Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:35899/24.6BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:07/03/2025
Relator:ANA CRISTINA LAMEIRA
Descritores:INTIMAÇÃO PARA PROTECÇÃO DE DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS;
AUTORIZAÇÃO DE RESIDÊNCIA PARA INVESTIMENTO (ARI), NÃO RESIDENTE EM TERRITÓRIO NACIONAL
Sumário:I. De acordo com o disposto no artigo 109.º, n.º 1, do CPTA, o recurso àquela intimação apenas se justifica perante a indispensabilidade do exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, numa situação jurídica individualizada, face à concretização de factos relevantes para o efeito.
II. Aos requerentes de autorização de residência para investimento não residentes em território nacional não tem aplicação o princípio da equiparação, constitucionalmente consagrado no artigo 15.º, n.º 1, da CRP.
III - A circunstância de terem investido em Portugal confere-lhes, nos termos da legislação aplicável, o direito a requerer junto das autoridades portuguesas ARI e, não sendo por estas observados os prazos legais de tramitação e de decisão dos correspondentes procedimentos administrativos, que, salvo norma especial, são meramente orientadores sem preclusão da prática de acto ulteriormente pela entidade administrativa, podem originar o direito à tutela judicial, designadamente através da acção de condenação à prática de acto devido (vide art. 66º do CPTA) ou reagir administrativamente contra a ilegal omissão de acto administrativo, nos termos do artigo 184º, nº 1, al. b) e nº 2, do CPA, mediante reclamação ou recurso. Estando, portanto, assegurada a garantia constitucional tal como consagrada no artigo 268º, nº 4 da CRP.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul
(Subsecção Administrativo Comum)

I. RELATÓRIO

V... (Autor), residente nas Filipinas, veio interpor o presente recurso jurisdicional da Sentença-Rejeição Liminar proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa – Juízo Comum, em 04.11.2024, através da qual foi rejeitado liminarmente o presente pedido de Intimação para Protecção de Direitos, Liberdades e Garantias intentado contra a Agência para a Integração, Migrações e Asilo, IP (AIMA), Entidade Demandada (ED) na qual formulou os seguintes pedidos:
“a) Seja a presente intimação considerada procedente, por provada;
b) Seja a Agência para a Integração, Migrações e Asilo citada para, querendo, responder no prazo legalmente estabelecido seguindo-se os demais termos até ao final do procedimento.
c) Seja a Requerida intimada para, no prazo de 10 (dez) dias úteis, emitir uma decisão convocando, o Requerente e seus familiares a reagrupar, para a realização da fase procedimental dos biométricos em Portugal com uma antecedência nunca inferior 60 dias (úteis);
d) Seja a Requerida intimada para, no prazo legal de 90 dias, proferir decisão final.»

Nas Alegações recursivas formulou as conclusões que, de seguida, se transcrevem:
1. O presente recurso jurisdicional é interposto da douta sentença proferida pelo Tribunal a quo que considerou que não existem direitos, liberdades ou garantias violados;
2. Salvo melhor opinião que o Venerando Tribunal sempre suprirá, o Tribunal a quo fez uma interpretação errada dos factos invocados pela Recorrente no qual resultou uma errada aplicação do direito aos factos, reconduzível a um erro de julgamento, traduzindo-se numa apreciação da questão em desconformidade com a lei;
3. A sentença recorrida padece de erro de julgamento, de facto e de direito, ao considerar que não existem direitos violados, que mereçam tutela ao abrigo do art 109º do CPTA, por serem direitos análogos aos direitos, liberdades e garantias do art 17º da CRP, omitindo que existe um direito a apresentar pedido de concessão de ARI e prazo para a prática dos actos por parte duma entidade pública, com dignidade constitucional, que urge corrigir anulando a sentença recorrida substituindo por outra que consagre a violação dos direitos invocados;
4. Ao decidir em contrário, a Douta sentença recorrida viola o art.º 109º do CPTA e os direitos consagrados nos art.º 53º e 86º do CPA e art 90º-A da Lei 23/2007, e art 268º, n.4 e 6 da CRP;
5. Ora, o que está em causa é o direito da Recorrente em apresentar o pedido de concessão de ARI (direito de iniciativa do art 53º do CPA), decorrente do investimento efetuado em Portugal, e que nos termos do art 90ºA da Lei 23/2007, concede o direito à Recorrente de apresentar esse pedido de ARI; 6. A Douta Sentença recorrida não se pronunciou sobre a violação dos Direitos invocados e importantes ao correto julgamento da lide no seu todo, e que são direitos análogos aos direitos, liberdades e garantias do art 17º da CRP, a saber: o direito de iniciativa ( art 13º do CPA), o direito a uma decisão em tempo útil por parte da AP ( art 53º e art 86º do CPA ex vi art 268º, n.º 4 e 6 da CRP) a uma decisão no prazo de 10 dias.
7. Com efeito, não se trata de um direito absoluto de residência em Portugal, mas antes o direito a apresentar o pedido de concessão de ARI, que vem sendo negado pela Requerida SEF, pois a Recorreente preenche os requisitos nos quais a Lei 23/2007 faz assentar o direito de concessão de residência em Portugal;
8. Neste sentido, os Direitos invocados e importantes ao correto julgamento da lide no seu todo, são direitos análogos aos Direitos, Liberdades e Garantias do art 17º da CRP;
9. Da leitura atenta da fundamentação da PI formulado pelo Recorrente já mencionado, seria inteligível os direitos considerados violados e que carecem de tutela urgente, que passa pela adopção de uma conduta positiva do SEF: a aprovação do registo e o agendamento de data para apresentar o pedido de ARI, decorrente do investimento efetuado em Portugal, e que confere à Recorrente o direito, nos termos do disposto no art 90ºA da Lei 23/2007, apresentar pedido de ARI;
10. O que está em causa é o reconhecimento que a Recorrente tem direito, como qualquer cidadão em apresentar pedido de concessão de ARI junto do SEF, decorrente do investimento efectuado nos termos do art 90ºA da lei 23/2007, e cujo direito decorre do art 53º do CPA, e que tem direito a receber uma resposta por parte da Requerida, no prazo de 10 dias, como decorre do art 268º, n.º 4 e art 86º do CPA;
11. A Sentença recorrida não teve em conta o facto de estar em causa a violação do principio de iniciativa ( art 53º do CPA) particular em iniciar o procedimento administrativo com vista à obtenção da ARI em Portugal, resultante do investimento feito no nosso pais ( art 90º-A da Lei Imigração); 12. Pois estando em causa a violação do art 53º do CPA, que estatui que: “ O procedimento administrativo inicia-se oficiosamente ou a solicitação dos interessados”, conjugado com o art 90ºA da Lei 23/2007, fácil é de concluir que se trata da violação de um direito que urge tutela em tempo útil para assegurar o exercício desse direito que vem sendo negado desde 21/06/2023;
13. O prazo de 10 dias que a Administração Pública tem para a prática dos actos, não é um prazo meramente indicativo, antes vinculativo e com respaldo constitucional no art 268º, n.º 6 da CRP;
14. Enfermando em absoluto erro toda a sedimentação de fundamentação quando considera que a Recorrente, e a sua família, por não residirem em Portugal, não carecem de proteção da Constituição da República Portuguesa e que não se verifica a violação de qualquer direito;
15. Ora, como da própria sentença se compulsa, os Requerentes apenas não vivem em Portugal porque a sua permanência lhe está a ser obstada;
16. Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve a douta sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue procedente o pedido de intimação da AIMA a aprovar o registo nos prazo de 10 dias e a agendar data para a entrega do pedido de ARI e de reagrupamento familiar e recolha dos dados biométricos no prazo de 10 dias.
Termos em que deverá ser concedido provimento ao recurso e revogada a douta sentença recorrida e substituída por outra que reconheça o acervo de direitos violados e condene a Requerida na aprovação do registo no prazo de 10 dias e efetuar agendamento para a entrega do pedido de concessão de ARI no prazo de 10 dias, citada a Requerida para contestar
*
A Agência para a Integração, Migrações e Asilo, IP (AIMA) apesar de regularmente notificada não apresentou contra-alegações.
*
O DMMP notificado nos termos do art. 146º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) emitiu pronúncia, no sentido de não provimento do recurso.
Notificadas as partes, nada disseram.

*

Com dispensa dos vistos legais, atento o carácter urgente dos autos, vem o processo submetido à conferência para decisão

*

I.1- DO OBJECTO DO RECURSO / DAS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

Em conformidade com os artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC), é pelas conclusões do recorrente jurisdicional que se define o objecto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, que inexistem, estando apenas adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Das conclusões do Recorrente extrai-se que, no essencial, importa aferir se o Tribunal a quo fez uma errada aplicação do direito em violação do artigo 109º do CPTA e dos direitos consagrados nos artigos 53.º e 86.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA) e do artigo 90º-A da Lei 23/2007, bem como do artigo 268º, nºs.4 e 6 da Constituição da República Portuguesa (CRP).

*
II. Fundamentação

O Tribunal a quo, atenta a fase inicial do processo, não fixou matéria de facto nem se mostra necessária para a presente decisão.
*

II.2 - De Direito

Cumpre decidir, conforme delimitado em I.1.
Antecipamos, desde já, que o presente recurso terá de soçobrar.
O ora Recorrente solicitou, em 21.06.2023, autorização de residência para investimento ao abrigo do artigo 90.º-A, n.º 1 da Lei n.º 23/2007, de 04 de Julho, que aprovou o regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional, tendo formulado, ainda, pedido de reagrupamento familiar, ao abrigo do disposto no artigo 98.º n.º 1 da mesma Lei, a qual foi regulamentada pelo Decreto-Regulamentar nº 84/2007, de 5 de Novembro, actualizado.
Por aplicação do disposto no artigo 65.º-D n.º 16 do Decreto Regulamentar n.º 84/2007, a formalização do pedido de concessão de autorização de residência para actividade de investimento (ARI), como aquela a que o Recorrente almeja, é precedido de registo eletrónico em plataforma para o efeito.
O Tribunal a quo decidiu rejeitar liminarmente a presente intimação por falta de urgência e de indispensabilidade da intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, o que consubstancia uma excepção dilatória inominada, cuja procedência obsta ao conhecimento do mérito da causa.

Apreciando;

Em concretização da imposição constitucional contida no artigo 20º, nº 5, encontra-se prevista nos artigos 2.º, n.º 2, alínea o) e 109.º e segs. do CPTA a intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, configurando-se como um processo urgente, nos termos do artigo 36.º, n.º 1, alínea e) do CPTA. Não obstante o cariz da urgência, a intimação referida integra-se no conjunto de meios processuais principais previstos no Código, porquanto visa a resolução a título definitivo da questão de mérito que lhe subjaz.
De notar que a via normal de reacção é a utilização da acção administrativa, acompanhada da respectiva tutela cautelar, pelo que a presente intimação ocupa um lugar residual e subsidiário no contencioso administrativo, sendo a sua utilização quase de ultima ratio, obedecendo a um elenco estricto de requisitos, previstos no n.º 1 do artigo 109.º do CPTA. O qual determina que a intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias pode ser requerida quando a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adoção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento de uma providência cautelar” (s/n).

Donde se extrai que, em primeiro lugar, deve estar em causa a invocação da lesão de um direito, liberdade e garantia, abrangendo qualquer tipo de direitos, liberdades e garantias, tanto pessoais como patrimoniais, incluindo aqueles direitos que lhes são análogos, nos termos do artigo 17.º da CRP, relevando, ainda, a este propósito que se traduza num direito, liberdade e garantia que se encontra suficientemente densificado e concretizado na CRP ou na própria lei.
Exige-se, quanto a este pressuposto, a alegação e concretização pelo interessado dos concretos factos que sustentam a ameaça ou a lesão do direito invocado.
Em segundo lugar, exige-se a necessidade da célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adopção de uma conduta positiva ou negativa que se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, do direito, liberdade e garantia invocado. Ao contrário de outros processos urgentes em que a urgência é, desde logo, assumida e ficcionada pelo legislador (a título de exemplo, a intimação para prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões ou o contencioso pré-contratual), na presente intimação a urgência deve ser concreta, sendo acrescido o ónus do interessado em alegar e demonstrar essa mesma urgência. Não se olvide a subsidiariedade deste meio processual que apenas consente a sua utilização no caso de falência das vias normais de reacção.
Por fim, acoplada à urgência concreta que possa ser invocada, encontra-se a exigência da demonstração da insuficiência ou possibilidade do decretamento de uma providência cautelar nas circunstâncias do caso concreto. O legislador, ao remeter para o decretamento da providência cautelar reforça a subsidiariedade desta intimação, pois aquele decretamento afigura-se como o meio mais célere de obtenção de uma decisão no seio da tutela cautelar. O juízo que deve ser feito passa por analisar se a tutela no caso concreto se basta com uma decisão célere, mas provisória/precária ou se, pelo contrário, exige uma decisão célere que resolva definitivamente a questão.

Quanto ao processo cautelar não ser apto a proteger o direito invocado pelo Recorrente neste ponto nada foi dito no presente recurso em dissonância com o decidido pelo Tribunal a quo.

Atendendo ao exposto, cumpre verificar se estão reunidos os requisitos para o uso da intimação ora proposta pelo Recorrente, os quais são de verificação cumulativa, analisando, pois, o requisito da existência de uma lesão de um direito, liberdade e garantia que imponha uma decisão urgente e definitiva.
Como referem Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 5.ª edição, 2021, p. 931, citando Jorge Reis Novais, “…o pressuposto da existência de um direito, liberdade ou garantia para efeitos de justiça administrativa define-se, portanto, em função destes critérios: há lugar para recorrer à intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias desde que, verificados os restantes pressupostos, se trate de um direito fundamental em sentido material, portanto, um direito da maior relevância material, e, além disso, tenha um conteúdo normativo tão precisamente determinado (pela Constituição e/ou pela lei) que permita a intervenção do juiz administrativo sem perda ou afetação da separação de poderes própria do Estado de Direito".
Afirmam também os mesmos Autores, Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, in obra citada, p. 883, À partida, o preenchimento deste requisito [é necessário que esteja em causa o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia e que a adoção da conduta pretendida seja apta a assegurar esse exercício] pressupõe que o requerente concretize na petição os seguintes aspetos: a existência de uma situação jurídica individualizada que caracterize um direito, liberdade e garantia, cujo conteúdo normativo se encontre suficientemente concretizado na CRP ou na lei para ser jurisdicionalmente exigível por esta via processual; e a ocorrência de uma situação, no caso concreto, de ameaça do direito, liberdade e garantia em causa, que só possa ser evitada através do processo urgente de intimação. Não releva, por isso, a mera invocação genérica de um direito, liberdade ou garantia: impõe-se a descrição de uma situação factual de ofensa ou preterição do direito fundamental que possa justificar, à partida, ao menos numa análise perfunctória de aparência do direito, que o tribunal venha a intimar a Administração, através de um processo célere e expedito, a adotar uma conduta (positiva ou negativa) que permita assegurar o exercício em tempo útil desse direito.”

Do que antecede ressalta que não basta a invocação de qualquer direito, liberdade, ou garantia, é pressuposto que esse tenha uma dimensão suficientemente concretizada para que o Tribunal possa, sem violação do princípio de separação de poderes, intimar a Administração a uma prestação de facere ou non facere.

O Recorrente nas conclusões recursivas pretende, sobretudo, refutar o decidido pelo Tribunal a quo, destacando que o que está em causa é o seu direito em apresentar o pedido de concessão de ARI (direito de iniciativa do artigo 53º do CPA), decorrente do investimento efectuado em Portugal, nos termos do artigo 90.º-A da Lei 23/2007, tendo já decorrido o prazo legal para a prática do acto devido, pelo que deveria a Sentença recorrida ter reconhecido a violação dos Direitos invocados e que são direitos análogos aos direitos, liberdades e garantias do artigo 17.º da CRP, a saber: o direito de iniciativa (artigo 13.º do CPA), e o direito a uma decisão em tempo útil por parte da AP (artigos 53.º e 86.º do CPA, ex vi art. 268, n.ºs 4 e 6 da CRP).

Carece de razão, sendo que o presente dissídio emerge exactamente de o Recorrente ter exercido o seu direito ao procedimento de ARI ao ter formulado a sua candidatura de autorização de residência para investimento, tal como decorre do artigo 53º do CPA, conjugado com o artigo 90º-A da Lei 23/2007.
Em todo o caso, o Tribunal a quo não apreciou do mérito dos pedidos formulados, mas somente em sede liminar de apreciação dos pressupostos processuais para o uso da presente intimação, os quais decidiu não verificados.
Ao contrário do que defende o Recorrente, o direito do interessado à iniciativa procedimental não detém, por si só, a natureza de direito fundamental nos termos e para os efeitos do artigo 17º da CRP, que determina a aplicação do regime dos direitos, liberdades e garantias (título II da Parte I da CRP) aos direitos fundamentais de natureza análoga.

Como se alude no art. 1º do CPA, “[e]ntende-se por procedimento administrativo a sucessão ordenada de atos e formalidades relativos” designadamente à “formação e manifestação da vontade por partes dos órgãos da Administração Pública”.
Ora, o Recorrente tomou exactamente o impulso de iniciar o procedimento que conduzirá, a final, verificadas as formalidades e pressupostos legais, à concessão da autorização de residência para investimento.
In casu, trata-se de um procedimento faseado, uma vez que se inicia, com a inscrição on line da candidatura efectuada no Portal ARI, seguindo-se o agendamento de data para a entrega de documentos e recolha de dados biométricos, o impulso cabe ao Recorrente, como efectivamente o fez.
Com relevo, importa considerar o disposto no artigo 13.º do CPA, incluído no conjunto dos princípios gerais da actividade administrativa, que se aplicam a toda e qualquer actuação da Administração Pública, ainda que meramente técnica ou de gestão privada (artigo 2.º, n.º 3 do CPA), que tem como epígrafe “Princípio da decisão”, mas que encerra dois deveres, desse modo qualificados pelo legislador: o dever de pronúncia, contido no seu n.º 1 e o dever de decisão, regulado no seu n.º 2.

Decorre do artigo 13.º do CPA que os órgãos administrativos têm o dever de se pronunciar sobre todos os assuntos que sejam da sua competência que lhe sejam apresentados pelos particulares em defesa de interesses pessoais ou de interesses metaindividuais, de modo que “não assiste à Administração qualquer «discricionariedade de silêncio»”, J. M. Sérvulo Correia, “O incumprimento do dever de decidir”, Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 54, Novembro/Dezembro, CEJUR, Braga, 2005, pág. 8.
O dever de pronúncia ou de resposta corresponde a um dever de natureza constitucional, com previsão no artigo 52.º da CRP, bem como no artigo 268º, nºs 1 e 2 da mesma Lei Fundamental, cujos prazos foram nomeadamente previstos no artigo 86º, nº 1 do CPA, mas que não abrange o prazo para decisão no procedimento (parte inicial do art. 86º).
Donde, o dever de decisão, que ora verdadeiramente se coloca, é procedimental e existe quando o pedido é formulado tendo em vista a defesa de interesses próprios, tendo por objecto o exercício de uma competência jurídico-administrativa concreta, de aplicação da lei à situação jurídica do requerente.
Acresce que, a violação dos prazos procedimentais que, salvo norma especial, são meramente orientadores sem preclusão da prática de acto ulteriormente pela entidade administrativa, quando e se ultrapassados, podem originar o direito à tutela judicial, designadamente através da acção de condenação à prática de acto devido (vide art. 66º do CPTA) ou reagir contra a omissão ilegal de actos administrativos, nos termos do artigo 184º, nº 1, al. b) e nº 2, do CPA, mediante reclamação ou recurso. Estando, portanto, assegurada a garantia constitucional tal como consagrada no artigo 268º, nº 4 da CRP.
Releva, ainda que, como reconhece, o Recorrente e sua família não residem em território nacional, pelo que não tem aplicação o princípio da equiparação, constitucionalmente consagrado no artigo 15.º, n.º 1, da CRP, quanto aos estrangeiros que se encontrem em Portugal.
Nem foi invocada qualquer situação específica que onere ou lese o Recorrente ou a sua família decorrente da omissão (atempada) de decisão, que exija a intimação do Recorrido nos termos por si pretendidos. Pois, embora a demora na decisão contenda, potencialmente, com direitos, liberdades e garantias, mormente pela impossibilidade de exercício de direitos cívicos, neste caso tal não vem alegado/concretizado, sequer. Sustentando a sua “urgência” em afirmações genéricas como A escolha do Requerente por Portugal, partiu não sé pela atratividade do investimento, mas sobretudo pela expectativa de educação dos seus filhos” (art. 44 da p.i.); “os Requerente pretende contribuir significativamente para o desenvolvimento económico nacional, dado o peso da sua experiência e competência, que são fatores determinantes para a concretização de investimentos estrangeiros no país” (50º).
Como se aludiu, o Recorrente não se encontra a residir em Portugal nem está impedido de entrar no país e também não invoca estar separado ou impedido de viver com os restantes membros da família (filhos) ou de este acederem à educação (ou que os seus filhos tenham sido impedidos de estudar em Portugal), cuidados de saúde ou à segurança social no país da sua residência actual.
Este tem sido o entendimento deste TCA Sul, em vários arestos, nomeadamente os aludidos na sentença recorrida:
“ (…) o Requerente não é titular dos direitos, liberdades e garantias a que se arrogam – cfr., em sentido próximo, os acórdãos do TCA Sul, de 24-04-2024, proferido no processo n.º 3595/23.7BELSB, e de 23-05- 2024, proferido no processo n.º 155/24.9BELSB, disponíveis em www.dgsi.pt . Veja-se, com detalhe, o doutamente sumariado no processo 3595/23.7BELSB:
“I - Para se darem por verificados os pressupostos [adjectivos/processuais] da admissibilidade desta acção principal, excepcional e urgente, impunha-se que os Recorrentes na petição tivessem alegado factos que permitissem concluir que o uso de uma acção administrativa de condenação à prática do acto devido, associado a uma providência cautelar, não seria suficiente a assegurar o exercício dos direitos fundamentais ou análogos que invocam, em tempo útil. Ou dito de outro modo, o respectivo exercício seria frustrado antes de poder obter decisão judicial não urgente;
II - Como cidadãos nacionais e residentes nos EUA é nesse país que têm a sua vida pessoal, familiar e profissional organizada e exercem os direitos que lhe são inerentes ou relacionados. Nada do que alegaram na petição, de forma genérica e conclusiva, permite afirmar que se verifica a exigida lesão iminente e irreversível dos vários direitos que referem, nem que seja indispensável uma decisão de mérito para assegurar o seu exercício em tempo útil;
III - A circunstância de terem investido em Portugal confere-lhes, nos termos da legislação aplicável, o direito a requerer junto das autoridades portuguesas ARI e, não sendo por estas observados os prazos legais de tramitação e decisão dos correspondentes procedimentos administrativos, têm também ao seu dispor os meios judiciais de reacção junto dos tribunais administrativos portugueses, disponibilizados a qualquer cidadão nacional ou estrangeiro em idêntica situação, os quais poderão ser urgentes ou não, consoante a causa de pedir e pedidos formulados;
IV - O que não significa que possam beneficiar do princípio da equiparação, previsto no artigo 15º da CRP, cujo nº 1 dispõe: “1. Os estrangeiros e os apátridas que se encontrem ou residam em Portugal gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres do cidadão português”, precisamente quanto aos direitos que dependem da efectiva presença ou residência em Portugal, onde o exercício do direito invocado se encontra ameaçado.”

De modo a estabilizar a jurisprudência foi admitida por Acórdão da Formação de Apreciação Preliminar do Supremo Tribunal Administrativo, de 23.01.2025, no Proc. nº 2077/24.4BELSB o recurso de revista, onde se adiantaram, para o efeito, os seguintes fundamentos: “(…) a sintonia dos «tribunais de instância» no sentido do «indeferimento liminar» da pretensão dos autores por falta de preenchimento, no caso, dos requisitos da urgência e da indispensabilidade do meio processual utilizado, ao que tudo indica conjuga-se mal com o já decidido por este Supremo Tribunal em aresto tirado em formação alargada - Ac STA de 06.06.2024, processo n°0741/23.4BELSB. Por este essencial motivo importará revisitar a decisão recorrida, de forma a clarificá-la, e a solidificá-la, visando - eventualmente - uma melhor decisão de direito e a iluminação de decisões futuras semelhantes. (…)”».

Em conformidade, naqueles autos, veio a ser prolatado o recente Acórdão daquele Colendo Tribunal, de 13.03.2025, acessível in www.dgsi.pt:
“…Assim, para decidir a idoneidade do meio processual utilizado pelos Autores, importa analisar a específica situação dos autos - “é sempre a partir do caso concreto e do alegado na p.i. que o juiz a quo, para efeitos do despacho liminar, perscruta a existência, ou não, de fundamentos factuais que justifiquem a indispensabilidade do recurso ao processo de intimação” [ac. TCA Sul de 19/03/2024, P. 3760/23.7BELSB ] - aferida em função do pedido e da concreta factualidade que os Autores alegaram na petição inicial para consubstanciar a respetiva causa de pedir.
Efetivamente, segundo cremos, para o acionamento da tutela prevista no art. 109º do CPTA, não basta que os Autores aleguem a existência de violação de direitos, liberdades e garantias pessoais, nem que apelem a anteriores decisões jurisprudenciais para sustentar genericamente a adequação desta tutela, descurando por completo as concretas circunstâncias do seu caso.
De acordo com as regras gerais em matéria de alegação e prova constantes dos arts. 5º do Cód. Proc. Civ. e 342º do Cód. Civil, competia aos Autores alegar, além do mais, factos concretos – nas circunstâncias do caso - suscetíveis de revelar o preenchimento daquele pressuposto da indispensabilidade.
Na nossa perspetiva impunha-se que os Autores, no requerimento inicial, tivessem alegado factos que permitam concluir que o exercício dos seus direitos ficaria inutilizado antes de poder obter decisão judicial em ação não urgente associada ao pedido de uma providência cautelar.
A indispensabilidade seria aferível pela iminência, a imediata perceção de uma violação que está a ocorrer ou em vias de ocorrer.
Como tal, teriam os Autores que fazer constar no requerimento inicial factos suficientemente densificados que demonstrassem tal urgência ou premência ou dos quais seja possível extrair um atropelo grave e irreversível aos direitos invocados que, a não ser travada pelo processo de intimação, já não será possível ou suficiente para impedir a ocorrência dessa lesão o decretamento de uma providência cautelar, ainda que provisoriamente, nos termos conjugados dos artigos 110º-A, nº 2, e 131.º do CPTA (ex: um evento concreto, com data marcada, que não possam realizar ou em que não possam participar se não forem ordenadas as providências requeridas).
Todavia limitaram-se a argumentar, de forma vaga, imprecisa e genérica uma afetação do “direito de livre circulação no território dos Estados Membros da União Europeia e de equiparação aos cidadãos nacionais, nos termos do artigo 15º nº 1 da CRP, condição sine qua non para lhe garantir o acesso, entre outros, ao trabalho digno, à saúde e à habitação”, olvidando alegar factos concretos que evidenciem ser indispensável o recurso ao processo de intimação.
Na verdade, conforme resulta das alegações de recurso, os próprios Recorrentes partem da premissa de que a falta de autorização/título de residência válido (emergente da falta de decisão no âmbito do respetivo procedimento) é, só 9 por si, um facto que legitima, sem mais, a necessidade de recurso a este meio processual.
Deste modo, e admitindo-se embora que o facto de os Recorrentes não terem obtido decisão no procedimento de obtenção de ARI e, consequentemente não lograrem conseguir a emissão de título/cartão de residência poderá, em abstrato, contender com o exercício de direitos, liberdades e garantias que invocam, falhando a demonstração dos pressupostos da indispensabilidade e, por inerência, da urgência, resulta a falta de idoneidade do meio processual utilizado, razão pela qual a decisão de rejeitar liminarmente o requerimento inicial nos parece acertada.
Veja-se, no sentido que propugnamos, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 11/07/2024 proferido no processo nº 3760/23.7BELSB, que se debruça sobre situação idêntica à do presente caso, onde se pode ler:
“No caso vertente, conforme o que foi julgado pelas instâncias, os ora recorrentes não alegaram qualquer facto concreto que evidencie ser indispensável o recurso ao processo de intimação, ou seja, em termos factuais, não transparece do requerimento inicial nem das conclusões de recurso – designadamente das conclusões 31 a 44, 46 e 47 –, qualquer lesão séria ou ameaça de lesão dos direitos que invocam.
Com efeito, os recorrentes não se encontram a residir em Portugal nem impedidos de entrar no país e também não invocam estarem separados ou impedidos de viver em família ou de acederem a cuidados de saúde ou à segurança social no país da sua residência atual. Também não se mostra posto em causa o direito de propriedade sobre o bem imóvel que adquiriram em Portugal.
(…) A situação é, assim, muito diferente da que esteve na base do decidido, em formação alargada, no Ac. STA [FA], de 6.06.2024, P. 741/23.4BELSB.
(…) Com efeito, as instâncias, pelas razões anteriormente expostas, entenderam – e bem – que a intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias não é o meio adequado para tal, quando a referida inércia administrativa, segundo o alegado pelo requerente não o deixe numa situação em que um seu direito liberdade ou garantia esteja a ser lesado ou fique na iminência de ser lesado, tornando-se indispensável e urgente para evitar ou eliminar tal lesão continuada tutelá-lo a título principal (e não meramente cautelar).»
21. Assim sendo, bem decidiram as instâncias ao julgarem que a ação de “Intimação para Proteção de Direitos, Liberdades e Garantias” não é o meio adequado para reagir perante a identificada inércia administrativa, soçobrando todos os fundamentos de recurso invocados pelos Recorrentes, impondo-se confirmar o acórdão recorrido”.

Donde, de acordo com a citada jurisprudência e tal como se decidiu na sentença recorrida, inexistem no caso em apreço, quaisquer elementos que impunham o direito célere a uma decisão administrativa em tempo útil para operacionalizar direitos fundamentais, tal como previsto para a presente intimação falhando, assim, os pressupostos inerentes ao uso deste específico meio processual.
O que conduz ao não provimento do recurso, como se decidirá a final.


*

Não são devidas custas por os processos de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias delas estarem isentos, nos termos do disposto na alínea b) do número 2 do artigo 4º do Regulamento das Custas Processuais.

*

III. Decisão

Em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
Sem custas.
R.N.
Lisboa, 03 de Julho de 2025

Ana Cristina Lameira (Relatora)
Marta Cação Rodrigues Cavaleira
Marcelo Mendonça