Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:05189/00
Secção:Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/03/2003
Relator:Fonseca da Paz
Descritores:PETIÇÃO DE RECURSO
IDENTIFICAÇÃO DO ACTO RECORRIDO E INDICAÇÃO DAS RAZÕES DE DIREITO.
INDEFERIMENTO TÁCITO
RECURSO HIERÁRQUICO
ACTO EXPRESSO
EXTINÇÃO DO RECURSO
Sumário:I - Não deve ser rejeitada a petição de recurso, apresentada na sequência de despacho de aperfeiçoamento, e que, embora não indique a data do acto recorrido, refere qual o seu conteúdo e o parecer em que se fundamentou, de forma a que não subsistam quaisquer dúvidas quanto à identificação desse acto e que é suficientemente clara quanto ao vício que imputa a este e qual o preceito legal que considera infringido.
II - A formação de acto de indeferimento tácito não desonera a Administração do dever de proferir acto expresso, sendo através do exercício dos meios impugnatórios contra este último que os particulares devem efectuar a defesa dos seus direitos e interesses legítimos.
III - Se, após a formação de acto de indeferimento tácito objecto de impugnação hierárquica, vem a ser proferido acto expresso de indeferimento, o procedimento do recurso hierárquico perdeu o seu objecto, o que implica a sua extinção, nos termos do art. 112º, nº 1, do C.P. Administrativo.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA 1ª. SUBSECÇÃO DA 1ª. SECÇÃO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO

1. T... e outros, todos Majores da Guarda Nacional Republicana (GNR) e com domicílio profissional no Quartel do Carmo, Largo do Carmo, em Lisboa, interpuseram recurso contencioso de anulação do despacho, de 14/9/2000, do Secretário de Estado da Administração Interna, que considerou extintos, por falta de objecto, os recursos hierárquicos que para ele haviam interposto do acto de indeferimento tácito de seus requerimentos dirigidos ao Comandante-Geral da G.N.R.
A entidade recorrida respondeu, concluindo pela improcedência do recurso.
Cumprido o preceituado no art. 67º, do RSTA, os recorrentes apresentaram alegações, onde enunciaram as seguintes conclusões:
"A Decidiu mal a entidade recorrida, ao extinguir o recurso por falta de objecto;
B de facto o objecto existe, quer material, quer formalmente. Materialmente, porque se encontra delimitado pela pretensão do recorrente, que a viu negada pelo acto tácito. Formalmente porque o acto expresso praticado pelo Sr. Comandante da GNR é ineficaz, e não produz qualquer efeito no andamento do recurso hierárquico, nos termos do art. 172º. do C.P.A.;
C não estando preenchidos os requisitos do art. 112º. do CPA, a decisão de extinguir o recurso é ilegal por violação de lei”.
A entidade recorrida também alegou, mantendo a sua posição que o acto impugnado é válido, devendo, por isso, improceder o recurso.
O digno Magistrado do M.P. emitiu o seguinte parecer:
“Mantenho a posição anteriormente assumida [no sentido da rejeição da petição de recurso], tanto mais que resulta insolúvel a questão do objecto do recurso e visto que o pretenso indeferimento tácito se refere a requerimento que se não mostram juntos nem à p.i. nem ao p.a.”
Após a redistribuição dos autos ao actual relator, foram colhidos os vistos legais e o processo submetido à Conferência para julgamento.
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2.1. Consideramos provados os seguintes factos:
a) No D.R., II Série, nº 13, de 17/1/2000, foi publicada a Portaria nº 57/2000 (2ª Série) que consta do processo administrativo e cujo teor aqui se dá por reproduzido, onde se procedia à alteração da antiguidade e vencimentos de vários majores de infantaria, cavalaria e administração militar da GNR;
b) em 16/2/2000 quanto aos recorrentes Felisbino, António Fernandes e João Sousa , 17/2/2000 quanto ao recorrente Agostinho e 18/2/2000 quanto ao recorrente Tibério , os recorrentes apresentaram requerimentos, dirigidos ao Comandante-Geral da GNR, onde, além do mais, solicitavam que a sua antiguidade no posto de Major se reportasse à data da ocorrência de vaga e não ao final do CPOS;
c) em 29/3/2000, através de requerimentos dirigidos ao Ministro da Administração Interna, os recorrentes apresentaram recursos hierárquicos dos actos de indeferimento tácito que se teriam formado sobre os requerimentos referidos na alínea anterior;
d) sobre os requerimentos aludidos na al. b), foi, em 23/6/2000, emitida a informação nº 561/00, constante do processo administrativo apenso, cujo teor aqui se dá por reproduzido e onde se fazia a seguinte proposta de despacho:
“1. Os oficiais constantes na Portaria nº 57/2000 encontravam-se na situação de demorados, cfr. al. e) do nº 1 do art. 129º., desde 09.05.98.
Assim, foram inicialmente promovidos ao posto de Major, por escolha, cfr. al. d) do art. 198º. do mesmo estatuto, com a antiguidade e vencimentos desde 2/7/98, pela Portaria nº 123/99 II Série de 31/12/98 publicada no D.R. nº 35 II Série de 11/2/99, por naquela data terem satisfeito a condição especial prevista na al. a) do art. 203º do mesmo Estatuto.
Muito embora houvesse vagas desde 1/1/98, o Comando optou por fixar a data de antiguidade e vencimentos em 2/7/98, por 2 ordens de razões, a saber:
a retroacção das datas de antiguidade dos vários oficiais desta Guarda, por aplicação complementar do estatuído na al. b) do nº 1 do art. 125º. efectivaram-se através das Portarias nº 444/99, 445/99, 446/99 e 449/99, publicadas respectivamente nos D.R. nº 100 II Série de 29/4/99 e nº 101 II Série de 30/4/99.
ao fixar-se inicialmente as datas de antiguidade constantes na Portaria nº 57/2000, sem que antes se efectuassem as rectificações referidas anteriormente, estar-se-ia perante uma situação em que os oficiais constantes na Portaria nº 57/2000, ficariam mais antigos do que os últimos majores a serem promovidos com datas inicialmente de 22/1/98, 25/1/98, 21/2/98, 2/3/98 e 9/5/98, através das Portarias respectivamente nº 920, 919, 918, 915, 917 e 916 II Série de 20/8/98 publicadas no D.R. nº 203 II Série de 3/9/98.
Assim, por ser a promoção a major, uma modalidade de promoção, por escolha, nos termos da al. d) do nº 1 do art. 108º., ambos do EMGNR, e porque nesta modalidade de promoção, a data da antiguidade é aquela em que ocorrer a vaga que motiva a promoção, cfr. al. b) do art. 125º. do Estatuto, procedeu-se à alteração das antiguidades dos oficiais constantes na Portaria nº 57/2000, por terem vaga nas datas a cada um indicadas.
2. Indefiro o pedido formulado pelo requerente, por extemporaneidade do mesmo, nos termos da al. d) do art. 83º. do C.P. Administrativo”;
e) sobre essa informação nº 561/00, o Comandante Geral da GNR proferiu o seguinte despacho, datado de 2/7/2000:
“Concordo com o proposto”;
f) sobre os recursos hierárquicos referidos na al. c), a Auditoria Jurídica do Ministério da Administração Interna emitiu o parecer constante de fls. 15 a 19 do processo principal, cujo teor aqui se dá por reproduzido e onde se concluía que, por falta de objecto, se devia declarar a extinção de tais recursos;
g) sobre esse parecer, o Secretário de Estado da Administração Interna proferiu o seguinte despacho, datado de 14/9/2000:
“Concordo.
Considero extintos os recursos, por falta de objecto. Comunique-se ao CG/GNR que notificará os interessados”.
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2.2.1. O digno Magistrado do M.P. suscitou a questão prévia da rejeição da petição de recurso, com o fundamento que esta, apresentada na sequência de despacho de aperfeiçoamento, não supriu as omissões detectadas neste despacho, por não esclarecer a data, o conteúdo e o parecer em que se fundamentou o acto recorrido, nem indicar quais foram os requerimentos tacitamente indeferidos, carecendo, por isso, de clareza quanto aos factos e razões de direito que fundamentam o recurso (art. 36º 1 d) LPTA)
Os recorrentes pronunciaram-se pela improcedência desta questão, por considerarem que o texto da petição é claro.
Vejamos, então, se se verifica a arguida questão prévia.
O art. 36º, nº 1, al. d), da LPTA, estabelece que, na petição de recurso, deve o recorrente expor com clareza os factos e as razões de direito que fundamentam o recurso, indicando precisamente os preceitos ou princípios de direito que considere infringidos.
Embora a petição não indique a data do acto recorrido, refere qual o seu conteúdo e o parecer em que se fundamentou, de forma a que não subsistam quaisquer dúvidas, quer para a entidade recorrida, quer para o Tribunal, quanto à identificação desse acto (cfr. arts. 1º, 2º. e 35º. da petição de recurso “aperfeiçoada”).
Quanto aos requerimentos que teriam sido objecto do indeferimento tácito impugnado hierarquicamente, resulta da petição (cfr. arts. 8º. a 11º) que são aqueles sobre que recaíu o despacho do Comandante-Geral da G.N.R. de 2/7/2000 que os indeferiu com fundamento em extemporaneidade, ou seja, aqueles a que se refere a al. b) dos factos provados e que constam do processo administrativo apenso. E, ao contrário do que parece pressupor o digno Magistrado do M.P., tais requerimentos não tinham que ser juntos com a petição, visto que o presente recurso era interposto de acto expresso e não de acto tácito, não sendo, por isso, aqui aplicável o disposto no art. 56º., § 2º., do RSTA.
Finalmente, afigura-se-nos também que a petição não enferma de qualquer omissão quanto às razões de direito, sendo suficientemente clara quanto ao vício que imputa ao acto recorrido e qual o preceito legal infringido (violação de lei, por não se mostrarem preenchidos os requisitos do art. 112º. do C.P.A.).
Assim sendo, deve ser julgada improcedente a arguida questão prévia.
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2.2.2. Objecto do presente recurso contencioso, é o despacho transcrito na al. g) dos factos provados, pelo qual se declarou, ao abrigo do art. 112º. do C.P.A., a extinção dos recursos hierárquicos interpostos pelos recorrentes do indeferimento tácito dos requerimentos aludidos na al. b) dos factos provados, em virtude de, entretanto, ter sido proferido, pelo Comandante-Geral da GNR, o despacho expresso de 2/7/2000, ficando, assim, sem objecto aqueles recursos.
A tal despacho os recorrentes imputam um vício de violação de lei, por não se mostrarem preenchidos os requisitos do art. 112º. do C.P.A., em virtude de não se poder proferir acto de indeferimento expresso sobre pretensões indeferidas tacitamente após a interposição de recurso hierárquico desses actos tácitos.
Vejamos se esse vício se verifica.
O instituto do acto tácito surgiu no contexto de um contencioso administrativo configurado como um processo a um acto, como forma de permitir a abertura da via administrativa ou contenciosa aos particulares, nos casos em que a Administração, apesar de interpelada por estes, não pratica o acto administrativo a que é obrigada.
O acto tácito é, pois, uma ficção legal, estabelecida em benefício exclusivo dos particulares que não são obrigados a impugná-lo, podendo aguardar pela prática do acto expresso.
Daí que não resulte caso decidido ou caso resolvido da não impugnação do acto tácito e que a formação deste não desonere a Administração de proferir acto expresso.
Constituindo uma ficção da existência de um acto administrativo para permitir a abertura das vias impugnatórias e a protecção dos direitos e interesses legítimos dos interessados, o acto tácito não poderá prevalecer se a Administração vier a praticar, como está obrigada, um acto expresso, mesmo após o decurso do prazo de formação daquele, sendo através do exercício dos meios impugnatórios contra o acto expresso que os particulares devem efectuar a defesa dos seus direitos e interesses legítimos (cfr. Ac. do STA de 1/7/93 in AD 389º-511, Acs. do TCA de 6/7/2000 Proc. nº. 4053 e de 28/6/2001 Proc. nº 2183 e J. M. Santos Botelho, A. Pires Esteves e J. Cândido de Pinho in “Código do Procedimento Administrativo Anotado”, 1992, pag. 264).
É que, se com a prolação do acto expresso a vontade psicológica da Administração se manifestou, fica vedado o apelo à presunção de vontade em certo sentido quando esta presunção tem apenas uma finalidade muito precisa: dotar os particulares com um instrumento de impugnação de um comportamento omissivo da Administração lesivo dos seus interesses (cfr. citado Ac. do STA de 1/7/93).
Além disso, e ainda que se considerasse o acto tácito como um verdadeiro acto administrativo, sempre se poderá dizer que o indeferimento tácito seguido de acto expresso de indeferimento corresponderá a uma revogação (por substituição) daquele por este, nos termos da qual são destruídos os efeitos produzidos pelo primeiro.
Resulta do exposto que, após a formação de acto de indeferimento tácito, a Administração não só pode, como deve (cfr. art. 9º., do C.P.A.), praticar acto expresso, que pode ser de indeferimento, caso em que será este que prevalece e que deve ser objecto de impugnação hierárquica ou contenciosa (cfr., quanto ao recurso contencioso, o art. 51º., nº 1, da LPTA, do qual resulta a possibilidade de ser praticado acto expresso de indeferimento após a formação e impugnação de acto de indeferimento tácito).
Assim, apesar de os recorrentes terem interposto recursos hierárquicos dos actos de indeferimento tácito dos requerimentos a que alude a al. b) dos factos provados, nada obstava a que o Comandante-Geral da GNR proferisse, como proferiu, acto expresso de indeferimento de tais requerimentos.
Mas, nessa hipótese, o procedimento do recurso hierárquico perdeu o seu objecto, o que implica a sua extinção por impossibilidade superveniente, nos termos do art. 112º., nº 1, do C.P.A.
Portanto, o acto recorrido, ao considerar que o despacho de 2/7/2000 do Comandante-Geral da GNR privou de objecto os recursos hierárquicos interpostos pelos recorrentes, mostra-se conforme à lei, motivo por que improcede o arguido vício.
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3. Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso contencioso, mantendo o despacho impugnado.
Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça e a Procuradoria em, respectivamente, 170 e 85 Euros
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Lisboa, 3 de Abril de 2003
as.) José Francisco Fonseca da Paz (Relator)
Magda Espinho Geraldes (em subs).
Maria Isabel de São Pedro Soeiro