Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2696/14.7BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:11/20/2025
Relator:RUI PEREIRA
Descritores:CARREIRA DE ENFERMAGEM
REGIME DE TRABALHO
HORÁRIO DAS 35 HORAS SEMANAIS
Sumário:
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Social
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL – SUBSECÇÃO SOCIAL

I. RELATÓRIO


1. O Sindicato AAAA, no quadro da sua legitimidade processual, intentou no TAC de Lisboa contra a Administração Regional de Saúde do Norte, IP, uma acção administrativa comum, na qual peticionou (i) a condenação da ré a adoptar, no que respeita aos "regimes de trabalho e condições da sua prestação", o regime próprio da carreira especial de enfermagem (isto é, o tempo completo com a duração de trinta e cinco horas semanais) e, concomitantemente, a abster-se de aplicar ao pessoal de enfermagem em regime de contrato de trabalho em funções públicas o regime das carreiras gerais dos servidores públicos (artigo 105º, nºs 1, alínea a), primeira parte, b), primeira parte, e 2, da Lei Geral dos Trabalhadores em Funções Públicas) e (2) a condenação da ré a pagar aos associados do sindicato autor o trabalho prestado fora, ou para além, das trinta e cinco horas semanais como trabalho extraordinário, nos termos da normação efectivamente aplicável, com os legais juros moratórios.


2. O TAC de Lisboa, por sentença datada de 21-10-2017, julgou a acção improcedente e absolveu a ré dos pedidos.


3. Inconformado, o Sindicato AAAA interpôs recurso de apelação para este Tribunal Central Administrativo do Sul, no qual formulou as seguintes conclusões:


Quanto ao mérito da sentença recorrida


1 – A carreira de enfermagem é carreira especial: qualificação resultante da Lei nº 12-A/2008, de 10 de Fevereiro, pois antes era corpo especial (artigo 16º, nº 2, alínea g) do Decreto-Lei nº 184/89, de 2 de Junho, e o seu regime legal constava do Decreto-Lei nº 437/91, de 8 de Novembro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 412/98, de 30 de Dezembro, e 411/99, de 15 de Outubro).


2 – No quadro da Lei nº 12-A/2008, de 10 de Fevereiro, o regime legal da carreira especial de enfermagem consta do Decreto-Lei nº 248/2009, de 22 de Setembro (complementado com o Decreto-Lei nº 122/2010, de 11 de Novembro), o qual manteve em vigor os artigos 43º a 57º do Decreto-Lei nº 437/91, de 8 de Novembro (vd. artigo 28º do Decreto-Lei nº 248/2009, de 22 de Setembro), e pois o seu artigo 54º, nº 1 – de sorte que a regra jurídica de duração do tempo de trabalho da carreira especial de enfermagem encontra-se simultaneamente em dois preceitos (artigo 17º do Decreto-Lei nº 248/2009, de 22 de Setembro, e artigo 54º, nº 1 do Decreto-Lei nº 437/91, de 8 de Novembro, enquanto mantido em vigor por aquele acto legislativo), sendo de 35 horas semanais o período normal de trabalho.


3 – A douta sentença recorrida, para julgar pela improcedência da acção, considerou que a salvaguarda contida na alínea b) do nº 1 do artigo 105º da Lei nº 35/2014 só deve abranger os regimes especiais estabelecidos após a entrada em vigor da Lei nº 68/2013, convocou o artigo 10º da Lei nº 68/2013, de 29 de Agosto (o disposto no artigo 2º tem natureza imperativa e prevalece sobre quaisquer leis especiais e instrumentos de regulamentação colectiva do trabalho) e invocou em seu abono o acórdão nº 794/2013 do Tribunal Constitucional.


4 – Mas, salvo o merecido respeito, do acórdão nº 794/2013 do Tribunal Constitucional (in DR, 2ª série, nº 245, de 18 de Dezembro de 2013) resulta solução contrária à tirada pela douta sentença recorrida.


5 – O artigo 1º da Lei nº 68/2013, de 29 de Agosto, fixa o seu objecto – isto é, aquilo sobre que incide a sua disciplina normativa – e o acórdão nº 794/2013 do Tribunal Constitucional diz que o teor literal do artigo 1º, nº 1 da Lei nº 68/2013 – que estatui sobre o respectivo objecto – evidencia que esta lei visa apenas estabelecer a duração do período normal do trabalho dos trabalhadores em funções públicas alterando em conformidade o RCTFP e o Decreto-Lei nº 259/98 (loc. cit., págs. 36025/36026).


6 – O regime da duração e organização do tempo de trabalho da carreira especial de enfermagem não está no âmbito do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas: artigo 5º da Lei nº 59/2008, de 11 de Setembro, nem do Decreto-Lei nº 259/98, de 18 de Agosto (artigo 38º deste diploma). E,


7 – O artigo 5º da Lei nº 59/2008, de 11 de Setembro, não foi revogado nem alterado pela Lei nº 68/2013, de 29 de Agosto (artigos 1º, nºs 1, alíneas a) e b) e 2, alínea b), 3º, 4º e 9º (tal como, aliás, o artigo 38º do Decreto-Lei nº 259/98, de 18 de Agosto).


8 – Também para o acórdão nº 794/2013 do Tribunal Constitucional, o artigo 2º da Lei nº 68/2013, de 29 de Agosto (período normal de trabalho dos trabalhadores em funções públicas) tem de conjugar-se com os artigos 3º (alteração ao Regime do Contrato do Trabalho em Funções Públicas) e 4º (alteração ao Decreto-Lei nº 259/98, de 18 de Agosto), afirmando incisivamente ser certo que o artigo 10º não pretende modificar os termos de tal articulação (in DR, 2ª série, nº 245, de 18 de Dezembro de 2013, a págs. 36024).


9 – Assim, e com todo o respeito, o regime da duração e organização do tempo de trabalho da carreira especial de enfermagem não foi minimamente colocado em crise pela Lei nº 68/2013, de 29 de Agosto – o que a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (aprovada pela Lei nº 35/2014, de 20 de Junho) bem deixa ver: foi ela que revogou, em bloco, a Lei nº 59/2008, de 11 de Setembro, e o Decreto-Lei nº 259/98, de 18 de Agosto [artigo 42º, nº 1, alíneas e) e t)].


10 – De sorte que, e salvaguardando sempre o respeito devido a melhor e mais qualificada opinião, é a esta luz que o recorrente jurisdicional vê o artigo 105º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas: o artigo 105º salvaguarda os assim pré-existentes regimes especiais da duração e organização do tempo de trabalho [nº 1, alíneas a) e b)] e institui um regime regra para as carreiras gerais (nº 2) – onde não pode estar a carreira de enfermagem porque carreira especial.


11 – Deste modo, e com todo o respeito, a douta sentença recorrida não fez boa interpretação e aplicação do direito – e, consequentemente, não administrou boa justiça.


Quanto à condenação em custas


i) Nulidade da douta sentença recorrida


12 – O autor, ora recorrente jurisdicional, inscreveu logo no pórtico da petição inicial: "Isento das custas (artigo 338º, nºs 2, primeira parte, e 3, primeira parte, da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas)", o que substanciou em "IV – A Isenção das custas", mostrando, claramente, vir a juízo exercer o direito à tutela jurisdicional efectiva para defesa colectiva de direitos e interesses colectivos.


13 – A douta sentença recorrida diz apenas "custas pelo autor" – ou seja, sem explicitação das razões actuantes na sua génese (isto é, concorrentes para a sua formação).


14 – Assim, e com todo o respeito, neste segmento a douta sentença recorrida enferma de nulidade: artigo 615º, nº 1, alínea b) do Código de Processo Civil, conjugadamente com o artigo 205º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, o artigo 607º do Código de Processo Civil e os artigos 1º e 94º do anterior Código do Processo nos Tribunais Administrativos.


ii) Erro de julgamento


15 – O legislador do Regime do Contrato do Trabalho em Funções Públicas retirou aos sindicatos a isenção, total e automática, estabelecida no Decreto-Lei nº 84/99, de 19 de Março, para os casos em que litiguem na defesa colectiva de direitos e interesses individuais legalmente protegidos dos trabalhadores que representem (vd. acórdão de uniformização de jurisprudência nº 5/2013 — in DR, 1ª série, nº 95, de 17 de Maio de 2013, a págs. 2967).


16 – Ora, o autor, aqui recorrente jurisdicional, veio a juízo exercer o direito à tutela jurisdicional efectiva para a defesa colectiva de direitos e interesses colectivos: o bem jurídico cuja defesa impregna a acção é o regime de duração e organização do tempo de trabalho do pessoal de enfermagem em contrato de trabalho em funções públicas, de harmonia com o seu estatuto próprio. O que,


17 – Configura interesse colectivo na caracterização jurisprudencial (acórdão do STA, de 16 de Dezembro de 2010, Proc. nº 0778/10 (descarregável em http://www.dgsi.pt) e acórdão do STJ, de 3 de Maio de 2016, Proc. nº 3704/12.1... (descarregável em http://www.dgsi.pt)] e, por isso, confere a isenção, total e automática, das custas [artigo 338º, nºs 2, primeira parte, e 3, primeira parte, da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (tal como, antes, o artigo 310º, nºs 2, primeira parte, e 3, primeira parte, do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas)].


18 – Deste modo, e com todo o respeito, a douta sentença recorrida não fez boa interpretação e aplicação do direito aos factos – e, consequentemente, não julgou bem”.


4. A Administração Regional de Saúde do Norte, IP, devidamente notificada para o efeito, não apresentou contra-alegação.


5. A Digna Procuradora-Geral Adjunta junto deste TCA Sul, devidamente notificada para o efeito, emitiu douto parecer, no qual sustenta que o recurso merece parcial provimento, nomeadamente no tocante à isenção de custas do sindicato autor, uma vez que este actua em representação e em defesa colectiva dos seus associados, nos termos das suas atribuições previstas nos artigos 7º, alínea a), 8º, alínea f) e 12º, alíneas c) e d) dos seus Estatutos e também nos termos do artigo 56º da CRP.


6. Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projecto de acórdão aos Exmºs Juízes Adjuntos, vêm os autos à conferência para julgamento.


II. OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A DECIDIR


7. As questões a apreciar no presente recurso estão delimitadas pelo teor da alegação de recurso apresentada pelo sindicato recorrente e respectivas conclusões, nos termos dos artigos 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 a 3, todos do CPCivil, não sendo lícito ao tribunal de apelação conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.


8. E, face ao teor das conclusões exaradas na alegação do sindicato recorrente, importa apreciar e decidir se a decisão sob recurso padece, ou não, da nulidade invocada e do assacado erro de julgamento de direito, ao não ter reconhecido a existência do direito invocado e ao não ter condenado a ré em conformidade.


III. FUNDAMENTAÇÃO


A – DE FACTO


9. A sentença recorrida considerou assente a seguinte factualidade:


i. O sindicato autor requereu à entidade demandada a passagem de certidão, "por fotocópia autenticada, dos mapas de duração e horário de trabalho do pessoal de enfermagem elaborados em Agosto e Setembro de 2014, ancorados na Lei nº 35/2014. de 20 de Junho, com os respectivos actos aprovatórios" – cfr. doc. junto com a PI, sob o nº 1;


ii. A entidade demandada informou o autor de que “(...) os horários de trabalho do pessoal de enfermagem em regime de contrato de trabalho em funções públicas (…) foram, à semelhança dos demais trabalhadores, alterados em conformidade" com o nº 1 do artigo 105º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas – cfr. doc. junto com a PI, sob nº 1.


B – DE DIREITO


10. Como se viu, a sentença recorrida julgou a pretensão deduzida pelo sindicato autor improcedente, tendo para o efeito fundamentado tal juízo nos seguintes termos:


A questão que importa conhecer é se a ressalva de regimes de duração semanal de trabalho inferior a 40 horas, previstos em diploma especial, contida na alínea b) do nº 1 do artigo 105º da Lei nº 35/2014, abrange ou não apenas os diplomas legais emitidos após a entrada em vigor da Lei nº 68/2013, face à norma de prevalência contida no artigo 10º desta lei.


Vejamos.


O artigo 17º do DL nº 248/2009, de 22/9 (define o regime da carreira especial de enfermagem, bem como os respectivos requisitos de habilitação profissional), sob a epígrafe "Duração e organização do tempo de trabalho", estabelece que "O período normal de trabalho da carreira especial de enfermagem é de 35 horas semanais".


O artigo 2º da Lei nº 68/2013, sob a epígrafe, "Período normal de trabalho dos trabalhadores em funções públicas" prevê que:


«1 – O período normal de trabalho dos trabalhadores em funções públicas é de oito horas por dia e quarenta horas por semana.


2 – Os horários específicos devem ser adaptados ao período normal de trabalho de referência referido no número anterior.


3 – O disposto no nº 1 não prejudica a existência de períodos normais de trabalho superiores, previstos em diploma próprio».


O artigo 10º da mesma lei, sob a epígrafe, "Prevalência", estipula que "O disposto no artigo 2º tem natureza imperativa e prevalece sobre quaisquer leis especiais e instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho".


E o artigo 11º da mesma lei, sob a epígrafe, "Norma transitória" estabelece que:


«1 – Os horários específicos existentes à data da entrada em vigor da presente lei devem ser adaptados ao disposto no artigo 2º.


2 – O disposto no nº 1 do artigo 2º não prejudica os regimes próprios de carreiras para as quais vigora, à data da publicação da presente lei, o período normal de trabalho de quarenta horas por semana e oito horas por dia, incluindo os respectivos regimes de transição».


O Tribunal Constitucional, no seu acórdão nº 794/2013 considerou, a propósito dos artigos 2º e 10º da Lei nº 69/2013, que "A imperatividade [do] período normal de trabalho estatuída no artigo 10º da Lei em apreço visa tão só garantir que os novos limites máximos se impõem, quer a leis especiais, quer a instrumentos de regulamentação colectiva do trabalho, desde que as primeiras e os segundos sejam anteriores à mesma Lei e prevejam uma duração do trabalho mais reduzida. Trata-se de uma solução destinada a garantir a eficácia imediata da alteração do período normal de trabalho dos trabalhadores em funções públicas e que todos estes trabalhadores fiquem colocados numa situação inicial de igualdade, a partir da qual, futuramente, se poderão estabelecer as diferenciações que, em função dos diferentes sectores de actividade e pelos modos previstos nos regimes próprios aplicáveis, sejam consideradas convenientes".


Importa atentar que o artigo 17º do DL nº 248/2009 não foi alterado após a entrada em vigor da Lei nº 69/2013.


Por fim, o artigo 105º da Lei nº 35/2014, de 20/6, reza assim:


«Limites máximos dos períodos normais de trabalho


1 – O período normal de trabalho é de:


a) Oito horas por dia, excepto no caso de horários flexíveis e no caso de regimes especiais de duração de trabalho.


b) 40 horas por semana, sem prejuízo da existência de regimes de duração semanal inferior previstos em diploma especial e no caso de regimes especiais de duração de trabalho.


2 – O trabalho a tempo completo corresponde ao período normal de trabalho semanal e constitui o regime regra de trabalho dos trabalhadores integrados nas carreiras gerais, correspondendo-lhe as remunerações base mensais legalmente previstas.


3 – O período normal de trabalho pode ser reduzido por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, não podendo daí resultar diminuição a retribuição dos trabalhadores».


Tendo em conta o referido entendimento do Tribunal Constitucional que se acolhe, a salvaguarda contida na alínea b) do nº 1 do artigo 105º da Lei nº 35/2014 só deve abranger os regimes especiais estabelecidos após a entrada em vigor da Lei nº 69/2013.


Ou seja, o regime especial contido no artigo 17º do DL nº 248/2009 não se encontra salvaguardado. O autor omitiu a referência a este preceito legal, tendo ancorado a sua tese no artigo 28º do DL nº 248/2009, mas mal pois que é aquele o preceito legal que regula directa e expressamente a matéria da duração de trabalho da carreira de enfermagem.


Em face do que antecede, não é possível reconhecer aos associados do autor o direito a continuar a prestar trabalho no regime de duração semanal de 35 horas. Não se conhecendo dos demais pedidos condenatórios por dependerem da procedência do primeiro”.


O assim decidido é para manter.


11. A questão colocada pelo sindicato autor, no que toca ao regime de trabalho dos enfermeiros, não é nova e já foi apreciada por este TCA Sul no âmbito do processo nº 129/14.8..., em acórdão datado de 30-4-2025, no qual se concluiu não assistir razão ao Sindicato AAAA na(s) pretensão(ões) então formuladas.


12. Na fundamentação do acórdão citado, escreveu-se o seguinte:


(…)


4. Na Proposta de Lei nº 153/XII, que deu origem à Lei nº 68/2013, de 29 de Agosto, referia-se que, «encontrando-se em curso a revisão de um conjunto de diplomas estruturantes do universo do funcionalismo público, a alteração do período normal de trabalho de 35 para 40 horas semanais constitui apenas mais uma etapa do caminho que está a ser percorrido no sentido de uma maior convergência entre os trabalhadores do sector público e do sector privado, no caso com evidentes ganhos para a prestação dos serviços públicos, para as populações que os utilizam e para a competitividade da própria economia nacional, aproximando, assim, a média nacional de horas de trabalho da média dos países da OCDE». E ainda: «(…) a alteração que agora se preconiza desenvolve-se em dois eixos de acção prioritários. Por um lado, tem em vista a aplicação de um mesmo período normal de trabalho a todos os trabalhadores que exercem funções públicas, independentemente da sua modalidade de emprego e da carreira em que se encontrem inseridos, permitindo, assim, corrigir, entre outros, os casos de flagrante injustiça e desigualdade em que trabalhadores que exercem as mesmas funções no mesmo local de trabalho se encontrem sujeitos a diferentes regimes de horário de trabalho. Por outro lado, tem igualmente em vista alcançar uma maior convergência entre os sectores público e privado, passando os trabalhadores do primeiro a estar sujeitos ao período normal de trabalho que há muito vem sendo praticado no segundo».


5. A mera leitura da exposição de motivos da Proposta de Lei nº 153/XII, nos trechos transcritos, é evidenciadora da natureza universalista da solução legal que, nesse momento, se pretendeu desencadear. Na verdade, seria muito estranho, face aos objectivos confessados, que um grupo profissional tão relevante – os enfermeiros – ficasse a coberto de uma alteração daquela natureza.


6. E não ficaram, evidentemente, na medida em que o artigo 10º, numa formulação clara, estabeleceu que «[o] disposto no artigo 2º tem natureza imperativa e prevalece sobre quaisquer leis especiais e instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho». Portanto, se prevalece sobre as leis especiais até aí vigentes, inexiste base legal para defender a manutenção do regime especial dos enfermeiros.


7. De resto, lidas e relidas as alegações de recurso, tão-pouco se consegue identificar o argumento que pudesse ter a virtualidade de colocar em crise a sentença recorrida. De facto, depois de afirmar a natureza especial da carreira de enfermagem – o que se mostra correcto –, o recorrente identifica, e bem, o motivo determinante da decisão recorrida. E daí passa a discorrer sobre o que, na sua opinião, lhe permitirá concluir que «quando a douta sentença recorrida considerou que o regime de duração e organização do tempo de trabalho da carreira especial de enfermagem foi revogado pela Lei nº 68/2013, (…), e daí a sua não inserção na salvaguarda do artigo 1º, nº 1, alíneas a) e b) da Lei Geral do 'Trabalho em Funções Públicas, mas a sua integração no regime regra das carreiras gentis, não fez boa interpretação e aplicação do direito – e, consequentemente, não administrou boa justiça».


8. Sucede que no percurso que o recorrente efectua pelo acórdão nº 794/2013 do Tribunal Constitucional, bem como pelos diversos diplomas que invoca, não se identifica o que seria essencial: o argumento que poderia afastar o regime que resulta da conjugação dos artigos 2º e 10º da Lei nº 68/2013, de 29 de Agosto, nos termos dos quais o disposto no artigo 2º – cujo nº 1 estabelece que o período normal de trabalho dos trabalhadores em funções públicas é de oito horas por dia e quarenta horas por semana – tem natureza imperativa e prevalece sobre quaisquer leis especiais.


9. Como se dizia no acórdão do Tribunal Constitucional invocado pelo próprio recorrente (acórdão nº 794/2013, de 21.11.2013), «[a] imperatividade de tal período normal de trabalho estatuída no artigo 10º da Lei em apreço visa tão só garantir que os novos limites máximos se impõem, quer a leis especiais, quer a instrumentos de regulamentação colectiva do trabalho, desde que as primeiras e os segundos sejam anteriores à mesma Lei e prevejam uma duração do trabalho mais reduzida. Trata-se de uma solução destinada a garantir a eficácia imediata da alteração do período normal de trabalho dos trabalhadores em funções públicas e que todos estes trabalhadores fiquem colocados numa situação inicial de igualdade, a partir da qual, futuramente, se poderão estabelecer as diferenciações que, em função dos diferentes sectores de actividade e pelos modos previstos nos regimes próprios aplicáveis, sejam consideradas convenientes» (…)”.


13. Vale isto por dizer que sendo exactamente a mesma a questão decidenda, torna-se manifesto que não assiste razão ao sindicato recorrente no que toca ao mérito da pretensão deduzida, que assim terá de improceder, com a consequentemente confirmação da sentença recorrida nesta parte.


* * * * * *


Já o mesmo não se dirá quanto ao segmento do dispositivo da sentença recorrida, na parte em que condenou o sindicato autor nas custas do processo.


14. Da análise do teor da PI, decorre de forma manifesta que o sindicato autor actua em representação na defesa colectiva dos seus associados, nos termos das suas atribuições previstas nos artigos 7º, alínea a), 8º, alínea f) e 12º, alíneas c) e d) dos respectivos Estatutos (cfr. também o disposto no artigo 56º da CRP).


15. E, por assim ser, o mesmo está isento de custas, nos termos previstos no artigo 4º, alínea f) do RCP, pelo que a decisão recorrida, ao condenar o sindicato recorrente em custas, incorreu em erro de julgamento (mas não em nulidade, como sustenta o sindicato recorrente), não podendo, pois, manter-se essa condenação.


IV. DECISÃO


16. Nestes termos, e pelo exposto, acordam em conferência os juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo – Subsecção Social deste TCA Sul em conceder parcial provimento, revogando a sentença recorrida no segmento em que condenou o sindicato recorrente em custas, por este delas estar isento, mas confirmando-a no demais.


17. Sem custas em ambas as instâncias, por isenção do sindicato recorrente, sem prejuízo do disposto no artigo 4º, nº 7 do RCP (artigo 4º, nº 1, alínea f) do Regulamento das Custas Processuais).


Lisboa, 20 de Novembro de 2025


(Rui Fernando Belfo Pereira – relator)


(Luís Borges Freitas – 1º adjunto)


(Maria Helena Filipe – 2ª adjunta)