Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 1493/20.5BELRS |
| Secção: | CT |
| Data do Acordão: | 12/19/2024 |
| Relator: | PATRÍCIA MANUEL PIRES |
| Descritores: | CESE RECURSO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL REFORMA DO ACÓRDÃO |
| Sumário: | I - Tendo o Tribunal Constitucional, julgado inconstitucional, por violação do artigo 13.º da CRP, o artigo 2.º, alínea k), do Regime Jurídico da CESE, há que proceder à reforma do Acórdão, ao abrigo do consignado nº 2, do artigo 80.º, da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional. II - O juízo de inconstitucionalidade do artigo 2.º, alínea k), do Regime Jurídico da CESE, por violação do artigo 13.º da CRP, decretado nos moldes expendidos no Acórdão do TC, implica que a liquidação impugnada fique sem suporte normativo, o que determina a sua anulação. |
| Votação: | Unanimidade |
| Indicações Eventuais: | Subsecção Tributária Comum |
| Aditamento: |
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| Decisão Texto Integral: | ACÓRDÃO
I-RELATÓRIO
PETRÓLEOS DE PORTUGAL -PETROGAL, SA., veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou improcedente a impugnação judicial tendo por objeto a decisão de indeferimento da reclamação graciosa por si apresentada, contra o ato tributário de autoliquidação de Contribuição Extraordinária Sobre o Setor Energético (CESE), e a liquidação de juros compensatórios, relativos ao exercício de 2019, no montante total de € 578.563,00. A Recorrente apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem: “A. A RECORRENTE não exerce qualquer actividade no sector electroprodutor, nem sequer em qualquer outro subsector da electricidade, pelo que em nada contribui para o problema da dívida tarifária do SEN, não beneficiando, pois, de nenhuma forma directa ou especial, da actividade do Estado exercida no âmbito do problema em causa (o mesmo acontecendo com grande parte dos sujeitos passivos da CESE). B. Não tendo qualquer relação com a dívida tarifária do SEN, a RECORRENTE não contribuiu ou beneficiou das circunstâncias que geraram esse problema, pelo que não tem também relação com o consequente desequilíbrio orçamental que o Estado português assumiu como objectivo anular ou atenuar (o mesmo acontecendo com grande parte dos sujeitos passivos da CESE) – e que, em rigor, constituiu o único objectivo da CESE, não só em 2014, ano a que respeitam os actos tributários cuja declaração de ilegalidade se requer, mas também até ao momento. C. A Recorrente não é parte da causa de tal desequilíbrio, nem retirará da actuação estadual nesse aspecto qualquer benefício que não seja partilhado, em princípio na mesma medida, por todos os particulares. D. Relativamente ao financiamento de políticas sociais e ambientais do sector energético, que o legislador também inscreveu formalmente como justificação da CESE, não se conhecem, com um grau mínimo de probabilidade objectiva, passados quase três anos do início de vigência do tributo, qual a natureza, o conteúdo e a importância das mesmas, razão pela qual nunca poderemos dar por demonstrada a sua indispensabilidade e, portanto, que os sujeitos passivos do tributo poderão em princípio, alguma vez, ser efectivos beneficiários de uma ou mais das políticas em causa. Ora, se não conseguimos para já vislumbrar uma probabilidade séria desse efectivo benefício, tem de ser dar por não provado enquanto comprovado o benefício potencial ou presumido. E. Aliás, mesmo que pudéssemos estabelecer uma ligação entre um benefício decorrente das políticas em questão e a actividade das empresas energéticas que não actuam no sector da produção de electricidade – no qual se gerou o problema da dívida tarifária e o consequente desequilíbrio orçamental –, sempre essa ligação seria insuficiente para assegurar a legitimidade da CESE, na medida em que aquelas empresas continuariam a suportar um tributo cuja receita (a restante receita) é afecta a um objectivo com o qual nada têm a ver (a redução da dívida tarifária do sector electroprodutor) e a um outro cuja solução beneficia de igual modo, geral e indiscriminadamente, todos os particulares – para além de ser ele próprio, em parte, uma consequência daquela dívida tarifária (a consolidação orçamental). F. De tudo isto sobra que o único objectivo do tributo à luz do qual a sua exigência à Recorrente é perceptível (ainda que não juridicamente sustentável) é o objectivo do financiamento das despesas gerais do Estado e da consolidação das contas públicas, um desiderato tipicamente prosseguido através dos tributos unilaterais. G. Tanto assim é que, desde o início de vigência do tributo, esse foi o único objectivo prosseguido efectivamente pelo Estado com a receita da CESE: dos autos resulta que aquela receita não foi afecta à redução da dívida tarifária do SEN, porque a parte respectiva nunca chegou a ser transferida, para esse efeito, para o Fundo, nem a qualquer outra política tendente à sustentabilidade do sector energético. H. Em face do exposto, a CESE não cabe no campo dos tributos bilaterais ou sinalagmáticos (taxas ou contribuições financeiras), por não respeitar o princípio da equivalência: os montantes exigidos não o são para o exercício de uma actividade do Estado de que os sujeitos passivos concretamente em causa beneficiem (directa ou indirectamente, efectiva ou presumivelmente, de modo suficientemente distinto da generalidade dos particulares não abrangidos pela incidência do tributo), não sendo sequer possível dizer que a actividade a financiar é originada, específica ou genericamente, pela daqueles sujeitos passivos. I. A CESE é, pois, um verdadeiro imposto – um imposto especial sobre alguns operadores de um sector de actividade específico, em razão da sua alegada capacidade contributiva particular. J. A CESE é um imposto materialmente inconstitucional, por violação do princípio da capacidade contributiva, subprincípio em que se concretiza no campo dos impostos o princípio constitucional da Igualdade (artigo 13º da Constituição), porque a sua base de incidência subjectiva atinge contribuintes que pouco ou nada têm a ver com os fins declarados da “contribuição” (não são de todo beneficiados com as actividades estaduais que a receita pretende financiar nem deram origem aos problemas que aquela é suposto colmatar) – designadamente todos aqueles que não actuam no âmbito do sector da produção de electricidade, como é caso da ora Recorrente. K. Vista como um imposto sobre o rendimento, a CESE viola ainda o princípio da capacidade contributiva por, ao ter como base objectiva o valor dos activos das empresas abrangidas, constituir uma aproximação indirecta ou presumida aos lucros das mesmas – uma aproximação ou presunção fantasiosa, puramente conjecturada do rendimento real, que facilmente conduzirá a resultados arbitrários: com efeito, a CESE permite ao Estado apurar uma colecta sobre lucros ainda que nenhuma capacidade contributiva se revele efectivamente nessa forma, ou uma colecta igual ou superior aos lucros efectivamente obtidos, caso em que representará uma taxa de 100% ou mais de tributação do rendimento e, nessa medida, um imposto confiscatório. L. Além disso, a CESE tem um efeito de dupla tributação e sobreposição ao IRC que é inaceitável, acentuado pela decisão do legislador de impedir que aquela seja dedutível em sede do referido imposto, o que define com especial clareza a violência do tributo e a sua inconstitucionalidade, mesmo se considerado como um imposto sobre o património ou uma contribuição financeira, pelo menos por violação do princípio da proporcionalidade. M. E, na verdade, a CESE apresenta problemas inultrapassáveis também ao nível do respeito devido pelo princípio da proporcionalidade, o qual é violado, em primeiro lugar, na sua dimensão de idoneidade ou adequação, porque a CESE não é um instrumento tendente a resolver o problema da dívida tarifária do SEN – um dos objectivos legislativamente declarados da medida, ao qual é consignado uma parte importante da respectiva receita: não se trata de uma medida que possa assegurar a eliminação ou sequer uma atenuação séria, estrutural, dessa dívida tarifária (mediante uma alteração das regras vigentes em que assenta a sua existência), mas antes, simplesmente, de uma fonte de receita obtida a fim de o Estado continuar a assegurar o objectivo político central quanto à matéria em causa, ou seja, proteger os consumidores finais de electricidade do esforço de redução da dívida tarifária, impedindo o aumento dos preços em medida pelo menos aproximada à exigida por aquela redução. N. Neste sentido, a CESE é uma medida inócua e indiferente, tendo por referência a sua aproximação ao fim visado, e até contraproducente, porque produz o efeito negativo de adiar a resolução dos desequilíbrios do SEN e, assim, prolongar e acentuar o problema. O. Depois, a CESE viola o princípio da proporcionalidade também porque é consignada em parte ao financiamento de políticas sociais e ambientais no mesmo ano em que, por exemplo e desde logo, foi reduzida a taxa de IRC em dois pontos percentuais, perdendo-se uma receita pública, já existente, que poderia obviamente servir para aquele fim (não está, assim, cumprida a dimensão da necessidade ou exigibilidade em que assenta a regra da proporcionalidade), P. e ainda porque, apesar de os objectivos declarados do legislador serem importantes, nunca poderão ser considerados como pretextos suficientes para justificar o prejuízo económico e patrimonial que a CESE inflige nos seus sujeitos passivos, ainda para mais de modo tão violador do princípio da igualdade: na incidência, lembre-se, são incluídas entidades – como a RECORRENTE – que pouco ou nada têm a ver com as causas dos problemas que suscitaram a criação do tributo ou que pouco ou nada beneficiarão, directa e especialmente, com a solução de tais problemas (desrespeita-se, assim, a dimensão da proporcionalidade em sentido estrito ou do equilíbrio). Q. A Sentença a quo deveria, pois, ter decidido no sentido da desaplicação dos artigos 2.º, 3.º, 4.º, 11.º e 12.º do regime jurídico da CESE, em vigor em 2019 através do artigo 313º da Lei n.º 71/2018, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2019), aqueles que concretizam as violações da Constituição arguidas nos autos. Não o tendo feito, incorre em vício de violação de lei, devendo por isso ser revogada. Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, com todas as consequências legais, designadamente a anulação da Sentença recorrida.” *** A Recorrida devidamente notificada optou por não apresentar contra-alegações. *** O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso. *** A 29 de setembro de 2022, foi prolatado Acórdão por este TCAS que negou provimento ao recurso, tendo, por seu turno, sido interposto recurso jurisdicional ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, para o Tribunal Constitucional. *** Em resultado da interposição do aludido recurso jurisdicional, a 12 de março de 2024, foi proferido Acórdão nº 196/2024 (processo nº1114/2022), cujo dispositivo se transcreve infra: “a)Julgar inconstitucional, por violação do artigo 13.º da Constituição, a norma contida no artigo 2.º, alínea k), do regime jurídico da CESE (aprovado pelo artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro), cuja vigência foi prorrogada para o ano de 2019 pelo artigo 313.º da Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro, na parte em que determina que o tributo incide sobre o valor dos elementos do ativo a que se refere o n.º 1 do artigo 3.º, da titularidade das pessoas coletivas que integram o setor energético nacional, com domicílio fiscal ou com sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em território português, que, em 1 de janeiro de 2019, sejam comercializadores grossistas de petróleo bruto e de produtos de petróleo (nos termos definidos no Decreto-Lei n.º 31/2006, de 15 de fevereiro); e, consequentemente, b) conceder provimento ao recurso, determinando-se a reforma da decisão recorrida em conformidade com o presente juízo de inconstitucionalidade.” *** A 16 de maio de 2024, foi prolatado despacho por este Tribunal extratando-se, designadamente, o seguinte: “[e]m virtude de não constarem dos autos elementos suficientes em torno do eventual pagamento do tributo e/ou prestação de garantia atinente aos PEF cuja dívida exequenda respeite a esse mesmo tributo e respetivos juros, notifique a Recorrente/Impugnante para vir aos autos juntar tais elementos, no prazo de 10 (dez) dias”. *** Devidamente notificada a Impugnante, ora Recorrente, manteve-se silente, nada juntando, requerendo ou justificando neste e para este efeito. *** Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir, reformando o anterior Aresto em conformidade com o citado Acórdão do Tribunal Constitucional. *** II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto: «Considero provados os seguintes factos, com relevância para a decisão: A) A Impugnante é uma empresa que integra o sector energético nacional, com sede em território nacional e atividade no âmbito da comercialização grossista de petróleo bruto e de produtos de petróleo –cfr. artigo 39.º da petição de impugnação; B) A Impugnante está “(…) enquadrada na previsão da alínea k) do artigo 2.º do regime do CESE (Contribuição Extraordinária sobre Setor Energético) -cfr. artigo 39.º da petição de impugnação; C) A Impugnante autoliquidou Contribuição Extraordinária sobre Setor Energético, relativo ao ano de 2019, no valor de € 577 722,93 –cfr. documento 007064625 de 12-03-2021, do Sitaf; D) A Impugnante foi notificada da liquidação de juros n.º 2019 000000050, no valor de € 840,07 –cfr. documento 007064625 de 12-03-2021, do Sitaf; E) Em 03-03-2020, a Impugnante apresentou reclamação graciosa contra as liquidações referidas nas alíneas precedentes –cfr. documento 007064625 de 12-03-2021, do Sitaf; F) A Impugnante, pelo ofício n.º 2573 de 24-07-2020 foi notificada do despacho de indeferimento da reclamação graciosa, referida na alínea precedente –cfr. documento 3 da petição de impugnação.” *** O Tribunal a quo considerou como factualidade não provada: “Inexistem factos não provados com relevância para a decisão da causa.” *** No concernente à motivação da matéria de facto ficou consignado o seguinte: “Considero os factos provados A e B, factos não controvertidos e alegados no artigo 39.º da petição de impugnação, não impugnados. Considero provados os demais factos atendendo ao teor dos documentos juntos aos autos e identificados nas diversas alíneas do probatório.” *** III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
In casu, a Recorrente não se conformou com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de lisboa, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa que manteve o ato tributário de autoliquidação da CESE, referente ao ano de 2019, no valor total de €578.563,00. Conforme já evidenciado anteriormente, foi primeiramente prolatado Acórdão por este TCAS que negou provimento ao recurso, aderindo à fundamentação jurídica constante no Acórdão deste TCAS proferido no âmbito do processo nº 1540/18.0BELRS, de 11 de novembro de 2021, em que estavam em causa as mesmas partes e as mesmas questões, o qual, por seu turno, se funda e convoca jurisprudência aplicável ao caso sub judice, mormente, a vertida no âmbito do Acórdão do Tribunal Constitucional nº n.º 7/2019, a 08 de janeiro de 2019. Contudo, na sequência da interposição do competente recurso jurisdicional o Tribunal Constitucional, mediante Aresto prolatado a 12 de março de 2024, (processo nº1114/2022), julgou inconstitucional por violação do artigo 13.º da CRP, o artigo 2.º, alínea k), do Regime Jurídico da CESE, na parte em que determina que o tributo incide sobre o valor dos elementos do ativo a que se refere o n.º 1 do artigo 3.º do mesmo regime, da titularidade das pessoas coletivas que integram o setor energético nacional, com domicílio fiscal ou com sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em território português, que, em 1 de janeiro de 2019, sejam comercializadores grossistas de petróleo bruto e de produtos de petróleo (nos termos definidos no Decreto-Lei n.º 31/2006, de 15 de fevereiro), competindo, ora, proceder à sua reforma. Nesta conformidade, e ao abrigo do consignado nº 2 do artigo 80.º da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (LTC), cumpre reformar a decisão em conformidade com o julgamento sobre a questão da inconstitucionalidade do artigo 2º, alínea k), do regime jurídico da CESE, por violação do artigo 13º da CRP. Razão pela qual, procede-se à aludida reforma, mediante apelo e adesão à fundamentação jurídica nele vertida, no sentido de que: “[a] linha jurisprudencial traçada pelo Acórdão n.º 101/2023 assenta na ideia de que “[…] as alterações operadas pelo Decreto-Lei n.º 109-A/2018, de 7 de dezembro, ao regime de afetação das verbas do FSSSE, ao qual se encontra consignada a receita da CESE, descaracterizaram o nexo paracomutativo entre certa categoria de sujeitos e as finalidades do tributo a tal ponto que deixou de ser possível, uma vez entrado em vigor o novo quadro legal, fundamentar a oneração do seu património no princípio da equivalência. Para tais sujeitos, pois, a CESE passou a constituir, em virtude de tal alteração de regime, um verdadeiro imposto, sem que o mesmo encontre respaldo algum no princípio da capacidade contributiva” (cfr. declaração de voto aposta ao Acórdão n.º 338/2023 pelo Senhor Juiz Conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro). 2.3.Todavia, a transposição do juízo de censura jurídico-constitucional afirmado no Acórdão n.º 101/2023 para a norma em causa nos presentes autos não prescinde de duas breves notas de autónoma fundamentação. 2.3.1.Em primeiro lugar, sublinha-se que os fundamentos do Acórdão n.º 101/2023 merecem integral acolhimento. A conclusão ali alcançada – de que, para as entidades concessionárias das atividades de transporte, de distribuição ou de armazenamento subterrâneo de gás natural, as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 109-A/2018, de 7 de dezembro, dissolveram o nexo com as finalidades do tributo, transformando o tributo num imposto, no que a tais entidades respeita – vale, por identidade de razão, para os comercializadores grossistas de petróleo bruto e de produtos de petróleo. Efetivamente, quanto a estas, pode afirmar-se, de igual modo, que “[…] deixou de ser possível afirmar que […] podem ser consideradas responsáveis pela [concretização dos objetivos da CESE, agora fortemente reduzidos], e muito menos presumíveis causadoras ou beneficiárias das prestações públicas que ao FSSSE incumbe providenciar”. A dívida tarifária do setor elétrico não foi provocada pelo setor do petróleo, “[…] nem a sua redução beneficia o conjunto dos operadores integrados neste setor de modo efetivo ou direto – antes constituindo, quando muito, um benefício presumido a partir de determinadas contingências” (declaração de voto aposta ao Acórdão n.º 296/2023, supra citada, pelo que “[…] não há motivo algum para fazer correr por conta das empresas [comercializadoras de petróleo bruto e de produtos de petróleo] encargos associados à redução da dívida tarifária do setor elétrico. Nem há razão nenhuma para supor que a prevenção dos riscos associados à instabilidade tarifária no setor elétrico aproveita em especial medida aos operadores dos demais subsetores” (Acórdão n.º 101/2023, adaptado à atividade em causa nos presentes autos). Vale a referida conclusão, também, para o os tributos liquidados por referência ao exercício económico de 2019, com idênticos fundamentos, porquanto o regime instituído por aquele decreto-lei se manteve inalterado durante tal período. 2.3.2.Em segundo lugar – e é esta a outra nota que importa aqui sublinhar – , não obstaria ao juízo de inconstitucionalidade o entendimento que, por maioria, se afirmou no recente Acórdão n.º 338/2023, desta 1.ª Secção. Efetivamente, nesta decisão (e ao contrário da posição que se encontra no Acórdão n.º 296/2023, da 2.ª Secção) não se toma posição quanto à descaracterização do tributo na sequência das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 109-A/2018, de 7 de dezembro – apenas se conclui que “[…] em relação à CESE 2018, o problema não se coloca […]”, em suma, por “[…] a situação que gera a obrigação de pagar o tributo em questão [ser] a detenção pelos sujeitos passivos de determinados ativos, incidindo a CESE sobre o valor dos elementos do ativo dos sujeitos passivos reconhecidos na respetiva contabilidade (nos termos do artigo 3.º), com referência a 1 de janeiro de cada ano […]” e por “a autoliquidação da CESE ocorre[r], por regra, até ao final do mês de outubro”, pelo que não haveria, sequer, lugar à invocação de “[…] expetativas jurídicas que sejam dignas de tutela nos termos do artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa […]” à data da publicação daquele diploma (dezembro de 2018). Sucede que tais reservas levadas ao Acórdão n.º 338/2023 se aplicam apenas ao ano de 2018, perdendo pertinência a partir de 2019, uma vez que, no início deste ano, já vigorava o Decreto-Lei n.º 109-A/2018, de 7 de dezembro, pelo que, mesmo que se aceitasse que a questão se poderia colocar no plano de “[…] expetativas jurídicas que sejam dignas de tutela nos termos do artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa […]”, a inevitável conclusão seria da sua verificação e frustração. Tanto basta para concluir que, seja por via da posição maioritária que conduziu ao Acórdão n.º 338/2023, desta 1.ª Secção, seja por via da posição minoritária expressa nas respetivas declarações de voto, o recurso sempre seria procedente. Vale o exposto por dizer que se impõe um juízo de inconstitucionalidade da norma contida no artigo 2.º, alínea k), do regime jurídico da CESE (aprovado pelo artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro), cuja vigência foi prorrogada para o ano de 2019 pelo artigo 313.º da Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro, na parte em que determina que o tributo incide sobre o valor dos elementos do ativo a que se refere o n.º 1 do artigo 3.º, da titularidade das pessoas coletivas que integram o setor energético nacional, com domicílio fiscal ou com sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em território português, que, em 1 de janeiro de 2019, sejam comercializadores grossistas de petróleo bruto e de produtos de petróleo (nos termos definidos no Decreto-Lei n.º 31/2006, de 15 de fevereiro), com a consequente procedência do recurso, determinando-se a remessa dos autos ao Tribunal Central Administrativo Sul, para reforma da decisão recorrida em conformidade com tal juízo (artigo 80.º, n.º 2, da LTC).” E por assim ser, o juízo de inconstitucionalidade do artigo 2º, alínea k), do regime jurídico da CESE, por violação do artigo 13.º da CRP, decretado nos moldes expendidos anteriormente, implica que a liquidação impugnada fique sem suporte normativo, o que determina a sua anulação. Destarte, há que conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e em consequência julgar procedente a impugnação, com a consequente anulação do ato tributário impugnado. Aqui chegados, subsiste apenas por analisar o pedido de “[r]eembolso do montante do imposto autoliquidado que tenha sido ou venha entretanto a ser pago; em caso de efectivo pagamento do imposto, a declaração do direito da Impugnante ao pagamento de juros indemnizatórios por parte da AT, de acordo com o princípio estatuído nos artigos 43.º e 100.º da LGT; a declaração do direito da Impugnante ao pagamento da indemnização prevista nos artigos 53º da LGT e 171º do CPPT em virtude da prestação indevida de garantia para suspensão do processo executivo instaurado para cobrança coerciva do montante não pago voluntariamente.” Os quais, terão de improceder, na medida em que inexiste qualquer prova nos autos de que tenha sido efetuado o pagamento da liquidação anulada, inviabilizando, per se e na presente data, o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios e a atribuição de indemnização por prestação indevida de garantia idónea, subsumível no artigo 53.º da LGT. Ora, destinando-se os juros indemnizatórios a compensar o contribuinte pelo prejuízo causado pelo pagamento indevido de uma prestação tributária, sendo, portanto, pressuposto do seu reconhecimento o pagamento do tributo, não resultando, in casu, demonstrado o pagamento da liquidação impugnada, não há que reconhecer o direito ao pagamento de juros indemnizatórios, carecendo de qualquer justificação legal a condenação no pagamento de juros indemnizatórios de forma condicional [vide, designadamente, Acórdãos do TCAS, proferidos nos processos nºs 194/20, e 2017/08, de 18.05.2023 e 14.01.2020, respetivamente]. E no mesmo sentido se decidirá no atinente ao pagamento de indemnização por prestação indevida de garantia, atenta, como visto, a ausência de prova documental que ateste a sua, efetiva, prestação. De relevar, neste âmbito, que tal não obsta, naturalmente, que em sede de execução de julgado anulatório, e sendo caso disso e demonstrada a realidade de facto atinente ao efeito, sejam concedidas as pretensões que, ora, peticiona, mas não prova. Destarte, impõe-se, neste âmbito e para já, decidir pela improcedência do pedido de reembolso do tributo acrescido dos juros indemnizatórios e da indemnização por prestação indevida de garantia. [Neste sentido vide, designadamente, Acórdãos deste TCAS, proferidos nos processos nºs 1784/19, e 478/21, datados de 22.06.2023 e 04.05.2023, respetivamente]. *** No caso sub judice, considera-se que o valor de taxa de justiça devida a final, calculado nos termos do tabela I.B., do RCP, é excessivo. Porquanto, ponderadas as circunstâncias do caso vertente à luz dos critérios escolhidos pelo legislador, em especial, o comportamento processual das partes litigantes, sem qualquer reparo negativo a apontar, a complexidade do processo – atendendo, outrossim, que as questões em apreciação já foram objeto de apreciação quer por este Tribunal, pelo TC e pelo STA, acarretando, assim, menor complexidade na solução jurídica das questões decidendas, determina-se que haja lugar à dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, prevista no art.º 6.º, n.º 7, do RCP. *** IV. DECISÃOFace ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO, SUBSECÇÃO COMUM deste Tribunal Central Administrativo Sul em: Conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, na parte respeitante ao pedido anulatório, e em consequência, julgar procedente a impugnação, com a consequente anulação do ato tributário impugnado. Custas a cargo da Recorrida, com dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte em que excede os €275.000,00. Registe. Notifique. Lisboa, 19 de dezembro de 2024 (Patrícia Manuel Pires) (Teresa Costa Alemão) (Ângela Cerdeira) |