Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1307/19.9BEBJA
Secção:CT
Data do Acordão:07/15/2025
Relator:CRISTINA COELHO DA SILVA
Descritores:CADUCIDADE DIREITO AÇÃO – RECLAMAÇÃO GRACIOSA - IRS
Sumário:I – Os prazos muito embora não possam ser excedidos podem ser antecipados.

II – Sendo apresentada uma reclamação graciosa que tem como objeto um ato de liquidação, o contribuinte pode optar por não esperar pela decisão da mesma ou pelo decurso do prazo do indeferimento tácito e intentar a competente impugnação judicial do ato de liquidação.

Votação:UNANMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
*

Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul



I – RELATÓRIO

ANA ……………., com demais sinais nos autos, impugnou judicialmente a liquidação de IRS referente ao exercício de 2017, no valor de € 220.073,40.

O Tribunal Administrativo de Fiscal de Beja, por decisão de 7 de Março de 2025, absolveu a Fazenda Pública da instância por ter considerado que a impugnação era extemporânea.

Inconformada com a decisão, a Recorrente vem dela interpor recurso, formulando as seguintes conclusões:

“CONCLUSÕES
- Da matéria de direito
A fundamentação contida nas conclusões que se seguem poderá ser subdividida em duas questões/temáticas fundamentais, sem embargo de ambas se mostrarem, de todo e absolutamente interligadas e conexas, a saber:
I - Da violação do art.° 611.° do C.P.C. - artigos 1.° a 26.° - Violação de Lei - art.° n.° 2 al. a) do CPC.
a) Em 08.03.2019 a Recorrente apresentou Reclamação Graciosa junto da AT contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) do ano de 2017 - Liquidação n.° 2018 5005541778, no valor de 220.073,40 €
b) Em 03.05.2019 a ora Recorrente impugnou, junto do TAF de Beja, a liquidação referida.
c) O prazo para decidir da reclamação graciosa era de 4 meses (art.° 57.° n.° 1 da LGT), pelo que terminava em 08.07.2019.
d) O incumprimento do mencionado prazo faria presumir o indeferimento da reclamação graciosa para efeitos de impugnação judicial - Cfr- art.° 57.° n.° 5 da LGT.
e) Impugnação essa que teria como data limite para a sua interposição 08.10.2019.
f) A decisão proferida e ora recorrida ocorreu a 07.03.2025.
g) Impõe a lei que a mencionada formação de indeferimento tácito posterior ao momento da apresentação em juízo da impugnação podia e devia ter sido considerada para apreciar da caducidade da impugnação.
h) Na exata medida em que as decisões judiciais devem "... tomar em consideração os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam posteriormente à proposição da acção, de modo que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão.” -Cfr. art.° 611.° n.º 1 do C.P.C..
i) Ainda que, por mero exercício de raciocínio, se considere indispensável a formação de um indeferimento tácito para possibilitar a impugnação judicial do ato de liquidação - único ato de facto existente - não se justificaria declarar a caducidade do direito de ação quando, por se ter formado esse indeferimento tácito o prazo ampliado de impugnação judicial resultante da apresentação da reclamação graciosa e da falta da sua decisão já podia ser utilizado.
j) Em face do exposto que antecede a sentença recorrida padece do vício de erro de julgamento de direito (violação de lei), consubstanciado na violação das normas dos art.°s 611.° do C.P.C., 102.° e 106.° do CPPT e art.° 57.° n.°s 1 e 5 da LGT - devendo a decisão recorrida ser revogada e determinado que TAF de Beja prossiga a impugnação a fim de conhecer dos fundamentos da mesma.
II - Da violação dos artigos 102.° n.° 1 e al.s a) e d) e 106.° do CPPT e 57 n.°s 1 e 5 da LGT - artigos 27.° a 47.° - Violação de Lei
K) O Supremo Tribunal Administrativo já decidiu que: "... quando é apresentada uma reclamação administrativa de um acto de liquidação, o interessado pode optar por não esperar que seja proferida a respectiva decisão, podendo deduzir impugnação contenciosa do acto administrativamente impugnado, mesmo antes de estar expirado o prazo legal para ser decidida a reclamação, com base no principio «de que os prazos, não podendo ser excedidos, podem, em regra, ser antecipados» ”
l) Desde que já esteja praticado o ato que é objeto de impugnação.
m) Tendo a reclamação graciosa como objeto um ato de liquidação, o objeto do processo de impugnação judicial de indeferimento tácito de reclamação graciosa embora seja, formalmente, o indeferimento tácito é mediatamente o ato de liquidação que foi objeto de reclamação;
n) E é mesmo este ato de liquidação, nos casos de indeferimento tácito, o único cuja legalidade pode ser apreciada no processo de impugnação judicial.
o) Destarte, apresentada uma reclamação administrativa de um ato de liquidação, deverá entender-se que o interessado pode não esperar que seja proferida a respetiva decisão, podendo optar pela impugnação contenciosa do ato administrativarrente impugnado;
p) Mesmo antes de estar expirado o prazo legal para ser decidida a reclamação;
q) Com base no princípio de que “os prazos não podendo ser excedidos, podem, em regra, ser antecipados”, desde que já esteja praticado o ato que é objeto de impugnação - in casu - ato de liquidação.
r) As razões de segurança e certeza jurídicas que são as que estão subjacentes à caducidade do direito de impugnação contenciosa, não podem explicar que esse direito se extinga antes do momento em que essas razões se sobrepõem ao direito de impugnação contenciosa;
s) Momento esse que é o termo do prazo em que a impugnação é tolerada (“cessante ratione legis, cessat eius dispositio” - lá onde termina a razão de ser da lei, termina o seu alcance).
t) Donde a solução mais acertada, que se tem de presumir e aceitar como ter sido consagrada legislativamente, conforme art.° 9.° n.° 3 do Código Civil é a que melhor garante a possibilidade do reconhecimento dos direitos individuais, que deve ser a finalidade primacial do serviço público de justiça tributária, sem afetar de forma intolerável o interesse público da célere definição das situações jurídicas em que está em causa a cobrança de receitas destinadas a afetar à satisfação de necessidades públicas.
u) A solução mais acertada é, manifestamente, a de que quando é apresentada uma reclamação graciosa de um ato de liquidação, o interessado pode optar por não esperar que seja proferida a respetiva decisão, podendo optar pela impugnação contenciosa do ato administrativo impugnado, mesmo antes de estar expirado o prazo legal para ser decidida a reclamação;
v) Ora, tendo a impugnação judicial sido apresentada antes do momento em que se legitimou a caducidade do direito de impugnação não se justifica a sua declaração judicial, de que ora se recorre.
w) Porquanto, tendo a reclamação graciosa sido tempestiva, não se justifica a declaração de intempestividade da consequente impugnação, quando esta é deduzida em momento anterior à formação do indeferimento tácito daquela reclamação, o qual, como já supra referido, ocorreu a 08.07.2019.
x) Também por estas razões a decisão recorrida cometeu o vício de erro de julgamento de direito (violação de lei art.° 639.° n.° 2 al. a) do C.P.C.) consubstanciado igualmente na violação do regime previsto nos art.°s 102.° e 1060 do CPPT e 57 n.°s 1 e 5 da LGT.
Termos em que, tendo a douta sentença recorrida violado as disposições conjugadas dos art.°s 611.° e 639.° n.° 2 al. a), ambos do C.P.C., 9.° n 0 3, 298.° e 328.° e segts do Código Civil, 102.° e 106.° do CPPT e 57° n.°s 1 e 5 da LGT, deverá ser revogada e substituída por outra que, declarando a deduzida exceção da caducidade improcedente, por não provada, ordene o prosseguimento dos autos para apreciação da matéria subjacente à impugnação, fazendo-se assim a tão costumada
JUSTIÇA!!!

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A Recorrida não apresentou contra-alegações.



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O Exmo. Procurador-Geral Adjunto do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo, ofereceu aos autos o seu parecer no sentido da improcedência do recurso.



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Foram colhidos os vistos legais.



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Delimitação do objeto do recurso

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, em consonância com o disposto no art. 639º do CPC e art. 282º do CPPT, são as conclusões apresentadas pelo recorrente nas suas alegações de recurso, a partir da respetiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objeto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer, ficando, deste modo, delimitado o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem.

No caso que aqui nos ocupa, a questão a decidir consiste em saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento de Direito ao ter julgado intempestiva a impugnação judicial.

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II – FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

Não obstante na parte de Direito da decisão recorrida se faça menção aos factos nos quais sustentou a decisão, importa que os mesmos constem da decisão da matéria de facto.

Assim, por se entender relevante à decisão a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada fixa-se o probatório, ao abrigo do preceituado no artigo 662.º, nº 1, do CPC, ex vi artigo 281.º do CPPT, seguinte:


1. A impugnante foi sujeita a uma ação inspetiva externa que teve por objeto o IRS de 2017 que teve amparo na Ordem de Serviço nº OI201700822 (facto não controvertido);


2. Na sequência do procedimento inspetivo mencionado no ponto antecedente, foi a impugnante notificada da liquidação de IRS para o exercício de 2017, com o nº ………………..778, tendo esta como data limite de pagamento o dia 19/11/2018 (cfr. docs. ……………….);


3. Em 08/03/2019 a impugnante apresentou reclamação graciosa contra a liquidação melhor identificada no ponto antecedente (cfr. doc. .:.);


4. A reclamação graciosa identificada no ponto antecedente foi remetida para a Direção de Finanças de Évora, por despacho de 27/03/2019 (cfr. doc. ..);

5. Em 03/05/2019, deu entrada no TAF de Beja a petição inicial que está na origem dos presentes autos (cfr. doc. ..).

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DOS FACTOS NÃO PROVADOS
Não existem factos relevantes para a decisão que importe destacar como não provados.
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Motivação da matéria de facto
A convicção do tribunal formou-se com base no teor dos documentos não impugnados, juntos aos autos e expressamente mencionados no probatório supra.

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III . Da Fundamentação De Direito

Insurge-se a Recorrente contra o decidido pelo Tribunal a quo por este ter julgado procedente a exceção dilatória da intempestividade e, consequentemente, absolvido a Fazenda Pública da instância.
Argui a apelante que tendo apresentado uma reclamação graciosa, ainda não decidida e embora ainda não tenha passado o prazo do indeferimento tácito, não se pode considerar que a impugnação judicial seja intempestiva.
O Tribunal a quo, se bem entendemos a sua argumentação, esteou o seu entendimento no facto de o ato impugnado não ser qualquer decisão que tenha recaído sobre a reclamação graciosa, mas apenas e só o ato de liquidação, convocando um Aresto do STA onde se discute a questão da caducidade da garantia prestada para suster o processo executivo instaurado pelo não pagamento da liquidação reclamada.
Não conseguimos acompanhar o ali decidido.
Vejamos, então.
Comecemos por convocar o quadro normativo aplicável.
O artigo 102º do CPPT, estabelece que a impugnação judicial tem de ser intentada no prazo de três meses, contados do termo do prazo para pagamento do imposto impugnado [alínea a) do nº 1] ou da formação da presunção de indeferimento tácito [alínea d) do mesmo nº 1].
Já o artigo 106º do mesmo compêndio legal preceitua que “A reclamação graciosa presume-se indeferida para efeito de impugnação judicial após o termo do prazo legal de decisão pelo órgão competente.”
Como bem sabemos, com reclamação graciosa os sujeitos passivos visam, embora em sede graciosa, a anulação de qualquer ato tributário que lhes seja desfavorável, sendo que a mesma não é admissível quando contra o mesmo tenha sido deduzida uma impugnação judicial, com os mesmos fundamentos (vide art. 68º do CPPT).
Acresce que o artigo 56º da LGT determina que a AT tem de se pronunciar sobre todos os assuntos da sua competência, designadamente reclamações graciosas, sendo o prazo para a conclusão daquele procedimento gracioso de quatro meses, como preceitua o artigo 57º da LGT.
A questão que se coloca nestes autos recursivos é a de saber se a impugnação judicial é tempestiva atendendo ao facto de, não tendo ainda transcorrido o prazo para a administração tributária se pronunciar sobre a reclamação graciosa iniciada pela aqui apelante e, portanto, não ter ocorrido o indeferimento tácito, se, ainda assim, ela poderia impugnar judicialmente o mesmo ato, decorridos que estavam já os aludidos três meses contados do termo do prazo para pagamento da liquidação.
A resposta não pode deixar de ser positiva, independentemente de o ato impugnado não ser o indeferimento presumido, mas o ato de liquidação.
Como decorre do quadro legal acima descrito, a impugnação judicial deve ser intentada no prazo de três meses contados do termo do prazo de pagamento da liquidação impugnada ou do indeferimento tácito ou expresso da reclamação graciosa. No entanto, nada na lei, nem na sua letra, nem no seu espírito afastam a possibilidade de a impugnação judicial ser intentada antes de transcorrido o prazo do indeferimento tácito, quando tenha sido precedida da apresentação da reclamação graciosa.
Cumpre realçar, desde logo, que em matéria de prazos estes podem ser antecipados, embora não possam ser excedidos.
Também não podemos nunca perder de vista a rácio da existência de prazos. Eles prendem-se com a necessidade de dar corpo aos princípios da certeza e seguranças jurídicas. Ora, não se pode sustentar que a antecipação dum prazo, designadamente intentando-se uma impugnação judicial antes de transcorrido o prazo de indeferimento tácito da reclamação graciosa, possa contender com os aludidos princípios.
De notar que se é verdade que o prazo de impugnação judicial com base na alínea a) do nº 1 do artigo 102º do CPPT já se havia esgotado, também não deixa de ser verdade que a aqui apelante sempre poderia deduzir esta mesma impugnação após o decurso do prazo para a decisão por parte da Fazenda Pública ou depois do indeferimento expresso da mesma.
Pese embora se possa arguir que, deste modo, haveria como que um alargamento do prazo de impugnação, a verdade é que esse prazo é sempre alargado com a interposição da reclamação graciosa, pois ao sujeito passivo é sempre concedido o direito de impugnar judicialmente o ato de liquidação (objeto mediato da impugnação, nestas situações) após o indeferimento expresso ou tácito da aludida reclamação, com as delongas e prejuízos das mesmas decorrentes para os sujeitos passivos.
Neste mesmo sentido, podemos ver o doutrinado por Jorge Lopes de Sousa, Código de Processo e de Procedimento Tributário, Anotado e Comentado, II Vol., 6ª Edição, Áreas Editora, 2011, págs. 198 e 199, aliás citado pela aqui apelante, “Poderá aventar-se que, antes de se formar indeferimento tácito, não seja possível proceder à respectiva impugnação. Na verdade, nos casos de indeferimento tácito, é esta ficção de indeferimento que é objecto imediato do processo impugnatório e, se ela não existir, a impugnação carecerá de objecto, o que torna impossível a lide, pelo menos em teoria. (…)No entanto, nos casos em que foi deduzida a impugnação judicial tendo por objecto um hipotético indeferimento tácito de reclamação graciosa que ainda não existia, se, no momento em que for apreciada a impugnação, já se tiver formado o indeferimento tácito, parece não haver obstáculo que essa formação de indeferimento tácito superveniente em relação ao momento da apresentação da impugnação seja tido em conta, uma vez que as decisões judiciais devem “tomar em consideração os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam posteriormente à proposição da acção, de modo a que a decisão da acção corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão” (artigo 663.° do C.P.C. (actual artigo 611.° CPC).
Isto é, mesmo que se considere indispensável a formação de um indeferimento tácito para possibilitar a impugnação judicial do acto de liquidação (único acto realmente existente), não se justificaria declarar a caducidade do direito de acção quando, por se ter formado esse indeferimento tácito, o prazo ampliado de impugnação judicial resultante da apresentação da reclamação graciosa e da falta da sua decisão já podia ser utilizado. (…)
Na verdade, tendo a reclamação graciosa como objecto um acto de liquidação, o objecto do processo de impugnação judicial de indeferimento tácito de reclamação graciosa embora seja, formalmente, o indeferimento tácito é mediatamente o acto de liquidação que foi objecto da reclamação e é mesmo este acto de liquidação, nos casos de indeferimento tácito, o único cuja legalidade pode ser apreciada no processo de impugnação judicial. Sendo assim, quando é apresentada uma reclamação administrativa de um acto de liquidação, deverá entender-se que o interessado pode não esperar que seja proferida a respectiva decisão podendo optar pela impugnação contenciosa do acto administrativamente impugnado, mesmo antes de estar expirado o prazo legal para ser decidida a reclamação com base no principio “de que os prazos, não podendo ser excedidos, podem, em regra, ser antecipados” desde que esteja já praticado o acto que é objecto de impugnação.
De resto, as razões de segurança e certeza jurídicas, que são as que estão subjacentes à caducidade do direito de impugnação contenciosa, não podem explicar que esse direito se extinga antes do momento em que essas razões se sobrepõem ao direito de impugnação contenciosa, momento esse que é o termo do prazo em que a impugnação é tolerada.
A solução mais acenada que se tem de presumir ter sido consagrada legislativamente (artigo 9.° n.° 3 do CC) é a que melhor garante a possibilidade de reconhecimento dos diretos indivíduas que deve ser a finalidade primacial do serviço público de justiça tributária, sem afectar de forma intolerável o interesse público da célere definição das situações jurídicas em que está em causa a cobrança de receita de cobrança de receitas destinadas a afectar à satisfação de necessidades públicas.
Essa solução mais acertada é manifestamente a de que ” quando é apresentada uma reclamação graciosa de um acto de liquidação o interessado pode optar por não esperar que seja proferida a respectiva decisão, podendo optar pela impugnação contenciosa do acto administrativamente impugnado, mesmo antes de estar expirado o prazo legal para se decidida a reclamação com base no princípio «de que os prazos, não podendo ser excedidos, podem, em regra, ser antecipados» desde que já esteja praticado o acto que é objecto de impugnação.
Sobre esta mesma questão já se pronunciou o STA, designadamente no seu Aresto de 28/10/2009, tirado no processo nº 0595/09, onde aquele Supremo Tribunal esteou a sua decisão do seguinte modo:
4 - A reclamação graciosa tem como objecto um acto de liquidação.
Nos casos em que a reclamação graciosa é expressamente indeferida, o objecto do processo de impugnação judicial é, formal e directamente, o acto de indeferimento, que manteve a liquidação que foi objecto da reclamação, mas, o objecto real da impugnação, o acto cuja legalidade está em causa apurar, é o acto de liquidação que foi mantido pelo acto de indeferimento da reclamação.
Nos casos em que não foi expressamente indeferida a reclamação, o acto de liquidação é mesmo o único cuja legalidade pode ser apreciada no processo de impugnação judicial, pois a ficção jurídica que é o indeferimento tácito não pode conter vícios próprios e as eventuais ilegalidades procedimentais do processo de reclamação graciosa, visando assegurar o rigor da decisão, serão irrelevantes se não vier a ser proferida uma decisão expressa.
No caso em apreço, não veio a ser proferida decisão relativamente à reclamação, pelo que, mesmo após o decurso do prazo para se formar a presunção de indeferimento tácito, o único acto que podia ser impugnado judicialmente era o acto de liquidação e este acto podia ser impugnado, por via de impugnação posterior à formação de indeferimento tácito, até 10-10-2005.
Assim, mesmo que se considere necessária a existência de um indeferimento tácito para possibilitar a impugnação até esta data de 10-10-2005, teria de concluir-se que ela, apesar de não ser possível no momento em que a impugnação foi apresentada, se tornou viável posteriormente, antes de ser proferida a decisão judicial que apreciou a caducidade do direito de acção.
Ora, esta formação de indeferimento tácito posterior ao momento da apresentação da impugnação poderia e deveria ser tida em conta para apreciar a caducidade da impugnação, pois as decisões judiciais devem «tomar em consideração os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam posteriormente à proposição da acção, de modo que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão» (art. 663.º do CPC).
Isto é, mesmo que se considere indispensável a formação de um indeferimento tácito para possibilitar a impugnação judicial do acto de liquidação (único acto realmente existente), não se justificaria declarar a caducidade do direito de acção quando, por se ter formado esse indeferimento tácito, o prazo ampliado de impugnação judicial resultante da apresentação da reclamação graciosa e da falta da sua decisão já podia ser utilizado.
Por outro lado, este Supremo Tribunal Administrativo já decidiu que, quando é apresentada uma reclamação administrativa de um acto de liquidação, o interessado pode optar por não esperar que seja proferida a respectiva decisão, podendo deduzir impugnação contenciosa do acto administrativamente impugnado, mesmo antes de estar expirado o prazo legal para ser decidida a reclamação, com base no princípio «de que os prazos, não podendo ser excedidos, podem, em regra, ser antecipados», desde que já esteja praticado o acto que é objecto de impugnação. (Neste sentido, pode ver-se o acórdão do STA de 31-5-1995, recurso n.º 18789, AP-DR de 14-8-97, página 1577, em que se escreve:
«Sendo, assim, o objecto da impugnação judicial a liquidação, que não a decisão da reclamação, não se vê razão para que aquela não possa ser interposta antes da decisão desta, tanto mais que, nos termos do dito art. 84.º (do CPCI), se podem ali invocar quaisquer ilegalidades do acto tributário, que não somente as expressas na reclamação».
Esta jurisprudência foi reafirmada no acórdão de 17-12-2008, recurso n.º 734/08, que foi sumariado da seguinte forma:
I – Tendo a reclamação graciosa como objecto um acto de liquidação, o objecto do processo de impugnação judicial de indeferimento tácito de reclamação graciosa embora seja, formalmente, o indeferimento tácito, é, mediatamente, o acto de liquidação que foi objecto da reclamação, e é mesmo este acto de liquidação, nos casos de indeferimento tácito, o único cuja legalidade pode ser apreciada no processo de impugnação judicial.
II – Quando é apresentada uma reclamação graciosa de um acto de liquidação, o interessado pode optar por não esperar que seja proferida a respectiva decisão, podendo optar pela impugnação contenciosa do acto administrativamente impugnado, mesmo antes de estar expirado o prazo legal para ser decidida a reclamação, com base no princípio "de que os prazos, não podendo ser excedidos, podem, em regra, ser antecipados", desde que já esteja praticado o acto que é objecto de impugnação.)
De resto, a caducidade do direito de impugnação de actos justifica-se por razões de segurança e certeza jurídicas, e, por isso, só se deverá declarar quando esses interesses da segurança e certeza estejam em causa. («Cessante ratione legis cessat eius dispositio (lá onde termina a razão de ser da lei termina o seu alcance)» – BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, página 186. )
Nos casos em que for apresentada reclamação graciosa e se geram as circunstâncias em que é viável a impugnação de indeferimento tácito, o entendimento legislativo subjacente à regra do art. 102.º, n.º 1, alínea d), do CPPT é o de que não são colocadas em causa de forma intolerável a certeza e segurança jurídicas pelo facto de a impugnação do acto de liquidação ser efectuada até que decorram 90 dias sobre a data em que se formar indeferimento tácito.
Por isso, se a impugnação judicial é apresentada antes deste momento em que se justifica a caducidade do direito de impugnação, não se justifica que ela seja declarada.” (destaques e sublinhados nossos).
Volvendo ao caso que aqui nos ocupa, flui do probatório por nós fixado que a apelante foi objecto duma ação inspectiva na sequência da qual a AT emitiu uma liquidação adicional de IRS para o exercício de 2017, com data limite de pagamento de 19/11/2018.
Mais decorre do mesmo probatório que em 08/03/2019 a apelante apresentou reclamação graciosa contra a liquidação, ou seja dentro do prazo legalmente previsto para a sua interposição (vide artigo 70º do CPPT).
Finalmente, em 03/05/2019, deu entrada no TAF de Beja a petição inicial que está na origem dos presentes autos.
Resulta assim que, in casu, a apelante optou por não esperar pela ocorrência do indeferimento tácito do ato e apresentou a sua impugnação judicial, antecipando a mesma, pelo que na esteira de tudo o acima por nós afirmado e dos ensinamentos jurisprudenciais e doutrinários citados, a impugnação judicial tem de ser considerada como tempestivamente apresentada, pelo que o presente salvatério terá de proceder.



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CUSTAS
No que diz respeito à responsabilidade pelas custas do presente Recurso, atendendo ao total provimento do presente recurso, as custas são da responsabilidade da Recorrida, embora sem taxa de justiça por não ter contra-alegado. [cfr. art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT].

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III- Decisão

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Subsecção de Contencioso Tributário Comum deste Tribunal Central Administrativo Sul conceder provimento ao recurso jurisdicional, revogando-se a sentença recorrida e, consequentemente, ordenar a baixa do processo à 1.ª instância a fim de ser apreciado o mérito da impugnação, se a tal não obstar razão diferente da caducidade do direito de impugnação.


Custa pelos Recorrentes.

Lisboa, 15 de Julho de 2025

Cristina Coelho da Silva (Relatora)

Maria da Luz Cardoso

Sara Loureiro