Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2293/20.8BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:10/20/2021
Relator:ANA PAULA MARTINS
Descritores:PRÉ-CONTRATUAL;
CLÁUSULA DE REVISÃO DE PREÇOS;
REPOSIÇÃO DO EQUILÍBRIO FINANCEIRO DO CONTRATO;
Sumário:I – No âmbito de concurso para prestação de serviços, cujo critério de avaliação é o do mais baixo preço, foi apresentada proposta com a seguinte disposição:

Capítulo I - Pressupostos

Considerou-se, no cumprimento das normas impostas em 1.8 – Contratação de Assistentes Hoteleiros da Parte II – Cláusulas Específicas do Caderno de Encargos e, em estrita obediência aos esclarecimentos prestados pela Entidade Adjudicante – as seguintes condições remuneratórias:

▪ vencimento base mensal de 635,00 € (atual Salário Mínimo Nacional);

▪ subsídio de alimentação de 4,67 € por dia efetivo de trabalho.

No caso de alteração destes pressupostos, e/ou de outros passíveis de aumentar os custos do fator trabalho, por motivo não imputável ao prestador dos serviços, os preços sofrerão aumentos proporcionais a essas alterações.”

II – Tal disposição não configura uma cláusula de revisão de preços, nos termos do art. 300º do CCP, mas uma mera enunciação do direito à reposição do equilíbrio financeiro do contrato, nos termos do art. 282º do CCP.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em Conferência, na Secção de Contencioso Administrativo, do Tribunal Central Administrativo Sul:

I – RELATÓRIO


D… LDA., melhor identificada nos autos, intentou acção de contencioso pré-contratual contra o INSTITUTO PORTUGUÊS DE ONCOLOGIA DO PORTO FRANCISCO GENTIL EPE, igualmente melhor identificado nos autos, pedindo:
a) A anulação do acto final de adjudicação da proposta apresentada pela concorrente Multitrab Serviços Lda.;
b) A condenação da R. a excluir a proposta apresentada pela mesma concorrente;
c) A condenação da R. a abster-se de celebrar o contrato de prestação de serviços com aquela concorrente, ou ser esta anulado caso já tenha sido celebrado;
d) A condenação da R. a adjudicar a proposta apresentada pela A..

Indicou as seguintes Contra-interessadas:
- M… Lda.;
- E… Lda.;
- A… Lda.;
- T… Lda.; todas melhor identificadas nos autos.
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Por sentença de 30.04.2021, o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa (Juízos de Contratos Públicos) julgou a acção integralmente improcedente e absolveu a Entidade Requerida do pedido.
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Inconformada, a Autora interpôs recurso da sentença, pugnando pela sua revogação.
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Concluiu assim as suas alegações:
1-A declaração aposta pela concorrente vencedora na sua proposta, haverá que ser interpretada nos termos consignados no artº 236º do CC;
2-Tendo de valer com o sentido objetivo contido nos seus dizeres;
3- A proposta vencedora é assim condicionada aos pressupostos estipulados nas peças do procedimento e/ou de outros passíveis de aumentar os custos do fator trabalho, por motivo não imputável ao prestador dos serviços.
4- O mecanismo assim desenhado, não se reconduz ao direito à reposição do equilíbrio contratual acolhido no artº 282º do CCP, o qual apenas é utilizável nos casos especialmente previstos na lei ou, a título excecional, no próprio contrato e se dirige às situações em que, retirada a repartição de riscos entre as partes, ocorre uma modificação dos pressupostos em que o concorrente se vinculou.
5- A reserva de aumento proporcional do preço em razão da alteração dos custos com mão de obra, constitui um desvio ao padrão resultante das peças procedimentais.
6- O que, por consequência, impede a comparabilidade das propostas e introduz fatores não submetidos à concorrência.
7- Devendo ter sido excluída por aplicação do disposto no artº 70º nº1 d) do CCP.
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O Instituto Português de Oncologia do Porto Francisco Gentil, E.P.E., Réu e Recorrido nos presentes autos, contra-alegou, apresentando as seguintes conclusões:
A) A proposta apresentada pela M…, Lda. não inscreve qualquer cláusula de revisão de preços, nos termos enunciados pela Recorrente.
B) A cláusula a que a Recorrente se refere como sendo uma cláusula de revisão de preços – não permitida pelas peças do procedimento – corresponde à mera enunciação da possibilidade legal inscrita no artigo 282.º, n.º 3 do CCP.
C) Ou seja, a cláusula em exame dispõe sobre o risco administrativo, enunciando a resposta legal à ocorrência de um cenário que não esteve contemplado nos pressupostos em que assentou a vontade negocial do declarante: solução prevista no direito à reposição do equilíbrio do contrato, inscrito no artigo 282.º, n.º 3 do CCP.
D) Nestes termos, assegura-se que o princípio da comparabilidade das propostas está garantido, assim se fazendo cumprir os princípios da justa concorrência e transparência.
E) Porquanto o exposto, não se vislumbra qualquer razão que motive a exclusão da proposta apresentada pela concorrente M…, Lda., assim se concluindo pela manifesta falta de fundamento do presente recurso, o qual deve ser julgado improcedente.
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A Contra-interessada e Recorrida M…, Lda., apresentou contra-alegações, com as seguintes conclusões:
1. A reposição do equilíbrio financeiro do contrato constitui um princípio transversal a toda a contratação pública.
2. Independentemente de previsão contratual, a reposição do equilíbrio do contrato é admitida nas situações previstas nos art.º 282.º, 341.º e 382.º do CCP, estabelecendo o n.º 3 do referido art.º 282.º que tal mecanismo corretivo pode ser materializado por via da prorrogação do prazo da execução das prestações ou da vigência do contrato ou da revisão de preços.
3. A declaração, contida na proposta, que se limita apenas a renovar aquilo que emerge da própria lei, não constitui cláusula de revisão de preços não admitida pelo CCP.
4. Considerando que o preço foi o único aspeto da execução do contrato submetido à concorrência, não se verifica qualquer violação do princípio da comparabilidade das propostas.
5. No mesmo sentido, a declaração contida na proposta da contrainteressada não impediu com a avaliação e comparabilidade das propostas.
6. No procedimento em causa, a componente mão de obra indexada à Retribuição Mínima Mensal Garantida, constituiu o fator determinante da formação do preço contratual, sendo que todas as propostas apresentadas responderam às mesmas exigências e determinações das peças do procedimento para a sua análise e avaliação, designadamente quanto às condições remuneratórias, mostrando-se garantido o pleno funcionamento da concorrência nos termos em que esta foi solicitada.
7. No que diz respeito aos contratos de aquisição de serviços de limpeza e refeitórios de duração plurianual, tendo a componente mão de obra, indexada à RMMG, constituído o fator determinante na formação do preço, é admitida, em caso de variação daquela retribuição e na medida do estritamente necessário para repor o valor das prestações contratadas, a reposição do equilíbrio financeiro.
8. O ajuste proporcional em função da variação da RMMG das prestações contratadas, resulta diretamente do art.º 74.º da Lei do Orçamento do Estado para o ano de 2021 - Lei n.º 75- B/2020.
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O Ministério Público, regularmente notificado nos termos e ao abrigo dos artigos 146º e 147º do CPTA, não emitiu parecer.
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Sem vistos, atento o disposto nos arts. 36º nºs 1 e 2 e 147º do CPTA, mas com prévia divulgação do projecto de acórdão pelos Senhores Juízes Desembargadores Adjuntos, o processo vem submetido à Conferência.
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II - OBJECTO DO RECURSO

Atentas as conclusões das alegações dos recursos interpostos, que delimitam o seu objecto, nos termos dos arts 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 2 do CPC, ex vi art 140º, nº 3 do CPTA, dado inexistir questão de apreciação oficiosa, a questão decidenda passa por aferir se a sentença recorrida efectuou errónea interpretação e aplicação do disposto nos artigos 70º e 282º, ambos do CCP, e 236º do CC.
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III – FUNDAMENTAÇÃO

De Facto
A sentença recorrida deu como provada a seguinte factualidade que, por não impugnada, se mantém:
A) Consta do programa do procedimento respeitante ao concurso público lançado pelo R. para a prestação de serviços de outsourcing de assistentes de hotelaria no Centro Hoteleiro de Apoio (CHA) da Areosa, o seguinte:
Artigo 1º
Identificação do Concurso
O Concurso Público Internacional nº 1943/20 tem por objeto: “Prestação de serviços de outsourcing de Assistentes de Hotelaria”.
(…)
Artigo 10º
Elementos da Proposta
A proposta deve indicar:
a) Preço unitário por posição a concurso, em euros, apresentados numericamente até 2 (duas) casas decimais e por extenso, não incluindo o IVA, prevalecendo o preço Indicado por extenso em caso de divergência;
b) IVA aplicável;
c) Descritivo dos valores propostos;
(...)
Artigo 15º
Critério de Adjudicação
1. O critério de adjudicação é o da proposta economicamente mais vantajosa, nos termos da alínea b) do artigo 74.º do CCP. (só avaliado o preço)
Artigo 16º

Modelo de avaliação das Propostas

1. O modelo de avaliação de propostas é composto pelos critérios definidos na tabela seguinte:
CritérioPeso
    A. .Valor global da proposta
100 %

(...)” - cfr. PA.
B) Consta do Caderno de Encargos o seguinte:

Parte I - Cláusulas Gerais
Artigo 1º

Identificação do Concurso
O Concurso Público Internacional nº 1943/20 tem por objeto: "Prestação de Serviços de Outsourcing de Assistentes de Hotelaria".
(...)
Artigo 3º
Preço Base
1. O preço base do procedimento é 258.669,60 € (duzentos e cinquenta e oito mil seiscentos e sessenta e nove mil e sessenta cêntimos), a que acresce o valor do IVA à taxa legal em vigor.
Artigo 4º
Preço contratual
1. Pelo fornecimento dos serviços objeto do contrato, o IPO-Porto deve pagar ao fornecedor o preço constante da proposta adjudicada, relativo aos serviços prestados, acrescido de IVA à taxa legal em vigor, se este for legalmente devido.
3. É da responsabilidade do fornecedor o pagamento de quaisquer impostos, taxas, licenças, direitos de qualquer natureza ou outros encargos exigidos pelas autoridades competentes e relativos à execução desta prestação de serviços.
Artigo 5º
Prazo de vigência
O contrato iniciar-se-á na data da sua assinatura e manter-se-á em vigor por um 2 anos, em conformidade com os termos e condições que constam do Caderno de Encargos e o disposto na lei, sem prejuízo das obrigações acessórias que devam perdurar para além da cessação do Contrato.
Artigo 6º
Exclusão das propostas
1.Serão motivos de exclusão das propostas, os mencionados nos art. 70º, art. 146º do CCP, bem como o não cumprimento do disposto nos artigos 9º e 10° do Programa do procedimento e das condições constantes na PARTE II - CLÁUSULAS ESPECÍFICAS.
2.Só serão avaliadas as propostas que não forem excluídas.
(...)
Parte II - Cláusulas Específicas
1-Especificações técnicas e funcionais

I - CONDIÇÕES GERAIS
1.1-Objecto da prestação de serviços

1- O objeto desta contratação é a prestação de serviços de hotelaria no Centro Hoteleiro de Apoio (CHA), do Instituto Português de Oncologia do Porto Francisco Gentil, E.P.E,, adiante designado por IPO PORTO.
(...)
1.3-Duração do contrato
1- O contrato terá uma duração de 2 anos, com início previsto na data de assinatura do mesmo.
(...)
1.8-Contratação de assistentes hoteleiros
1-Os concorrentes obrigam-se a promover a contratação dos assistentes hoteleiros que exercem funções no IPO PORTO, sem prejuízo da autonomia contratual respectiva, dos trabalhadores que vão afetar à actividade, de modo a assegurar a desejável continuidade mínima e eficiência da estrutura organizativa dos serviços prestados pela entidade adjudicante.
2-A obrigação aqui consagrada para os concorrentes pressupõe a manutenção global das condições remuneratórias dos trabalhadores a abranger.
1.9 Critério de avaliação das propostas
1-As propostas serão avaliadas através do critério da proposta de mais baixo preço.
(...)” - cfr. PA.
C) Foi solicitado por um dos candidatos o seguinte esclarecimento: “No ponto 1.8 das Especificações técnicas e funcionais da Parte II – Cláusulas Específicas referem que os concorrentes obrigam-se a promover a contratação dos assistentes hoteleiros e que é pressuposto a manutenção das condições remuneratórias dos trabalhadores a abranger. De modo a conseguirmos garantir este pressuposto pedimos que seja indicado quais as condições remuneratórias dos assistentes atuais assim como a sua antiguidade no serviço.”, tendo o júri respondido o seguinte: “As condições remuneratórias são o salário mínimo nacional em vigor, acrescido do subsídio de alimentação de 4,67€ pago por dia de trabalho” – cfr. PA.
D) No âmbito do concurso, foram admitidas cinco propostas: a proposta da A. e as dos contrainteressados, A… Lda., T… Lda., E… Lda., M… Lda. – cfr. Relatório Preliminar do Júri junto como Doc. nº 3, com a p.i..
E) Consta da proposta da Contrainteressada M…, o seguinte:
Parte I - PROPOSTA
I - Atributos da Proposta, submetidos à concorrência
1. Objeto
Prestação de Serviços de Hotelaria no Centro Hoteleiro de Apoio (CHA), do Instituto Português de Oncologia do Porto Francisco Gentil, E.P.E. (IPO Porto), situado no edifício da Liga Portuguesa Contra o Cancro (LPCC), e no edifício dos Cuidados Paliativos, localizado no IPO Porto.
2. Preços
Mensal [por Assistente de Hotelaria]
1.419,47€ (mil, quatrocentos e dezanove euros e quarenta e sete cêntimos)
Mensal [total de Assistentes de Hotelaria]
9.936,29€ (nove mil, novecentos e trinta e seis euros e vinte e nove cêntimos)
1º Ano [total de Assistentes de Hotelaria]
119.235,48€ (cento e dezanove mil, duzentos e trinta e cinco euros e quarenta e oito cêntimos)
2º Ano [total de Assistentes de Hotelaria]
119.235,48€ (cento e dezanove mil, duzentos e trinta e cinco euros e quarenta e oito cêntimos)
Total Global - 2 anos [total de Assistentes de Hotelaria]
238.470,96€ (duzentos e trinta e oito mil, quatrocentos e setenta euros e noventa e seis cêntimos)
Nota: valores calculados, em obediência aos "Parâmetros Base" estabelecidos em 1.6 da Parte II - Cláusulas Específicas do Caderno de Encargos.
3.Duração
2 (dois) anos,
com início previsto na data de assinatura do contrato.
4. IVA (Imposto Sobre o Valor Acrescentado)
Aos preços da presente proposta acresce o IVA à taxa legal em vigor, atualmente de 23%.
(...)
II - Atributos da Proposta, Não submetidos à concorrência
A concorrente aceita sem reservas os termos e condições das peças do procedimento, não submetidos à concorrência, vinculando-se aos mesmos, considerando-se assim integrados na presente proposta.
Parte II - Pressupostos, Boas Páticas e Qualidade dos Serviços
Capítulo I - Pressupostos
Considerou-se, no cumprimento das normas impostas em 1.8 — Contratação de Assistentes Hoteleiros da Parte II-Cláusulas Específicas do Caderno de Encargos e, em estrita obediência aos esclarecimentos prestados pela Entidade Adjudicante - as seguintes condições remuneratórias:
vencimento base mensal de 635,00 € (atual Salário Mínimo Nacional);
subsídio de alimentação de 4,67 € por dia efetivo de trabalho.
No caso de alteração destes pressupostos, e/ou de outros passíveis de aumentar os custos do fator trabalho, por motivo não imputável ao prestador dos serviços, os preços sofrerão aumentos proporcionais a essas alterações.
(...)”- cfr. PA.

F) Notificada do Relatório Preliminar, veio a A. em sede de audiência prévia pugnar pela exclusão da proposta da Contrainteressada M…, sustentando que aquela incorpora disposições adicionais relativamente ao preço proposto e introduz uma cláusula de revisão de preços não permitida nas peças do procedimento e impede a comparabilidade das propostas – cfr. PA.
G) Em 20/11/2020 foram os concorrentes notificados da decisão de adjudicação e do Relatório final de avaliação das propostas, onde consta o seguinte:
“(…)
7- Propostas admitidas
O Júri delibera admitir as propostas das seguintes empresas:

A…, Lda.;
T…, S.A.;
D…, Lda.;
E…, Lda.;
M…, Lda.;

8- Cumprimento do disposto no caderno de encargos
Todos os concorrentes declararam sob compromisso de honra, executar o contrato em conformidade com o conteúdo do caderno de encargos, relativamente ao qual aceitaram o conteúdo sem qualquer reserva.
9- Abertura de audiência prévia
O Júri do procedimento determinou a abertura do período de audiência prévia em reunião realizada em 21 de setembro de 2020.
Nesse âmbito, recebeu uma pronúncia remenda concorrente D…, Lda.
As propostas apresentadas pelos concorrentes foram calculadas com base no valor do SMN (salario Mínimo Nacional) estipulado para 2020.
Sendo certo que o valor do SMN irá ser actualizado pata 2021, todos os concorrentes, admitidos, consideraram nas respectivas propostas essa variável, com exceção do reclamante.
Mesmo que a revisão de preços não esteja prevista expressamente no caderno de encargos, a lei permite a negociação dessa revisão, ao abrigo da procura do equilíbrio financeiro do contrato, nos termos segundo os quais desde que “a reposição do equilíbrio financeiro produz os seus efeitos desde a data da ocorrência do facto que alterou os pressupostos referidos no número anterior, sendo efectuada, na falta de estipulação contratual, designadamente através a prorrogação do prazo de execução das prestações ou de vigência do contraio, da revisão de preços ou da assunção, por parte do contraente público, do dever de prestar à contraparte o valor correspondente ao decréscimo das temias esperadas ou do agravamento dos encargos previstos com a execução do contrato". - artigo 282° n° 3 CCP
Em todo o caso, considerando a diferença de valor apresentado entre o primeiro e o segundo classificado, com a alteração do salário mínimo nacional, também para o segundo classificado haverá um «agravamento dos encargos.» sendo expectável e legalmente admissível a negociação da revisão do preço apresentado. Uma vez que a atualização do SMN é fixada por lei, a negociação do preço é proporcional a todos os concorrentes não influenciando a posição em que este se encontram graduados para efeitos de adjudicação da proposta.

Analisado o conteúdo da pronúncia, o Júri deliberou indeferir e manter integralmente o conteúdo do relatório preliminar.
10- Conclusão
O Júri propõe a adjudicação do presente procedimento ao primeiro classificado de acordo com a classificação seguinte:
Io Classificado: M…. Lda.
2o Classificado: D…, Lda.
3° Classificado: E…, Lda.
4o Classificado: T…, S.A.
5o Classificado: A…, Lda.

(…)” - cfr. doc. nº 4 e 5, juntos com a p.i..

*
De Direito
A Autora instaurou acção de contencioso pré-contratual, relativo a concurso público que tem por objecto a prestação de serviços de outsourcing de assistentes de hotelaria no Centro Hoteleiro de Apoio (CHA) da Areosa, sustentando a exclusão da proposta apresentada pela concorrente, aqui contra-interessada, M… Lda., na alegação de que esta introduz na sua proposta – a proposta vencedora - uma cláusula de revisão de preços não permitida nas peças do procedimento e impeditiva da comparabilidade das propostas, pelo que deveria ter sido excluída, por aplicação do disposto no artº 70º do CCP.
O Tribunal a quo entendeu que a razão não estava do lado da Autora, com a fundamentação que se segue:
“(…)
O critério de adjudicação é o da proposta economicamente mais vantajosa para a entidade adjudicante, na modalidade de avaliação do preço enquanto único aspeto da execução do contrato celebrar (cfr. artº 15º, do programa do procedimento).
Assim, no modelo de avaliação das propostas constante do artº 16º, do programa do procedimento, vem definido o fator “Valor global da proposta” com o peso de 100%.
Ou seja, o preço foi o único aspeto da execução do contrato deixado à concorrência.
Nos termos da cláusula 5ª do Caderno de Encargos o contrato iniciar-se-á na da sua assinatura e manter-se-á em vigor por 2 anos.
Consta da proposta da Contrainteressada M…, o seguinte:

Parte II – Pressupostos, Boas Práticas e Qualidade do Serviço
Capítulo I - Pressupostos
Considerou-se, no cumprimento das normas impostas em 1.8 – Contratação de Assistentes Hoteleiros da Parte II – Cláusulas Específicas do Caderno de Encargos e, em estrita obediência aos esclarecimentos prestados pela Entidade Adjudicante – as seguintes condições remuneratórias:
▪ vencimento base mensal de 635,00 € (atual Salário Mínimo Nacional);
▪ subsídio de alimentação de 4,67 € por dia efetivo de trabalho.
No caso de alteração destes pressupostos, e/ou de outros passíveis de aumentar os custos do fator trabalho, por motivo não imputável ao prestador dos serviços, os preços sofrerão aumentos proporcionais a essas alterações.

Sustenta a A. que, desta forma, pretende a Contrainteressada resguardar todas as alterações passíveis de aumentar os custos do fator trabalho, por motivo não imputável ao prestador dos serviços, para o que reserva aumentos proporcionais, e isso compreende uma plêiade indefinida de variáveis, como sejam custos fiscais, encargos sociais, seguros, inflação, ou o mero crescimento médio dos salários (artº 27º e 28º, da p.i.).
Tal como se entende, a declaração da Contrainteressada não tem o alcance que a A. lhe atribui.
O que aí consta é apenas a enunciação do direito à reposição do equilíbrio do contrato – i.e., da equação económica e financeira que serviu ao estabelecimento da base contratual – que opera quando se concretiza o risco administrativo, isto é, o cenário que não estava contemplado nos pressupostos em que assentou a vontade negocial do cocontratante, e que, como sublinha o n.º 3 do artº 282.º do CCP, efetua-se, designadamente, através: “da prorrogação do prazo de execução das prestações ou da vigência do contrato, da revisão de preços ou da assunção, por parte do contraente público, do dever de prestar à contraparte o valor correspondente ao decréscimo das receitas esperadas ou ao agravamento dos encargos previstos com a execução do contrato.”.
Encerrando a declaração da Contrainteressada a enunciação do dever de reposição do equilíbrio financeiro que impende sobre o contraente público, nos termos consentidos pelo CCP, inexiste motivo de exclusão da sua proposta, nos termos aduzidos pela A..
Também não se vislumbra que a declaração contida na proposta da Contrainteressada possa colocar em causa a invocada violação do princípio da comparabilidade das propostas, pois que o preço foi o único aspeto da execução do contrato deixado à concorrência.
Ante tudo o exposto, tem a presente ação que improceder.
Em síntese, decidiu o Tribunal a quo que a declaração constante da proposta da Contrainteressada M… (facto E) não tem o alcance que a Autora, ora Recorrida, lhe atribui, configurando apenas e só a enunciação do dever de reposição do equilíbrio financeiro que impende sobre o contraente público, nos termos consentidos pelo CCP.
Vejamos.
Ainda que nas conclusões das alegações apresentadas, a ora Recorrente sustente a exclusão da proposta vencedora no artigo 70º, nº 1, al. d) do Código dos Contratos Públicos (CCP) – número que, não contendo quaisquer alíneas, determina que “ As propostas são analisadas em todos os seus atributos, representados pelos fatores e subfatores que densificam o critério de adjudicação, e termos ou condições.” - no corpo das alegações refere-se ao nº 2, al. b) daquele artigo.
Nos termos do artigo 70º, nº 2, al. b) do CCP, são excluídas as propostas cuja análise revele que “apresentam algum dos atributos que violem os parâmetros base fixados no caderno de encargos ou que apresentem quaisquer termos ou condições que violem aspetos da execução do contrato a celebrar por aquele não submetidos à concorrência, sem prejuízo do disposto nos n.os (…) do artigo 49.º”
Considera a Autora, ora Recorrente, que a proposta vencedora – que, de facto, apresentou o preço mais baixo – deve ser excluída por conter “disposições adicionais relativamente ao preço proposto”.
Em causa está a seguinte disposição, em especial o segmento sublinhado:
“Capítulo I - Pressupostos
Considerou-se, no cumprimento das normas impostas em 1.8 – Contratação de Assistentes Hoteleiros da Parte II – Cláusulas Específicas do Caderno de Encargos e, em estrita obediência aos esclarecimentos prestados pela Entidade Adjudicante – as seguintes condições remuneratórias:
▪ vencimento base mensal de 635,00 € (atual Salário Mínimo Nacional);
▪ subsídio de alimentação de 4,67 € por dia efetivo de trabalho.
No caso de alteração destes pressupostos, e/ou de outros passíveis de aumentar os custos do fator trabalho, por motivo não imputável ao prestador dos serviços, os preços sofrerão aumentos proporcionais a essas alterações “
Afirma a Recorrente que tal disposição introduz uma cláusula de revisão de preços não permitida nas peças do procedimento e impede a comparabilidade das propostas. Argui que a concorrente resguarda todos as alterações passíveis de aumentar os custos do fator trabalho, por motivo não imputável ao prestador dos serviços, para o que reserva aumentos proporcionais e isso compreende uma plêiade indefinida de variáveis, como sejam custos fiscais, encargos sociais, seguros, inflação, ou o mero crescimento médio dos salários.
O Júri do procedimento e bem assim a Entidade Adjudicante não acompanharam esta tese, tendo enquadrado a disposição em causa no âmbito da reposição do equilíbrio financeiro do contrato. O mesmo fez o Tribunal a quo.
E, adiante-se, que decidiram bem, sendo de manter o decidido.
Concordam as partes que no caderno de encargos não foi prevista qualquer cláusula de revisão de preços do contrato. O litígio reside em saber se a declaração constante da proposta vencedora consubstancia ou não uma cláusula de revisão de preços, no sentido propugnado pela Autora/Recorrente.
A revisão de preço, para os contratos administrativos em geral, vem prevista no Código de Contratos Públicos, no artigo 300º, nos seguintes termos: “Sem prejuízo do disposto nos artigos 282.º, 341.º e 382.º, só há lugar à revisão de preços se o contrato o determinar e fixar os respetivos termos, nomeadamente o método de cálculo e a periodicidade.”
Uma das situações ressalvadas naquela norma é a regulada no artigo 282º, ou seja, a reposição do equilíbrio financeiro do contrato.
Preceitua aquela norma que:
“1 - Há lugar à reposição do equilíbrio financeiro apenas nos casos especialmente previstos na lei ou, a título excecional, no próprio contrato.
2 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, o cocontratante só tem direito à reposição do equilíbrio financeiro quando, tendo em conta a repartição do risco entre as partes, o facto invocado como fundamento desse direito altere os pressupostos nos quais o cocontratante determinou o valor das prestações a que se obrigou, desde que o contraente público conhecesse ou não devesse ignorar esses pressupostos.
3 - A reposição do equilíbrio financeiro produz os seus efeitos desde a data da ocorrência do facto que alterou os pressupostos referidos no número anterior, sendo efetuada, na falta de estipulação contratual, designadamente, através da prorrogação do prazo de execução das prestações ou de vigência do contrato, da revisão de preços ou da assunção, por parte do contraente público, do dever de prestar à contraparte o valor correspondente ao decréscimo das receitas esperadas ou ao agravamento dos encargos previstos com a execução do contrato.
4 - A reposição do equilíbrio financeiro efetuada nos termos do presente artigo é, relativamente ao evento que lhe deu origem, única, completa e final para todo o período do contrato, sem prejuízo de tal reposição poder ser parcialmente diferida em relação a quaisquer efeitos específicos do evento em causa que, pela sua natureza, não sejam suscetíveis de uma razoável avaliação imediata ou sobre cuja existência, incidência ou quantificação não exista concordância entre as partes.
5 - Na falta de estipulação contratual, o valor da reposição do equilíbrio financeiro corresponde ao necessário para repor a proporção financeira em que assentou inicialmente o contrato e é calculado em função do valor das prestações a que as partes se obrigaram e dos efeitos resultantes do facto gerador do direito à reposição no valor dessas mesmas prestações.
6 - A reposição do equilíbrio financeiro não pode colocar qualquer das partes em situação mais favorável que a que resultava do equilíbrio financeiro inicialmente estabelecido, não podendo cobrir eventuais perdas que já decorriam desse equilíbrio ou eram inerentes ao risco próprio do contrato.”
A este propósito, lê-se no acórdão do TCAN, de 15.05.2014 (proc. 549/12), disponível para consulta em www.dgsi.pt, que:
“Existindo uma base económica e financeira do contrato que deve ser respeitada, o princípio pacta sunt servanda para além de promover a estabilidade contratual, deve ter imanente a ideia do equilíbrio financeiro do contrato, desde que surjam circunstâncias que imponham o seu reajustamento.
O mecanismo da reposição do equilíbrio financeiro está originariamente pensado para os casos em que o co-contratante, mercê da sua situação de sujeição aos poderes conformadores do contraente público, vê a sua esfera contratual financeiramente afectada.
Mas mais importante que o mecanismo legal em si é a sua ratio, que tem que ver sobretudo com todas as variações no equilíbrio financeiro de que contrato pode padecer ao longo da sua existência, as quais devem ser debeladas, de molde a saná-las.”
Nos termos do nº 3 do art. 282º, para o que aqui releva, a reposição do equilíbrio financeiro é efectuada, na falta de estipulação contratual, através da revisão de preços ou da assunção, por parte do contraente público, do dever de prestar à contraparte o valor correspondente ao agravamento dos encargos previstos com a execução do contrato.
Donde, o CCP admite a reposição do equilíbrio financeiro através do mecanismo da revisão de preços.
Para que a disposição em análise pudesse ser considerada como uma verdadeira cláusula de revisão de preços – nos termos que vêm enunciados pela Recorrente – a mesma deveria indicar o período temporal da revisão, os concretos termos e condições em que a mesma decorreria, a fórmula para a sua aplicação, os meios da sua formalização. O que, no caso, não ocorre.
Assim, e tendo presente o disposto no nº 1 do artigo 236º do Código Civil, segundo o qual a “declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele”, a declaração contida na proposta vencedora apenas tem o sentido de repetir/reafirmar/reforçar direito legalmente previsto e regulado.
Na medida em que a proposta da Contra-interessada M…, Lda., se limita a reflectir a possibilidade decorrente do artigo 282.º do CCP, é manifesto que a mesma não viola o princípio da comparabilidade das propostas porquanto, existindo a necessidade de accionar o instrumento jurídico previsto no artigo 282.º do CCP, qualquer uma das propostas apresentadas que fosse adjudicada veria, na exacta medida, ser efectuada a revisão dos seus preços.
Finalmente, uma palavra sobre o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 24.03.2011 (proc. nº 975/10), disponível para consulta em www.dgsi.pt, trazido à colação pela Recorrente e no qual esta assenta, em grande medida, a sua argumentação e pretensão.
Compulsado o mesmo, logo se afasta a similitude das questões tratadas. Naquele caso, o critério de adjudicação era o da proposta economicamente mais vantajosa para a entidade adjudicante, e não o do preço mais baixo; naquele caso, dois concorrentes juntaram declarações que denominaram de “Revisão de preços” e fizeram-no ao abrigo do artigo 300º do CCP; naquele caso, não se discutiu se a declaração apresentada constituía uma cláusula de revisão de preços mas sim o alcance material da revisão proposta (totalidade dos serviços a prestar ou só para trabalhos a mais, nos termos previstos no caderno de encargos).
Nestes termos, improcedem os fundamentos de recurso invocados.
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IV - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida.
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Custas a cargo da Recorrente.
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Registe e notifique.
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Lisboa, 20 de Outubro de 2021

Ana Paula Martins
Carlos Araújo
Dora Lucas Neto

(A Relatora consigna que, por razões de ordem técnica, não lhe é possível, nesta data, proceder à assinatura do acórdão.)