Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:03579/09
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:05/12/2010
Relator:EUGÉNIO SEQUEIRA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
TARIFA DE CONSERVAÇÃO DE ESGOTOS
CONTRADIÇÃO
ISENÇÃO
Sumário:1. Não pode existir contradição entre os fundamentos e a decisão alcançada na sentença, quando a mesma é feita reportar não a quaisquer factos constantes da sua base factual em que a mesma tenha assentado, mas sim à sua falta, o que a acontecer antes incorreria a mesma em errado julgamento da matéria de facto;
2. Conceitualmente as tarifas não constituem uma categoria autónoma de imposições existentes entre o imposto e a taxa, mas antes uma das modalidades de taxas previstas pelo legislador ordinário em que fixou alguns pressupostos distintos e específicos do seu regime relativamente às demais taxas;
3. A entidade religiosa católica que, ao abrigo da Concordata, beneficiava da isenção de impostos e de taxas relativos aos edifícios e lugares onde exerce o seu culto, no ano de 2000, beneficia também da isenção da tarifa de conservação de esgotos.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário(2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:


A. O Relatório.
1. A Câmara Municipal de Sintra, identificada nos autos, dizendo-se inconformada com a sentença proferida pela M. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra - 2.ª Unidade Orgânica - que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por Fábrica da Igreja do A..., veio da mesma recorrer para este Tribunal formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem:


1. Por decisão proferida no dia 16 de Julho de 2009, a fls. 119 e segs. dos autos. foi julgada procedente a impugnação e anulada a liquidação da tarifa de conservação de esgotos relativa ao ano de 2000.
2. Ali se considerou que a recorrida encontra-se isenta do pagamento da tarifa de conservação de esgotos, por referencia ao disposto no artigo VIII da concordata de 7 de Maio de 1940 celebrada entre o Estado Português e a Santa Sé, bem como que em causa está a exigência do pagamento de uma verdadeira taxa.
3. Considera-se que a base probatória da sentença em crise não sustenta a consideração de que a recorrida está isenta do pagamento daquela tarifa, porque não foi feita prova da sua natureza jurídica, da propriedade sobre o imóvel taxado, ou de que administra esse mesmo imóvel, nem de que aquele esteja afecto ao culto.
4. Ao julgar verificado a isenção sem assentar em qualquer facto da base instrutória há contradição entre os meios de prova que fundamentam a decisão e a decisão em recurso.
5. Considera-se que a recorrida não se encontra isenta do pagamento das tarifas de conservação de esgotos por se considerar que se trata de uma figura distinta da taxa, porque representa a contra partida por um bem público que se traduz na conservação da rede de esgotos que está instalada e à qual o prédio está ligado.
6. São os proprietários do prédio quem retira vantagem directa do facto de os seus prédios disporem de rede geral de esgotos em bom estado de conservação e manutenção, o que os valoriza pela comodidade que proporcionam, quer sejam habitados pelos próprios quer seja arrendados, quer façam muito ou pouco uso da rede. Daí a relevância do seu valor patrimonial como base tributável desta tarifa.
7. Entende-se que a tarifa é figura distinta da taxa até porque o regime das Finanças locais no que respeita a isenções relativas às receitas típicas das Autarquias tem tido uma evolução no sentido da restrição dessas mesmas isenções, uma vez que depois do D.L. 98/84, estabelece-se que o Estado e os seus Institutos e organismos autónomos personalizados estão isentos do pagamento de todas as taxas devidas às autarquias locais, veio a lei 1/87 estabelecer que relativamente a alguns tributos não ocorria essa isenção, situação que a lei 42/98 manteve e até alargou a alguns casos, cfr. art.º 33.º n.º 2.
8. Na medida em que aquela disposição apenas se aplica ao Estado e seus institutos e organismos autónomos personalizados, inexiste previsão de quaisquer isenções quanto a quaisquer outras entidades ali não mencionadas, pelo que são devidos todos os impostos, emolumentos, taxas e encargos de mais valias devidas aos municípios e freguesias.
9. A lei das Finanças locais também distingue a taxa da tarifa, nomeadamente quanto à competência para a criação das tarifas, esta entendida como receita de direito privado contratualmente paga pela utilização de bens semi-públicos ou o preço contratualmente fixado de tal ocupação, com carácter marcadamente civil.
9. O regulamento de Drenagem de Águas Residuais dos SMAS de Sintra, onde se encontra prevista a tarifa de conservação de esgotos (art.º 26.º) não prevê qualquer isenção para esse pagamento.
10. Conclui a recorrente que o pagamento da tarifa de conservação de esgotos por parte da ora recorrida é devido, não se encontrando aquela isenta do mesmo.
11. A decisão recorrida assenta portanto, em pressupostos de facto errados, violando o disposto nos art.º 668.º 1. c) do CPC, art.º 33.º da Lei 42/98 e art.º 26.º do Regulamento de Drenagem de Aguas residuais dos SMAS de Sintra, pelo que deverá ser revogada, com as legais consequências.

NESTES TERMOS E DEMAIS DE DIREITO QUE V. EXAS. DOUTAMENTE SUPRIRÃO, DEVE:
O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE POR PROVADO COM AS LEGAIS CONSEQUÊNCIAS.


Foi admitido o recurso para subir imediatamente, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.


A Exma Representante do Ministério Público (RMP), junto deste Tribunal, no seu parecer, pronuncia-se por ser negado provimento ao recurso, por as normas da Concordata serem anteriores às invocadas pela recorrente como não concedendo tais isenções, pelo que são aquelas e não estas que logram aplicação no caso.


Foram colhidos os vistos dos Exmos Adjuntos.


B. A fundamentação.
2. A questão decidenda. São as seguintes as questões a decidir: Se a sentença recorrida padece do vício formal de contradição entre os seus fundamentos e a decisão alcançada, conducente à declaração da sua nulidade; E não padecendo, se a ora recorrida beneficia da isenção da tarifa de conservação de esgotos, relativamente a prédio utilizado no seu culto, no ano de 2000.


3. A matéria de facto.
Em sede de probatório a M. Juiz do Tribunal “a quo” fixou a seguinte factualidade, a qual igualmente na íntegra se reproduz:
a) Com data limite de pagamento em 29 de Setembro de 2000, foi emitida a factura n° 097365, pelos Serviços Municipalizados de Agua e Saneamento de Sintra, em nome da
ora Impugnante, Fábrica da Igreja do A..., relativa à 1ª prestação da tarifa de conservação de esgotos do ano 2000, respeitante ao prédio urbano identificado com o Artigo 07524 - Cfr. documento a fls. 8, o qual se dá por integralmente reproduzido;
b) Com data limite de pagamento em 30 de Novembro de 2000, foi emitida a factura nº 097365, pelos Serviços Municipalizados de Agua e Saneamento de Sintra, em nome da
ora Impugnante, Fábrica da Igreja do A..., relativa à 2ª prestação da tarifa de conservação de esgotos do ano 2000, respeitante ao prédio
urbano identificado com o Artigo 07524 - Cfr. documento a fls. 9, o qual se dá por integralmente reproduzido;
c) Na sequência de reclamação graciosa deduzida pela ora Impugnante relativamente à liquidação de tarifa de conservação de esgotos referida em a) e b), em 12 de Junho de
2001, foi aquela notificada da decisão de indeferimento que recaiu sobre o pedido formulado - Cfr. documentos a fls. 109 a 112;
d) Em 25 de Junho de 2000 deu entrada a presente Impugnação Judicial- Cfr. carimbo aposto na p.i. a fls. 50.
*
Inexistem factos alegados, relevantes para a decisão, que não tenham sido provados.


4. Na matéria das suas conclusões 1. a 4., veio o ora recorrente imputar à sentença recorrida o vício formal de contradição entre os seus fundamentos e a decisão alcançada, a existir, conducente à declaração da sua nulidade – embora a final se “tenha esquecido” de formular o correspondente pedido, já que apenas peticiona deve o presente recurso ser julgado procedente por provado com as legais consequências - porque o mesmo a ocorrer gerar, na realidade, a nulidade desta, nos termos do disposto nos art.ºs 668.º n.º1 alínea c), do Código de Processo Civil (CPC), 144.º do Código de Processo Tributário (CPT), e hoje do art.º 125.º do CPPT, importa por isso conhecer em primeiro lugar, desta invocada nulidade.

A eventual contradição apontada pela ora recorrente entre a decisão da sentença recorrida, sem assentar em qualquer facto provado na base instrutória nesta fixada, não pode conduzir a este vício formal, porque neste, a ser assim, então o que aconteceria era que a sentença recorrida padecia de erro de julgamento sobre a matéria de facto, já que, na sua tese, o juiz deixaria de ter dado cumprimento ao disposto nos art.ºs 123.º, n.º2 do CPPT e 511.º, n.º1 do CPC, ou seja, deixaria de ter feito consignar no probatório dessa sentença a matéria de facto relevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, designadamente sobre a solução que concretamente veio a adoptar, sendo assim manifesto que não pode ocorrer tal vício formal na sentença recorrida, já que não pode ocorrer oposição entre não factos fixados nesse probatório e a decisão alcançada.

A contradição entre os fundamentos da sentença e a respectiva decisão, a existir, constituiria causa de nulidade da sentença subsumível às normas dos art.ºs 144.º do CPT, hoje 125.º n.º1 do CPPT e 668.º n.º1 c) do CPC - Quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão - conducente à declaração da sua nulidade.

Entende a mais autorizada doutrina (v. Prof. J. A. Reis, CPC Anotado, Vol. V, pág. 141 e A Varela, J. M. Bezerra e Sampaio e Nora, CPC Anotado, pág. 686) que este vício afecta a estrutura lógica da sentença, por contradição entre as suas premissas, de facto e de direito, e a conclusão - os fundamentos invocados pelo juiz não conduziriam ao resultado expresso na decisão; conduziriam logicamente, isso sim, a resultado oposto. Ou seja, existe aqui um vício real no raciocínio do julgador, uma real contradição entre os fundamentos e a decisão que se analisa em que a fundamentação aponta num determinado sentido e a decisão segue caminho oposto, ou, pelo menos, direcção diferente.

Da fundamentação da sentença efectuada pela M. Juiz do Tribunal "a quo" se vê, claramente, que não ocorre o apontado erro entre essa fundamentação, como sua premissa, e a sua conclusão, já que considerou que a ora recorrida goza da isenção de todas as contribuições e taxas, e que nestas se encontram englobadas as tarifas, que não constitui propriamente uma categoria autónoma ao lado das taxas, pelo que a solução a alcançar só poderia ser o de julgar procedente a impugnação com a anulação da taxa em causa, por ilegal, recoberta que se encontrava por tal isenção, surgindo assim a conclusão, como a sua causa lógica, coerente, congruente e necessária, de tal esteio em que se ancora, ou seja, a decisão, mais não é do que a conclusão a extrair dessas invocadas premissas, não podendo a sentença recorrida incorrer no invocado vício formal de contradição entre os seus fundamentos e a decisão alcançada.


Improcede assim o invocado vício assacado à sentença recorrida, de oposição entre os seus fundamentos e a decisão.


4.1. Para julgar procedente a impugnação judicial deduzida considerou a M. Juiz do Tribunal “a quo”, em síntese, que nos termos do art.º VIII da Concordata celebrada entre o Estado Português e a Santa Sé, de 7 de Maio de 1940, a impugnante goza da isenção de quaisquer impostos, estaduais ou autárquicos, englobando não só os templos como os seus edifícios e os objectos neles contidos, o que engloba, igualmente as taxas, onde as tarifas se encerram, que mais não é do uma modalidade especial de taxa, citando diversa jurisprudência que no mesmo sentido tem decidido.

Para a recorrente, de acordo com a matéria das restantes conclusões do recurso e que delimitam o seu objecto, continua a pugnar que a tarifa é uma figura conceitualmente distinta da taxa e que nesta se não engloba, pelo que a ora recorrida não confere o direito à isenção daquela.

Como bem se fundamenta na sentença recorrida, as tarifas mais não são do que uma modalidade especial de taxa, não constituindo um tertium genus entre o imposto e a taxa, não tendo verdadeira autonomia conceitual, concretizando-se, afinal, por não dever ser inferior ao preço do serviço prestado, no que se diferenciam ou distinguem das comuns taxas, em que não existe esta limitação a observar na sua quantificação, como se pode ver das normas dos art.ºs 11.º e 12.º, n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 1/87, de 6 de Janeiro e 19.º e 20.º, n.ºs 1 e 3 da Lei n.º 42/98, de 6 de Agosto, que revogou aquela primeira pela norma do seu art.º 36.º, n.º1.

É que a tarifa de conservação de esgotos continua a ser uma prestação pecuniária imposta coactiva ou autoritariamente pelo Estado ou outro ente público, sem carácter sancionatório, aos proprietários dos prédios como rede de saneamento ligada ao saneamento público, por uma utilização individualizada pelo contribuinte dessa rede, solicitada ou não, de bens públicos ou semi-públicos, desta forma comungando de todos os requisitos que podemos apreender em quaisquer taxas.

Também ao nível da jurisprudência dos nossos tribunais superiores, é já antiga a jurisprudência que vem qualificando como de verdadeiras taxas tais tarifas de conservação de esgotos, alguns deles citados pela M. Juiz do Tribunal “a quo”, na sentença recorrida, como se pode colher dos acórdãos publicados na CTF, n.º 383, a pág. 293 e segs, no BMJ n.º 4449, pág. 471 e no Apêndice ao Diário da República de 31.7.1997, pág. 942 e segs.
Jurisprudência que se manteve nos Acórdãos do STA de 22.5.2002, recurso, 26.472, de 9.10.2002, recurso n.º 793/02(1) e de 31.3.2004, recurso n.º 1921/03-30 e foi continuada nos mais recentes acórdãos do mesmo Tribunal de 15.11.2006 e 22.11.2006, recursos n.ºs 566/06 e 803/06-30, respectivamente, a propósito, igualmente, de tarifas de conservação de esgotos, ainda que da cidade de Lisboa.

Também o Tribunal Constitucional no seu acórdão n.º 76/88, de 7.4.1988 (Plenário), publicado no BMJ n.º 376, pág. 179 e segs, igualmente citado na sentença recorrida, manteve este entendimento acerca das tarifas que, embora ao nível da lei ordinária, possam ter significação própria, não relevam, porém, numa perspectiva constitucional, como categoria tributária autónoma. Nesta óptica, elas constituem apenas uma modalidade especial de taxa e nada mais, cuja especial configuração lhes advém apenas da particular natureza dos serviços a que se encontra ligada.

Também a Procuradoria Geral da República nos seus pareceres de 18.4.1985 e de 11.3.1988, publicados no DR, II Série, de 2.10.1985 e de 8.9.1988, respectivamente, sufragou igual entendimento quanto à natureza das tarifas, pelo que podemos afirmar, que tal qualificação das tarifas como de verdadeiras taxas, assume uma feição que reúne a concordância, senão mesmo a unanimidade de todos estes órgãos de interpretação e de aplicação do direito, onde se não conhece posição contrária, o que desde logo apelaria a que este Tribunal também secundasse tal posição, por força do disposto no art.º 8.º, n.º3 do Código Civil, sendo que tal dever se coloca particularmente em relação aos tribunais de grau hierárquico inferior relativamente às decisões proferidas pelos tribunais de grau hierárquico superior, tendo em vista obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito.

Por outro lado, sobreveio a Lei Geral Tributária (LGT), aprovada que foi pelo art.º 1.º do Dec-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro, e com entrada em vigor em 1.1.1999, por força do seu art.º 6.º, onde, veio classificar os tributos em impostos, taxas e contribuições especiais, sem autonomizar as tarifas ou a elas se referir sequer – seu art.º 3.º - e quanto aos pressupostos das taxas – seu art.º 4.º, n.º2, veio dispor que estas assentam na prestação concreta de um serviço público, na utilização de um bem do domínio público ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares, ou seja reconduzindo as mesmas à noção tradicional de há muito aceite pela doutrina e pela jurisprudência, onde nelas se enquadram as tarifas, que apenas divergem das comuns taxas por apenas se poderem reportar às actividades mencionadas nas alíneas a) a e) do n.º1 do art.º 20.º da citada Lei n.º 42/98, e não deverem, em princípio, as contraprestações a fixar, serem inferiores aos custos directa e indirectamente suportados com o fornecimento dos bens e com a prestação dos serviços, limitação que quanto às taxas em geral, inexiste, ainda que todas elas se encontrem, desde logo por força constitucional da norma do art.º 266.º, n.º2, sujeitas a parâmetros de igualdade, proporcionalidade, justiça, imparcialidade e boa fé.

Também o facto de a norma do art.º 33.º da citada Lei n.º 42/98, de 6 de Agosto, ter vindo regular as isenções subjectivas do Estado e de outros entes públicos, que lhas concedeu quanto aos impostos e taxas e outros encargos, mas delas ressalvou as tarifas e os preços referidos no art.º 20.º, nenhum contributo pode trazer para considerar revogada a isenção de taxas quanto à ora recorrida, já que tal norma apenas veio regular tal isenção subjectiva de impostos e taxas quanto ao Estado e a outros entes públicos, nada tendo vindo dispor quanto às isenções concedidas por outras leis quanto a outros entes ou quanto às isenções objectivas, e nem mesmo veio revogar todas as normas em contrário quanto às isenções aqui não previstas, como é típico da hermenêutica legislativa sempre que o legislador quer revogar todas as disposições em contrário não previstas neste diploma, o que se tem de entender que sobre elas nada pretendeu legislar, tendo em conta o disposto no art.º 9.º, n.º3, do Código Civil, desta forma continuando a existir todas as isenções fixadas por leis anteriores e sobre as quais nada foi legislado – cfr. art.º 7.º, n.ºs 1 e 2 do Código Civil.

Na matéria da sua conclusão 3. parece ainda que a recorrente pretende dissentir da sentença recorrida por esta não ter chegado a apreciar os pressupostos positivos para que a ora recorrida conferisse tal direito à isenção da tarifa impugnada, como seja quanto à propriedade do imóvel, de quem o administra ou que aquele se encontre afecto ao culto, sendo que, legalmente, só os bens pertença das entidades religiosas ou por elas administradas e destinados ao culto (religioso) beneficiam dessa isenção.

Porém, como bem se pronuncia a Exma RMP, junto deste tribunal, no seu parecer, essa foi uma questão que a ora recorrente jamais colocou em causa ao longo destes autos, designadamente na informação relativa à reclamação graciosa sobre esta tarifa apresentada, constante de fls 33/34 dos autos, bem como na deliberação da mesma cuja cópia consta de fls 38 e segs, em que foi deliberada a aprovação do parecer no sentido de indeferir a reclamação e de manter a liquidação, nem na contestação oportunamente apresentada pela ora recorrente, bem como não foi tratada na sentença recorrida, sendo por isso uma questão insusceptível de ser conhecida ex novo no presente recurso por também não ser de conhecimento oficioso por parte deste Tribunal.

Como é sabido, face à nossa lei, os recursos são meios de obter a reforma de sentença injusta, de sentença inquinada de vício substancial ou de erro de julgamento. O recurso opera através de um novo exame da causa, por parte de ordem jurisdicional hierarquicamente superior – cfr. CPC Anotado, do Professor Alberto dos Reis, Volume V (Reimpressão), pág. 211 e segs.
Em sede do recurso apenas podem ser considerados como factos novos, aqueles que dispensam a alegação das partes. É o caso dos factos de conhecimento oficioso e funcional (art.º 514.º n.º2) e dos factos notórios (art.º 514.º n.º1), ambos do CPC(2).
É da essência dos recursos modificar as decisões recorridas e não criar decisões sobre matérias novas ou seja, invocar-se fundamentos que não tenham sido abordados na decisão recorrida, cfr. Acórdão do STA de 20.1.1988,recurso n.º 4 706, entre muitos outros.

Invoca também a ora recorrente, que a norma do art.º 26.º do Regulamento de Drenagem de Águas Residuais dos SMAS de Sintra não prevê qualquer isenção dessa tarifa a favor da ora recorrida, o que não pode deixar de irrelevar desde logo face ao princípio da preferência ou preeminência da lei, afirmado no art.º 112.º, n.º5 da CRP, que não permite que os regulamentos contrariem actos legislativos ou equiparados, proibindo os regulamentos interpretativos, modificativos, suspensivos ou revogatórios das leis, pelo que as normas de tal regulamento jamais podem ter primazia na sua aplicação em detrimento da citada norma da Concordata que tal isenção prevê, como acima se analisou e concluiu.


Improcedem assim todas as conclusões das alegações do recurso, sendo de lhe negar provimento e de confirmar a sentença recorrida que no mesmo sentido decidiu.


C. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se, em negar provimento ao recurso e em confirmar a sentença recorrida.


Sem custas, por força da isenção de que então gozava a recorrente.


Lisboa, 12/05/2010
EUGÉNIO SEQUEIRA
ROGÉRIO MARTINS
LUCAS MARTINS


1-Recurso este em que a ora recorrente também era parte e igualmente pugnava pela não isenção da tarifa de conservação de esgotos, no caso, à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.
2- Cfr. neste sentido, Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o novo Processo Civil, 2.ª Edição, LEX 1997, pág. 454.