Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 866/20.8BELRA |
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Secção: | CT |
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Data do Acordão: | 07/15/2025 |
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Relator: | LUÍSA SOARES |
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Descritores: | OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO MANDATO JUSTO IMPEDIMENTO |
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Sumário: | ![]() |
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Indicações Eventuais: | Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | I – RELATÓRIO Vem D… interpor recurso jurisdicional da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, que determinou a extinção da instância por falta de constituição de mandatário na oposição à execução fiscal nº 1970201701092898 instaurado contra a sociedade devedora originária I…-Indústria de Licores, Lda., para cobrança da dívida exequenda no montante de € 10.297,03. A Recorrente, nas suas alegações, formulou conclusões nos seguintes termos: “A. O presente recurso vem interposto da Sentença proferida pelo Douto Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, na parte em que julgou extinta a instância devido ao incumprimento, pela RECORRENTE, do prazo para juntar ao processo um novo mandato, na sequência da revogação do mandato pelos anteriores mandatários. B. A RECORRENTE entende que mal andou o Tribunal a quo ao proferir tal decisão, discordando da Sentença Recorrida quanto à matéria de facto, cuja incompletude conduziu a essa decisão. C. Na verdade, a RECORRENTE estava impossibilitada, por motivos de saúde, de diligenciar a celebração de um novo mandato. D. Com efeito, a RECORRENTE não estava num estado de saúde que lhe permitisse tomar uma decisão com clareza e segurança, não lhe tendo sido possível comparecer a reuniões ou praticar quaisquer outros atos que lhe garantissem uma conduta processual atempada. E. Ademais, as relações entre os advogados e clientes regem-se pelo princípio da confiança, pelo que a celebração de um mandato não constitui uma escolha banal ou simples do dia-a-dia. F. Assim que lhe foi possível, a RECORRENTE encontrou novos mandatários, que juntaram devidamente a procuração ao processo e assumiram a responsabilidade sobre o caso. G. Entende a RECORRENTE que, face à prova oferecida e à ausência de culpa ou negligência da sua parte, a instância não deve ser extinta, devendo o processo seguir os seus termos até que seja proferida uma decisão de mérito. H. Face à factualidade subjacente, a diligência na atuação da RECORRENTE está em conformidade com a que seria esperada de um bom pai de família, não lhe sendo exigível que tivesse adotado outro comportamento. I. A interpretação de que, mesmo com a prova oferecida pela RECORRENTE, a instância deve ser extinta acarreta uma lesão excessivamente gravosa dos direitos da ora Recorrente, que será responsabilizada por uma dívida pela qual — caso o tribunal se pronunciasse sobre o mérito — se verificaria que nem sequer seria subsidiariamente responsável, sendo essa, inclusive, a opinião emitida Ministério Público no seu Parecer. J. Tal interpretação não pode deixar de ser considerada uma violação do princípio da proporcionalidade, previsto no artigo 18.º, n.º 2, da CRP. K. O interesse público da arrecadação de impostos não pode sobrepor-se às garantias dos contribuintes, nem à proibição do confisco, especialmente num caso em que a RECORRENTE jamais seria responsável pelo pagamento da dívida em crise. L. Finalmente, a extinção da instância sem pronúncia sobre o mérito da causa, quando existiu um impedimento legítimo no caso concreto, configura uma violação do princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva, previsto nos artigos 20.º, n.º 1 e 268.º, n.º 4, ambos da CRP. IV. PEDIDO Nestes termos, e com o douto suprimento de V. Ex.ªs, ao presente recurso deve ser concedido integral provimento, com todas as consequências legais, designadamente, revogando-se a Sentença proferida pelo Tribunal a quo que determinou a extinção da instância, por erro de julgamento, tudo com as devidas consequências legais e por ser da mais elementar Justiça.”. * * A Recorrida não apresentou contra-alegações.* * O Exmº. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso, defendendo ainda a convolação das alegações de recurso em requerimento de justo impedimento a ser apreciado pelo tribunal recorrido.* * Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão. II – DO OBJECTO DO RECURSO O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações (cfr. artigo 635°, n.° 4 e artigo 639°, n.°s 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente. Assim, delimitado o objeto do recurso pelas conclusões das alegações da Recorrente, cumpre decidir se a sentença recorrida padece de erro de julgamento ao ter determinado a extinção da instância por falta de constituição de mandatário. III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Ao abrigo do art. 662º do CPC, por se encontrarem provados documentalmente, e poderem relevar para a decisão da causa, fixam-se os seguintes factos: A) Por requerimento apresentado em 25/07/2024, os mandatários vieram renunciar ao mandato que lhes foi conferido por D…., no âmbito dos presentes autos, (cfr. Processo (77812) Requerimento (Comprovativo Entrega) (005475180) Pág. 1 de 25/07/2024 17:32:05 e Processo (77812) Requerimento (005475179) Pág. 1 de 25/07/2024 17:32:05) B) Por ofício de 26/07/2024, foi a oponente notificada da renúncia dos seus mandatários e de que “Sendo obrigatória a constituição de mandatário, deverá, no prazo de 20 dias, constituir novo mandatário, - , n.ºs 1 e 2 do art.º 11.º do Código do Processo nos Tribunais Administrativos e n.º 3 art.º 47.º do Código de Processo Civil”, (cfr. Processo (77812) Notificação - Renúncia do mandato (005475182) Pág. 1 de 26/07/2024 11:29:35) C) A oponente foi notificada em 31/07/2024, conforme A.R. assinado pela mesma, (cfr. Processo (77812) Comprovativo AR (005475184) Pág. 1 de 07/08/2024 19:05:16). D) Em 18/10/2024, após notificação da sentença, veio a oponente juntar procuração forense, (cfr. Processo (77812) Requerimento (Comprovativo Entrega) (005475194) Pág. 1 de 18/10/2024 19:48:58; Processo (77812) Requerimento (005475192) Pág. 1 de 18/10/2024 19:48:58, Processo (77812) Procuração (005475193) Pág. 1 de 18/10/2024 19:48:58) E) Em sede de recurso, a recorrente junta um “Atestado de Doença” datado de 30 de Outubro de 2024, onde consta que “por motivos de doença, não lhe foi possível sair de casa de 26 de agosto a 14 de outubro de 2024”, (cfr. Processo (77812) Documento(s) (005475196) Pág. 1 de 31/10/2024 18:58:05). ** IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITOA decisão ora recorrida tem o seguinte teor: “(…) Por requerimento a fls. 148 dos autos, os Exmos. Advogados subscritores da petição inicial da presente Oposição vieram renunciar ao mandato que lhes foi conferido pela Oponente. Regularmente notificada a Oponente por carta registada com aviso de receção, com advertência expressa para o disposto no artigo 47.º do Código de Processo Civil (CPC), silenciou, nada vindo informar, requerer ou juntar aos autos. Ora, nos termos do disposto no artigo 6.º do CPPT é obrigatória a constituição de mandatário nos tribunais tributários, nos termos previstos das disposições conjugadas do artigo 11.º, n.º 1 do CPTA, artigo 40.º do CPC, artigo 6.º, nº 1 e 3 do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) e artigo 44.º n.º 1 da Lei da Organização do Sistema Judiciário (Lei n.º 62/2013 de 26 de agosto), nas causas de valor superior à alçada (€ 5.000,00). Os presentes autos, atento o valor de € 10.297,03 atribuído na petição inicial, e face ao sobredito artigo 6.º do CPPT, são de patrocínio obrigatório. Nos termos do artigo 47.º, n.º 3, alínea c) do CPC, aplicável ex vi do artigo 2.º, alínea e) do CPPT, nos casos em que seja obrigatória a constituição de advogado, se a parte depois de notificada da renúncia não constituir novo mandatário no prazo de vinte dias extingue-se o procedimento ou incidente se a falta for do opoente. Com efeito, o processo de execução fiscal constitui um meio processual tributário absolutamente tipificado na lei, autónomo à execução, ainda que funcione na pendência deste, igualmente como oposição ou contestação à execução, de modo paralelo ao disposto no artigo 728.º e seguintes do CPC (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 9 de julho de 2003, Proc. nº 922/03 e veja-se igualmente Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário, vol. III, 2011, pág. 428). Como se deixou expresso no sumário do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 26/05/2022 (processo n.º 661/15.1 BEALM), disponível em www.dgsi.pt, “No processo de oposição à execução, em que seja obrigatória a constituição de advogado, se a parte depois de notificada, não constituir novo mandatário no prazo de 20 dias, extingue-se a instância nos termos da alínea c) do nº 3 do art. 47º do CPC, aplicável ex vi da alínea e) do art. 2º do CPPT.”. Em face do exposto, não tendo a Oponente constituído mandatário na sequência da notificação que lhe foi dirigida e sendo a sua constituição obrigatória, ao abrigo do disposto no artigo 47.º, n.º 3, alínea c) do CPC, aplicável ex vi do artigo 2.º, alínea e) do CPPT, impõe-se a extinção da presente instância, conforme se determinará de seguida. ** Nos termos expostos e nos das disposições legais citadas, julgo extinta a presente instância, por falta de constituição de mandatário, nos termos do artigo 47.º, n.º 3, alínea c) do CPC, ex vi do artigo 2.º alínea e) do CPPT, com as demais consequências legais.”.Dissente do assim decidido vem a Recorrente invocar que, face ao seu estado de saúde e assim que lhe foi possível encontrar novos mandatários procedeu à junção da respetiva procuração ao processo. A Recorrente faz apelo ao justo impedimento invocando a sua ausência de culpa ou negligência, defendendo que a instância não deve ser extinta, prosseguindo o processo até que seja proferida uma decisão de mérito. Atendendo à similitude das conclusões ora apresentadas, seguiremos de perto o que foi decidido no Acórdão proferido por este Tribunal em 26/06/2025, no processo nº 188/20.4BELRA, referente à mesma Recorrente, subscrito pela ora relatora na qualidade de 2ª adjunta e que passamos de seguida a transcrever com as necessárias adaptações: “Inconformada, veio a oponente interpor recurso da referida decisão alegando que andou mal o Tribunal a quo ao proferir tal decisão, discordando da sentença recorrida quanto à matéria de facto cuja incompletude conduziu a essa decisão. Embora a recorrente venha alegar a “incompletude” da matéria de facto da decisão, a realidade é que não diz de que forma a mesma ficaria completa. Se se refere à sua alegação de que não estava num estado de saúde que lhe permitisse tomar uma decisão com clareza e segurança, não seria possível levar tal facto ao probatório porque à data em que foi proferida a sentença, a oponente, ora recorrente nada tinha junto ou respondido à notificação de renúncia de mandato que lhe foi feita. Os factos alegados no presente recurso são posteriores à sentença, pelo que improcede o invocado quanto à matéria de facto. Alega, também, a recorrente que assim que lhe foi possível, encontrou novos mandatários que juntaram a devida procuração ao processo e assumiram a responsabilidade do caso. Entende que face à prova oferecida e à ausência de culpa ou negligência da sua parte, a instância não deve ser extinta, devendo o processo seguir os seus termos até que seja proferida uma decisão de mérito. A recorrente vem fazer apelo ao justo impedimento. Mas, adianta-se desde já, sem razão. Dispõe o art. 140º do CPC: 1 - Considera-se «justo impedimento» o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários que obste à prática atempada do ato. 2 - A parte que alegar o justo impedimento oferece logo a respetiva prova; o juiz, ouvida a parte contrária, admite o requerente a praticar o ato fora do prazo se julgar verificado o impedimento e reconhecer que a parte se apresentou a requerer logo que ele cessou. 3 - É do conhecimento oficioso a verificação do impedimento quando o evento a que se refere o n.º 1 constitua facto notório, nos termos do n.º 1 do artigo 412.º, e seja previsível a impossibilidade da prática do ato dentro do prazo. Aqui chegados, vejamos. Conforme os factos ora fixados no probatório, por ofício de 26/07/2024, foi a oponente notificada da renúncia dos seus mandatários e de que “Sendo obrigatória a constituição de mandatário, deverá, no prazo de 20 dias, constituir novo mandatário , n.ºs 1 e 2 do art.º 11.º do Código do Processo nos Tribunais Administrativos e n.º 3 art.º 47.º do Código de Processo Civil”. A oponente foi notificada em 31/07/2024, conforme aviso de recepção assinado pela mesma, pelo que nessa data, e segundo a informação constante do “Atestado de Doença”, a recorrente ainda não se encontrava doente nem impedida de sair de casa, o que só veio a acontecer de 26 de Agosto a 14 de Outubro de 2024. Perante a factualidade descrita, forçoso é concluir que a oponente só ficou doente quase um (1) mês depois de ter sido notificada para constituir novos mandatários. Ora, em todo esse período de tempo, a recorrente nada veio juntar aos autos ou requerer, só o fazendo após ser notificada do teor da decisão proferida, que lhe foi desfavorável. São requisitos cumulativos do justo impedimento: (i) que o evento não seja imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários; (ii) que determine a impossibilidade de praticar em tempo o acto. O justo impedimento abarca as situações em que a omissão ou o retardamento da parte ocorra devido a motivos justificados ou desculpáveis que não envolvam culpa ou negligência séria e a culpa é apreciada nos termos do disposto no art.487º, nº2, do Código Civil de acordo com o qual a culpa é o não cumprimento de um dever jurídico: o dever de diligência, de conteúdo indeterminado, mas determinável em cada situação concreta, sendo a diligência juridicamente devida a que teria um bom pai de família colocado nas circunstâncias concretas em que se encontrava o agente. O que releva, pois, decisivamente para a verificação do justo impedimento é a inexistência de culpa, negligência ou imprevidência da parte, seu representante ou mandatário, na ultrapassagem do prazo peremptório - cfr. Ac. da Rel. de Lisboa de 13/7/2010, in www.dgsi.pt Ora, no caso em apreço não podemos afirmar que não estamos perante um caso de negligência ou imprevidência da recorrente. Assim, não se verifica qualquer das previsões da norma legal para a verificação de justo impedimento. Vem, também, a recorrente alegar que a extinção da instância acarreta uma lesão excessivamente gravosa dos direitos da recorrente, pelo que não pode deixar de ser considerada uma violação do princípio da proporcionalidade, prevista no art. 18, nº 2, da CRP, e configura uma violação do princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva, previsto nos artigos 20º, nº 1 e 268º, nº 4, ambos da CRP. Como decorre dos artigos 20.°, n.° 1, e 268.°, n.° 4, o direito de acesso à justiça, abrange situações em que estejam em causa "direitos ou interesses legalmente protegidos”. Assim, um cidadão não pode invocar que aqueles normativos constitucionais lhe proporcionam uma garantia incondicional de acesso aos tribunais para a defesa de qualquer pretensão de que se julgue titular. Incontornavelmente, "não sendo o direito de acesso à justiça e aos tribunais um direito absoluto'' (cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 416/99), o legislador ordinário tem "uma ampla margem de liberdade na concreta modelação do processo", tendo competência para "delimitar os pressupostos ou requisitos processuais de que depende a efetivação da garantia de acesso aos tribunais" (cfr. JORGE MIRANDA/RUI MEDEIROS, Constituição Portuguesa Anotada, Vol. I, Lisboa, 2.ª ed., p. 321). Como vem entendendo o Tribunal Constitucional, "o direito de acesso à justiça como os que vêm consignados nos nºs 4 e 5 do artigo 20.° da Constituição não conferem o direito a uma decisão de mérito; (...) aqueles direitos constitucionais não vinculam a que, seja qual for a conduta processual da parte, se profira sempre uma decisão sobre o mérito da causa (e ainda que no meio processual utilizado se vise a tutela de hipotéticos direitos fundamentais) (cfr. Acórdão n.° 132/2001).”. Concordando integralmente com o acima exposto e dispensando-se de mais considerações, concluímos ser de negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida. V- DECISÃO Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso mantendo-se a decisão recorrida. Custas a cargo da Recorrente. Lisboa, 15 de julho de 2025 Luisa Soares Susana Barreto Lurdes Toscano |