| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Subsecção Administrativa Comum, do Tribunal Central Administrativo Sul:
1. Relatório
J… (doravante A., Requerente ou Recorrente) instaurou, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, ação de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias contra a Agência para a Integração, Migrações e Asilo – AIMA, I.P. (doravante Entidade Requerida ou Recorrida), peticionando, a final:
“A) Ser a entidade requerida intimada para, no prazo de 10 dias, proceder ao agendamento de data para a entrega dos documentos e recolha dos dados biométricos do Requerente e familiares, para o mês de outubro, antes das eleições norte-americanas;
B) Ser a entidade requerida intimada a dar continuidade ao pedido de concessão de autorização de residência ARI e reagrupamento familiar, devendo concluir o pedido de concessão de ARI no prazo de 90 dias e de reagrupamento familiar posteriormente;
C) ser o Senhor Diretor Geral do SEF condenado ao pagamento de € 10,00 (dez euros), a título de sanção pecuniária compulsória, por cada dia de atraso em relação ao prazo fixado para o cumprimento da sentença.
Para tanto, requer a V. Exa. se digne ordenar a citação da entidade Requerida para responder, querendo, no prazo legal, seguindo-se os demais termos até final.”
Por sentença proferida em 10 de fevereiro de 2025, o referido Tribunal rejeitou liminarmente o requerimento inicial.
Inconformado, o Requerente interpôs recurso jurisdicional dessa decisão para este Tribunal Central Administrativo, concluindo nos seguintes termos:
“1. O presente recurso jurisdicional é interposto da douta sentença proferida pelo Tribunal a quo que considerou indeferir liminarmente o processo de Intimação DLG interposto;
2. Salvo melhor opinião que o Venerando Tribunal sempre suprirá, o Tribunal a quo fez uma interpretação errada dos factos invocados pelo Recorrente no qual resultou uma errada aplicação do direito aos factos, reconduzível a um erro de julgamento, traduzindo-se numa apreciação da questão em desconformidade com a lei;
3. A sentença recorrida padece de erro de julgamento, de facto e de direito, ao considerar que não existem factos merecedores de tutela e direitos violados, e que não se encontra demonstrada a urgência dessa tutela, que mereçam tutela ao abrigo do art 109º do CPTA, por serem direitos análogos aos direitos, liberdades e garantias do art 17º da CRP, omitindo que existe um direito a apresentar pedido de concessão de ARI e prazo para a prática dos actos por parte duma entidade pública, com dignidade constitucional, que urge corrigir anulando a sentença recorrida substituindo por outra que consagre a violação dos direitos invocados;
4. Ao ignorar este facto, a Douta sentença recorrida viola o art.º 109º do CPTA e os direitos consagrados nos art.º 53º e 86º do CPA e art 90º-A da Lei 23/2007, e art 268º, n.4 e 6 da CRP;
5. A Douta Sentença recorrida está firmada de nulidade por falta de fundamentação de facto e de direito, em violação do comando do artº 659º, nº 2 do Código do Processo Civil, que impõe ao juiz o dever de discriminar os factos que considera provados e de indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes;
6. Com efeito, a ameaça à sua liberdade derivado da eleição de D. Trump deveria ter sido dado como facto provado e merecedor de tutela urgente;
7. E, em consequência, comprovada a urgência do meio processual Intimação DLG;
8. Só por si, estando em causa o direito do Recorrente em apresentar o pedido de concessão de ARI (direito de iniciativa do art 53º do CPA), decorrente do investimento efectuado em Portugal, e que nos termos do art 90ºA da Lei 23/2007, concede o direito ao Recorrente de apresentar esse pedido de ARI;
9. A Douta Sentença recorrida não se pronunciou sobre a violação dos Direitos invocados e importantes ao correcto julgamento da lide no seu todo, e que são direitos análogos aos direitos, liberdades e garantias do art 17º da CRP, a saber: o direito de iniciativa ( art 13º do CPA), o direito a uma decisão em tempo útil por parte da AP ( art 53º e art 86º do CPA ex vi art 268º, n.º 4 e 6 da CRP) a uma decisão no prazo de 10 dias;
10. Com efeito, não se trata de um direito absoluto de residência em Portugal, mas antes o direito a apresentar o pedido de concessão de ARI, que vem sendo negado pela Requerida AIMA, pois o Recorrente preenche os requisitos nos quais a Lei 23/2007 faz assentar o direito de concessão de residência em Portugal;
11. Neste sentido, os Direitos invocados e importantes ao correcto julgamento da lide no seu todo, são direitos análogos aos Direitos, Liberdades e Garantias do art 17º da CRP;
12. Da leitura atenta da fundamentação da PI formulado pelo Recorrente já mencionado, seria inteligível os direitos considerados violados e que carecem de tutela urgente, que passa pela adopção de uma conduta positiva da AIMA: a aprovação do registo e o agendamento de data para apresentar o pedido de ARI, decorrente do investimento efetuado em Portugal, e que confere ao Recorrente o direito, nos termos do disposto no art 90ºA da Lei 23/2007, apresentar pedido de ARI;
13. O que está em causa é o reconhecimento que o Recorrente tem direito, como qualquer cidadão em apresentar pedido de concessão de ARI junto da AIMA decorrente do investimento efectuado nos termos do art 90ºA da lei 23/2007, e cujo direito decorre do art 53º do CPA, e que tem direito a receber uma resposta por parte da Requerida, no prazo de 10 dias, como decorre do art 268º, n.º 4 e art 86º do CPA; e
14. A urgência decorre da situação de ameaça para a sua integridade física e liberdade individual e da sua família, plasmado no art 3º da Convenção Universal dos Direito Humanos, tratando-se de uma situação urgente e que urge tutela através da presente Intimação DLG;
15. A Sentença recorrida não teve em conta o facto de estar em causa a violação do princípio de iniciativa ( art 53º do CPA) particular em iniciar o procedimento administrativo com vista à obtenção da ARI em Portugal, resultante do investimento feito no nosso pais ( art 90º-A da Lei Imigração);
16. Pois estando em causa a violação do art 53º do CPA, que estatui que: “O procedimento administrativo inicia-se oficiosamente ou a solicitação dos interessados”, conjugado com o art 90ºA da Lei 23/2007, fácil é de concluir que se trata da violação de um direito que urge tutela em tempo útil para assegurar o exercicio desse direito que vem sendo negado desde março de 2024;
17. O prazo de 10 dias que a Administração Pública tem para a prática dos actos, não é um prazo meramente indicativo, antes vinculativo e com respaldo constitucional no art 268º, n.º 6 da CRP;
18. Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve a douta sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue procedente o pedido de intimação DLG e a AIMA instada a agendar data para a entrega do pedido de ARI e de reagrupamento familiar e recolha dos dados biométricos no prazo de 10 dias.
Termos em que deverá ser concedido provimento ao recurso e revogada a douta sentença recorrida e substituída por outra que reconheça o acervo de direitos violados e condene a Requerida a efectuar agendamento para a entrega do pedido de concessão de ARI no prazo de 10 dias, citada a Requerida para contestar.
COMO É DE DIREITO E DE JUSTIÇA!”
A Recorrida AIMA, IP, notificada para os termos da causa e do recurso, não apresentou resposta, nem contra-alegações.
O recurso foi admitido com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
O Ministério Público junto deste TCA Sul, notificado nos termos e para efeitos do disposto no n.º 1, do artigo 146.º do CPTA, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
O Recorrente foi notificado do aludido parecer.
Com dispensa dos vistos, atento o carácter urgente dos presentes autos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
2. Delimitação do objeto do recurso
Considerando que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPTA), a este Tribunal cumpre apreciar se a sentença recorrida padece de,
a. Nulidade por falta de fundamentação e omissão de pronúncia;
b. Erro de julgamento de facto;
c. Erro de julgamento de direito.
3. Fundamentação de facto
Na decisão recorrida não foi fixada matéria de facto.
4. Fundamentação de direito
4.1. Das nulidades da sentença
O Recorrente pugna pela nulidade da sentença aduzindo que carece de fundamentação de facto e de direito, em violação do disposto no art.º 659.º, n.º 2 do Código do Processo Civil, e, bem assim, que não trata da questão respeitante à urgência na obtenção de autorização de residência para investimento (ARI), omitindo que existe um direito a apresentar pedido de concessão de ARI e prazo para a prática de atos pela entidade pública, não se pronunciando sobre a violação dos direitos por si invocados - direito de iniciativa (art.º 13º do CPA) e direito a uma decisão em tempo útil (prazo de 10 dias) (art.ºs 53.º e 86 º do CPA ex vi art.º 268.º, n.º 4 e 6 da CRP) – que reputa terem natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias.
As nulidades da sentença são vícios da própria decisão, deficiências da estrutura da sentença e encontram-se previstas no artigo 615.º, n.º 1 do CPC, no qual se prescreve que é nula a sentença se, além do mais, não especificar os fundamentos, de facto e de direito, que justificam a decisão [al. b)] e o juiz conhecer questões que não devia ou deixe de conhecer questões que tinha de conhecer [al. d)].
O art.º 615.º, n.º 1, al. b), do CPC, sanciona o incumprimento do disposto no artigo 94.º, n.ºs 2 e 3 do CPTA, que dispõe em termos similares ao artigo 607.º, n.º 2 e 3 do CPC, aplicáveis à decisão a proferir no âmbito da intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias.
Refira-se que de tais normativos emerge que na elaboração da sentença, e após a identificação das partes e do objeto do litígio, deve o juiz deduzir a fundamentação do julgado, expondo os fundamentos de facto e de direito, ou seja, “discriminando os factos que julga provados e não provados, analisando criticamente as provas, e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes”.
Como se deu nota no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 2.11.2017, proferido no processo 42/14.9TBMDB.G1, consultável em www.dgsi.pt, “não basta que o juiz decida a questão posta; é indispensável, do ponto de vista do convencimento das partes, do exercício fundado do seu direito ao recurso sobre a mesma decisão (de facto e de direito) e do ponto de vista do tribunal superior a quem compete a reapreciação da decisão proferida e do seu mérito, conhecerem-se das razões de facto e de direito que apoiam o veredicto do juiz.
Neste sentido, a fundamentação da decisão deve ser expressa, clara, suficiente e congruente, permitindo, por um lado, que o destinatário perceba as razões de facto e de direito que lhe subjazem, em função de critérios lógicos, objetivos e racionais, proscrevendo, pois, a resolução arbitrária ou caprichosa, e por outro, que seja possível o seu controle pelos Tribunais que a têm de apreciar, em função do recurso interposto.”
A respeito da nulidade tipificada no art.º 615.º, n.º 1 al. b) do CPC tem sido entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência que só a falta absoluta de fundamentação que torne de todo incompreensível a decisão é que releva para efeitos da sobredita nulidade, não abrangendo as eventuais deficiências dessa fundamentação.
Por sua vez, a nulidade da sentença a que se refere a al. d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC verifica-se quando ocorre o incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito nos artigos 95.º, n.º 1 e 3 do CPTA e 608, n.º 2 do CPC, e que se traduz em decidir todas as questões submetidas à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes, salvo quando a lei lhe permita ou imponha o conhecimento oficioso de outras.
Como é jurisprudência pacífica, a causa de pedir, ou melhor, as questões a decidir, não se confundem com as razões ou argumentos de que a parte se serve para sustentar a mesma causa de pedir. Pelo que apenas integra a nulidade prevista no citado normativo, a omissão de conhecimento das “questões”, mas já não a mera falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões.
Isto posto, a sentença não padece das nulidades que lhe são assacadas.
Com efeito, recorda-se que estamos perante uma decisão de rejeição liminar proferida ao abrigo do disposto no artigo 110.º, n.º 1 do CPTA e que ocorre quando não se verifique algum dos pressupostos a que se refere o n.º 1 do artigo 109.º, ou seja, “[n]a medida em que possa ser apurada em sede liminar, a não verificação de qualquer destes pressupostos determina o indeferimento liminar da petição, seja porque não está em causa a violação ou ameaça de violação de um direito, liberdade e garantia, seja porque a tutela do direito, liberdade e garantia em causa não é suscetível de ser efetivada através de uma atuação administrativa, seja porque não se verifica uma situação de premência que inviabilize o recurso ao processo declarativo comum, como via normal de reação jurisdicional” (Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 5.ª edição, Almedina, p. 947).
Ora, analisada a sentença, concretamente as suas fls. 2 a 4, bem se vê que o Tribunal a quo, dando conta das alegações do recorrente em sede de requerimento inicial, procede à aferição do preenchimento dos pressupostos para a admissão liminar da intimação.
Para o efeito dá nota do quadro jurídico aplicável, aportando as necessárias normas, e procedendo à sua análise, de acordo com a jurisprudência e doutrina que entendeu aplicável.
Após evidenciar o enquadramento jurídico, passa a proceder à subsunção jurídica do que fora alegado pelo Recorrente aos normativos que reputou aplicáveis.
E daí alcança a conclusão de que as alegações do Recorrente não se mostravam concretizadas, delas não resultando, à luz do quadro jurídico, o preenchimento dos pressupostos para a admissão liminar da intimação.
É certo que na decisão não foram elencados factos, mas assim é porque, como dissemos, nos situamos em fase liminar em que o preenchimento dos pressupostos previstos no artigo 109.º do CPTA para a admissão da intimação se faz, essencialmente e por regra, à luz das alegações vertidas no requerimento inicial, de tal forma que não se revelou in casu necessária à decisão a fixação de factualidade.
Daqui resulta que, opostamente ao alegado, o Tribunal fundamentou a sua decisão, em termos tais que a sentença não padece de (absoluta) falta de fundamentação determinante da sua nulidade.
Como, ademais, não ocorre omissão de pronúncia.
De facto, é que, em sede liminar, a questão a decidir é a de saber se se encontram verificados os pressupostos para a admissão liminar da intimação a que se reporta o artigo 109.º, n.º 1 do CPTA. E foi isso que o Tribunal a quo, efetivamente, apreciou, considerando que não se revela uma situação de urgência que reclame, como indispensável à proteção de um direito, liberdade ou garantia, uma decisão de mérito.
Isto é, o Tribunal a quo, em face das alegações do Recorrente e dos “direitos” que invocou, conheceu se se mostrava indispensável à tutela daqueles a prolação de uma decisão que, em termos urgentes e definitivos, apreciasse o seu direito ao agendamento de data para entrega dos documentos e recolha de dados biométricos e a dar continuidade aos seus pedidos de concessão de autorização de residência para investimento e reagrupamento familiar.
Ao fazê-lo conheceu, portanto, a questão a decidir, sem ter incorrido em qualquer omissão de pronúncia. O Tribunal a quo ao não ter considerado existir uma situação de urgência na obtenção pelo Recorrente de decisão de mérito que impusesse à Administração uma conduta sobre os seus pedidos de autorização de residência para investimento e reagrupamento familiar, não se mostrando esta indispensável à salvaguarda de direitos, liberdades e garantias daqueles, poderá ter incorrido em erro de julgamento, como alega o Recorrente, mas já não em omissão de pronúncia, porquanto apreciou as questões sobre as quais lhe incumbia decidir.
Improcedem, pois, as nulidades apontadas à sentença.
4.2. Do erro de julgamento de facto
O Recorrente aponta à sentença erro de julgamento de facto sustentando que deveria ter sido dada como provada a ameaça à sua liberdade em resultado da eleição de Donald Trump.
Em sede de alegações de recurso aduz que não foram considerados os factos públicos ou cuja provas constam dos documentos 1 a 10, relativos a: tratar-se de um casal gay; norte-americano; a iminência de D. Trump ganhar as eleições norte-americanas, o que veio a acontecer; atores em Hollywood, comunidade pública e assumidamente apoiante do partido democrata, num Estado Democrata; investimento em Portugal, como plano B, para poderem sair dos EUA se a democracia e liberdade individual for posta em causa pela nova Administração, o que está a acontecer; estudo língua portuguesa; viagem para Portugal agendada para 28 de janeiro de 2025, para procura de casa para residirem.
Importa considerar que, atento o disposto no art.º 640.º do CPC ex vi art.º 1.º do CPTA, a impugnação da decisão relativa à matéria de facto impõe ao Recorrente o ónus de especificar, sob pena de rejeição total ou parcial do recurso:
a) Os concretos pontos de facto que considere incorretamente julgados [cfr. art. 640.º, n.º 1, al. a), do CPC];
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem, em seu entender, decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida [cfr. art. 640.º, n.º 1, al. b), do CPC], sendo de atentar nas exigências constantes do n.º 2 do mesmo art.º 640.º do CPC.
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas [cfr. art. 640.º, n.º 1, al. c), do CPC], entendendo-se que o recorrente deve expressar “a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus da alegação, por forma a obviar à interposição de recurso de pendor genérico ou inconsequente.” (cf. Ac. do TCAN de 17.11.2023, proc. n.º 00464/10.4BECBR, disponível em https://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/89d1c0288c2dd49c802575c8003279c7/cc39bb581d8ca5de80258a6f004dba88?OpenDocument).
Refira-se que, “[q]uanto aos requisitos primários ou fundamentais de delimitação do objeto do recurso, onde se inclui a obrigação do recorrente de formular conclusões e nestas especificar os concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados e que impugna e, bem assim, de acordo com uma corrente do STJ, indicar, nas conclusões, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (sendo que, a corrente maioritária, relembra-se, propende no sentido de que essa indicação tem de constar da motivação do recurso) e, bem assim, a falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados que, na sua perspetiva, sustentam esse julgamento diverso da matéria de facto que impugna, requisitos esses sobre que versa o n.º 1 do art. 640.º do CPC, a jurisprudência, sem prejuízo do que infra se dirá, tem considerado que o mencionado critério de rigor se aplica de forma estrita, não admitindo quaisquer entorses, pelo que sempre que se verifique o incumprimento de qualquer um desses ónus se impõe rejeitar o recurso da matéria de facto na parte em relação à qual se verifique a omissão, sem que seja admitido despacho de convite ao aperfeiçoamento” (cf. Ac. do TCAN de 17.11.2023, proc. n.º 00464/10.4BECBR, supra referenciado).
Acrescente-se que o que está em causa na fundamentação de facto é, sem prejuízo do pleonasmo, a seleção da matéria de facto, entendendo-se como facto “tudo o que se reporta ao apuramento de ocorrências da vida real e de quaisquer mudanças ocorridas no mundo exterior, bem como à averiguação do estado, qualidade ou situação real das pessoas ou das coisas” , sendo que “(..) além dos factos reais e dos factos externos, a doutrina também considera matéria de facto os factos internos, isto é, aqueles que respeitam à vida psíquica e sensorial do indivíduo, e os factos hipotéticos, ou seja, os que se referem a ocorrências virtuais” (Henrique Araújo, A matéria de facto no processo civil, disponível em https://carlospintodeabreu.com/public/files/materia_facto_processo_civil.pdf, consult. Março 2024).
Ora, distinguindo-se os factos dos juízos de facto, ou seja, juízos de valor sobre a matéria de facto e não podendo a fundamentação de facto conter questões de direito ou afirmações de natureza conclusiva, reiterando o Acórdão deste Tribunal de 22 de maio de 2019, proferido no processo 1134/10.9BELRA, considera-se que a “[a] seleção da matéria de facto só pode integrar acontecimentos ou factos concretos, que não conceitos, proposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos, sendo que as asserções que revistam tal natureza devem ser excluídas do acervo factual relevante ou indeferido o seu aditamento”.
É patente que nas conclusões do recurso o Recorrente, com exceção do que respeita a dar como provado a ameaça à sua liberdade em resultado da eleição de Donald Trump, omite a menção aos demais «concretos pontos de facto» que, em sede de alegações, referiu considerar incorretamente julgados [art.º 640.º, n.º 1, a) do CPC]. De tal forma que, quanto ao alegado nos pontos 3.º a 5.º, se impõe rejeitar o recurso.
E, no que respeita ao alegado na conclusão 6, conjugadas as conclusões com as alegações de recurso, bem se vê que também não indica quais os concretos meios probatórios que sustentam a demonstração do que alega corresponder a um facto [art.º 640.º, n.º 1, b) do CPC].
Sem prejuízo, a tal respeito adiante-se que não constitui um facto, mas sim um juízo conclusivo saber se a liberdade do recorrente, e da sua família, se encontraria ameaçada em resultado da eleição de Donald Trump. Isto é, seria da alegação e demonstração de factos concretos que o revelassem que o Tribunal poderia concluir ou ajuizar no sentido que a liberdade do a liberdade do recorrente, e da sua família, se encontraria ameaçada em resultado da eleição de Donald Trump. Daí que, naturalmente, não se poderia fazer constar do probatório tal juízo conclusivo.
Impõe-se, portanto, rejeitar o recurso quanto à matéria de facto.
4.3. Do erro de julgamento de direito
O Recorrente aponta à sentença erro de julgamento, sustentando que esta viola o disposto no artigo 109.º do CPTA e os direitos – que reputa análogos a direitos, liberdades e garantias - consagrados nos artigos 53.º e 86.º do CPA, 90.º - A da Lei 23/2007 e 268.º da CRP. Aduz que do artigo 53.º do CPA resulta assistir-lhe um direito (de iniciativa) a apresentar pedido de concessão de ARI, de que é corolário um dever de decisão (artigo 13.º do CPA), impendendo sobre a Administração Pública um prazo de 10 dias para pronúncia e prática dos atos (artigo 86.º do CPA ex vi 268.º, n.º 6 da CRP), que, em face do registo online do pedido de ARI em 8.3.2024 e do pedido de reagrupamento familiar em 15.3.2024, a Requerida não cumpriu, sendo que a inércia da Requerida impossibilita o exercício do seu direito de residência em Portugal.
Advoga que a urgência se encontra comprovada porquanto necessita de sair dos Estados Unidos, onde a sua liberdade individual é diariamente posta em causa, temendo pela sua vida e da sua família.
Sustenta que a sentença privilegia quem entra ilegalmente em território nacional, relativamente aos que procuram as vias legais de imigração. E que, em face da inércia da Requerida, desconhece quando poderá concluir o pedido de ARI, por forma a viajar para Portugal, de uma sociedade polarizada que não respeita a liberdade individual e que está a tornar-se conservadora, não tolerando a diferença e os direitos conquistados nas últimas décadas, representado um retrocesso civilizacional.
Aduz que da p.i. resulta inteligível os direitos violados e que carecem de tutela urgente, visando a aprovação do registo e o agendamento de data para apresentação do pedido de ARI, decorrente do investimento efetuado em Portugal, e que lhe confere o direito a apresentar o pedido de ARI, conforme o artigo 53.º do CPA, dando início ao procedimento de obtenção de autorização de residência e reagrupamento familiar, e o direito a receber resposta da Requerida em 10 dias (286.º, n.º 6 e 86.º da CRP).
Como emerge do n.º 1 do artigo 109.º do CPTA, “[a] intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias pode ser requerida quando a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adoção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento de uma providência cautelar.”.
Este meio processual, que é de utilização excecional, assegura a proteção a título principal, urgente e sumária, de direitos, liberdades e garantias, que estejam a ser violados naquelas situações em que a rápida prolação de uma decisão que vincule a Administração (ou particulares) a adotar uma conduta positiva (facere) ou negativa (non facere) se revele como indispensável para acautelar o exercício em tempo útil de um direito, liberdade e garantia.
Exige-se, assim, que a emissão urgente de uma decisão de mérito seja indispensável para proteção de um direito, liberdade ou garantia, cabendo ao requerente da intimação alegar e demonstrar a urgência na obtenção de uma decisão definitiva para a tutela dos direitos, liberdades e garantias que alega estarem a ser violados.
Como escrevem Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha (Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 4ª edição, Almedina, 2017, p. 883) “(...) é necessário que esteja em causa o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia e que a adopção da conduta pretendida seja apta a assegurar esse exercício. À partida, o preenchimento deste requisito pressupõe que o requerente concretize na petição os seguintes aspectos: a existência de uma situação jurídica individualizada que caracterize um direito, liberdade e garantia, cujo conteúdo normativo se encontre suficientemente concretizado na CRP ou na lei para ser jurisdicionalmente exigível por esta via processual; e a ocorrência de uma situação, no caso concreto, de ameaça do direito, liberdade e garantia em causa, que só possa ser evitada através do processo urgente de intimação. Não releva, por isso a mera invocação genérica de um direito, liberdade ou garantia: impõe-se a descrição de uma situação factual de ofensa ou preterição do direito fundamental que possa justificar, à partida, ao menos numa análise perfunctória de aparência do direito, que o tribunal venha a intimar a Administração, através de um processo célere e expedito, a adoptar uma conduta (positiva ou negativa) que permita assegurar o exercício em tempo útil desse direito.”.
É que a defesa ou tutela dos direitos fundamentais, faz-se, por regra, através do recurso à ação administrativa, recorrendo-se à intimação apenas quando aquela via não é possível ou suficiente por se verificar “a ocorrência de uma situação, no caso concreto, de grave ameaça ou violação do direito, liberdade ou garantia em causa, que só possa ser reparada através do processo urgente de intimação.” (idem, ibidem, p. 883).
O segundo dos requisitos estatuídos no n.º 1 do artigo 109.º do CPTA, refere-se à subsidiariedade da intimação, no sentido de que a intimação é o meio adequado quando a tutela do direito, liberdade ou garantia lesado, ou em vias de o ser, não se compadece com a delonga de um processo não urgente, ainda que acompanhado de uma providência cautelar. Assim, “[a] impossibilidade poderá resultar do facto de o juiz, para se pronunciar, ter necessariamente de ir ao fundo da questão, o que, como é sabido, lhe está vedado no âmbito dos procedimentos cautelares. Por sua vez, a insuficiência respeita à incapacidade de uma decisão provisória satisfazer as necessidades de tutela do particular, posto que estas apenas lograrão obter satisfação com uma tutela definitiva, sobre o fundo da questão. Estamos a referir-nos àquelas situações sujeitas a um período de tempo curto, ou que digam respeito a direitos que devam ser exercitados num prazo ou em datas demarcadas, maxime, questões relacionadas com eleições, actos ou comportamentos que devam ser realizados numa data fixa próxima ou num período de tempo determinado (como exames escolares ou uma frequência do ano lectivo), situações de carência pessoal ou familiar em que esteja em causa a própria sobrevivência pessoal de alguém, ou, ainda, casos relativos à situação civil ou profissional de uma pessoa. ” (Catarina Santos Botelho, A intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias: quid novum?, O Direito, n.º 143, I, 2011, pp. 31- 53).
Refira-se que o regime exposto reclama do autor que recorre à intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias, a alegação de factos concretos idóneos que evidenciem o preenchimento dos pressupostos da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, enunciados no n.º 1 do artigo 109.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos. Encontrando-se a admissão da utilização de uma intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias dependente da análise das circunstâncias de cada caso, sendo a verificação do preenchimento efetuada por referência à causa de pedir e ao pedido formulado pelos requerentes.
Erra, pois, o Recorrente ao tentar suportar a sua tese quanto ao preenchimento dos pressupostos da intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias, na jurisprudência dos tribunais superiores que considera este meio processual como idóneo quando está em causa a reação à inércia da Administração na decisão de uma pretensão de autorização de residência, designadamente na vertida no Ac. do STA de 6.6.2024, proferido no processo 0741/23.4BELSB. Com efeito, é que o que aí se decidiu foi que em tais situações se reclama uma tutela definitiva, de tal forma que “o meio processual adequado, de que o cidadão deve lançar mão, é o processo principal de intimação previsto nos artigos 109.º a 111.º do CPTA”, mas não resulta de tal jurisprudência que, estando em causa a falta de decisão por banda da Administração em pedidos de autorização de residência, daí decorre inevitavelmente a indispensabilidade da emissão urgente de uma decisão, dispensando o requerente da intimação de demonstrar o preenchimento dos pressupostos subjacentes à tutela requerida.
O Recorrente, para justificar a urgência que é pressuposto do recurso à intimação, alega, essencialmente, que é casado com J…, e pai de S… e B…, temendo as repercussões de que possa ser alvo com a eleição de Donald Trump, cuja possibilidade de reeleição lhes gera grande ansiedade, e o sentimento anti-gay que cresce nos EUA, encontrando-se as suas vidas em suspenso, face à inércia da Requerida na aceitação da candidatura que apresentou para obtenção de autorização de residência, na sequência do investimento realizado em Portugal e por reagrupamento familiar.
Aduziu estar em causa a violação de um direito fundamental baseado no princípio da dignidade humana (artigo 1.º da CRP), correspondente ao direito à tutela jurisdicional efetiva consagrada no artigo 20.º da CRP.
Considerou, ainda, que tal urgência advém de serem violados os direitos de iniciativa e a apresentar pedido de concessão de autorização de residência para investimento e reagrupamento familiar (artigo 53.º do CPA ex vi artigo 266.º da CRP e artigo 90.º-A da Lei n.º 23/2007), e o direito uma decisão definitiva em tempo útil e cumprindo os prazos legais (artigo 86.º do CPA ex vi 268.º, n.º 6 da CRP), quanto ao agendamento de data para recolha de dados biométricos, entrega de documentos e conclusão do pedido. Direitos que reputa assumirem natureza análoga a direitos, liberdades e garantias.
Em primeiro lugar, importa considerar que o processo de intimação destina-se a tutelar direitos, liberdades ou garantias ou direitos a estes análogos.
Ora, a alegação do Recorrente de que corresponderiam a direitos fundamentais de natureza análoga a direitos, liberdades e garantias o direito de iniciativa no âmbito do procedimento administrativo (artigo 53.º do CPA ex vi 266.º da CRP), a uma decisão no prazo para a prática de atos pelos órgãos administrativos (artigos 13.º e 86.º do CPA ex vi 268.º, n.º 6) e à autorização de residência para atividade de investimento (artigo 90.º-A da Lei n.º 23/2007), não encontra qualquer suporte legal, que, de resto, o Recorrente se exime a convocar, atribuindo-lhes tal natureza sem, em momento algum, sustentar juridicamente tal posição.
Cumpre notar que os direitos fundamentais correspondem a “direitos ou (…) posições jurídicas activas das pessoas enquanto tais, individual ou institucionalmente consideradas, assentes na Constituição, seja na Constituição formal, seja na Constituição material” (Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional. Tomo IV. 3ª ed. Coimbra: Coimbra editora, 2000, p.7), podendo revestir a natureza de direitos, liberdades e garantias ou direitos económicos, sociais e culturais.
No que aos primeiros respeita é sabido que ao lado dos direitos incluídos no título II da I Parte batizados como «direitos, liberdades e garantias», existem outros direitos a que se aplica o regime dos direitos, liberdades e garantias (direitos fundamentais de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, conforme artigo 17.º), sendo que “o critério material que nos permite descobrir fora do título II (no título III, noutras partes da Constituição ou eventualmente, como decorre do n.º 1 do artigo 16.º, em leis ordinárias ou normas de direito internacional) direitos a que se aplique o regime dos direitos, liberdades e garantias por terem uma determinada natureza” (José Carlos Vieira de Andrade, ob. cit., p. 172), será o de considerar como tal “aqueles cujo conteúdo principal é essencialmente determinado ou determinável ao nível das opções constitucionais” (José Carlos Vieira de Andrade, ob. cit., p. 176).
Assim, os direitos, liberdades e garantias (e direitos a eles análogos) correspondem a “direitos de «conteúdo constitucionalmente determinável»”, em que “a determinação ou determinabilidade significam apenas uma densidade essencial autónoma ao nível constitucional, que exclui a liberdade de conformação política pelo legislador do conteúdo principal dos direitos, liberdades e garantias” (José Carlos Vieira de Andrade, ob. cit., p. 178). De tal forma que “[a]s normas que preveem os direitos, liberdades e garantias são normas preceptivas e conferem verdadeiros poderes de exigir de outrem (pelo menos, do Estado) um certo comportamento (…) ao mesmo tempo que impõem o dever correspondente. São direitos cujo conteúdo é determinável ao nível constitucional e que não necessitam, por isso, para valerem como direitos, de uma intervenção legislativa conformadora” (José Carlos Vieira de Andrade, ob. cit., p. 183).
Como notam J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4.ª edição revista, Coimbra Editora, p. 373) estão abrangidos “os direitos fundamentais que revistam a natureza de liberdade ou de direito de defesa e bem assim aqueles que, embora sem essa natureza, sejam de natureza idêntica a direitos «positivos» incluídos no âmbito dos direitos, liberdades e garantias (seja de carácter pessoal, seja os de participação política, seja os específicos dos trabalhadores). (…) O que importa é o objecto do direito em causa, bem como a sua densificação constitucional, em termos de permitir a sua concretização minimamente adequada a partir da própria Constituição (aquilo que alguns designam por critério da determinabilidade).”
Não revestem a natureza de direitos, liberdades e garantias os designados direitos económicos, sociais e culturais, “enquanto direitos a «prestações sujeitas a determinação política», ou seja “aqueles outros cujo conteúdo principal terá de ser, em maior ou menor medida, determinado por opções do legislador ordinário, ao qual a Constituição confere poderes de determinação ou concretização” (José Carlos Vieira de Andrade, ob. cit., p. 176). “Trata-se em geral de direitos de natureza positiva (direitos a prestações), sem densidade bastante para alcançarem o nível de determinabilidade necessária para fruir do regime dos direitos, liberdades e garantias” (J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4.ª edição revista, Coimbra Editora, p. 378).
Ora, importa, desde logo, considerar que sobre o que o artigo 266.º da CRP dispõe são os princípios jurídicos de regulação da atividade administrativa, ou seja, “medidas ou directivas para a actividade da administração pública” (J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4.ª edição revista, Coimbra Editora, p. 378). Não consagra, pois, direitos ou posições jurídicas ativas reconduzíveis à categoria de direito fundamental, tão pouco na dimensão de direito, liberdade e garantia, a partir do qual se pudesse subsiumir a tal categoria um direito à iniciativa procedimental concretizado pelo legislador ordinário no artigo 53.º do CPA.
Acrescente-se que do artigo 53.º do CPA não emerge sequer um direito subjetivo à (auto-)iniciativa em sede de procedimento administrativo, podendo a lei configurar os procedimentos como sendo sempre de iniciativa oficiosa (neste sentido, Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, in Código do Procedimento Administrativo Comentado, 2.ª edição, Almedina, p. 295), estabelecendo-se aí apenas a possibilidade de o procedimento se iniciar oficiosamente ou a requerimento dos interessados.
Como, de resto, o artigo 90.º-A da Lei n.º 27/2008 não configura um direito fundamental dos estrangeiros, de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias a apresentarem, e obterem, pedidos de autorização de residência. Estamos, tão só, perante a regulação, concretizada pelo legislador ordinário, dos requisitos necessários à permanência (regular) de estrangeiros em território nacional quando está em causa uma “atividade de investimento”, nos termos definidos na al. d) do artigo 3.º, n.º 1 do mesmo diploma. Refira-se, aliás, que com exceção dos direitos próprios dos estrangeiros (direito de asilo e direito de não serem arbitrariamente expulsos ou extraditados consagrados no artigo 33.º da CRP), não existe “um direito dos estrangeiros a entrarem e fixarem-se em Portugal – direito de imigração -, como não gozam de um direito absoluto de permanecerem em território nacional” (J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4.ª edição revista, Coimbra Editora, p. 531).
E opostamente ao que pretende dele retirar o Recorrente, tão pouco o n.º 6 do artigo 268.º da CRP, ou o artigo 86.º do CPA, lhe concedem um direito subjetivo fundamental, de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, à decisão do procedimento num determinado prazo.
Com efeito, é que o que o n.º 6 do artigo 268.º da CRP prescreve é um comando dirigido ao legislador ordinário no sentido de delimitar espaços temporais do dever de resposta – o que este fez, designadamente, nos artigos 86.º e 128.º do CPA -, mas dele não emerge para os particulares uma posição jurídica subjetiva fundamental no sentido de poder de exigir da Administração Pública um certo comportamento correspondente à atuação num determinado prazo. Não resultando de tal normativo, enquanto conteúdo determinado ou determinável ao nível das opções constitucionais, um direito fundamental à prática de atos no âmbito do procedimento administrativo ou à conclusão deste em determinados prazos.
O mesmo sucedendo quanto ao artigo 86.º (ou o 128.º) do CPA que prevê prazos legais orientados “ao objetivo de fazer andar o procedimento em direção à sua conclusão” (Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, in Código do Procedimento Administrativo Comentado, 2.ª edição, Almedina, p. 365), sem que conceda aos particulares uma posição jurídica subjetiva com a natureza análoga a um direito, liberdade e garantia, tutelável por via da intimação.
Acrescente-se que, tal como deu nota o Ac. deste Tribunal Central Administrativo Sul de 3.10.2024, proferido no processo 1796/24.0BELSB, também “ao dever de decisão que impende sobre a Administração [artigo 13.º do CPA] não corresponde uma posição jurídica subjectiva dos particulares com a natureza de um direito, liberdade e garantia, o que significa que o incumprimento dos prazos procedimentais, na medida em que não contende com um direito com aquela natureza, não permite o recurso à intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias”, donde “o incumprimento do prazo de decisão do pedido de atribuição de nacionalidade não permite, por si só, o recurso à intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, sendo que, noutra perspectiva, tal incumprimento não consubstancia a urgência que integra o primeiro pressuposto do recurso à intimação”.
Donde mesmo que se verifique o incumprimento do prazo a que se reporta o nº 1 do artigo 86.º do CPA ou do seu direito à tramitação e decisão do(s) seu(s) pedido(s) de obtenção de autorização de residência - porquanto, na sequência da fase prévia correspondente ao registo eletrónico (n.º 16 do artigo 65.º-D do Decreto Regulamentar n.º 84/2007, de 5 de novembro) que o Recorrente alega ter ocorrido em 8.3.2024 e 15.3.2024, não houve, até à data, lugar, às formalidades posteriores referentes à aceitação e consequente agendamento de uma data para entrega (ou formalização) do pedido de autorização de residência, com os documentos necessários para o instruir, e recolha de dados biométricos, com vista à análise e instrução dos pedidos e posterior decisão -, fruto da inércia da Administração contrária aos critérios de eficiência e celeridade porque se deve pautar a atuação desta, não estando em causa direitos, liberdades e garantias ou direitos de natureza análoga àqueles tuteláveis no âmbito do processo de intimação para a proteção de direitos, liberdades ou garantias ou direitos a estes análogos, o seu incumprimento ou violação não suporta a demonstração da urgência e indispensabilidade na utilização do meio processual.
A respeito da alegada violação do direito à tutela jurisdicional efetiva (artigo 20.º e 268.º, n.º 4 da CRP) reiteramos o entendimento que já veiculamos no Acórdão proferido em 15.7.2025, no processo 12861/25.6BELSB, disponível em www.dgsi.pt,
“tal como se deu nota no recente Acórdão deste TCA Sul de 3 de julho de 2025, proferido no processo 32039/24.5BELSB, “naturalmente que, em face do princípio da tutela jurisdicional efetiva (consagrado no n.º 4 do artigo 268.º da Constituição da República Portuguesa), assiste aos requerentes o direito de obter, em prazo razoável, uma decisão judicial que aprecie a sua pretensão de condenação da Administração à prática do acto administrativo devido, mas tal direito não corresponde à verificação dos pressupostos de recurso ao meio processual da intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias, na medida em que do mesmo não resulta a indispensabilidade do recurso a tal meio processual para assegurar o exercício, em tempo útil, de qualquer direito, liberdade ou garantia de que os recorrentes sejam titulares”.
Admitir a tese do Recorrente de, em virtude das alegadas demoras na tramitação e prolação de decisões no âmbito dos processos judiciais de natureza não urgente, lhe assistir o direito a recorrer à intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias para obter uma decisão em prazo razoável, sob pena de sair violado o seu direito à tutela jurisdicional efetiva (20.º, n.º 4 e 268.º, n.º 4 da CRP), seria subverter o regime processual previsto pelo legislador em que, ao lado dos processos que seguem a normal tramitação, se consagram formas processuais com caráter urgente e cuja utilização depende do preenchimento dos correspondentes pressupostos. Seria admitir que, em face das imputadas deficiências do sistema judicial, todos os litígios submetidos a juízo passassem a ser de natureza urgente porque, mostrando-se necessário a assegurar o direito a uma decisão em prazo razoável, seriam enquadráveis na intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias.
Só que, como vimos, o pressuposto a que se reporta o artigo 109.º, n.º 1 do CPTA não se preenche quando a alegada necessidade de prolação de uma decisão judicial célere se destina a garantir o direito a uma decisão em prazo razoável no âmbito do direito à tutela jurisdicional efetiva, mas apenas quando se mostre indispensável a célere emissão de uma decisão que imponha à Administração a adoção de uma conduta positiva ou negativa para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia.”
Acrescente-se que embora se compreenda que a demora na decisão quanto ao pedido de autorização de residência para atividade de investimento e reagrupamento familiar obste a que, legalmente, o Recorrente e a sua família possam residir e permanecer em Portugal, e obter a equiparação quanto aos direitos e deveres atribuídos aos cidadãos nacionais nos termos do artigo 15.º da CRP, daí não resulta inevitável e necessariamente uma situação de urgência que torne imprescindível à proteção de um direito, liberdade e garantia a decisão de mérito, antes se mostrando necessário que densificasse factos, relativos à sua concreta situação fáctica, que possibilitassem a conclusão pela especial urgência em obter decisão judicial definitiva de intimação da Administração a adotar a conduta necessária a assegurar em tempo útil o exercício do direito fundamental alegadamente ameaçado.
O que sucede é que o Recorrente limita-se a sustentar a urgência na alegação das vicissitudes que se têm verificado na política norte-americana, de índole conservadora, dos impactos desta sobre a comunidade gay e ativistas/defensores do partido democrata, decorrentes da eleição como presidente dos EUA de Donald J. Trump, e dos receios que tal lhes causa por serem uma família gay, de atores em Hollywood e apoiantes do partido democrata.
E embora não se desconheça a direção da política norte-americana prosseguida sob a égide do seu atual presidente, tal não basta para concretizar uma situação fáctica do Recorrente e da sua família em termos que revelem e dos quais se possa concluir que apenas uma decisão de mérito urgente que imponha à Administração que proceda à tramitação e decisão do seu pedido com vista à concessão, a si e aos membros do agregado familiar, de autorização de residência possa assegurar que a mesma lhe seja atribuída atempadamente, sob pena de estarem em causa direitos, liberdades e garantias que lhes sejam reconhecidos.
Embora se reconheçam os incómodos associados à incerteza de estar a aguardar uma decisão da Administração há muito tempo, no caso vertente, não foram alegados factos que caracterizem designadamente uma situação de perda irreversível de faculdades de exercício de um direito, ou de uma situação de carência pessoal ou familiar em que esteja em causa a imediata e direta sobrevivência pessoal de alguém. Isto é, não alega factos que demonstrem a indispensabilidade da intimação para prevenir ou reprimir uma ameaça iminente dos direitos que se perfilha titular.
Sem prejuízo, como deu nota o Tribunal a quo, o Recorrente não se encontra nem reside Portugal, mas sim nos Estados Unidos da América, pelo que não lhe são reconhecidos os direitos fundamentais de que se arroga ser titular, não sendo aplicável o princípio da equiparação previsto no artigo 15.º da CRP, que apenas abrange os estrangeiros e apátridas que se encontrem ou residam em Portugal.
A tal respeito importa notar que não se trata de incentivar à permanência irregular em território nacional, tanto mais que “alguns dos direitos podem ser reconhecidos apenas aos «estrangeiros regulares»” (J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4.ª edição revista, Coimbra Editora, p. 357). O que sucede é que, por força deste normativo constitucional, o Recorrente – que não se encontra, nem reside em território nacional - não dispõe na sua esfera jurídica dos direitos, liberdades e garantias consagrados na Constituição da República Portuguesa cuja tutela reclama. Não detém um direito à equiparação aos cidadãos nacionais que, por ameaçado ou lesado pela conduta da Administração, carecesse da tutela de mérito urgente que defende.
Ou seja, porque ao Recorrente não se aplica o princípio da equiparação, constitucionalmente consagrado no artigo 15.º, n.º 1, da CRP, não lhe assiste a garantia dos direitos fundamentais que reputa violados pela inércia da entidade administrativa e que demandaria a tutela urgente que reclama. O que significa, portanto, que, não sendo detentor de tais direitos, a conduta omissiva da Administração não é apta à sua lesão, em termos que reclamassem a tutela urgente que pretende.
Considerando o exposto, é manifesto que a sentença não incorreu no erro de julgamento que lhe é apontado, impondo-se concluir que aí se decidiu com acerto pela não verificação do pressuposto da indispensabilidade da emissão urgente de uma decisão de mérito para proteção de um direito, liberdade ou garantia.
E porque se tratam de pressupostos cumulativos, tal dispensa a pronúncia deste Tribunal quanto à alegada inviabilidade da tutela cautelar, porquanto tal contende com o segundo pressuposto - impossibilidade ou insuficiência, nas circunstâncias do caso, do decretamento de uma providência cautelar – regulado no n.º 1 do artigo 109.º do CPTA.
Donde, não se encontrando preenchidos os pressupostos da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, se impunha, como decidido, o indeferimento liminar do requerimento inicial, não incorrendo a sentença em erro de julgamento.
4.4. Da condenação em custas
Sem custas, nos termos do artigo 4.º, n.º 2, alínea b), do Regulamento das Custas Processuais.
5. Decisão
Nestes termos, acordam os juízes desembargadores deste Tribunal Central Administrativo Sul, em,
a. Rejeitar o recurso quanto à matéria de facto;
b. Negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.
Mara de Magalhães Silveira
Marcelo da Silva Mendonça
Marta Cavaleira |