Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:357/09.8BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:06/05/2025
Relator:VITAL LOPES
Descritores:DIREITO DE AUDIÇÃO
PRETERIÇÃO DE FORMALIDADES ESSENCIAIS
CORRECÇÕES DIRECTAS E POR VIA INDIRECTA
ÓNUS DE PROVA DO SUJEITO PASSIVO
DEFICIT INSTRUTÓRIO
Sumário:i) Se a impugnante, ora Recorrida, foi notificada para exercer o direito de audição prévia na fase instrutória do procedimento prevista nos artigos 60.º, n.º 1 al. e) da LGT e 60.º do RCPIT, e exerceu tal direito, a rejeição fundamentada do meio de prova testemunhal apresentado com a resposta não inquina o procedimento de vício de forma invalidante do acto final de liquidação.

ii)A AT não está obrigada a realizar todas as diligências de prova que os interessados requeiram na fase da audiência prévia, bastando que justifique quais as razões atinentes ao efeito. O diferente juízo da AT e do contribuinte quanto à relevância, pertinência, ou utilidade, dos depoimentos requeridos na resposta não consubstancia preterição de formalidade essencial, se a AT pronunciou-se sobre a desnecessidade de tal audição justificando as razões (bem que erróneas) na base do seu entendimento.

iii)O Tribunal de apelação só conhece das questões prejudicadas se para tanto dispuser dos elementos factuais que o habilitem a uma decisão esclarecida.

Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SUBSECÇÃO COMUM DA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL


I. RELATÓRIO

A Autoridade Tributária e Aduaneira, inconformada, vem interpor recurso da decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação apresentada por P. …………….., Construção Civil, Lda. (sociedade já extinta e liquidada à qual sucederam, conjuntamente, Paulo ………….. e Maria ……………., na qualidade de ex-sócios da Impugnante originária), contra os atos tributários de liquidação adicional de IRC, dos exercícios 2004 e 2005 e correspondentes juros compensatórios, emitidos na sequência de procedimento de inspeção tributária que teve subjacente a aplicação de métodos indiretos na determinação da matéria tributável, e dos quais resultaram a pagar, após compensação, as quantias de €6.096,79 e €5.117,85, respetivamente.

Alega para tanto, conclusivamente: «

A. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou procedente a Impugnação Judicial deduzida contra os atos de liquidação adicional de IRC dos exercícios de 2004 e 2005, no valor total de € 11.124,64.

B. Com o devido respeito que é muito, não pode a Recorrente concordar com o assim decidido na sentença recorrida pelos motivos que se resumirá.

C. E porque relevante, para o presente recurso não podemos deixar de convocar o parecer proferido pelo do Ilustre Magistrado do Ministério Público no âmbito dos autos de Impugnação (onde adere na integra à fundamentação da Recorrente), bem como o Acórdão já proferido pelo Venerando Tribunal, processo n.°161/08.6BESNT, datado de 9 de junho de 2021, sobre questão similar à dos autos.

D. Ora, resulta dos autos, que a Recorrida foi alvo de uma ação de inspeção à sua contabilidade a coberto das Ordens de Serviço n° OI200802415 e n° OI200802416, de 15.05.2008, visando a análise do cumprimento das obrigações contabilísticas e fiscais sobre os exercícios de 2004 e 2005.

E. No decurso da ação inspetiva e através do ofício registado n.° 071574 de 23.09.2008 foi-lhe notificado o Projeto de relatório de inspeção tributária, para o Recorrido, querendo, exercer o direito de audição prévia (vide artigos 60.° do RCPIT e 60.° da LGT), tendo em 06.10.2008, exercido esse direito na qual esgrimiu os argumentos que considerou relevantes no sentido de inverter as conclusões da Inspeção Tributária, juntando ainda documentos e arrolando testemunhas.

F. No entanto resulta da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que existiu a preterição de uma formalidade essencial (vide artigo 60.°, n.° 7 da LGT) consubstanciada no direito material de audição prévia que conduziu à anulação das liquidações de IRC de 2004 e 2005.

G. Salvo o devido respeito que é muito o Tribunal decidiu mal.

H. Analisado o relatório final de inspeção tributária, ressalta claramente que os argumentos apresentados, bem como a prova carreada pelo Recorrido em sede de audição prévia foram objeto de análise e ponderação pela AT, encontrando-se, devidamente, fundamentados e refutado, fundamentadamente, as razões referentes à improcedência.

I. De facto, não podemos olvidar que o Recorrido requereu a audição de testemunhas aquando do exercício de audição prévia ao projeto de Relatório de Inspeção Tributária.

J. E, de facto, não merece qualquer contestação a certeza que, em sede de procedimento, nenhum interessado pode ser alvo de uma decisão administrativa que afete os seus interesses sem ter sido previamente informado pela Administração do sentido dessa decisão, impendendo sobre esta um dever de atuação no sentido da criação das condições fáticas para assegurar a audiência do administrado em momento prévio à decisão.

K. Sendo, também, inquestionável que o direito de participação não se reduz à mera formalidade de notificação do interessado para se pronunciar sobre o projeto de uma decisão administrativa desfavorável aos seus interesses.

L. Por outro lado, constata-se que a AT se encontra vinculada à prossecução do interesse público, tendo a obrigação de realizar as diligências que se afigurem necessárias ao apuramento da verdade material dos factos na qual deve assentar a sua decisão, dando assim cumprimento ao princípio do inquisitório que deve pautar a sua atuação.

M. Contudo, deste princípio não resulta a obrigatoriedade para a AT de realizar todas as diligências requeridas pelos contribuintes, nem a admissibilidade absoluta de todos os meios de prova, pelo que recairá sobre o órgão instrutor do procedimento um prudente juízo de adequação dessas diligências e dos meios de prova com vista à realização do interesse público, isto é, que sejam necessários para a alcançar a verdade material.

N. Destarte, a AT não está obrigada a efetuar todas as diligências de prova que os interessados requeiram na fase da audiência prévia, conforme o atual artigo 125.° do CPA, que refere que “Após a audiência, podem ser efetuadas, oficiosamente ou a pedido dos interessados, as diligências complementares que se mostrem convenientes.”.

O. Embora seja inegável que as testemunhas arroladas não foram inquiridas em sede de audiência prévia, não se pode vir afirmar que a defesa apresentada pelo Recorrido não foi ponderada antes da prolação dos atos finais questionados nestes autos.

P. Com efeito, tal valoração conceptual resulta, desde logo, da leitura do relatório de inspeção tributária, ressaltando, claramente, que os argumentos por si apresentados nesta sede foram objeto de análise e ponderação pela AT, encontrando-se, devidamente, fundamentados.

Q. É certo que a AT decidiu de modo diferente quanto às pretensões da Impugnante, concluindo pela irrelevância dos mesmos para alterar as propostas de correções, mas a verdade é que se pronunciou sobre a desnecessidade de tal audição justificando as razões que estavam na génese do seu juízo de entendimento.

R. Salvo melhor entendimento, considera a Recorrente que os elementos de suporte à contabilidade tais como contratos, folhas de presença, autos de medição, folhas de obras, guias de transporte, troca de correspondência e meios de pagamento têm de existir e ser arquivados conforme estipula a alínea a) do n.°3 e n.° 5 do artigo 115.° do CIRC, não havendo possibilidade de substituição por qualquer prova testemunhal.

S. O facto de vigorar na nossa ordem jurídica o princípio da prevalência da substância pela forma, não pode justificar a ausência total de comprovativos da materialidade das operações que a prova testemunhal, por natureza, não consegue suprimir.

T. Nestes termos, a não audição das testemunhas não implica qualquer violação, pois todos os elementos trazidos pela contribuinte em sede de direito de audição foram exaustivamente analisados como consta no Ponto IX - Direito de audição do relatório final da inspeção.

U. Caso assim não se entenda, sempre se dirá que o aduzido pelo Recorrido e asseverado pelo Tribunal a quo, nunca lograria o efeito útil e a cominação que a mesma pretende atribuir, face, desde logo, à teoria do aproveitamento do ato administrativo.

V. E isto porque, o elenco das testemunhas evidenciados no direito de audição prévia é semelhante ao rol constante na p.i., não tendo sido as mesmas ouvidas na fase judicial, em virtude da sua dispensa pelo douto Tribunal.

W. rPelo que a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, a nosso ver, fez uma incorreta interpretação de facto e de direito das normas legais e da ratio legis que a fundamentam, nomeadamente das convocadas ao longo das presentes Alegações de Recurso, incorrendo assim em erro de julgamento, devendo ser revogada, com as legais consequências.

X. Pelo que deverá o presente recurso ser considerado procedente e, consequentemente, ser anulada a sentença recorrida e substituída por uma outra.

Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser considerado procedente o presente recurso e revogada a douta sentença na parte recorrida, como é de Direito e Justiça

Não foram apresentadas contra-alegações.

A Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta, emitiu mui douto parecer no qual conclui que deve ser concedido provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.


II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cf. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Assim, analisadas as conclusões da alegação do recurso, a questão a resolver reconduz-se a saber se a sentença incorreu em erro de julgamento ao concluir que a circunstância de a administração tributária não ter ouvido, na audição prévia sobre o projecto de conclusões do relatório, as testemunhas indicadas pela impugnante, constitui preterição de formalidade essencial, vício invalidante do impugnado acto final do procedimento.

III. FUNDAMENTAÇÃO
A) OS FACTOS

Na sentença recorrida deixou-se factualmente consignado: «

A) A Impugnante é uma sociedade por quotas que se encontra colectada pela actividade de Construção de Edifícios (Residenciais e Não Residenciais) - CAE 41200 (cfr. RIT a fls. 49 e seguintes do PA apenso);

B) A Impugnante encontra-se enquadrada, em sede de IRC, no regime normal de tributação (cfr. RIT a fls. 49 e seguintes do PA apenso);

C) Em cumprimento das Ordens de Serviço n° OI200802415 e n° OI200802416, de 15.05.2008, os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Lisboa realizaram uma acção inspectiva externa à Impugnante, de âmbito geral, visando a análise do cumprimento de todas as obrigações contabilísticas e fiscais, incidente sobre os exercícios de 2004 e 2005 (cfr. RIT a fls. 49 e seguintes do PA apenso);

D) A acção de inspecção teve a sua origem o facto de haver indícios de que um cliente da Impugnante - "J........ ………. & Filho" - seja emitente de facturas falsas, sendo, portanto, objectivo da inspecção averiguar a veracidade das operações (cfr. RIT a fls. 49 e seguintes do PA apenso);

E) Através do ofício registado n° 071574 de 23.09.2008 foi enviado à Impugnante o Projecto de Relatório de Inspecção Tributária, para esta, querendo, exercer o direito de audição prévia (cfr. fls. 169 e seguintes do PA apenso);

F) Através de requerimento escrito datado de 06.10.2008, a Impugnante exerceu o direito de audição prévia, com base nos fundamentos que se dão aqui por reproduzidos, dele constando ainda o seguinte:
"(...) PROVA:
A) DOCUMENTAL - 4 documentos [correspondentes a 4 orçamentos].
B) TESTEMUNHAL Requer-se:
- A audição do técnico oficial de contas da ora respondente Dr. ………….., com sede na Rua Dr. ………….., n.° 93-A, 2725-490 ----------- para esclarecimento de todos os elementos contabilísticos referentes à ora respondente, assim como da Técnica Oficial de Contas, P…………….., identificada a Fls. 6 do Projecto de Decisão.
E ainda de:
- R….. …………………, gerente, residente na Rua
- V ……………, pedreiro, residente na Rua
- C …………….., casado, Pedreiro, residente na Rua...;
- J ……………, casado, Pedreiro, residente na Rua ...;
- Victor …………, casado, residente na Rua ....
Todos com conhecimento pessoal e directo dos factos aqui alegados pela respondente."

(cfr. Doc. 2 junto com a p.i. e fls. 215 e seguintes do PA apenso);

G) Em 13.10.2008, foram elaboradas as conclusões do Relatório de Inspecção Tributária (RIT), tendo sido efectuadas, em sede de IRC, correcções à matéria tributável dos exercícios de 2004 e 2005, com recurso a métodos indirectos, no montante de € 19.525,02 e € 16.960,37, com base na seguinte fundamentação:
"(...) III - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA COLECTÁVEL
(...) 2. Verificou-se que não há recibos emitidos a clientes servindo as facturas emitidas para lançar o proveito e o respectivo pagamento em simultâneo, não existindo assim, qualquer saldo de clientes em divida para o ano de 2004 e em relação ao ano de 2005 o procedimento é semelhante.
Quanto às facturas de subcontratos, quer da firma J ……………. Sociedade de Construções, Lda quer dos dois pedreiros, estão acompanhadas dos recibos, sendo o pagamento lançado em simultâneo com o custo através da conta de caixa.
As restantes despesas foram todas contabilizadas em caixa através de pagamento em numerário, o que é razoável para despesas de pequeno valor. O mesmo não faz sentido, para as facturas do fornecedor J …………… Sociedade de Construções, Lda. atendendo aos montantes envolvidos que variam de € 7.140,00 a €53.550,00.
Conforme o disposto no art. 63°-C da LGT, a partir de 2005, os sujeitos passivos de IRC são obrigados a possuir, pelo menos uma conta bancária através da qual devem ser movimentados os pagamentos e recebimentos respeitantes à actividade empresarial desenvolvida. No caso em apreço o sujeito passivo não evidencia na contabilidade a coma 12 - Bancos, o que revela um incumprimento desta disposição legal.
A empresa apresenta quer em 2004, quer em 2005, um resultado fiscal bastante reduzido para a actividade exercida.
3. Subcontratos
Quanto aos subcontratos verifica-se que há dois trabalhadores em nome individual a facturarem serviços de pedreiro no montante de 10.418,75€ em 2004 e 17.826,50€ em 2005, havendo também a firma J ………… & Filho Sociedade de Construções, Lda. que lhe facturou "trabalhos de pedreiro", no montante de 278.500,00€ em 2004 e 254.000,00€ em 2005. Quanto ao pagamento das facturas do fornecedor J …………… &. Filho Sociedade de Construções, Lda, foi dito que o mesmo se efectuava em dinheiro ou em cheque. Não foram apresentadas quaisquer provas documentais referentes a estes pagamentos não sendo assim possível a sua confirmação.
Analisada a conta corrente deste fornecedor verifica-se que não existe qualquer saldo em dívida sendo os recibos contabilizados na mesma data que as facturas, no entanto o Sr. J………….o (gerente da empresa J ………………. & Filho Sociedade de Construções, Lda) afirma que este cliente lhe deve bastante dinheiro. Além das facturas não existe qualquer outro comprovativo da realização dos trabalhos por parte da empresa J ………… & Filho Sociedade de Construções, Lda.
Esta empresa que funciona com 6 empregados inscritos na segurança social, um gerente, 2 trabalhadores por conta própria e serviços prestados pelo fornecedor "J........ ....... & Filho Soc. Construções. Lda." no montante de 278.500.00€ em 2004 e 254.000.00€ em 2005, facturou em 2004 serviços prestados no montante de 438.100,29€ e em 2005 no montante de 381.877,55€.
Situação Fiscal do Fornecedor dg Subcontratos - J........ ....... & Filho Soc. de Construções. Lda
Analisada a situação fiscal do fornecedor J........ ....... & Filho Sociedade de Construções, Lda verificou-se o seguinte:
1 - Existência de excesso de actividade e exagero no volume de serviços prestados, por parte da firma J........ ....... & Filho, sem qualquer correspondência na capacidade real da empresa.
2 - Inexistência de trabalhadores inscritos na segurança social e quanto aos trabalhadores ilegais que o sujeito passivo diz contratar não há quaisquer provas da sua existência.
3 - Inexistência de contabilidade.
4 - Falta de provas dc subcontratos.
5 - Não há aquisição de materiais ou equipamentos.
6 - Quanto ao recebimento das facturas emitidas, ou foi em dinheiro ou foi em cheque e neste caso, à excepção de um cliente (Rebel), desconhecem-se os beneficiários.
7- 0s recibos são emitidos na data da factura o que prova que nada tem a ver com o pagamento das mesmas já que o Sr. J........ ....... afirma que os clientes lhe devem dinheiro.
8 - Na contabilidade dos clientes, ou não há saldos em dívida, ... Quer uns quer outros revelam falta de veracidade.
9- Não lhe foi atribuído qualquer alvará dc construção / titulo de registo por parte do IMOPPI - Instituto Nacional de Construção e do Imobiliário.
Pode-se assim concluir que a empresa J........ ....... & Filho Sociedade de Construções, Lda. não tem capacidade nem estrutura empresarial para realizar os trabalhos que factura.
(...) pode-se concluir pela existência de fortes indícios de estarmos na presença de facturas que não traduzem prestações de serviços efectivos, ou seja, pela existência de facturação falsa (...).
4. Em face do exposto venefica-se o seguinte:
1 - Existência de excesso de custos.
2 - As facturas relativas a subcontratos foram todas pagas em dinheiro, não existindo prova do pagamento.
3 - Os recibos são emitidos na data da factura não existindo qualquer saldo em divida na conta do fornecedor o que, para uma empresa de pequenas dimensões como esta, revela que os mesmos não correspondem ao pagamento efectivo das facturas.
4 - O fornecedor dos subcontratos (serviços de pedreiro) não tem trabalhadores nem estrutura empresarial que lhe permitissem efectuar os trabalhos que facturou á empresa P ……………., Lda.
Conclusão
Perante os factos descritos verifica-se que as facturas de subcontratos não podem corresponder a operações reais mas sim a operações fictícias ou inexistentes, podendo-se concluir pela existência dc facturação falsa, emitida pela empresa J........ ....... & Filho Sociedade de Construções, Lda e contabilizada como custo pela empresa P ……………., Lda.
(...) No caso em concreto, o sujeito passivo, contabilizou custos e deduziu o IVA correspondente a operações não reais, lesando assim, os Cofres do Estado, através da redução do montante das suas obrigações tributáveis, cm termos de IRC e IVA.
(...)
IV- MOTIVO E EXPOSIÇÃO DOS FACTOS QUE IMPLICAM O RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS
Pelos motivos expostos nos capítulos III conclui-se que a contabilidade desta empresa não merece credibilidade, não sendo possível apurar por métodos directos o Lucro Tributável do sujeito passivo, nos termos do art° 17° do CIRC, pelo que se vai proceder à aplicação de métodos indirectos para cálculo do mesmo, nos termos dos artigos 87° al. b) e 88° al. a) da LGTe 52° do CIRC, tendo em atenção o disposto no art. 90° da L.G.T.
V- CRITÉRIOS E CÁLCULOS DOS VALORES CORRIGIDOS COM RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS
IRC
(...)
Na falta de outros elementos que nos permitam apurar o Lucro Tributável, vai ser utilizada a Média dos Coeficientes de Rentabilidade Fiscal da Actividade de Construção de Edifícios, CAE 45211, relativo aos exercícios de 2004 e 2005, apurados a nível Nacional, para cálculo do mesmo.
Conforme prints do sistema informático da DGITA - Rácios de IRC - Rácios Nacionais, em Anexo D, com 2 folhas, a média dos Coeficientes de Rentabilidade Fiscal - Valores Nacionais, identificado por R04, para o exercício de 2004 é de 6,91% e para o exercício de 2005 é de 7,00%.
(...) 
Então: LT =R04 x VN

(...)
... O sujeito passivo exerceu o direito de audição por escrito, por intermédio da sua advogada (…), Apresentou as seguintes alegações (cópia em Anexo F):

I
O projecto de Relatório é ilógico e carece de fundamentação, nomeadamente:
1A (...) quanto às facturas de subcontratos... estão acompanhadas dos recibos, sendo o pagamento lançado em simultâneo com o custo através da conta caixa ... Isto significa um procedimento contabilístico absolutamente coerente, ou seja, contabiliza todas as despesas de forma igual.
Quanto a isto cumpre-me dizer que não foi referido no relatório a existência de um procedimento contabilístico incoerente, pelo contrário, o procedimento é o mesmo independentemente dos montantes envolvidos.
... Penso que a leitura integral daquele parágrafo esclarece a dúvida aqui levantada:
"As restantes despesas foram todas contabilizadas em caixa através de pagamento em numerário, o que é razoável para despesas de pequeno valor. O mesmo não faz sentido, para as facturas do fornecedor J........ ....... Sociedade de Construções, Lda. atendendo aos montantes envolvidos que variam de €7.140,00 a €53.550,00".
1B - ... projecto de relatório contém contradição intrínseca, na 1ª parte refere-se à existência de facturas e recibos e na 2ª parte diz-se que além das facturas não existe qualquer outro comprovativo da realização dos trabalhos.
É certo e sabido que a confirmação documental dos pagamentos é dada com o recibo, utilizado nas relações comerciais como declaração de quitação.
Quanto a esta questão cumpre-me dizer que efectivamente, além das facturas existem recibos, mas que, nem uns nem outros, só por si, provam a realização efectiva das operações. São apenas documentos que podem ou não corresponder a operações reais. (...) não existe correspondência com a realidade já que foram procuradas outras provas da existência das operações bem como do respectivo pagamento e não foram encontradas (por exemplo: seguro do pessoal, seguro da obra, correspondência com o subempreiteiro, etc...).
II
O sujeito passivo alega que os dados ou as premissas em que a inspecção tributária se baseou para chegar à conclusão da facturação falsa, são absolutamente falaciosos e intrinsecamente contraditórios.
. A conclusão só se pode ter ficado a dever ao facto de a inspecção não ter logrado obter conhecimento efectivo da realidade dos factos e/ou fazer uma interpretação errada, e mesmo abusiva, acerca dos factos que alegadamente apreciou.
Cumpre-me dizer que nem sempre é possível proceder ao conhecimento efectivo da realidade dos factos, ou seja, à comprovação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável, razão pela qual a lei prevê a avaliação indirecta — al. b) do art. 87° da LGT.
Atendendo à falta de credibilidade da contabilidade do sujeito passivo, ... não parece ter havido interpretação errada nem abusiva dos factos apreciados pela Administração Fiscal (...).
IV
1 - O sujeito passivo alega que, sendo uma empresa de construção civil na área de pedreiro, que constrói edifícios em altura, necessita para o exercício da sua actividade de andaimes colocados nas obras, não tendo esta adquirido, alugado ou montado quaisquer andaimes.
O número de trabalhadores da empresa, num total de 6o eram manifestam ente insuficientes (...).
O sujeito passivo alega que os 6 trabalhadores eram manifestamente insuficientes ...
... quantos trabalhadores é que a empresa J........ ....... & Filho Sociedade de Construções necessitava ter para realizar todo o trabalho a efectuar nas restantes 5 obras? Não tem trabalhadores.
Refere a necessidade da colocação de andaimes mas não faz prova de que foi o fornecedor J........ ....... que lhos colocou já que aquele não tinha estrutura para ter realizado aquele trabalho.
2- Quanto ao Pagamento (...)
Quanto a esta questão cumpre-me dizer que não é normal nesta actividade e numa empresa de pequenas dimensões que exista tanta liquidez de tesouraria que permita que os pagamentos se façam com tamanha prontidão.
Se não existe conta corrente do fornecedor bem como dos clientes como é que se controlam os pagamentos efectuados e as dívidas existentes?
No final do mês, quando é emitida a factura pelo fornecedor como é que o sujeito passivo tem conhecimento e prova os valores que já foram pagos? Não há recibos correspondentes a esses pagamentos, não há cheques comprovativos dos pagamentos e a memória por vezes falha. Poderiam existir comprovativos extraconlabilisticos, mas não foram apresentados.
Se a empresa tem conta bancária (Caixa de Crédito Agrícola Mútuo) porque razão não se encontram reflectidos os seus movimentos na contabilidade.
...Cumpre-me ainda dizer que a emissão de recibos não confirma a existência de pagamentos.
... Perante os factos apresentados verifica-se a impossibilidade de se poder estabelecer uma relação inequívoca entre os documentos apresentados como de pagamento (recibos) e os pagamentos efectivos das facturas contabilizadas, pelo que se conclui que os supostos pagamentos em numerário não se apresentam como credíveis.
3- O sujeito passivo alega que a conclusão da inspecção se prende fundamentalmente com a designada "Análise da situação fiscal do fornecedor - J........ ....... & Filho Sociedade de Construção, Lda " não podendo a respondente ser responsabilizada pelos actos ou omissões de tal firma.
Se atendermos à situação do fornecedor de serviços que não dispõe de estrutura adequada e apropriada de forma a garantir a realização efectiva dos trabalhos, não é possível comprovar o pagamento das facturas, não existem orçamentos (o orçamento apresentado aquando do exercício do direito de audição não foi elaborado pelo sr. J........ ......., apenas foi assinado por ele), tais factos só por si são prova suficiente de que aquelas facturas não podem ser reais.
(…)
4 - Numa obra na Expo, onde a firma J........ ....... & Filho estava a prestar serviços para a respondente, em 07/03/2006, ocorreu uma fiscalização da Inspecção Geral do Trabalho, tendo sido levantado um auto, por violação de algumas regras de segurança, pelo que foram suspensos os trabalhadores da obra. Na sequência, a empresa enviou um requerimento para a inspecção Geral do Trabalho a solicitar a suspensão do auto. do qual junta cópia.
Foi enviado um fax ao IMOPPI Instituto de Mercados de Obras Públicas e Particulares e de Imobiliário a solicitar informação sobre o processo n° PI 97/06 CC relacionado com uma acção inspectiva à firma P ……………… Construção Civil, Lda. Esta entidade enviou cópia de dois documentos elaborados em sequência da inspecção cuculada onde se verifica a intervenção da empresa Paulo Ferreira Gomes Construção Civil, Lda. não existindo qualquer referência à empresa J........ ....... & Filho Sociedade de Construções. Lda.
O requerimento referido no direito de audição, apesar de ter o carimbo da empresa J........ ....... & Filho Sociedade de Construções, Lda. e estar assinado pelo sr. J........ António Ramos ....... não tem qualquer registo de entrada no IMOPPI ou outra entidade pública, pelo que se desconhece se foi ou não recepcionado, não possuindo, assim, qualquer validade.
Por outro lado, as correcções constantes deste relatório respeitam aos exercícios de 2004 e 2005 enquanto que a inspecção efectuada pelo IMOPPI foi realizada em 2006.
5 - Existência de Excesso de Custos
... a empresa apenas foi constituída em 2002 pelo que a experiência dos seus gerentes era muito pouca, razão pela qual alguns orçamentos geraram prejuízo e outras margens muito pequenas. Apresentou também como justificação a recessão do sector, a escassez de trabalho e a tentativa de ganhar clientela. Cumpre-me dizer que a falta de experiência dos gerentes não justifica o excesso de custos já que:
- Por um lado, os exercícios de 2004 e 2005 não foram os primeiros em que o sujeito passivo exerceu actividade.
- Por outro, a empresa tinha a seu cargo todo o serviço de pedreiro de 6 obras, pelo que, se elaborou mal alguns orçamentos teve oportunidade de corrigir os restantes. Atendendo a que a maior parte dos custos respeitam a mão-de-obra e subcontratos, estes últimos pagos à semana (conforme é referido pelo sujeito passivo), então rapidamente os gerentes teriam a noção se as obras iriam dar lucro ou prejuízo.
Daqui se conclui que o primeiro e segundo orçamentos poderiam gerar prejuízos ou baixo lucro, mas para os restantes já não existe justificação.
Quanto à segunda justificação apresentada faria sentido para empresas de média e grande dimensão com capacidade financeira para fazer face à referida situação e não para uma empresa de pequena dimensão como esta.
Os sócios gerentes têm como únicos rendimentos os salários recebidos desta ... pelo que também não podem suportar custos da empresa. ...
V
PROVA
A) Prova documental
Apresentou um orçamento do fornecedor J........ ....... & Filho Sociedade de Construções, Lda cujo conteúdo não foi escrito pelo sr. J........ ....... tendo este apenas aposto a sua assinatura. Apresentou dois orçamentos elaborados pela empresa P ………………..Construção Civil, Lda que nada provam.
B) Prova Testemunhal
Quanto à prova testemunhal cumpre-me dizer que atendendo às relações laborais ou de parentesco existentes entre as testemunhas arroladas e a empresa visada, ou os seus gerentes, ou os seus trabalhadores, as declarações que os mesmos pudessem vir a prestar seriam desconsideradas por falta de imparcialidade, pelo que se concluiu pela não audição das referidas testemunhas.
Apresentam-se as seguintes razões:
- Os técnicos oficiais de contas prestam serviços de contabilidade ao sujeito passivo pelos quais são remunerados.
- C………., NIF ………….., é trabalhador dependente desde 2003.
- J........ ………………….era trabalhador independente em 2004 e trabalhador dependente a partir de 2007.
- Victor ………….. é trabalhador dependente desde 2003.
- Vital …………….. concluiu-se pelo nome que é familiar de Victor …………
- Rui ………………, é administrador da empresa Construções J ………………… e Filhos, Lda, empresa para a qual o sujeito passivo facturou serviços de pedreiro. Trata-se portanto do representante de um cliente que devido às suas relações empresariais implicam interesses comuns. (...)
CONCLUSÃO
Analisada a argumentação contida no direito de audição, e uma vez que não foram apresentados quaisquer elementos com substância para colocar em causa as conclusões contidas na proposta inicial, as correcções propostas no Projecto de Relatório convertem-se em definitivas. (...)" (cfr. RIT a fls. 49 e seguintes do PA apenso);

H) Na sequência da acção inspectiva, e em concretização das correcções vertidas no RIT, foram emitidos, em nome da Impugnante, os seguintes actos tributários:
Por referência ao exercício de 2004:
- Liquidação adicional de IRC n° ……………….774, de 17.12.2008;
- Liquidação de juros compensatórios n° ……………020, no montante de € 702,65;
- Demonstração de acerto de contas n° ……………..524, com valor a pagar de € 6.096,79, tendo como data limite de pagamento voluntário 02.02.2009;
Por referência ao exercício de 2005:
-Liquidação adicional de IRC n° ………………794, de 17.12.2008;
- Liquidação de juros compensatórios n° ………………098, no montante de €442,64;

- Demonstração de acerto de contas n° …………….292, com valor a pagar de € 5.117,85, tendo como data limite de pagamento voluntário 11.02.2009 (cfr. Docs. 4 e 5 juntos com a p.i. e fls. 273 e seguintes do PA apenso);

I) A Impugnante deduziu a presente impugnação judicial em 31.03.2009 (cfr. fls. 2 dos autos).


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Inexistem factos não provados com interesse para a decisão da causa.

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MOTIVAÇÃO: Quanto aos factos provados, a convicção do Tribunal fundou-se na análise da prova documental constante dos autos e do PA apenso, conforme explicitado em cada uma das alíneas supra.»

B.DE DIREITO

Como o ilustra o probatório, a impugnante foi sujeita a uma acção inspectiva de que resultaram, entre outras, correcções aritméticas e por via indirecta à matéria tributável do IRC, por desconsideração das facturas contabilizadas do emitente “J........ ....... Sociedade de Construções, Lda.”.

Notificada para audição prévia sobre as conclusões do relatório, a impugnante requereu, na resposta apresentada, fossem ouvidas as testemunhas arroladas para prova dos factos alegados.

A administração tributária entendeu ser de não produzir a prova testemunhal requerida com a seguinte fundamentação (consta do RIT, a fls.70 do apenso instrutor):
«Quanto à prova testemunhal, cumpre-me dizer que atendendo às relações laborais ou de parentesco existentes entre as testemunhas arroladas e a empresa visada, ou os seus gerentes, ou os seus trabalhadores, as declarações que os mesmos pudessem vir a prestar seriam desconsideradas por falta de imparcialidade, pelo que se concluiu pela não audição das referidas testemunhas.
Apresentam-se as seguintes razões:
- os técnicos oficiais de contas prestam serviços de contabilidade ao sujeito passivo, pelos quais são remunerados;
- C ……………….…, é trabalhador dependente desde 2003;
- J........ ……………., era trabalhador independente em 2004 e trabalhador dependente a partir de 2007;
-Victor………… é trabalhador dependente desde 2003;
- Vital …………u, concluiu-se pelo nome que é familiar de Victor …………;
- R ………………, é administrador da empresa Construções J ………………. e Filhos, Lda., empresa para a qual o sujeito passivo facturou serviços de pedreiro. Trata-se, portanto, do representante de um cliente que devido às suas relações empresariais implicam interesses comuns.
(…)».

Sobre esta pronúncia da administração tributária, a sentença ponderou o seguinte, para inconformismo da recorrente:

«Ora, embora a AT expresse a razão pela qual não procede à audição das testemunhas, a mesma não pode ser aceite, por ser manifestamente abusiva e desprovida de sentido, traduzindo-se numa limitação ilegal do direito de participação e defesa do contribuinte.

A aceitar-se a justificação genérica e abstracta de que o facto de haver relações profissionais ou familiares das testemunhas com a Impugnante implica automaticamente a falta de imparcialidade das mesmas, então estar-se-ia a abrir caminho para se rejeitar a produção de prova testemunhal na generalidade dos casos, o que não é admissível.

Tem razão a Impugnante quando refere que serão estas pessoas - os TOC, trabalhadores, clientes - que têm conhecimento directo do modus operandi da sociedade, e, portanto, as únicas capazes de influenciar verdadeiramente a tomada de decisão num procedimento de inspecção. Não se vislumbra, aliás, que tipo de pessoas sem qualquer relação com a Impugnante poderiam ter conhecimento da sua actividade.

Por outro lado, colocar em causa, à partida, a falta de imparcialidade e credibilidade de todas as testemunhas é inconcebível e até atentatório dos princípios da boa-fé, e mesmo da descoberta da verdade material.

A motivação dada, no caso vertente, pela AT para rejeitar a inquirição de testemunhas está, pois, inquinada de preconceito e pré-juízos inaceitáveis, que se reconduzem a uma clara violação do conteúdo do direito de audição, na sua vertente de direito dos interessados a requererem a realização de diligências complementares, e mesmo violação do princípio do inquisitório.

Note-se que a relevância da prova testemunhal é, neste caso concreto, acrescida, exactamente por se tratar de recurso a métodos indirectos, com indiciação de facturas falsas.

A prova testemunhal não só poderia influenciar no âmbito dos pressupostos de recurso à avaliação indirecta, como na própria demonstração da materialidade das operações, já que o ónus da prova cabe ao sujeito passivo (veja-se, neste sentido, a título exemplificativo, os acórdãos do TCAS de 31.10.2019, processo n° 1729/14.1 BELRS, ou de 28.11.2019, processo n° 1264/15.0BELRA).

Deste modo, face às regras do ónus da prova e à matéria em causa, a prova testemunhal indicada pela Impugnante não só se demonstrava relevante, como até essencial, contribuindo, pois, para a justeza e correcção do acto final.».

Concordamos com este modo de ver. No entanto, já não podemos acompanhar a sentença, quando, a final, remata:
«
Assim, face ao que vem sendo dito, uma vez oferecida prova testemunhal para demonstração da factualidade invocada no direito de audição, com vista a contrariar os factos que constam do projecto de relatório inspectivo, e tendo a AT mantido, no relatório final, os factos por si aduzidos sem ter procedido à produção da prova testemunhal, dá-se por verificada a preterição de uma formalidade essencial consubstanciada no direito material de audição prévia, ou direito de participação da Impugnante, na vertente de requerer diligências complementares de prova, com reflexo na violação do principio da descoberta da verdade material, o que gera vício de procedimento que invalida os actos finais impugnados (i.e., actos de liquidação de IRC).».

Com efeito, sendo certo que o direito de participação tem garantia constitucional no art.º 267.º, n.º 5 da CRP e está positivado na lei ordinária, tanto no art.º 60.º da lei geral tributária, como especialmente no art.º 60.º Regulamento Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, a verdade é que esse direito foi concedido pela administração tributária e exercido pelo contribuinte, na fase do procedimento legalmente prevista (art.º 60.º, n.º 1 al. e) da LGT).

Por outro lado, a administração tributária não deixou de fundamentar a sua decisão quanto à rejeição do meio de prova testemunhal. Se essa fundamentação se mostra errónea, tal poderá inquinar o acto final do procedimento de vício substantivo por erro nos pressupostos (a prova testemunhal produzida em Tribunal na impugnação contenciosa daquele acto acaba por evidenciar factos que comprometem a base factual de que a administração tributária se serviu para corrigir a situação tributária do contribuinte), mas não o inquina do vício de forma por falta de audição prévia.

Como se refere no Ac. deste Tribunal de 06/09/2021, tirado no proc.º 1161/08.6BESNT, em que interveio como adjunto o relator deste, «A AT não está obrigada a realizar todas as diligências de prova que os interessados requeiram na fase da audiência prévia, bastando que justifique quais as razões atinentes ao efeito. A decisão antagónica à pretensão da (…), no sentido de que os depoimentos não são relevantes, não traduz preterição de formalidade essencial, porquanto pronunciou-se sobre a desnecessidade de tal audição justificando as razões que estavam na génese do seu juízo de entendimento».

A sentença incorreu no apontado vício de erro de julgamento, sendo de revogar e julgar procedente a apelação.

Nos termos do art.º 665.º do CPC, julgada procedente a apelação, haverá que conhecer, em substituição, das questões prejudicadas, caso o tribunal de recurso disponha dos elementos pertinentes.

No caso, compulsada a douta P.I., constata-se que a impugnante pretenderia, nos termos do critério da repartição do ónus de prova estabelecido no art.º 74.º da LGT, infirmar os pressupostos factuais em que assentou o juízo conclusivo da AT na base das correcções vertidas no relatório inspectivo, quer por via directa (facturação fictícia), quer por via indirecta - “o gerente da J........ ....... e Filho, Sociedade de Construção, Lda. insistia com o sócio-gerente da impugnante queixando-se da necessidade de dinheiro para pagar aos seus trabalhadores…”; “os pagamentos eram feitos à medida que o trabalho ia sendo realizado”; “…efectuados os pagamentos…em geral semanalmente após medição em obra, a facturação era realizada no final de cada mês…”; “esta situação é corrente no sector da construção…”; “ a garantia do cumprimento de ambas as partes decorre do próprio desenvolvimento do trabalho (o qual só prossegue se os débitos anteriores estiverem saldados e, por sua vez, o pagamento só é efectuado com o trabalho realizado…”; “…a experiência dos gerentes era muito pouca, razão pela qual alguns orçamentos foram mal feitos…”.

E para prova da matéria alegada, nomeadamente aquela referida, a impugnante arrolou na P.I., sete testemunhas, cuja inquirição o tribunal a quo dispensou, mas cujo depoimento não é de todo inútil, nem irrelevante, para o conhecimento das questões prejudicadas.

Haverão, pois, os autos de baixar ao Tribunal recorrido para que se produza a prova testemunhal requerida na P.I., sem prejuízo de outra que o Tribunal entenda pertinente para o esclarecimento das questões factuais controvertidas, com prolação de nova sentença, o que se determinará no dispositivo do acórdão.

IV. DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso e ordenar a baixa dos autos ao Tribunal recorrido para instrução complementar e prolação de nova sentença.

Custas a cargo da Recorrida, não sendo devida taxa de justiça no recurso por não ter contra-alegado.

Lisboa, 05 de Junho de 2025

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Vital Lopes


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Tiago Brandão de Pinho


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Patrícia Manuel Pires