Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 106/24.0BCLSB |
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Secção: | CA |
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Data do Acordão: | 09/20/2024 |
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Relator: | MARIA TERESA CAIADO FERNANDES CORREIA |
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Descritores: | PRINCÍPIO NE BIS IN IDEM RESPONSABILIDADE DOS CLUBES E SOCIEDADES DESPORTIVAS PELO COMPORTAMENTO DOS ESPETADORES CACHECOL AGRESSÃO NÃO VIOLENTA |
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Sumário: | I- Reduzindo a vexatia questio aos seus termos mais simples estamos, pois, perante um caso de responsabilidade disciplinar das sociedades desportivas pelos comportamentos social ou desportivamente incorretos dos seus adeptos, e no que importa considerar para a economia dos autos, releva saber, concretamente da responsabilidade da sociedade desportiva visitada pelos comportamentos antidesportivos dos espetadores (sócios, simpatizantes e/ou adeptos), no segmento de saber se existiu duplo julgamento pelos mesmos factos de que foi anteriormente acusada e punida por decisão proferida pela entidade recorrente, em processo sumário desportivo, já transitada em julgado: vide art. 257º a art. 262º todos do RDLPFP; II- O cotejo dos factos assentes enquadrados pelas disposições aplicáveis, rechaça a argumentação adotada na decisão recorrida, na exata medida em que, a decisão impugnada, tratava, efetivamente, de “pedaços de vida” diferentes e suscetíveis de serem apreciados e analisados autonomamente: cfr. factualidade assente e não assente; art. 29º da CRP; art. 12º e art. 187º ambos do RDLPFP. III- Ponto é que, pese embora os acontecimentos tenham ocorrido no mesmo espetáculo desportivo, ou seja no mesmo espaço-tempo, e tenham sido punidos |
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Votação: | MAIORIA; COM VOTO DE VENCIDO |
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Indicações Eventuais: | Subsecção SOCIAL |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | EM NOME DO POVO acordam os juizes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul – Subsecção Social: *** S.......... - FUTEBOL, SAD, com os demais sinais dos autos, intentou no Tribunal Arbitral do Desporto – TAD, contra a FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL - FPF, ação arbitral impugnando a decisão final proferida pelo Pleno do Conselho de Disciplina da FPF - Secção Profissional, de 2024-01-30, no âmbito do Processo Disciplinar - PD n.º ...-2023/2024, que condenou a Demandante pela prática de uma infração disciplinar p. e p. pelo art. 187.º, nº l, al. a) [Comportamento incorreto do público] do Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional - RD LPFP; por violação dos deveres previstos nos artigos 35.º, n.º 1, al. b), c) e o), do Regulamento de Competições, também da Liga - RC LPFP, e artigos 4.º e 10.º, n.º 1, al. a), b), i) e o), do Regulamento de Prevenção da Violência - RPV, constante do Anexo VI do RC LPFP; de uma infração disciplinar p. e p. pelo art. 182.º, n.º 2, [Agressões graves a espectadores e outros intervenientes], do RD por violação dos deveres ínsitos nos artigos 35.º, n.º 1, al. a), b), c), f) e o), do RC LPFP, e artigos 4.º e 10.º, n.º 1, al. a), b), i) e o), do RPV, em cúmulo, em sanção disciplinar de multa, no montante de €6.324,00 (seis mil, trezentos e vinte e quatro euros).I. RELATÓRIO: * Por decisão arbitral de 2024-05-15 o TAD julgou a ação procedente e, em consequência, anulou o acórdão de 2024-01-30, proferido pela entidade recorrente: cfr. fls. 4 a 61.* Inconformada, a entidade demandada, ora entidade recorrente, interpôs recurso de apelação para este Tribunal Central Administrativo do Sul - TCA Sul, no qual peticionou a revogação do acórdão arbitral recorrido, para tanto, apresentando as suas alegações com as conclusões recursivas que se transcrevem: “…1. O presente recurso tem por objeto o Acórdão Arbitral proferido pelo Colégio Arbitral constituído junto do Tribunal Arbitral do Desporto, que julgou procedente o recurso apresentado pela ora recorrida, que correu termos sob o n.º ../2024, e revogou o Acórdão do Conselho de Disciplina que a havia sancionado.2. A Recorrida havia sido sancionada porquanto, por ocasião do jogo oficialmente identificado sob o n.º 1..............., disputado entre a S.......... (Recorrida) e a SS.......... - Futebol, SAD (SS..), um adepto do S.........., cuspiu saliva e arremessou um líquido na direção do jogador da equipa da SS.. que utilizou camisola com o n.º …, P…………. 3. Ademais, também após o termo do referido jogo, cerca das 22h30, um adepto do S.......... que utilizava um chapéu e uma camisola alusivo a esta SAD, abordou uma adepta da SS.. que ocupava um lugar na bancada e utilizava um cachecol alusivo à SS.. e retirou- lhe este mesmo cachecol, sendo que, sequentemente, um outro adepto da S.........., que utilizava um chapéu alusivo a esta SAD, retirou-a do lugar que ocupava e empurrou-a insistente e agressivamente, enquanto a agarrava na zona dos braços, expulsando-a, enquanto outro adepto da S.......... vociferou «vai para casa». 4. Entendeu, porém mal, o TAD, que a decisão recorrida é ilegal, em suma, por se verificar uma violação do princípio ne bis in idem, e porque considera que não existiu nenhuma agressão e, portanto, não pode o clube ser sancionado pelo artigo 182º2, n.º 2 do RD da LPFP. 5. Entendeu o Colégio Arbitral que se verifica uma violação do princípio ne bis in idem dado que a factualidade objeto da condenação no âmbito do Acórdão do CD já havia sido apreciada e julgada pelo Conselho de Disciplina da Demandada em sede de processos sumários, designadamente através do Comunicado Oficial da Liga Portugal n. º......., mas sem razão. 6. É que os pedaços de vida sancionados em sede de processo sumário são muito distintos, quer temporal, quer material, ontológica e axiologicamente valorados do constante do objeto dos presentes autos. 7. Não pode comparar-se cânticos ofensivos com o ato de cuspir na direção de agente desportivo de equipa adversária ou com agressão a adepto de equipa adversária. 8. De igual modo, normativamente são pedaços de vida valoráveis de modo diverso: um como comportamento incorreto do público (o conjunto de ações sancionadas em sede de processos sumários), outro o ato de cuspir na direção de agente desportivo da equipa adversária ou de agressões graves a espetadores, correspondendo a ilícitos disciplinares distintos. 9. Havendo autonomia total entre tais pedaços de vida, não procedendo a preterição do princípio ne bis in idem, nem sendo transponível a jurisprudência citada na ação arbitral, por haver aqui plena autonomia dos pedaços de vida. 10. Andou, por isso, mal o TAD, devendo a decisão ser revogada neste segmento. 11. Por outro lado, também deve ser revogado o Acórdão do TAD no segmento que diz respeito à existência, ou não, de um comportamento agressivo e, portanto, da subsunção dos factos ao ilícito disciplinar previsto no artigo 182.º, n.º 2 do RD da LPFP. 12. Adiante-se, desde já, que no que respeita à factualidade que sustenta a condenação da ora recorrida, a mesma é corroborada pelo vídeo junto aos autos - fls. 23 a 26 e 80 a 90 e 140 do processo disciplinar. 13. Não se compreende como é que o Colégio Arbitral, visualizando o referido vídeo, não considera que existe um adepto da Recorrida que agarra e empurra violentamente a adepta do SS... 14. Demonstrado que esteja que o ato de retirar o cachecol à referida adepta e empurrar e agarrar a mesma violentamente, foram protagonizados por adeptos do S.......... - Recorrida - e atendendo à restante factualidade considerada provada, encontra-se igualmente preenchido o tipo disciplinar "Agressões graves a espectadores e outros intervenientes", p. e p. pelo artigo 182.º, n.º 2 do RD da LPFP. 15. Ademais, para que se possa aplicar o tipo disciplinar previsto pelo n.º 2 do artigo 182.º do RDLPFP, por violação dos deveres ínsitos nos artigos 35.º, n.9 1, alíneas a), b), c), f) e o), do RC, e artigos 4.9 e 10.n.º 1, alíneas a), b), i) e o), do RPV, para cuja verificação dos elementos típico-objetivos desta norma se exige que, voluntariamente e ainda que de forma meramente culposa, um (i) sócio ou simpatizante de clube; (ii) agrida fisicamente; (iii) espectador ou elemento da comunicação social ou pessoa presente; (iii) dentro dos limites do recinto desportivo; (iv) antes, durante ou depois da realização do jogo; (v) sem que aquela agressão cause lesão de especial gravidade. 16. Resulta à evidência que retirar um cachecol a uma adepta o cube adversário, retirar essa mesma adepta do lugar que ocupava, empurrando-a insistente e agressivamente, agarrando-a na zona dos braços, expulsando-a, ao mesmo tempo que um outro adepto vociferava «vai para casa!», ainda que não lhe cause dor física, não pode deixar de ser tido como um exercício de vis physica ou vis corporalis contra outrem, constituindo, por isso, formas de violência ou comportamentos violentos. 17. Assim, deve ser revogado o Acórdão do TAD também neste segmento, confirmando a sanção aplicada por via do artigo 182.º, n.º 2 do RD da LPFP. 18. Para além do que supra se expôs, é importante reforçar a responsabilidade da Recorrida pelo incumprimento dos seus deveres e consequentemente atos perpetrados pelos seus adeptos. 19. Demonstrado que esteja que o ato de cuspir e arremessar líquido na direção de agente desportivo de equipa adversária, foi protagonizado por adepto do S.......... - Demandada - e atendendo à restante factualidade considerada provada, encontra-se igualmente preenchido o tipo disciplinar "Comportamento incorreto do público", p. e p. pelo artigo 187.º, n.º 1, al. a) do RD da LPFP. 20. O Acórdão recorrido merece a maior censura e deve ser revogado, sendo substituído por outro que reconheça a legalidade e acerto da decisão proferida pelo CD, mantendo, assim, a sanção aplicada…”: cfr. fls. 62 a 126. * Por seu turno a Demandante, ora recorrida, contra-alegou pugnando pela manutenção da decisão recorrida, para tanto, apresentando as respetivas contra-alegações com as conclusões que se transcrevem: “… A. O recurso (…) tem por objeto o Acórdão proferido pelo Colégio Arbitral constituído junto do Tribunal Arbitral do Desporto (TAD) que julgou procedente o recurso apresentado pela Recorrida S.......... - Futebol, SAD, e que correu termos no TAD sob o número de Processo ../2024.B. Por força dessa Decisão arbitral foi revogada a deliberação do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol que condenara a Recorrida pela prática de (i) uma infração disciplinar p. e p. pelo artigo 187.º, nº l, alínea a), do RD LPFP [Comportamento incorreto do público], por violação dos deveres previstos nos artigos 35.º, n.º 1, alíneas b), c) e o), do Regulamento de Competições, também da Liga (RC LPFP), e artigos 4.º e 10.º, n.º 1, alíneas a), b), i) e o), do Regulamento de Prevenção da Violência (RPV), constante do Anexo VI do citado RC LPFP; e de (ii) uma infração disciplinar p. e p. pelo artigo 182.º, n.º 2, do RD [Agressões graves a espectadores e outros intervenientes], por violação dos deveres ínsitos nos artigos 35.º, n.º 1, alíneas a), b), c), f) e o), do RC LPFP, e artigos 4.º e 10.º, n.º 1, alíneas a), b), i) e o), do referido RPV, em cúmulo, em sanção de multa do montante de (…)(seis mil, trezentos e vinte e quatro euros). C. Inconformada com a decisão do Colégio Arbitral, aduz a Recorrente que o Acórdão recorrido deve ser revogado por considerar, por um lado, existir total autonomia entre os pedaços de vida sub judicio e, como tal, não se verificar qualquer preterição do princípio ne bis in idem, e, por outro lado, por entender que o ato de retirar um cachecol a uma adepta do cube adversário, e retirar essa mesma adepta do lugar que ocupava, empurrando-a insistente e agressivamente, agarrando-a na zona dos braços, expulsando- a, constitui uma agressão nos termos do artigo 182º, n.º 2, do RD LPFP (facto que, no entanto, não foi provado). D. Entende ainda a Recorrente que se o Tribunal ad quem julgar procedente o recurso, concluirá também que a Recorrida não cumpriu os seus deveres informando e in vigilando no jogo em apreço. No entanto, E. A S.......... SAD já fora julgada, condenada e punida pela prática de uma infração disciplinar p. e p. pelo artigo 187º, n.º1, do RD LPFP em sede de processo sumário, pelo que, apreciando, valorando e sancionando globalmente o comportamento incorreto do público naquele concreto jogo, i.e., aquele concreto pedaço de vida, o Conselho de Disciplina da Recorrente esgotou todas as possibilidades de reapreciar e sancionar novamente quaisquer factos ocorridos no referido jogo que possam ser integrativos da prática dessa mesma infração disciplinar p. e p. pelo artigo 187º do RD LPFP. F. O referido preceito regulamentar prevê e pune uma multiplicidade de condutas individuais de adeptos, que, porventura, poderiam ser consideradas isoladamente (1 adepto = 1 infração), mas que, por expressa previsão regulamentar, deixam de ter relevância jurídico- disciplinar autónoma, acabando por ser unificadas naquela única infração, destinada, precisamente, a qualificar e punir a conduta globalmente considerada do público naquele contexto espácio-temporal do jogo, sempre que conduta mais grave com diferente previsão regulamentar não se verifique. G. Para isso concorre, e é decisiva, a ideia de responsabilidade disciplinar do clube pelo comportamento dos adeptos, visto que não está a ser disciplinarmente julgada a responsabilidade individual de cada um dos concretos adeptos que, materialmente, praticam o concreto ato incorreto. H. O princípio ne bis in idem ou da proibição do duplo julgamento expressa a garantia fundamental de que ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo facto, razão pela qual se encontra consagrado no artigo 29º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa e regulamentarmente previsto no artigo 12º do RD LPFP, que estabelece que "[n]inguém pode ser sancionado, na ordem jurídica desportiva, mais que uma vez pela prática da mesma infração". I. Em violação do referido princípio, o Conselho de Disciplina da Recorrente condenou duplamente a Recorrida pelo comportamento incorreto do público no jogo oficial n.º 1..............., disputado entre a S.......... SAD e a SS.......... - Futebol, SAD. J. Entendeu, e bem, o Tribunal Arbitral que a decisão em apreço violava o aludido princípio, revogando o acórdão nesta parte, por não se tratar de pedaços de vida diferentes suscetíveis de serem apreciados e analisados autonomamente. K. Pelo sobredito, tendo o comportamento social e desportivamente incorreto do público já sido apreciado e julgado na sua globalidade pela Recorrente, não é possível agora julgá-lo novamente, ainda que com qualquer outra nuance factual, mesmo à luz de norma disciplinar distinta, uma vez que o poder disciplinar já se encontra esgotado/consumido com a aplicação da sanção à essencialidade dos factos, porque estes integram um único pedaço de vida, não merecendo, por isso, o Acórdão recorrido qualquer censura nesta parte. L. Se assim não se entender, o que só por mero dever de patrocínio se concede, sempre se terá de entender que não foi produzida prova suficiente nos autos que permita concluir, com um grau de certeza razoável, que o adepto infrator é adepto da S.......... SAD, pelo que, também por essa razão, a Recorrida não pode ser sancionada por tais factos. M. O Conselho de Disciplina da Recorrente condenou, ainda, a Recorrida pela prática de uma infração disciplinar p. e p. pelo artigo 182º, n.º 2, do RD LPFP, por violação dos deveres ínsitos nos artigos 35.º, n.º 1, líneas a), b), c), f) e o), do RC LPFP, e artigos 4.º e 10.º, n.º 1, alíneas a), b), i) e o), do referido RPV. N. Para tal, o órgão disciplinar baseou-se, exclusivamente, num vídeo difundido na rede social "...", em página afeta ao SS.......... CP e numa análise, claramente, distorcida e enviesada do conteúdo do referido vídeo. O. Não existe nos autos qualquer prova que ateste a origem, data ou autenticidade do vídeo, pois não foi possível confirmar quem é o autor ou criador do vídeo, se este é verdadeiro ou se foi manipulado, total ou parcialmente. E mesmo na hipótese de ser verdadeiro, tão-pouco existe qualquer prova nos autos que confirme que o vídeo foi, efetivamente, gravado naquele concreto jogo. Sendo seguro que, mesmo que porventura verdadeiro, e gravado naquele jogo, não permite uma compreensão completa circunstanciada do desentendimento. P. Numa clara violação do princípio in dubio pro reo, o Conselho de Disciplina presumiu a veracidade do vídeo e do seu conteúdo, e condenou a Recorrida com base nos factos aí divulgados. Q. Por outro lado, mesmo admitindo a possibilidade do conteúdo do vídeo ser verdadeiro, com base nas imagens não se viumbra qualquer agressão entre adeptos, como salienta o Tribunal recorrido. R. Não existindo qualquer prova que consubstancie os factos que imputados à Recorrida, não podemos considerar preenchido o tipo objetivo da infração "agressão grave" p. e p. pelo artigo 182º, n.º 2, do RD LPFP, pelo que ao revogar, também nesta parte, o acórdão do Conselho de Disciplina, andou bem o Colégio arbitral, não merecendo a Decisão, por isso, qualquer reparo. S. No limite, caso fossem considerados provados os factos constantes da gravação vídeo, o que por mero dever se patrocínio se concebe, ainda assim, tais factos apenas poderiam ser subsumidos à infração disciplinar p. e p. pelo artigo 187º do RD LPFP, pelo que, pelo sobredito, aplicar-se-iam aqui as considerações feitas sobre o princípio ne bis in idem, que impedem a Recorrente de punir novamente a Recorrida por este facto punível. T. Por outro lado ainda, note-se que a Recorrente reitera cumpriu todos os seus deveres in formando e in vigilando, tendo juntado aos autos prova documental que demonstra que desenvolve várias ações para incentivar o espírito ético e de fair play. U. Pese embora todos os esforços até à data desenvolvidos pelo Estado, pela Federação Portuguesa de Futebol, pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional e pelos clubes, é impossível assegurar, em toda e qualquer circunstância, o integral cumprimento das regras éticas e do espírito desportivo por parte de sócios, adeptos e ou simpatizantes, seja da equipa visitada, seja da equipa visitante IV. In casu, não dispunha a S.......... SAD de poder para, de facto, prever e evitar os comportamentos sub judicio, por não lhe ser humana e praticamente possível garantir, apesar de todos os esforços e medidas tomadas, que todos os adeptos adotam uma conduta adequada durante o espetáculo desportivo. W. A Recorrente desconsidera as regras de prova em matéria sancionatória e inverte o ónus da prova, afirmando que é à Recorrida que compete provar quais as medidas concretas que realizou no referido jogo para evitar os comportamentos dos adeptos sub judicio. É, porém, à Recorrente que compete a identificação e a prova de que existiam medidas concretas adicionais que a Recorrida poderia e deveria ter realizado, e não o fez, e que tais medidas adicionais, tendo sido executadas seriam adequadas a evitar o comportamento dos adeptos, o que não logrou fazer. X. Não tendo sido produzida a mencionada prova, a conclusão de que a Recorrida violou tais deveres de zelo, de informação, de formação só seria possível se aceitássemos a tese da responsabilidade objetiva dos clubes/sociedades desportivas por condutas dos seus sócios/simpatizantes. Y. Essa tese não é, contudo, defensável, pelo que os tribunais têm considerado que a culpa dos clubes e sociedades desportivas é essencial e imprescindível à sua eventual responsabilização por comportamentos dos seus adeptos. Z. Por todo o exposto, dever-se-á concluir que Tribunal Arbitral a quo apreciou corretamente os factos e interpretou e aplicou bem o Direito ao decidir revogar a deliberação disciplinar recorrida…”: cfr. fls. 127 a 159. * O presente recurso foi admitido e ordenada a sua subida em 2024-06-25: cfr. fls. 160.* Para tanto notificado, o Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal Central não exerceu faculdade que lhe é conferida pelo art. 146º e art. 147º ambos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos - CPTA: cfr. fls. 164.* Com dispensa de vistos, atenta a sua natureza urgente (cfr. art. 36º nº 2 do CPTA), mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos Juizes Desembargadores Adjuntos, vem o presente processo à conferência para julgamento.*** Delimitadas as questões a conhecer pelo teor das alegações de recurso apresentadas pela entidade recorrente e respetivas conclusões (cfr. art. 635°, n° 4 e art. 639°, n°1, nº. 2 e nº 3 todos do Código de Processo Civil – CPC ex vi artº 140° do CPTA), não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas - salvo as de conhecimento oficioso -, importa apreciar e decidir agora se a decisão sob recurso padece, II. OBJETO DO RECURSO: ou não, dos assacados erros de julgamento de direito. Vejamos: *** A – DE FACTO:III. FUNDAMENTAÇÃO: No acórdão arbitral recorrido foi julgada provada a seguinte factualidade: [Imagem; texto integral no original] Mais, acresce que, em consequência do infra melhor explicitado, passará a ler-se, ainda nos factos provados o seguinte: Motivação: Além da motivação expendida no acórdão arbitral recorrido releva agora ainda tudo o tribunal a quo, explicitamente, refere ter verificado considerando conjunta e globalmente toda a prova produzida nos autos e, expressamente, referindo ainda ter analisado o vídeo que consta a fls. 79 e 80 do processo administrativo (v.g. o que enuncia ponto 3. Insuficiência da Prova para a decisão da matéria de facto provada). É que, perante a prova produzida nos autos, incompreensivelmente, no acórdão recorrido afirma simultaneamente uma coisa (relativamente ao primeiro facto dado como não provado) e o seu contrário (como resulta da peça processual no seu todo, nomeadamente quanto ao vertido no ponto 3. Insuficiência da Prova para a decisão da matéria de facto provada), o que impondo decisão diversa, demanda agora, a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, neste segmento: cfr. art. 662.º, n.º 1 do CPC ex vi art. 1.º, art. 7º-A e art. 140.º n.º 3 todos do CPTA. Assim, onde se lê factos não provados, deve deixar de ler-se tal menção, isto porque o primeiro dos factos não assentes é assim e agora suprimido e o segundo e terceiro factos dados como não provados são agora tidos por não escritos, por conclusivos: cfr. art. 662.º, n.º 1 do CPC ex vi art. 1.º, art. 7º-A e art. 140.º n.º 3 todos do CPTA. Passando ainda, como sobredito, os factos assentes a terem numeração superior, significando isso que em lugar de 1 a 5, passam a ser constituídos por 10 factos provados: cfr. art. 662.º, n.º 1 do CPC ex vi art. 1.º, art. 7º-A e art. 140.º n.º 3 todos do CPTA. * B – DE DIREITO:DO ERRO DE JULGAMENTO DE DIREITO (v.g. Princípio ne bis in idem) Ressalta do discurso fundamentador da decisão arbitral recorrida que: “… L. Fundamentação Jurídica: Do ponto de vista da aplicação do Direito, tendo em consideração os factos e os argumentos alegados pelas partes nos respetivos articulados, estão essencialmente em causa as seguintes questões: 1. Limites Cognitivos do TAD; 2. violação do princípio ne bis in idem.; 3. Insuficiência da prova para a decisão da matéria de facto provada; 4. Alegada falta de medidas; e 5. Do erro na qualificação jurídica quanto à alegada prática da infração disciplinar p. e p. pelo artigo 182°, n.º 2, do RD LPFP. (…) Correspondentemente, e como resulta do sobredito, no essencial, o tribunal arbitral a quo julgou a ação arbitral procedente e, em consequência, anulou a decisão sindicada, que determinou a aplicação da sanção disciplinar de multa, no montante de €6.324,00, proferida em 2024-01-30, no âmbito do PD n.º ...-2023/2024. O assim decidido pelo tribunal arbitral a quo escora-se em tese que não se acompanha. Vejamos: Como decorre dos autos e o probatório elege em 2023-11-12, no estádio do S.......... (S..........), realizou-se o jogo n.º 1..............., entre a S..........-Futebol, SAD, ora recorrida e a SS.......... – Futebol, SAD, no âmbito da Liga Portugal - B.............. Mais ficou assente que, durante e após o termo do acima melhor identificado jogo, pelas 22:30horas, um adepto da sociedade desportiva visitada, cuspiu saliva e arremessou um líquido na direção de um jogador da equipa visitante. Descobre-se ainda no acórdão arbitral recorrido – v.g. não só na identificação dos argumentos das partes; no facto provado n.º 5 que remete para os antecedentes disciplinares [dos quais, além do mais, claramente ressalta: constar do Comunicado Oficial da Liga Portugal – COLP n.º ......., de 2023-11-16, no mapa dos processos sumários, o seguinte: “… C....... (…) €1020.00 MULTA art. 187.1ª) (comportamento incorreto do público - <adeptos afetos à sociedade desportiva visitada (…) localizados nos setores 7 a 11, da bancada SSS............ inferior, local exclusivamente reservado aos adeptos dessa sociedade desportiva, melhor identificados pela cor das suas vestes e cachecóis e pelos cânticos de incentivos entoados alusivos aquela sociedade desportiva, entoaram em uníssono os seguintes cânticos, aquando da reposição da bola em jogo, por parte do Guarda-Redes visitante: Minutos 7, 13 e 15 da 2ª parte “FILHO DA PUTA”> conforme o descrito no Relatório do Delegado) ( Violação dos deveres inscritos no art. 35º, n.º 1 al. b), c) e o) do Regulamento das competições organizadas pela Liga Portugal) (Montante da multa – ex vi 36º n.º 1 e 2 RDLPFP)…” cfr. TAD Processo ...-2024 volume 001 a 004, sobretudo 001 in fine], mas também na apreciação jurídica da matéria - que o CD da entidade recorrente havia já apreciado e decidido condenar e punir pela prática de uma infração disciplinar p. e p. pelo art. 187º, n. º1, do RDLPFP a recorrida em sede de processo sumário, através do supra referido COLP n.º ......., sobre comportamento incorreto do público relativamente aquele jogo em concreto (desta feita, por cânticos ofensivos entoados). Reduzindo a vexatia questio aos seus termos mais simples estamos, pois, perante um caso de responsabilidade disciplinar das sociedades desportivas pelos comportamentos social ou desportivamente incorretos dos seus adeptos, e no que importa considerar para a economia dos autos, releva saber, concretamente da responsabilidade da sociedade desportiva visitada pelos comportamentos antidesportivos dos espetadores (sócios, simpatizantes e/ou adeptos), no segmento de saber se existiu duplo julgamento pelos mesmos factos de que foi anteriormente acusada e punida por decisão proferida pela entidade recorrente, em processo sumário desportivo, já transitada em julgado: vide art. 257º a art. 262º todos do RDLPFP. O ponto é que, como resulta do sobredito, por um lado, a entidade recorrente, através do COLP n.º ......., no âmbito de processo sumário (desportivo), já havia condenado a recorrida pela prática de uma infração disciplinar p. e p. pelo art. 187.º, nº l, al. a) [Comportamento incorreto do público] do RDLPFP, relativamente ao identificado jogo n.º 1...............(repete-se, por cânticos ofensivos entoados). Sendo que, por outro lado, a entidade recorrente decidiu, em 2024-01-30, no âmbito do PD n.º ...-2023/2024, condenar a recorrida pela prática de uma infração disciplinar p. e p. pelo mesmo art. 187.º, nº l, al. a) do RDLPFP; e por violação dos mesmos deveres previstos no arti. 35.º, n.º 1, al. b), c) e o), do RCLPFP, mas desta feita ainda por violação do artigos 4.º e 10.º, n.º 1, al. a), b), i) e o), do RPV, constante do Anexo VI do RCLPFP (consubstanciados nos seguintes comportamentos: durante e após o termo do mesmo jogo n.º 1..............., pelas 22:30horas, um adepto da sociedade desportiva visitada, cuspiu saliva e arremessou um líquido na direção de um jogador identificado em relatório de policiamento da equipa visitante); e ainda de uma infração disciplinar p. e p. pelo art. 182.º, n.º 2, do RD por violação dos deveres ínsitos nos artigos 35.º, n.º 1, al. a), b), c), f) e o), do RC LPFP, e artigos 4.º e 10.º, n.º 1, al. a), b), i) e o), do RPV, em cúmulo, em sanção disciplinar de multa, no montante de €6.324,00. Decorre do discurso fundamentador do acórdão arbitral recorrido que o tribunal arbitral a quo anulou a decisão impugnada, de 2024-01-30, por entender, primeiramente, terem ocorrido no jogo n.º 1............... diversos comportamentos incorretos por banda do público em momentos diferentes do evento desportivo, os quais, por terem sido já, analisados e punidos em sede de processo sumário (desportivo), com decisão transitada em julgado, não podem, por isso, voltar a ser analisados e punidos, em sede de processo disciplinar (desportivo), por não ser possível, à luz do principio ne bis in idem punir a recorrida pelo mesmo comportamento ilícito e antidesportivo. Como bem sublinha a recorrida o: “… princípio ne bis in idem ou da proibição do duplo julgamento expressa a garantia fundamental de que ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo facto, razão pela qual se encontra consagrado no art. 29º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa - CRP e regulamentarmente previsto no art. 12º do RD LPFP, que estabelece que "[n]ninguém pode ser sancionado, na ordem jurídica desportiva, mais que uma vez pela prática da mesma infração". O cotejo dos factos assentes enquadrados pelas disposições aplicáveis, rechaça a argumentação adotada na decisão recorrida, na exata medida em que, a decisão impugnada, tratava, efetivamente, de “pedaços de vida” diferentes e suscetíveis de serem apreciados e analisados autonomamente: cfr. factualidade assente e não assente; art. 29º da CRP; art. 12º e art. 187º ambos do RDLPFP. Ponto é que, pese embora os acontecimentos tenham ocorrido no mesmo espetáculo desportivo, ou seja no mesmo espaço-tempo, e tenham sido punidos ao abrigo da mesma disposição, o facto é que tais comportamentos antidesportivos não são os mesmos (uns são, recorde-se: o entoar de cânticos ofensivos e os outros, o cuspir e arremessar líquido na direção de um jogador identificado) e não foram apreciados e punidos no âmbito do mesmo procedimento gracioso (recorde-se: o primeiro comportamento ilícito supra referenciado foi apreciado em sede de processo sumário desportivo e o segundo em sede disciplinar desportiva): cfr. art. 257º a art. 262º; art. 225º a art. 256º todos do RDLPFP. O processo sumário é um processo propositadamente célere, que tem início nas participações por via dos relatórios e em que a sanção, dentro dos limites regulamentares definidos, é aplicada no prazo-regra de apenas 5 dias, sendo que o processo disciplinar desportivo importa o respeito por regras, nomeadamente, de contraditório, que implicam, tendencialmente, um procedimento mais prolongado, tudo conforme o estipulado no RD LPFP a que as partes se autovincularam: cfr. art. 257º a art. 262º; art. 225º a art. 256º todos do RDLPFP. Circunstância que convoca a necessidade de ter presente que os comportamentos antidesportivos em causa foram dados por assentes (em sede de processo sumário e em sede de processo disciplinar desportivo) com base em relatórios da equipa de arbitragem, bem como das forças policiais e, que sobre os relatórios da equipa de arbitragem recai presunção de veracidade dos respetivos conteúdos (cfr. art. 13.º, al. f) do RDLPFP), sendo que os relatórios de policiamento detém, por seu turno, um valor probatório reforçado, por serem exarados por "autoridade pública" ou "oficial público", no exercício público das "respetivas funções" (para as quais é competente em razão da matéria e do lugar), constituindo assim documento autêntico (cfr. art. 363.º, n.º 2, art. 369º, art. 371º a art. 372º todos do Código Civil - CC e art.º 169.º do Código de Processo Penal - CPP). O que significa ressaltar dos autos a incorreção da apreciação levada a cabo pelo tribunal a quo, porquanto a factualidade assente (e sublinhe-se, provada com base em prova de valor reforçado) demonstra que estão em causa comportamentos social e desportivamente incorreto do público que não foi apreciado e julgado na sua globalidade em sede de processo sumário, posto estarem em causa claramente comportamentos antidesportivos diferentes e dispares, “factos de vida” ocorridos no mesmo espaço-tempo, mas que, indubitavelmente, consubstanciam diversos e diferentes comportamentos ilícitos dos adeptos da equipa visitada: cfr. factualidade assente e não assente; art. 29º da CRP; art. 12º e art. 187º; art. 13.º, al. f); art. 257º a art. 262º; art. 225º a art. 256º todos do RDLPFP; art. 363.º, n.º 2, art. 369º, art. 371º a art. 372º todos do CC e art.º 169.º do CPP. A responsabilidade dos clubes e das sociedades desportivas por comportamentos antidesportivos dos seus sócios, simpatizantes e/ou adeptos, impõe chamar à colação o princípio basilar nesta matéria, que de acordo com o quadro legal vigente e, bem assim de acordo com as normas internacionais, o Estado Português adotou e a que a entidade recorrente (entidade de natureza privada com estatuto de utilidade pública desportiva), bem como a recorrida (sociedade desportiva visitada) se encontram vinculadas -, e que é o princípio da ética desportiva. Princípio do qual decorrem deveres cujo cumprimento primeiramente impende, no que ao caso interessa, sobre os clubes e sociedades desportivas: cfr. art. 3º da Lei n.º 5/2007, de 16 de janeiro, na redação atualizada – Lei de Bases da Atividade Física e do Desposto – LAFD; art. 3º da Resolução Assembleia da República n.º 11/87, que aprovou a Convenção Europeia sobre a Violência e Excesso dos Espectadores; art. 8º e art. 9º da Lei n.º 39/2009, de 30 de julho, que estabelece o Regime Jurídico da Segurança e combate ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espetáculos desportivos, na redação atualizada; art. 2º e art. 5º da Resolução Assembleia da República n.º 52/2018, que aprovou a Convenção do Conselho da Europa sobre a Abordagem Integrada da Segurança, da Proteção e dos Serviços por Ocasião dos Jogos de Futebol; vide Estatutos da FPF; Regulamentos da FIFA e da UEFA. Consabidamente, tais deveres são: deveres in vigilando (em síntese: deveres de supervisão, de monotorização, de inspeção) e são deveres in formando (em síntese: deveres de formação, de comunicação, de promoção de fair-play): cfr. art. 3º da LAFD; art. 3º da RAR n.º 11/87; art. 8º e art. 9º da Lei n.º 39/2009, de 30 de julho; art. 2º e art. 5º da RAR n.º 52/2018. Tais deveres são completares e contribuem para o assegurar de um clima que se pretende de maior segurança nos recintos desportivos e nas suas imediações, antes, durante e depois do espetáculo desportivo, visando assim a garantia da integridade física e moral de todos os participantes e de todos os espetadores, das crianças aos idosos, de todas as atividades desportivas, em rigorosa simetria com a determinada: “… proteção dos direitos dos indivíduos à integridade física…” e ainda a operacionalizar a responsabilização dos clubes e das sociedades desportivas: cfr. art. 8º e art. 9º da Lei n.º 39/2009, de 30 de julho; art. 2º e art. 5º da RAR n.º 52/2018; vide “A RESPONSABILIDADE DOS CLUBES DESPORTIVOS DECORRENTE DO COMPORTAMENTO INCORRETO DOS SEUS ADEPTOS; Guilherme Gomes Monteiro Macedo; Universidade de Coimbra; Dissertação no âmbito do Mestrado em Ciências Jurídico-Criminais, julho de 2023”. Dito de outro modo, a prevenção da adoção de atitudes incorretas por parte de todos os que assistem ao espetáculo desportivo (leia-se: sócios, simpatizantes, adeptos ou espetadores) é, pois, tarefa que aqui como além fronteiras, recai não só sobre o clube visitado (aquele que tem o domínio do facto; sobretudo na ótica dos deveres in vigilando v.g. quanto ao recinto, infraestruturas, sistemas de videovigilância, etc.), mas também sobre o clube visitante (sobretudo também na ótica dos deveres in formando v.g. normas referentes à segurança que impõe a obrigação de os clubes instituírem sistemas de gestão de segurança, ou seja, medidas de prevenção, técnicas idóneas de prevenção, meios de reação, estratégias de comunicação, etc.): cfr. 5º a art. 16º-A da Lei n.º 39/2009, de 30 de julho; art. 2º e art. 5º da RAR n.º 52/2018; art. 17º do CD da FIFA e art. 16º do RD da UEFA. Donde, resultando, como resultou provado nos autos que, os adeptos da recorrida (sociedade desportiva visitada) não só entoaram cânticos ofensivos (e, por isso, foi punida em sede de processo sumário desportivo) como, no mesmo jogo n.º 1..............., adepto da recorrida cuspiu e arremessou líquido na direção de um jogador da equipa visitante, como melhor descrito no relatório de policiamento (e, por isso, punida a recorrida pelo ato sindicado e anulado pelo acórdão arbitral em crise), do probatório dimana, pois, com meridiana clareza, que a recorrida não só não logrou dar cumprimento às obrigações a que está sujeita no que respeita ao cumprimento dos seus deveres in vigilando e dos deveres in formando - ademais que tendo, como tinha o domínio do facto (por ser, repete-se: o clube visitado: v.g. art. 172º do RDLPFP), como não logrou demonstrar a alegação de que o poder disciplinar da entidade recorrente já se encontrava esgotado/consumido com a aplicação da sanção à essencialidade dos factos: cfr. art. 29º e art. 79º n.º 2 in fine ambos da CRP; art. 5º a art. 16º-A da Lei n.º 39/2009, de 30 de julho; art. 2º e art. 5º da RAR n.º 52/2018; art. 17º do CD da FIFA e art. 16º do RD da UEFA; art. 12º e art. 187º; art. 13.º, al. f); art. 257º a art. 262º; art. 225º a art. 256º todos do RDLPFP; art. 363.º, n.º 2, art. 369º, art. 371º a art. 372º todos do CC e art.º 169.º do CPP; art. 34º a 36º do Regulamento de Competições da LPFP e artº 6º do Anexo VI do Regulamento de Competições (Regulamento de Prevenção da Violência). Na exata medida em que os factos não são, como sobredito, os mesmos apesar de integrarem o mesmo espetáculo desportivo e terem ocorrido no mesmo espaço-tempo, não havendo assim como afastar a responsabilização desportiva da recorrida: cfr. art. 29º da CRP; art. art. 12º, art. 187º, art. 257º a art. 262º; art. 225º a art. 256º todos do RDLPFP. Tendo presente que “… uma questão que tem sido consensual entre a jurisprudência [é a de que]: a responsabilidade disciplinar dos clubes por comportamentos dos adeptos é subjetiva, portanto, dependente da sua atuação culposa, pelo que, interpretadas à luz do referido princípio, as referidas normas do RDLPFP não merecem reparo de natureza constitucional em face de não assentarem na responsabilidade objetiva dos clubes pela prática de atos de terceiros, em desrespeito do princípio da culpa e daquele que dele emana - a pessoalidade da responsabilidade sancionatória (cfr. n.ºs 2 e 3 do art. 30.º da CRP)…”: negrito e sublinhado introduzido pela relatora; in “A RESPONSABILIDADE DOS CLUBES DESPORTIVOS PELO COMPORTAMENTO DOS SEUS ADEPTOS. UMA ANÁLISE JURISPRUDENCIAL; Tiago Rodrigues Bastos; José Ricardo Gonçalves; Sérgio Castanheira; @pública – Revista Eletrónica de Direito Público; VOL. 8 N.º 1 abril 2021, fls. 86; www.e-publica.pt”; vide v.g. Acórdão do Tribunal Constitucional nº 730/95, Processo nº 328/91, de 14 de dezembro de 1995, in www.dgsi.pt. Tal responsabilidade por violação dos citados deveres in vigilando e in formando, através dos identificados comportamentos antidesportivos por banda de adeptos da sociedade desportiva visitada, ora recorrida (recorde-se: entoar de cânticos ofensivos, mas também cuspir e arremessar líquido na direção de um jogador da equipa visitante, como melhor descrito no relatório de policiamento), não consubstanciou um imprevisto, mas sim uma possibilidade, que podia e devia (repete-se: atente-se v.g. na estrutura logística, nas atribuições e competências da mesma e na previsibilidade, recorde-se ainda idênticas ocorrências registadas no seu cadastro disciplinar – vide v.g. facto 4 e 5 da matéria assente no acórdão arbitral recorrido), ter sido oportunamente antecipada pela recorrida, a qual não tendo demonstrado que, no âmbito dos identificados deveres desportivos a que está adstrita, praticou ato idóneo destinado a evitar os comportamentos antidesportivos de que está acusada foi, pois, por tais comportamentos corretamente responsabilizada às luz das normas do direito disciplinar desportivo, como bem concluiu a deliberação sindicada: vide Acórdão deste TCAS, de 2024-06-20, processo 78/20BCLSB; Acórdão deste TCAS, de 2024-04-11, processo 149/19.6BCLSB, ambos disponíveis em www.dgsi.pt. Concluindo diversamente o acórdão recorrido merece censura, uma vez que, no caso concreto, até pelo valor probatório reforçado do relatório de policiamento, o poder disciplinar da entidade recorrente não se encontrava já esgotado/consumido com a aplicação do art. 187º do RDLPFP em sede de processo sumário desportivo, ainda relativamente a diferentes factos analisados e provados em sede disciplinar. Termos em que a decisão arbitral recorrida padece do invocado erro de julgamento. DO ERRO DE JULGAMENTO DE DIREITO (v.g. art. 182º n.º 2 do RDLPFP): Aqui chegados e alterada a decisão proferida pelo tribunal a quo sobre a matéria de facto, nos termos sobreditos (cfr. art. 662.º, n.º 1 do CPC ex vi art. 1.º, art. 7º-A e art. 140.º n.º 3 todos do CPTA), importa chamar à colação o disposto no art. 182º RDLPFP: “… Agressões graves a espectadores e outros intervenientes: 1. O clube cujo sócio ou simpatizante, designadamente sob a forma coletiva ou organizada, agrida fisicamente espectador ou elemento da comunicação social ou pessoa presente dentro dos limites do recinto desportivo, antes, durante ou depois da realização do jogo, de forma a causar lesão de especial gravidade, quer pela sua natureza, quer pelo tempo de incapacidade é punido com a sanção de realização de jogos à porta fechada a fixar entre o mínimo de um e o máximo de dois jogos e, acessoriamente, na sanção de multa de montante a fixar entre o mínimo de 25 UC e o máximo de 100 UC. 2. Se a agressão prevista no número anterior não causar lesão de especial gravidade, o clube é punido com a sanção de multa de montante a fixar entre o mínimo de 25 UC e o máximo de 100 UC…” Destarte, aplicando o direito aos factos estamos perante uma situação em que da verdade judicial e prática (que não, necessariamente, a verdade ontológica) decorre uma conclusão diferente daquela a que tribunal a quo chegou (pese embora tenha começado por enunciar corretamente a questão: “…. Pode-se questionar se retirar um cachecol do pescoço de outrem será considerado uma conduta lesiva da integridade física. Abstratamente é evidente que sim...”). No caso em concreto, encontrando-se assentes os factos visionados pelo tribunal a quo nos termos em que os constatou 8e que acima foram agora levados à matéria assente sob o n.º 5 a n.º 10), a conclusão a retirar é a mesma do ato impugnado anulado, ou seja a do preenchimento do ilícito disciplinar do art. 182º n.º 2 do RDLPFP, por violação dos deveres ínsitos nos artigos 35.º, n.9 1, alíneas a), b), c), f) e o), do RC, e artigos 4.º e 10.n.º 1, al. a), b), i) e o), do RPV. Vale isto por dizer que a verdade judicial e prática se descobre do seguinte modo: a sociedade desportiva visitada, ora recorrida, cujo (pelo menos um) simpatizante agrediu fisicamente (pelo menos) uma espectadora ou pessoa presente dentro dos limites do recinto desportivo (recorde-se: foi constatado o retirar um cachecol do pescoço de uma pessoa nas escadas do recinto onde decorreu o espetáculo desportivo, visível a sua reação de surpresa e desprazer, o agarrar no seu braço por parte de outrem e foi percetível o vociferar de “vai para casa!”), depois da realização do jogo, de forma a não causar lesão de especial gravidade, é punida com a sanção de multa de montante a fixar pela entidade recorrente: cfr. art. 182º n.º 2 do RDLPFP. Valendo aqui também mutatis mutandis tudo o supra exposto, nomeadamente quanto à responsabilidade subjetiva dos clubes e das sociedades desportivas pelo comportamento antidesportivo dos seus sócios, simpatizantes, adeptos, espectadores, importa relembrar que o cumprimento dos deveres in vigilando e in formando são, pois, essenciais para alcançar o desiderato da: “… proteção dos direitos dos indivíduos à integridade física assim como da sua expectativa legitima de assistirem a jogos de futebol e a outros eventos desportivos sem medo de violência, desordem pública ou outras atividades criminosas, prosseguindo o objetivo de assegurar um ambiente seguro, protegido e acolhedor nos jogos…”: cfr. art. 8º, art. 9º e art. 46º da Lei n.º 39/2009, de 30 de julho na redação atualizada; art. 2º e art. 5º da RAR n.º 52/2018; vide “A RESPONSABILIDADE DOS CLUBES DESPORTIVOS DECORRENTE DO COMPORTAMENTO INCORRETO DOS SEUS ADEPTOS; Guilherme Gomes Monteiro Macedo; Universidade de Coimbra; Dissertação no âmbito do Mestrado em Ciências Jurídico-Criminais, julho de 2023”, sublinhado introduzido pela relatora; art. 172º do RDLPFP; art. 10.º do Regulamento de Prevenção da Violência - Anexo VI do RCLPFP; artº 79º nº 2 da CRP. Deste modo, a par das regras do ónus da prova e da responsabilidade desportiva, a prova produzida nos autos mostra-se, pois, suficiente e adequada à punição disciplinar aplicada à recorrida pela entidade recorrente, também neste segmento, através do ato impugnado e anulado pelo acórdão arbitral recorrido, o qual, merece, em face de tudo o aduzido, censura: vide Acórdão deste TCAS, de 2024-06-20, processo 78/20BCLSB; Acórdão deste TCAS, de 2024-04-11, processo 149/19.6BCLSB, ambos disponíveis em www.dgsi.pt. Termos em que a decisão arbitral recorrida padece outrossim do invocado erro de julgamento. *** Da confluência dos factos apurados com o direito aplicável verificam-se os assacados erros de julgamento, circunstância que demanda conceder provimento ao recurso, revogando assim o acórdão arbitral recorrido, mantendo-se, em consequência, a decisão final proferida pelo Pleno do Conselho de Disciplina da FPF - Secção Profissional, de 2024-01-30, no âmbito do PD n.º ...-2023/2024, que condenou a Demandante, em cúmulo, em sanção disciplinar de multa, no montante de €6.324,00 (seis mil, trezentos e vinte e quatro euros).*** Pelo exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Administrativo – Subsecção Social deste TCAS em julgar procedente o recurso interposto e, em consequência, revogar o acórdão arbitral recorrido.IV. DECISÃO: Custas pela recorrida. 20 de setembro de 2024 (Teresa Caiado – relatora) (Maria Helena Filipe – 1ª adjunta) (Luis Freitas – 2º adjunto) (com declaração de voto vencido) VOTO DE VENCIDO Julgo não existirem razões para eliminar o facto não provado 1, atenta a motivação constante do acórdão arbitral, o qual chega a afirmar que nem é possível garantir que as fotos correspondam às mesmas pessoas, motivação essa que, segundo julgo, não é ultrapassada pelo presente acórdão. De qualquer modo, passou a constar da matéria de facto que «[u]m adepto com uma camisola da Demandante retira o cachecol do SS.......... a uma suposta adepta desse clube» e que «[a] adepta do SS.......... levanta-se com um adepto da Demandante a agarrar-lhe o braço sem que se possa afirmar que existiu uso de violência ou que tenha havido intenção violenta». Parece-me, por isso, que a factualidade fixada não permitirá dar como existente a agressão a que se refere o artigo 182.º/2 do Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portugal. Manteria, portanto, a decisão de anulação do acórdão de 30.1.2024 do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol. Lisboa, 20 de setembro de 2024. Luís Borges Freitas |