Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 3855/15.0BELRS |
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Secção: | CT |
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Data do Acordão: | 07/13/2023 |
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Relator: | ISABEL FERNANDES |
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Descritores: | COIMA PAGAMENTO POR CONTA IRC |
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Sumário: | I – O “pagamento por conta” tem de ser aferido face à situação contabilística da empresa no fim do período fiscal a que se refere o mesmo. Ora, se nenhuma quantia pecuniária houver de ser (antecipadamente) entregue por conta do imposto devido a final, no concernente ao período de formação do facto tributário (a que se refere o "pagamento por conta") - mormente por inexistência de lucro tributável revelado pela contabilidade, a esse tempo - aquele “pagamento por conta” não tem fundamento substantivo. Se não houver lucro tributável, não há imposto devido. E, não havendo imposto devido, não se verifica o evento jurídico-material de que a lei faz depender a punição - porquanto não se verifica a lesão do interesse protegido pela norma. |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | I – RELATÓRIO
O Tribunal Tributário de Lisboa, por decisão de 27 de abril de 2017, julgou o recurso procedente. Não concordando com a decisão, a Fazenda Pública, interpôs recurso da mesma, tendo, nas suas alegações de recurso, formulado as seguintes conclusões: «I - O presente recurso visa reagir contra a decisão que anulou a coima aplicada, no montante de € 13.119,19, tendo considerado que houve ilegalidade e violação dos preceitos quer do CIRC quer da CRP uma vez que a arguida estava cessada desde 26/06/2014 e, o pagamento por conta refere-se a Setembro de 2014. II – A Fazenda Pública recorre porquanto a coima aplicada não viola os preceitos relatados pela arguida porque, a mesma encontra-se cessada para efeitos de IVA e não para IRC, sendo, por isso, devido o pagamento por conta o qual é calculado nos termos do art.º 105.º, n.º 1 do CIRC, ou seja, é calculado com base no imposto liquidado do ano anterior e, não sendo o mesmo inferior a € 200,00 não há dispensa do mesmo, pelo que a coima aplicada não é violadora dos princípios enunciados pela arguida, bem pelo contrário, não se considerar que a coima é devida é que se viola os mesmos princípios bem como os preceitos do CIRC supra mencionados. III – Com respeito à dispensa da coima, nos termos do art.º 32.º do RGIT, a Fazenda dirá que os requisitos cumulativos não se encontram contemplados, desde logo, o prejuízo efectivo, tal como é mencionado por Lopes de Sousa e Simas Santos quando referem que mesmo que a prestação tributária se encontre paga posteriormente houve prejuízo efectivo, pois só não haveria se houvesse falta na apresentação de declarações que não tenham por fim permitir a administração tributária determinar, avaliar ou comprovar a matéria colectável. Os prazos para a dispensa ou redução da coima não estavam contemplados, pelo que mesmo que o Serviço de Finanças se pronunciassem sobre os itens que o arguido alegou o efeito seria o mesmo. IV - Ora, os pagamentos por conta dividem-se em 3 prestações, sendo que o arguido não pagou a 2.ª prestação, a qual deveria ter sido liquidada até 30/09/2014, pelo que o Estado se viu privado do pagamento por conta desde Setembro de 2014, sendo a coima devida. V – Assim, não tendo pago o pagamento por conta e, não se encontrando dispensado do mesmo, no prazo devido houve prejuízo para o Estado que se viu prejudicado na arrecadação de receita e, como tal, o legislador não contemplou nem premiou esta actuação do arguido como dispensa de coima, nos termos do art.º 32.º do RGIT, tal como foi mencionado nas anotações de Lopes de Sousa e Simas Santos e, pelas mesmas razões não se pode aplicar a admoestação. VI – Ora, a falta de entrega da prestação tributária dentro do prazo previsto na lei é punível nos termos do art.º 114.º, n.º 2 e 5 al. f) e art.º 26.º, n.º 4, ambos do RGIT. VII – E sendo punida a coima é devida, pois já vimos que um dos requisitos cumulativos não se encontra contemplado, o de não haver prejuízo efectivo para o Estado, não podendo ter sido anulada a coima, sob pena de se violar o próprio art.º 32.º do RGIT. VIII – Nos termos expostos, deverá a douta sentença do Tribunal a quo ser revogada por outra, por erro de julgamento, uma vez que os requisitos do art.º 32.º do RGIT não se encontram contemplados e sendo eles cumulativos, faltando um a dispensa não poderá prosseguir, e porque, a arguida não estava cessada em termos de IRC mas tão só em IVA, pelo que não estava desonerada do pagamento por conta bem como da entrega das Mod. 22 e outras obrigações declarações, devendo manter-se a coima aplicada pelo Serviço de Finanças. Termos em que, com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., deverá o presente recurso ser julgado procedente anulando-se a recorrida decisão em apreço, com as legais consequências, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.» * Não foi apresentada resposta. * O Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo, devidamente notificado para o efeito, ofereceu aos autos o seu parecer no sentido da procedência do recurso. * Com dispensa de vistos, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Tributário para decisão. * A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos: «Examinados os autos e vista a prova produzida, com interesse para a decisão, resultaram provados os seguintes factos: 1- Na declaração Mod. 22 do exercício de 2014, a arguida apresenta o resultado líquido do exercício de (- € 67.801,38) – cfr. fls. 28 dos autos; 2- A arguida apresentou, via internet, “Comprovativo de Entrega da Declaração de Cessação de Atividade” em 26/06/2014 – cfr. fls. 29 dos autos; 3- Em 22/03/2015, é levantado auto de noticia à, ora arguida, por falta de entrega do Pagamento por Conta ( art. 104º, nº 1, al. a) do CIRC) punível nos termos do art. 114º, nº 2, 5 f) e 26º, nº 4 do RGIT “Valor da Prestação Tributária em Falta: € 43.730,66”; Período a que respeita a infração: 2014/09; Termo de prazo para cumprimento da obrigação: 2014/09/30” – cfr. fls. 2 dos autos; 4-Em 23/03/2015, foi instaurado processo de contraordenação com o nº 323…010 - cfr. fls. 1 dos presentes autos; 5- Em 13/04/2015, foi proferida decisão de fixação da coima, por infração ao art. 104, nº 1º, l. a) do CIRC, punida nos termos do art. 114º, nº 2 e 5 al. f) e 26º, nº 4 do RGIT– cfr. fls. 23 a 25 dos presentes autos; 6- A coima fixada foi de € 13.119,19, acrescido de € 76,50 devidos a título de custas - cfr. fls. 23 a 25 dos presentes autos.» * Factos não provados «Com interesse para a decisão, não existem factos a assinalar como não provados.» * Motivação da decisão de facto «A convicção do tribunal baseou-se nos documentos juntos aos autos, referidos nos «factos provados» com remissão para as folhas do processo onde se encontram.» * - De Direito Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer. Ora, lidas as conclusões das alegações de recurso, resulta que está em causa saber se o Tribunal a quo errou no seu julgamento ao considerar procedente o recurso de contra-ordenação. Está em causa a coima fixada à Recorrida por falta de entrega de pagamento por conta referente ao período 2014/09 – cfr. ponto 3 do probatório. A sentença recorrida entendeu que a conduta da Recorrida não preencheu todos os elementos constituintes da infracção em causa. Para tanto, considerou o seguinte: “(…) In Casu, decorre dos autos que a arguida cessou a sua atividade em 26/06/2014 (ponto 2 do probatório), e para além disso, para o exercício de 2014 apresenta o resultado líquido de exercício negativo (cfr. ponto 1 do probatório), pelo que a A.T. não prova que lhe assista qualquer direito à cobrança de algum imposto (IRC). Ora, com o resultado negativo apresentado pela arguida no final do exercício de 2014 a A.T. não se prova que a arguida, de algum modo, se tenha constituído agente do facto ilícito integrante do tipo de infracção que a lei molda na alínea f) do n.º 5 do artigo 114.º do Regime Geral das Infracções Tributárias, e por que foi acoimada – porquanto com a sua conduta não preencheu todos elementos constituintes da infracção (contra-ordenação) em foco. O mesmo é dizer que a arguida não cometeu a infracção pela qual foi condenada. Se fosse exigível imposto sem o rendimento respectivo, estaríamos perante uma frontal violação não só da Constituição – princípio da tributação segundo o rendimento real1 - mas também do próprio CIRC.(…)” A Recorrente entende que não só a cessação de actividade da Recorrida dizia apenas respeito a IVA, como no exercício anterior a Recorrida contabilizou rendimentos não inferiores a € 200.000,00 pelo que considera devida a coima. Vejamos. A sentença recorrida procedeu a uma análise detalhada do regime legal referente aos pagamentos por conta, tendo citado jurisprudência dos tribunais superiores consentânea com a sua decisão. De resto, a solução acolhida pela sentença recorrida é espelho da jurisprudência sobre esta matéria, de que é exemplo o acórdão do STA de 08/09/2021, proferido no âmbito do processo nº 1244/18, do qual nos permitimos extrair o seguinte segmento: “(…) No âmbito do Código do I.R.C., enquanto regime de pagamento antecipado do imposto (diferente é o pagamento especial por conta previsto no artº.106, do C.I.R.C.), o pagamento por conta é devido pelos sujeitos passivos que exerçam, a título principal, actividades de natureza comercial, industrial ou agrícola, bem como pelas entidades não residentes com estabelecimento estável em território nacional (cfr.artº.104, nº.1, do C.I.R.C.; artº.33, da L.G.T.). Os pagamentos por conta (com vencimento nos meses de Julho, Setembro e 15 de Dezembro do próprio ano a que respeita o lucro tributável) devem ser calculados com base no imposto liquidado relativamente ao período de tributação imediatamente anterior àquele em que se devam efectuar esses pagamentos, líquido das retenções na fonte. Por outro lado, a lei prevê que o contribuinte fique dispensado de tal obrigação quando tenha tido, no exercício anterior, um lucro inferior a determinado montante (€ 200.000). Por último, se o valor do lucro tributável do exercício em curso for inferior ao do anterior, os pagamentos por conta a que o sujeito passivo está obrigado resultam excessivos, assim correspondendo ao adiantamento de um imposto não devido. Para obviar a essas situações a lei permite que o sujeito passivo suspenda os pagamentos por conta, mais concretamente, o terceiro pagamento a realizar em 15 de Dezembro do próprio ano (cfr. artºs.104, nºs.1 e 4, e 107, nº.1, do C.I.R.C.; Rui Duarte Morais, Apontamentos ao IRC, Almedina, 2009, pág.218 e seg.; Rui Marques, Código do IRC anotado e comentado, Almedina, 2019, pág.878 e seg.). É que o "pagamento por conta" é, nos próprios termos da lei, uma entrega pecuniária antecipada, realizada por conta do imposto devido a final, no período de formação do facto tributário (cfr.artº.33, da L.G.T.). O que significa, ainda, que o "pagamento por conta" tem de ser aferido face à situação contabilística da empresa no fim do período fiscal a que se refere o mesmo. Ora, se nenhuma quantia pecuniária houver de ser (antecipadamente) entregue por conta do imposto devido a final, no concernente ao período de formação do facto tributário (a que se refere o "pagamento por conta") - mormente por inexistência/insuficiência de lucro tributável revelado pela contabilidade, a esse tempo - aquele "pagamento por conta" não tem fundamento substantivo. Em conclusão, nestas condições, a inexistência/insuficiência de lucro tributável no período fiscal a que se reporta o pagamento por conta em falta, encontra-se excluída a ilicitude da sua conduta no tocante à omissão do contribuinte, raciocínio que se deve aplicar, também, no caso de não ocorrer a liquidação da segunda prestação de pagamento por conta, prevista para o mês de Setembro, situação que se verifica nos presentes autos (cfr.nºs.1 a 3 do probatório supra; artº.31, do C.Penal; artº.2, nº.1, do R.G.I.T.; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 9/10/2019, rec.329/18.1BELLE; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 16/01/2020, rec.461/18.1BELLE).(…)” Regressando ao caso dos autos, e não vindo infirmado o facto dado como assente no ponto 1 do probatório – de que o resultado líquido declarado para o exercício de 2014 foi de -€67.801,38, entendemos, como a sentença, e acolhendo o entendimento expresso no Acórdão do STA referido, que o pagamento por conta em causa – 2ª prestação de 2014/Setembro) – não era devido, pelo que não tem razão a Recorrente, devendo a sentença ser confirmada e negado provimento ao recurso. * III- Decisão Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso. Sem custas. Registe e Notifique. Lisboa, 13 de Julho de 2023 (Isabel Fernandes) (Catarina Almeida e Sousa) (Maria Cardoso) |