntária sobre o bem à ordem da Autoridade Tributária e Aduaneira - Serviço de Finanças de Lisboa-10. O valor a considerar garantido será o VPT deduzido de eventuais ónus e encargos. No mesmo prazo e caso a garantia seja insuficiente, poderá apresentar garantias adicionais ou solicitar a sua dispensa parcial, comprovando os seus fundamentos” (idem); I. Em 8 de Agosto de 2023, foi determinada a penhora de valores e rendimentos correspondente ao pedido de penhora n.º 325520230000027905 (cf. doc. junto a fl. 330 do SITAF); J. Em 20 de Agosto de 2023, foi a Reclamante considerada notificada, via CTT, nos seguintes termos essenciais (cf. doc. junto a fl. 151 do SITAF): K. Em 31 de Agosto de 2023, foi emitido ofício dirigido à Reclamante, com o seguinte teor essencial (cf. doc. junto a fl. 53 do SITAF): (IMAGEM, ORIGINAL NOS AUTOS) L. Em 4 de Setembro de 2023, veio a Reclamante requerer, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 37.º do CPPT, “com os efeitos previstos no n.º 2 do citado normativo, respeitosamente, atendendo aos fundamentos omitidos, a notificação da cópia do despacho que determinou a realização da penhora, bem como, dada a natureza receptícia dos atos tributários, cópia da respetiva notificação efetuada e respetivo comprovativo do seu recebimento pelo destinatário e, ainda, a notificação dos demais fundamentos omitidos no que respeita aos atos necessários para que tenha sido proferido o já citado despacho que sustente as ordens de penhora, nomeadamente, pronúncia sobre o pedido de dispensa apresentado” (cf. ofício junto a fl. 172 do SITAF); M. Na mesma data, veio a Reclamante, via ebalcão, requerer o seguinte (cf. Ofício junto a fl. 178 do SITAF): N. Ainda na mesma data, deu entrada em juízo a p. i. da presente reclamação (cf. carimbo aposto na p. i., a fl. 5 do SITAF); O. Em 7 de Setembro de 2023, foi a Reclamante informada, via ebalcão, do seguinte (idem): P. Em 19 de Setembro de 2023, foi a Reclamante considerada notificada, via CTT, da constituição de penhor do direito de crédito no âmbito do PEF (cf. doc. a fl. 53 do SITAF); Q. Por missiva de 21 de Novembro de 2023, do Banco Millennium BCP, foi a Reclamante informada do seguinte (cf. doc. a fl. 304 do SITAF): (IMAGEM, ORIGINAL NOS AUTOS) Com interesse para a decisão a proferir, nada mais se provou. Assenta a convicção do tribunal no exame dos documentos constantes dos autos, atenta a fé que merecem e o facto de não terem sido impugnados e em consulta no SITAF, tal como referido em cada letra do probatório.”. * * * IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO 51 como consta da alínea J) do probatório. Em 21/11/2023 a executada foi notificada da penhora de saldo bancário - cfr. alínea Q) do probatório. Do quadro jurídico acima exposto resulta, tal como foi reconhecido na sentença recorrida, que a existência de um plano de pagamento em prestações não constitui só por si, um facto determinante para a suspensão do processo de execução fiscal e que permita criar legítimas expectativas de que o processo de execução fiscal fique paralisado, sem que sejam desencadeadas penhoras. Por outro lado de acordo com art. 52º da LGT a suspensão da execução fiscal depende sempre da prestação de garantia idónea ou da sua dispensa nos termos legalmente previstos, impedindo que o órgão de execução possa prosseguir a execução fiscal e penhorar o património do executado. Ora, se é certo que o processo de execução fiscal não se suspende caso não esteja constituída garantia idónea para o efeito, como invoca a Recorrente, contudo, atenta a factualidade apurada nos autos, entendemos, tal como decidiu o tribunal a quo, que a atuação da administração tributária configurou violação dos princípios da justiça material e da boa-fé tendo frustrado a legítima expectativa de apreciação da pretensão apresentada pela executada, mais concretamente, o pedido de dispensa de prestação de garantia formulado no âmbito da reclamação graciosa. Na verdade, tendo presente que o processo de execução fiscal visa a cobrança dos créditos tributários de forma célere atenta a finalidade do interesse público na arrecadação da receita para o erário público, não podemos olvidar que a atuação da administração pública deve igualmente respeitar o princípio da boa-fé e na sua vertente de princípio da confiança. “O princípio da boa fé está consagrado no artº 59º, nº 2 da Lei Geral Tributária que pressupõe por parte da administração tributária um dever de atuação segundo a boa fé. A presunção de atuação de boa fé é corolário daquele dever de atuação segundo o princípio da boa fé, que é constitucionalmente imposto a toda a Administração, no n.º 2 do art . 266.° da C.R.P (Dispõe este normativo que os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem atuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé.). Como referem Diogo Leite de Campos, Benjamim da Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, na sua Lei Geral Tributária Anotada, 3ª edição, pag. 278 esta exigência tem um conteúdo de carácter ético, impondo aos intervenientes no procedimento tributário que atuem com lealdade e sinceridade recíprocas no decurso do procedimento tributário, abstendo-se de atuações que possam enganar o outro interveniente, ou ocultando-lhe elementos que possam ter proveito para a defesa das suas posições. Em sintonia com o preceituado no art. 59.° da Lei Geral Tributária, o artº. 48 do Código de Procedimento e Processo Tributário estabelece que a administração tributária esclarecerá os contribuintes e outros obrigados tributários sobre a necessidade de apresentação de declarações, reclamações e petições e a prática de quaisquer outros atos necessários ao exercício dos seus direitos, incluindo a correção dos erros ou omissões manifestas que se observem. Ora a violação pela administração tributária dos deveres procedimentais de colaboração e de atuação segundo as regras da boa fé, pode consistir em vício autónomo de violação de lei. Com efeito a relevância deste princípio não se esgota nos atos praticados no exercício de poderes discricionários, tendo vindo a ser colocada a da possibilidade da sua aplicação em caso de atos praticados no exercício de poderes vinculados. (…) na densificação do referido princípio da atividade administrativa relevam sobretudo dois subprincípios concretizadores da boa fé: o princípio da primazia da materialidade subjacente e o princípio da tutela da confiança (vide, neste sentido, Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos, Direito Administrativo Geral, Tomo I, 3ª edição, pag. 221). Dos dois subprincípios citados é o princípio da tutela da confiança, que adquire especial relevância no caso subjudice. Visa o mesmo salvaguardar os sujeitos jurídicos contra atuações injustificadamente imprevisíveis daqueles com quem se relacionem. É a isto que o artº 6º A, 2 a) do CPA se refere quando afirma que se deve ponderar «a confiança suscitada na contraparte pela actuação em causa» - ob. citada, fls. 222. Por outro lado a tutela da confiança pressupõe a verificação de diversas circunstâncias: «primeiro uma atuação de um sujeito de direito que crie a confiança, quer na manutenção de uma situação jurídica, quer na adoção de outra conduta; segunda, uma situação de confiança justificada do destinatário da atuação de outrem (…..); terceiro, a efetivação de um investimento de confiança, isto é, o desenvolvimento de ações ou omissões, que podem não ter tradução patrimonial, na base da situação de confiança; quarto o nexo de causalidade entre a atuação geradora de confiança e a situação de confiança, por um lado e entre a situação de confiança e o investimento de confiança, por outro; quinto a frustração da confiança por parte do sujeito jurídico que a criou»- cf. ob. citada, fls. 222 e 223.”. (cfr. Acórdão do STA de 21/09/2011 – proc 0753/11). Entendemos que no caso em apreço a atuação da administração tributária configura violação do princípio da boa-fé pelos motivos aduzidos na sentença recorrida e na sua vertente de princípio da confiança porquanto resulta da matéria assente dos presentes autos que os pedidos de penhora junto das instituições bancárias foram efetuados antes de decorridos os trinta dias da citação, estando ainda a decorrer o prazo em que a Recorrida poderia ter apresentado garantia decorrente da notificação formal do plano prestacional, como aliás, a Recorrente reconhece na conclusão VIII das suas alegações. Em face do exposto entendemos ser de negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida por não padecer do alegado erro de julgamento. Da condenação em custas Nas causas de valor superior a € 275.000,00 a regra continua a ser o pagamento integral da taxa de justiça resultante da aplicação dos critérios legais, assumindo natureza excecional a dispensa, pelo juiz, de pagamento do remanescente da taxa de justiça ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais. Tal dispensa – total ou parcial – só deverá ocorrer em situações de manifesto desequilíbrio entre o montante a pagar e a atividade desenvolvida pelo tribunal, o que se entende verificar. Como tal, ponderando, a complexidade da matéria jurídica e o número de questões colocadas e, atendendo à lisura da conduta das partes e ao valor do processo, que é de € 318.390,18, justifica-se a dispensa total de pagamento do remanescente de taxa de justiça. * * Nos termos expostos, acordam os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida. Custas pela Recorrente, com dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça. Lisboa, 6 de fevereiro de 2025 Luisa Soares Isabel Vaz Fernandes Susana Barreto |