Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:827/13.3BESNT
Secção:CA
Data do Acordão:07/11/2024
Relator:FREDERICO MACEDO BRANCO
Descritores:TEMPO DE SERVIÇO
PENA DISCIPLINAR
INATIVIDADE
Sumário:I– A carreira militar é uma carreira especial, cuja matéria estatutária se encontra especialmente regulada no Estatuto dos Militares das Forças Armadas, aprovado pelo DL n.° 236/99, de 25 de Junho, com as alterações entretanto introduzidas (EMFAR), dispondo ainda de um regulamento disciplinar e de um regime remuneratório próprio, respetivamente aprovados pela Lei Orgânica n.° 2/2009 de 22 de Julho e, atualmente, pelo DL n.° 296/2009, de 14 de Outubro.
II- Ao contrário do que acontece no regime geral dos trabalhadores com funções públicas, no estatuto dos militares não existe a figura da falta, pelo que sempre que o militar se ausente do seu posto ou local de trabalho sem que para isso se encontre devidamente legitimado, por uma licença ou por outra situação legalmente prevista, incorrerá na situação de ausência ilegítima, podendo, ao fim de um determinado período, chegar a incorrer também na prática do crime de deserção.
III- Nos termos do art.° 2 n.º 2 da estrutura do regime remuneratório atualmente aplicável aos militares dos quadros permanentes, em regime de contrato e de voluntariado dos três ramos das Forças Armadas, aprovada pelo DL n.º 296/2009, de 14 de Outubro, o direito à remuneração suspende-se nas situações de “ausência ilegítima” e “deserção”.
Já no n.° 3 do art.° 16.° do mesmo diploma, se refere que nas situações em que, nos termos estatutários e regulamentares, não haja lugar à contagem do tempo de serviço, este não é igualmente levado em conta para efeitos de cálculo de remuneração de reserva.
Para os militares, o conceito de “remuneração”, previsto pelo art.° 20.° do EMFAR, implica a “efetividade”, sendo que a “prestação de serviço” e o “cargo que desempenhe” são requisitos do conceito.
IV– A circunstância de um militar ser autorizado a cumprir a pena de prisão em regime aberto, não deixa de ser uma forma de cumprimento de uma pena prisão.
O entendimento relativo à relevância do tempo de prisão durante a reserva toma-se necessária para a contagem do tempo de reserva, importando, correspondentemente para o cálculo da pensão de reforma, pois que resulta do art.° 44.° do EMFAR que o tempo de serviço é contado para efeitos de cálculo da pensão de reforma e da remuneração da reserva, relevando ainda, para efeitos do cálculo da pensão de reforma, o tempo de permanência do militar na reserva fora da efetividade de serviço.
Para os efeitos de contagem de tempo de serviço prestado ao Estado, irreleva o período durante o qual o militar cumpriu a pena de prisão efetiva, por estar impedido da disponibilidade exigível na reserva.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção SOCIAL
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Subsecção Social da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:


I Relatório
c....., no âmbito da Ação Administrativa Especial que intentou contra o Chefe de Estado-maior da Armada [CEMA], tendente, à impugnação da “contagem do tempo de serviço prestado pelo A na Marinha até à data da decisão do processo disciplinar que determinou a pena da sua aposentação compulsiva, que incidiu igualmente sobre o direito à remuneração durante o cumprimento de duas medidas de coação privativas da liberdade e uma pena de prisão efetiva”, inconformado com o Acórdão proferido no TAF de Sintra, em 29/10/2014, que julgou a ação improcedente, veio interpor recurso jurisdicional do mesmo, concluindo:
“1.ª - O acórdão recorrido padece de vários erros de julgamento, que derivam, desde logo, do facto de o Tribunal a quo não ter distinguido no tempo as situações - ativo e, posteriormente, reserva - em que o Recorrente permaneceu ao longo do período considerado relevante pela decisão impugnada.
2.ª - Por outro lado, o Tribunal a quo trata de modo indiferenciado as duas matérias chave subjacentes ao ato impugnado: a questão previdencial, ou seja, o direito à contabilização como tempo de serviço, por um lado, e a questão remuneratória por outro.
3.ª - Começando pelo período de tempo em que o Recorrente, na reserva e fora da efetividade de serviço, cumpriu pena de prisão, a primeira conclusão a que chegamos é a de que, inequivocamente, e por força de norma expressa, o Recorrente tem direito à contabilização desse período como tempo de serviço para efeitos de cálculo da pensão de reforma.
4.ª - Dispõe com efeito, o n.° 3 do artigo 44.° do EMFAR/99 que:
“Releva ainda, para efeito do cálculo da pensão de reforma, o tempo de permanência do militar na reserva fora da efetividade de serviço, passando o desconto de quotas para a Caixa Geral de Aposentações a incidir sobre a remuneração relevante para o cálculo da remuneração de reserva."
5.ª - E que esta norma tem plena aplicação ao caso não há sombra de dúvida, pois foi o Recorrido que o afirmou, no Ofício n.° ..... dirigido ao Recorrente em 15 de Julho de 2014, atrás junto como DOC. 1.
6.ª - Lê-se no referido Ofício n.° ....., em resposta a uma exposição apresentada pelo Recorrente sobre as reposições ordenadas, o seguinte:
“Em resposta à exposição em referência, encarrega-me Sua Excelência o Almirante Chefe do Estado-Maior da Armada de informar V. Exa. que o desconto de quotas para a Caixa Geral de Aposentações foi aplicado como se auferisse a totalidade da remuneração por aplicação do disposto no n.° 3 do artigo 44° do Estatuto dos Militares das Forças Armadas.”
7.ª - Ou seja, é o próprio Recorrido que reconhece, como não poderia deixar de o fazer, que o artigo 44.° n.° 3 do EMFAR/99 tem aplicação ao caso.
8.ª - Na perspetiva do Direito Previdencial, dúvidas não subsistem que o tempo de permanência do Recorrente na situação de reserva fora da efetividade de serviço conta para efeitos de cálculo da pensão de reforma.
9.ª - O Tribunal a quo, pura e simplesmente, não trata esta questão. Sempre que avalia a contabilização do tempo de serviço no momento em que o Recorrido cumpriu pena de prisão, fundamenta a decisão em normas aplicáveis à situação de ativo, desconsiderando, em absoluto, o facto de o Recorrente ter passado à reserva fora da efetividade de serviço ainda antes de se ter apresentado para cumprir pena de prisão.
10.ª - Ou seja, no momento em que, nas palavras do Acórdão, o Recorrente “esteve privado de liberdade", o próprio já se encontrava fora da efetividade de serviço, facto que o Tribunal a quo “esquece” por completo, argumentando, por exemplo, que: “(...) por maioria de razão, o cumprimento de pena ou medida de prisão fora de instituição [presídio] militar não deve contar como tempo de serviço efetivo, relevando, outrossim, que se trata sempre do cumprimento de penas e medidas de privação da liberdade. Que, já vimos, por natureza, afastam efetivamente o arguido do serviço efetivo das suas funções e cargos.”
11.ª - Ora, insiste-se, no momento em que o Recorrido cumpriu pena de prisão já não estava em efetividade de funções. Estava na reserva: tinha-lhe sido concedido esse estatuto.
12.ª - Conclui-se, assim, pela inaplicabilidade ao caso das normas citadas pelo Tribunal a quo para desconsiderar o tempo de serviço em que o Recorrente, na reserva e fora da efetividade de serviço, cumpriu pena de prisão.
13.ª - Aplicável, conforme confessado pelo Recorrido, é a norma do artigo 44.°, n.° 3 do EMFAR/99, que expressamente determina que releva para efeito do cálculo da pensão de reforma, o tempo de permanência do militar na reserva fora da efetividade de serviço.
14.ª - Na perspetiva do Direito Remuneratório, e no que respeita ainda ao período de tempo em que o Recorrente, na reserva e fora da efetividade de serviço, cumpriu pena de prisão, não se pode deixar de concluir que inexiste, in casu, fundamento legal para a supressão do direito à remuneração.
15.ª - Com efeito, atrás vimos que os militares na reserva têm direito a receber a designada remuneração de reserva, regulada no artigo 121,° do EMFAR/99 e no artigo 15.° do Decreto-Lei n.° 296/2009, de 14 de Outubro, que rege o regime remuneratório aplicável aos militares.
16.ª - Nestes preceitos não se prevê qualquer exclusão desses direitos, em relação aos militares, na reserva, que se encontrem fora da efetividade de serviço, a cumprir pena de prisão, como o próprio Recorrido reconhece.
17.ª - Sem prejuízo de, naturalmente, atendendo às particularidades da reserva fora da efetividade de serviço, o militar nessa situação ver os seus direitos diminuídos face aos militares que se encontram noutras situações.
18.ª - Assim, enquanto o militar na reserva na situação de efetividade de serviço tem direito a uma remuneração igual à dos militares do ativo do mesmo posto e posição remuneratória, os militares na reserva fora da efetividade de serviço só têm direito à 36.a parte da remuneração base mensal multiplicada pela expressão em anos do número de meses de serviço contados para a reserva, a qual não pode ser superior a 36, podendo ainda ter direito, se for caso disso, a uma parcela do suplemento de condição militar (cfr. os citados artigo 121.° do EMFAR/99 e artigo 15° do DL n.° 296/2009, de 14 de Outubro).
19.ª - Havendo normas que reconhecem, conforme acima desenvolvido, para as situações de reserva fora da efetividade de serviço, em termos gerais, o direito à contabilização do tempo de serviço e o direito à remuneração e não havendo qualquer norma excludente desses direitos para a situação em que o Recorrente se encontrava, as mesmas devem ter-se por aplicáveis.
20.ª - Por último, face a tudo quanto supra exposto, deve ter-se por demonstrado que estando na reserva, o Recorrente manteve a disponibilidade exigível para o cumprimento dos deveres inerentes à situação de reserva.
21.ª - No que se refere ao período em que o Recorrente, no ativo, permaneceu sob medidas de coação, o Recorrido, e o Tribunal a quo na sua senda, na tentativa de encontrar um enquadramento legal para a situação de facto do Recorrente, “forçaram” a aplicação de normas legais inaplicáveis ao caso dos autos, pois, conforme vimos, não há nenhum normativo legal que estabeleça que um militar no cumprimento de medidas de coação perca o seu direito à contabilização como tempo de serviço e/ou o seu direito à remuneração.
22.ª - Importa concluir, desde logo, que o Tribunal a quo não trata diretamente a questão previdencial. Mesmo quando cita o artigo 46° do EMFAR/99 fá-lo para justificar a supressão do direito à remuneração. Conforme demonstrado, porém, a verdade é que não se verifica, in casu, nenhuma das situações excecionais que determinam a não contagem de tempo de serviço efetivo de um militar na situação de ativo contempladas no citado artigo 46.°.
23.ª - O Recorrido fundou a sua decisão final sobre a matéria em análise na alínea a) do citado artigo 46.°, pois entende que o Recorrente, durante o período em causa, apesar de se encontrar no ativo, estava numa situação de inatividade temporária e fora da efetividade de serviço e, por conseguinte, permaneceu numa situação em que não tinha “direito ao abono de remuneração”.
24.ª - Antes de mais, não se concorda com tal posição, porque se considera que o Recorrente não se encontrava, face ao disposto no artigo 43.° n.° 3 do EMFAR/99, fora da efetividade de serviço.
25.ª - Nos termos do disposto no referido artigo 43.° n.° 3 do EMFAR/99, “considera- se fora da efetividade de serviço o militar que, para além de outras situações tipificadas na lei, se encontre: a) No cumprimento de penas a que a legislação penal ou disciplinar atribuam esse efeito; b) Nas situações de ausência ilegítima ou de deserção".
26.ª - Ora, no período em causa, o Recorrente não estava a cumprir qualquer pena, mas antes sujeito a medidas de coação, não se podendo equiparar uma situação e outra.
27.ª - As medidas de coação têm finalidades distintas das penas e, ao contrário destas últimas, não têm qualquer função punitiva ou condenatória, nem carácter definitivo: não são sanções. Tanto mais que são impostas aos arguidos numa fase em que estes se presumem inocentes.
28.ª - Mais, as ausências motivadas pela imposição de medidas de coação não podem ser qualificadas como ilegítimas, pois consistem em ausências justificadas pela necessidade de cumprimento de uma obrigação legal (cfr., entre outros, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 6 de Abril de 2005, de 24 de Novembro de 2004 e de 24 de Outubro de 2007, todos publicados em www.dqsi.pt).
29.ª - Mas, mesmo admitindo a posição acolhida pelo Tribunal a quo, só se as medidas de coação em questão tivessem atribuído o efeito específico de colocação do Recorrente “fora da efetividade de serviço”, é que se poderia sustentara aplicação ao caso da referida alínea a) do n.° 3 do artigo 43.° do EMFAR/99.
30.ª - É que, como vimos, de acordo com o disposto na al. a) do n.° 3 do artigo 43.° do EMFAR/99, só se considera fora da efetividade de serviço o militar que se encontre “no cumprimento de penas a que a legislação penal ou disciplinar atribuam esse efeito”.
31.ª - Do mesmo modo, como neste caso é reconhecido pelo Recorrido (vide ponto 17 da decisão impugnada), não se pode dizer que o A. tenha estado, no período em referência, na situação de ausência ilegítima. Insiste-se, o próprio Recorrido reconhece que não se verificou uma ausência ilegítima, não se compreendendo com que fundamento o Tribunal a quo chega a conclusão distinta.
32.ª - Mais, o Recorrente também não se encontrava em qualquer outra situação de “fora de efetividade de serviço”, nomeadamente, nas referidas no n.° 2 do artigo 150.° do EMFAR/99 ou noutras tipificadas na lei (designadamente, na situação de reserva).
33.ª - Por outro lado, ao contrário daquilo que é sustentado na decisão recorrida, o A., durante o período em análise, também não se encontrava na situação de inatividade temporária, regulada no artigo 147° do EMFAR/99.
34.ª - Em suma, estando o Recorrente, à data, no ativo, em efetividade de funções e não abrangido pela situação de inatividade temporária, ter-se-á de concluir que o mesmo não permaneceu “em qualquer situação pela qual não tenha direito ao abono de remuneração” e, por isso, não se lhe aplica, como sustenta o Recorrido, a alínea a) do n.° 1 do artigo 46.° do EMFAR/99.
35.ª - Esta conclusão serve também o propósito de demonstrar que, na perspetiva do direito remuneratório, não existe qualquer norma legal que suprima o direito do Recorrente a receber uma remuneração.
36.ª - Em relação à alínea b) do n.° 1 do artigo 46.°, que estabelece que “não é contado como tempo de serviço efetivo o do cumprimento das penas de presídio militar e prisão militar”, servem as considerações aduzidas supra uma vez que o Recorrente, neste período, não estava a cumprir pena, mas apenas sujeito a medidas de coação.
37.ª - Outro erro manifesto do Acórdão recorrido reside no benefício concedido ao ato impugnado da possibilidade de revogar o ato de autorização de passagem à reserva, ao arrepio do regime da revogabilidade dos atos administrativos consagrado no Código do Procedimento Administrativo.
38.ª - Um dos direitos que caracteriza e diferencia o estatuto dos militares é, precisamente, o direito de passagem à reserva, com o núcleo de benefícios que vimos supra. Ora, ao Recorrente foi-lhe conferido esse direito. Sendo certo que, à data em que o pedido de passagem à reserva foi deferido (i.e., a 1 de Maio de 2010), o Recorrente já tinha sido condenado a uma pena de 7 anos de prisão efetiva, confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, a qual só ainda não tinha transitado em julgado por, à data, se estar a aguardar a decisão final do Tribunal Constitucional.
39.ª - Mas mais importante, o trânsito em julgado da decisão condenatória veio logo de seguida em 10 de Setembro de 2010. Nesse momento, poderia o Recorrido ter reavaliado a sua decisão e concluído que, no caso do Recorrente, não estava verificada a permanente prontidão e a permanente capacidade para a possibilidade de passagem à reserva uma vez que iria cumprir uma pena de prisão efetiva.
40.ª - Efetivamente, se o Recorrido entendia que não estava verificada uma das condições legais de passagem à situação de reserva (que se traduz na manutenção da disponibilidade para o serviço), deveria ter, uma vez constatada a falta desse requisito, revogado o ato administrativo que se traduziu no deferimento do pedido de passagem à situação de reserva formulado pelo Recorrente.
41.ª - Essa revogação poderia ter sido efetuada ao abrigo do disposto no artigo 141.° do CPA, pois, à data, ainda não havia decorrido o prazo de revogação.
42.ª - Ou seja, em coerência com a tese que agora sustenta, o Recorrido deveria ter, das duas uma: ou indeferido o pedido do Recorrente, pois tinha conhecimento que a disponibilidade do Recorrente para o serviço, para além de muito pouco provável, estava dependente de uma decisão final de um tribunal superior, ou seja, de uma entidade alheia às Forças Armadas; ou, no momento em se sedimentou a decisão condenatória, ter revogado tal ato.
43.ª - De qualquer modo, ao não revogar o ato administrativo que se traduziu no deferimento da passagem do Recorrente à situação de reforma no prazo de um ano, o Recorrido permitiu que os eventuais vícios de que o mesmo padecesse fossem sanados, tudo se passando como se o ato fosse válido, com as legais consequências.
44.ª - Quanto muito, poderia o Recorrido ter revogado o ato em causa ao abrigo do artigo 140.° do CPA (com salvaguarda dos direitos e interesses já constituídos na esfera do Recorrente), o que, de qualquer modo, não fez.
45.ª - O ato impugnado consubstancia, assim, uma ilegal revogação de um ato que, por decurso do prazo previsto no artigo 141.° do CPA, se cristalizou na ordem jurídica.
46.ª - O que acaba de se concluir não se confunde com a revogabilidade dos atos de processamento de salários, face ao disposto no n.° 3 do artigo 40.° do Decreto-Lei n.° 155/92, de 28 de Julho. Em causa está a revogação da própria decisão que autorizou a passagem do Recorrente à reserva. É que bem vistas as coisas é a própria reserva que é posta em causa pela decisão impugnada. É a própria reserva que o Tribunal a quo desconsidera em absoluto.
47.ª - O ato impugnado ao desconsiderar o tempo de serviço prestado no período de permanência do Recorrente na reserva, ao arrepio do disposto no artigo 44.°, n.° 3 do EMFAR/99, e ao exigir a reposição das quantias recebidas durante esse período, está a revogara referida decisão autorizativa, em desrespeito do artigo 141,° do CPA, com o que padece de vício de violação de lei.
48.ª - Finalmente, um derradeiro erro de julgamento fere o Acórdão recorrido e que se traduz na falta de censura pelo Tribunal a quo a uma atuação do Recorrido claramente violadora do princípio da tutela da confiança.
49.ª - Conforme desenvolvido supra, a doutrina e a jurisprudência são unânimes ao admitir a aplicação quer do princípio da boa-fé quer do princípio da proteção da confiança no âmbito do direito administrativo, censurando condutas inconsequentes e contraditórias com comportamentos anteriores que criaram legítimas expectativas nos particulares.
50.ª - No nosso caso, verificam-se todos os pressupostos da tutela jurídica da confiança, como vimos.
51.ª - Existe uma situação de confiança conforme com o sistema, uma vez que o Recorrido efetuou sempre o pagamento dos salários do Recorrente durante os dois períodos em causa nos presentes autos, em absoluto silêncio quanto à existência de quaisquer questões com isso relacionadas.
52.ª - No único momento no tempo em que o Recorrente foi confrontado com uma decisão de suspensão de tal pagamento, o Recorrido acabou por concluir que tal suspensão tinha na sua origem “dúvidas causadas por notícia publicada no D..... de 4 de Maio de 2011”, dúvidas essas que a Marinha avançou, na altura, já estarem, porém, esclarecidas no sentido de o Recorrente ter direito ao seu vencimento, indo-se prontamente creditar a quantia em falta. O que, de facto, sucedeu.
53.ª - Como vimos, essa convicção foi consolidada ao ver-se tal entendimento expresso na Informação n.° ....., de 6 de Outubro de 2011, da Direção do Serviço de Pessoal, subscrita pelo Senhor Contra-Almirante Diretor do mesmo serviço.
54.ª - Essa situação de confiança está, pois, objetivamente justificada uma vez que assenta não só nas normas aplicáveis do EMFAR/99 supra analisadas, como igualmente na referida Informação n.° ..... destinada a resolver dúvidas sobre a matéria que tinham sido previamente suscitadas.
55.ª - Houve, por outro lado, um investimento de confiança do Recorrente, ao gerir a sua vida na expectativa legítima de que os seus vencimentos seriam sempre pagos, tendo incorrido nas normais despesas correntes da vida em sociedade.
56.ª - Houve, manifestamente, uma rutura dessa confiança com a prática do ato impugnado.
57.ª - Conclui-se, assim, pela violação da boa-fé administrativa, que implica a criação de um clima de confiança e de previsibilidade nas relações com os particulares, adotando comportamentos consequentes e não contraditórios, que toma o ato impugnado ilegal por vício de violação de lei.
Nestes termos, e nos demais de Direito aplicáveis, requer-se a V. Exas se dignem conceder provimento ao presente recurso, revogando a decisão do Tribunal a quo e substituindo-a por outra que anule o ato administrativo praticado pelo Recorrido, com as devidas consequências legais.”
Por Despacho de 11 de dezembro de 2014 foi admitido o Recurso.
O aqui Recorrido/Armada veio apresentar as suas contra-alegações de Recurso em 27 de janeiro de 2015, concluindo:
“1º. A carreira militar é uma carreira especial regulada no EMFAR, aprovado pelo DL n.° 236/99, de 25 de junho, cujos regimes disciplinar e remuneratório se encontram no RDM, aprovado pela LO n.° 2/2009, de 22 de julho, e no DL n.° 296/2009, de 14 de outubro, respetivamente.
2º. Tendo o DL n.° 296/2009 entrado em vigor em 1 de janeiro de 2010, mantém-se em vigor, nos termos do n.° 2 do seu artigo 34.°, o disposto no DL n.° 328/99, de 18 de agosto, em tudo o que não contrarie o previsto no novo regime, sendo que o DL n.° 328/99 era precisamente o regime vigente à data dos primeiros factos relevantes na presente ação, os quais se reportam a 2006.
3º. Ao contrário do que acontece no regime geral dos trabalhadores em funções públicas, não existe no EMFAR a figura da falta, pelo que, sempre que um militar se ausente do seu posto ou local de serviço sem que para isso se encontre devidamente legitimado, por uma licença ou por outra situação legalmente prevista, incorrerá na situação de ausência ilegítima, podendo, ao fim de um determinado período de tempo, chegar a incorrer também na prática do crime de deserção.
4º. Não sendo, certamente, uma ausência ilegítima, mas também não se enquadrando na previsão de qualquer uma das licenças previstas, a impossibilidade de prestação de serviço efetivo em que um militar do ativo incorre aquando do cumprimento de uma medida de coação ou de uma pena privativas da liberdade só pode subsumir-se à figura da “inatividade temporária”, especialmente prevista na alínea b) do artigo 147.° do EMFAR.
5º. A ausência do serviço de qualquer militar detido, sujeito a uma medida de coação privativa da liberdade ou no cumprimento de uma pena de prisão é, pois, uma situação de afastamento temporário do exercício de funções militares, por impedimento decorrente de motivos criminais.
6º. Tratando-se do cumprimento de uma pena efetiva ou de uma medida de coação, é pela figura da inatividade temporária que os efeitos da situação devem ser aferidos, sendo essa a figura jurídica ao abrigo da qual a situação do Autor, ora Recorrente, deveria ter sido considerada aquando do início da sua sujeição à medida de coação de prisão preventiva e, depois, durante a prisão domiciliária, por essas medidas serem, pela sua própria natureza, impeditivas e incompatíveis com a prestação de serviço militar efetivo.
7°. Sobre esta figura da inatividade temporária, cumpre esclarecer a necessidade de uma interpretação histórica e sistemática, atendendo à aprovação do novo CJM pela Lei n.0 100/2003, de 15 de novembro, e do novo RDM (em 2009), entretanto ocorridas após a aprovação da redação vigente do artigo 147.° do EMFAR.
8º. O elenco previsto no artigo 147.° do EMFAR, sobre os motivos criminais de “presídio militar” e “prisão militar” e do disciplinar de “inatividade” para as situações de inatividade temporária, não pode ser entendido como um elenco taxativo, desde logo, por um argumento de interpretação sistemática da norma, atendendo à necessária conjugação com a norma do n.° 3 do artigo 43.°, cujo elenco também não é taxativo e que prevê que o militar fique “fora da efetividade” sempre que se encontre “no cumprimento de penas a que a legislação penal ou disciplinar atribuam esse efeito”.
9º. O próprio n.° 3 do artigo 43.° admite que o militar fique fora da efetividade no caso de outras situações tipificadas na lei.
10°. E o próprio artigo 147.° do EMFAR terá de ser devidamente interpretado deforma atualista, por recurso aos elementos históricos da norma, pois que as penas aí elencadas já se encontram revogadas.
11°. Há que atender ao novo CJM e, assim, considerar que a remissão do artigo 147.° só pode ser entendida como feita para o novo regime dos crimes essencialmente militares, mas também para o regime dos crimes comuns, a que o militares se encontram sujeitos sempre que esteja em causa a prática de crimes não estritamente militares, porquanto “presídio militar’', “prisão milita?' e “inatividade” são figuras entretanto revogadas pelos diplomas de 2003 e de 2009.
12°. Razão pela qual se reitera a conclusão de que um militar incorrerá em inatividade temporária sempre que, por quaisquer motivos disciplinares ou criminais, tipificados na lei, se encontre impedido de prestar serviço militar, ficando fora da efetividade, pela conjugação do previsto no artigo 150.° com o n.° 3 do artigo 43.°, ambos do EMFAR.
13°. E diz o n.° 2 do artigo 148.° do EMFAR que, quando a inatividade temporária resulte do cumprimento de penas criminais ou disciplinares, produz os efeitos previstos na lei, como seja o da irrelevância do decurso do tempo de inatividade temporária enquanto antiguidade para efeitos de promoção, expressamente previsto na alínea a) do artigo 181.° do EMFAR, ou o da passagem à situação de adido ao quadro, prevista no artigo 173.° do EMFAR.
14°. É certo que, só por si, a situação de inatividade temporária não exclui o direito à contagem do tempo de serviço, nem o direito à remuneração.
15°. Esse efeito efetivamente existe, mas apenas nos casos de “inatividade temporária por motivos disciplinares ou criminais”, pois o militar deixa de ser considerado como estando na “efetividade”.
16°. De acordo com o n.° 2 do artigo 2.° do DL n.° 296/2009, o direito à remuneração suspende-se nas situações de “ausência ilegítima” e “deserção”, mas também noutras situações previstas na lei.
17°. O n.° 3 do artigo 16.° do mesmo diploma também esclarece que, nas situações em que, nos termos estatutários e regulamentares, não haja lugar à contagem do tempo de serviço, este não é igualmente levado em conta para efeitos de cálculo de remuneração de reserva.
18°. E, de acordo com o mencionado regime remuneratório, em matéria de remunerações dos militares das Forças Armadas relevam os princípios subjacentes aos n.º 81 e 3 do artigo 66.°, artigo 67.°, n.º 1 e 2 do artigo 68.°, n.° 1 do artigo 69.° e artigos 70.°, 12°, 73.° e 16° a 19° da Lei n.° 12-A/2008, de 27 de fevereiro, que se traduzem, designadamente, na definição das componentes da remuneração e respetivos conceitos e pelos quais se pode concluir que também aí a remuneração é dependente do exercício de funções.
19°. Para os militares, o próprio conceito de “remuneração”, previsto no artigo 20.° do EMFAR, implica a “efetividade”, A “prestação de serviço” e o “cargo que desempenhe” são requisitos do conceito, ao contrário do que o A. entende.
20°. Também o artigo 2° do DL n.° 328/99 já se referia à remuneração como o abono mensal devido aos militares na efetividade de serviço. E, precisamente por isso, por via da necessária interpretação sistemática da norma, embora no n.° 2 do mesmo artigo 2° se referisse que tal remuneração não era devida nas situações de “ausência ilegítima”, “deserção”, “licença registada” e “licença ilimitada”, tal elenco nunca poderia ser entendido como taxativo.
21°. Por isso, conforme o entendimento acolhido pelo ato impugnado, não se pode deixar de considerar os artigos 44.° a 46.° do EMFAR, dos quais resulta que o cálculo da pensão de reforma, assim como o cálculo da remuneração na reserva, é sempre feito com base no tempo de serviço prestado ao Estado, para o qual releva o tempo de serviço militar e outro que o interessado possa ter prestado no exercício de funções públicas.
22°. Entendendo-se como tempo de serviço militar o tempo de serviço efetivo, acrescido das percentagens de aumentos legalmente estabelecidas; e como tempo de serviço efetivo o tempo de serviço prestado nas Forças Armadas ou em funções militares fora do seu âmbito, bem como noutras situações expressamente previstas no EMFAR.
23°. Conceitos legais a partir dos quais só se pode concluir que, na falta da prestação de serviço efetivo durante o tempo em que o Autor se encontrou privado de liberdade, nunca esse tempo poderá ser considerado como tempo de serviço efetivo e, consequentemente, tempo de serviço militar com relevância remuneratória.
24°. Pois que, segundo o entendimento que aqui se reitera, atendendo ao carácter sinalagmático subjacente a qualquer relação de trabalho, não tendo o militar prestado serviço efetivo, necessariamente prejudicou o seu direito à remuneração, conforme alínea a) do n.° 2 do artigo 46.° do EMFAR.
25°. Tudo isto, não obstante o facto de estar em causa a aplicação de medidas de coação, numa fase prévia ao julgamento, em que o militar ainda beneficiava do princípio da presunção de inocência, por tal circunstância, embora verdadeira, por si só, não permitir ou relevar como período de tempo legalmente admissível enquanto tempo de serviço efetivo, ou prestado na efetividade e, sobretudo, para efeitos remuneratórios.
26°. Acresce que, de acordo com o artigo 94.° do EMFAR, aos militares das Forças Armadas também são aplicáveis, em matéria de férias, as disposições previstas no regime geral da função pública.
27°. E, com a entrada em vigor do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas (RCTFP), aprovado pela Lei n.° 59/2008, de 11 de setembro, não pode deixar de se considerar tacitamente revogado o Decreto-Lei n.° 100/99, de 31 de março, na parte relativa ao seu âmbito de aplicação, uma vez que os trabalhadores da Administração Pública cuja relação jurídica de emprego seja constituída por contrato de trabalho em funções públicas deixaram de estar incluídos no seu âmbito subjetivo de aplicação, mantendo-se, contudo, como regime jurídico sobre férias, faltas e licenças aplicável a todo o pessoal cuja relação jurídica de emprego público se constitua através de nomeação, como é o caso do Autor, enquanto militar das Forças Armadas.
28°. Embora a remissão do EMFAR seja para a matéria das férias, não se aplicando aos militares as normas aí previstas sobre as faltas, ao contrário do que o Autor defende, não deixa de ser útil perceber a necessária similitude de regimes.
29°. Pois que o artigo 64.° do referido DL n.° 100/99, sob a epígrafe “situação de prisão”, estabelece no seu n.° 1 que as faltas dadas por motivo de prisão preventiva se consideram justificadas, determinando, contudo, a perda de vencimento.
30°. Acrescendo que, segundo o mesmo artigo 64.°, nos casos em que, na sequência da prisão preventiva, o funcionário ou agente venha a ser condenado definitivamente, como aconteceu com o Autor, ao período de prisão preventiva que não exceda a pena de prisão que lhe for aplicada, aplica-se o previsto para o período de cumprimento de pena de prisão, com perda total do vencimento e não contagem do tempo para qualquer efeito.
31°. No que concerne às incidências verificadas na situação de reserva, e relacionadas com a matéria da ampliação do objeto do presente processo aos atos de reposição notificados ao Autor, ora Recorrente, pelos ofícios a08 ..... e 4....., ambos de 28.08.2013, da DSAFC da Marinha, importa salientar que, na Informação n.° .../2014, de 11.02.2014, da Assessoria Jurídica do Gabinete do Almirante Chefe do Estado-Maior da Armada, e sobre a qual a Entidade Demandada exarou despacho de concordância em 20.02.2014, concluiu-se que o Autor deveria, durante o cumprimento da pena de prisão a que foi condenado e até 26 de março de 2012 - data da sua passagem à situação de reforma —, ter sido considerado suspenso de funções por força do n.° 1 do artigo 67.° do Código Penal.
32°. E que, por força do n.° 2 do mesmo artigo 67.° do Código Penal, tal suspensão produziu os efeitos da pena disciplinar de suspensão de serviço previstos no artigo 47.° do RDM, nomeadamente: a perda de tempo de serviço correspondente; e a perda, durante o mesmo período, de suplementos, subsídios e de dois terços do vencimento auferido à data da suspensão.
33°. Pelo que, nesta parte, foram acolhidos, nos estritos termos e limites expostos na Informação n.° .../2014, e com as consequências daí advenientes, os argumentos do Autor quanto à matéria da ampliação.
34°. Razões que já havíamos apresentado em sede de contestação à presente ação e que agora reiteramos, aderindo ao entendimento que, em termos coincidentes, foi agora expresso no mui douto acórdão de 29 de outubro, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra.
Nestes termos e nos demais de direito, que V. Exa. doutamente suprirá, deve a presente recurso ser julgado improcedente, e, em consequência, mantido o mui douto Acórdão recorrido e, assim também o despacho do Almirante Chefe do Estado-Maior da Armada de 12.02.2013 e todos os atos dele decorrentes.
Termos em que se fará a costumada e brilhante Justiça.”
O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado em 20 de fevereiro de 2015, veio a emitir Parecer em 2 de março de 2015, pronunciando-se, a final, “pela improcedência do presente recurso jurisdicional, com a consequente manutenção da decisão recorrida.”
Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, que, no essencial, se consubstanciam na necessidade de aferir da relevância do tempo de cumprimento das medidas de coação privativas da liberdade e da pena de prisão efetiva, para efeitos de contagem de tempo de serviço e respetiva remuneração, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.


III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade como provada:
“1) O Autor [A], c....., NIF 1......., reside na Av……….., Cascais - docs fls 454/ss.
2) O A ingressou na Marinha Portuguesa no dia 11/01/1982.
3) O A foi promovido ao posto de capitão-de-fragata da classe de Engenheiros de Material Naval, em 12/07/2004.
4) O A fez parte de júris ou comissões, em concursos de aquisição de material, na Direção de Navios, do Departamento de Construções, da Divisão de Sistemas de Armas, da Marinha Portuguesa.
5) Ao longo do ano de 2004 o A participou, com outros, em 7 procedimentos concursais para aquisição de material naval, lançados pela Direção de Navios, o que foi objeto de investigação criminal, que veio a culminar no NUIPC ...........LSB, da 4- Vara do Tribunal Criminal de Lisboa.
6) Em 27/09/2006, o A foi sujeito à medida de prisão preventiva.
7) Em 04/02/2008, tal medida foi substituída pela obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica até 02/07/2008, momento em que esta medida foi revogada.
8) Em 25/07/2008, o A retomou o exercício das suas funções na Marinha.
9) Em 02/03/2009, o A foi condenado pela prática de 6 crimes de corrupção passiva para ato ilícito e de um crime de branqueamento, em cúmulo jurídico, a pena única de 7 anos de prisão, por acórdão de fls 175 a 319, da 4- Vara Criminal de Lisboa, NUIPC ...........LSB.
10) Em 02/03/2010, o Tribunal da Relação de Lisboa [TRL] confirmou esta pena.
11) E m 14/07/2010, o Tribunal Constitucional [TC], negou procedência ao recurso, e, em 10/09/2010, a decisão de aplicação daquela pena transitou em julgado.
12) Em Março de 2009, o A requereu, [nos termos do artigo 152-1-b), do emfar], a passagem à situação de reserva, pedido esse que foi deferido, com efeitos a 01/05/2010, data em que passou à situação de reserva -doc 2, fls 46 a 49.
13) Em 04/11/2010, o A apresentou-se para cumprir a referida pena, cujo termo ocorrerá a 30/01/2016.
14) O A manteve-se na situação de reserva fora da efetividade de serviço desde 01/05/2010 até ao dia 26/03/2012.
15) Em 2010, foi instaurado ao A o Processo Disciplinar n° ..../2010.........., com base na matéria do processo criminal -doc 16, fls 369.
16) Em 26/03/2012, no âmbito do referido processo disciplinar, foi aplicada ao Autor a pena disciplinar de reforma compulsiva - doc fls 83/ss.
17) Essa decisão disciplinar foi notificada ao A, em 12/04/2012.
18) Em 03/02/2012 a Marinha fez a contagem de tempo de serviço do Autor, constante da Informação n° ........., onde consta manuscrito o despacho «Concordo com (...) 03FEV12» - doc 15, fls 366/ss.
19) Em 11/04/2012, a direção do serviço de pessoal do demandado, procedeu a nova contagem de tempo de serviço, contendo correções à que lhe tinha sido inicialmente feita e notificada -doc 4, fls 57 e 58, vd ainda Informação 5/2012, de 30/05/2012, doc 16, fls 369.
20) Em 24/04/2012, o Demandado notificou o A da contagem acabada de referir.
21) Em 05/06/2012, os serviços do Demandado efetuaram o projeto de contagem de tempo, no mesmo sentido do que já lhe tinha sido transmitido, pelas contagens de tempo de serviço feitas 03/02/2012 e 11/04/2012.
22) Entretanto, o A foi notificado do projeto acabado de referir e pronunciou-se em sede de audiência prévia relativamente à matéria da contagem do tempo de serviço prestado - doc fls 379 e doc 17, fls 380/ss.
23) Em 12/02/2013, o Chefe do Estado-Maior da Armada do ministério da defesa nacional, proferiu o despacho de fls 28, sobre o Parecer n° .../2013, de fls 28 a 44, do qual a oposição é uma cópia adaptada, e cujo teor decisório é o seguinte: «Concordo com o presente Parecer, pelo que, tomando-o como fundamento, decido pela irrelevância do tempo decorrido durante o cumprimento pelo CFR ............. das duas medidas de coação privativas da Liberdade, na situação de ativo e durante a pena de prisão efetiva, já na situação de reserva, assim como pela exigência de reposição das verbas entretanto auferidas durante esses dois períodos, de acordo com o previsto pelo Regime de Administração Financeira do Estado, assim reiterando o anterior despacho de 5 de junho de 2012.
Proceda-se à execução, informando a Caixa Geral de Aposentações.
Notifique-se o interessado. (...)» [ato impugnado] -doc 1, fls 51/ss e doc 18, fls 390/ss.
24) Em 20/03/2013, o A foi notificado desta decisão final.
25) Em 20/06/2013, o A instaurou a presente ação -doc fls 2 e 3.
26) Em 02/09/2013, na sequência da decisão impugnada, o A foi interpelado, pelo ofício n° ........, de fls 421/s, doc 25, para repor a quantia de 3.452,02€, referente ao acerto da pensão de reforma que lhe fora atribuída em 26/03/2012 e que foi entretanto recalculada.
27) Em 02/09/2013, o A foi interpelado, pelo ofício n° ........, de fls 423/s, doc 26, para repor a quantia de 38.865,70€, referente ao vencimento recebido, no período de 04/11/ 2010 a 25/03/2012.
28) Por requerimento de fls 427/ss, doc 28, o A solicitou informação sobre tais reposições, comunicadas pelos ofícios ........ e ........, acabados de referir.
29) Em 28/08/2013, os Serviços elaboraram a informação de fls 429/ss, doc 27.
30) Dou por reproduzidos todos os documentos juntos, incluindo os acima mencionados, referidos na PI, na Contestação e no processo administrativo [PA] anexo.”


IV – Do Direito
No que aqui releva, discorreu-se no discurso fundamentador da decisão de 1ª Instância:
“(...) O artigo 43, do EMFAR [DL 197-A/2003, de 30/08], sob a epígrafe «situações quanto à prestação de serviço», estabelece que
«1- O militar, independentemente da forma de prestação de serviço, encontra-se numa das seguintes situações:
a) Na efetividade de serviço; b) Fora da efetividade de serviço.
2- A situação de efetividade de serviço caracteriza-se pelo exercício efetivo de cargos e funções próprios do posto, classe, arma, serviço ou especialidade definidos neste Estatuto.
3- Considera-se fora da efetividade de serviço o militar que, para além e outras situações tipificadas na lei, se encontre:
a) No cumprimento de penas a que a legislação penal ou disciplinar atribuam esse efeito;
b) Nas situações de ausência ilegítima ou de deserção;
c) De licença registada.»
Temos, por conseguinte, que um militar ou está na efetividade de serviço ou está fora da efetividade de serviço, não havendo meio termo.
A efetividade consiste no exercício efetivo de cargos e funções.
Exemplificativamente [n° 3], considera-se fora de efetividade, e portando fora do exercício efetivo, o militar que esteja a cumprir pena [a que a lei disciplinar ou criminal atribua esse efeito], esteja ausente ilegitimamente ou na situação de desertor, ou com licença registada.
Como é bom de ver, quer a medida de prisão preventiva quer a medida de prisão domiciliária, quer a pena de prisão, por natureza, implicam que o arguido esteja privado da liberdade e colocado fora de efetividade de cargos e funções.
Com efeito, em primeiro lugar, tais medidas de coação, que são as mais graves, só podem ser aplicadas se em concreto se verificar fuga ou perigo de fuga; perigo de perturbação do decurso do processo e nomeadamente de aquisição, conservação ou verdade da prova; ou, em face da natureza e circunstâncias, perigo de continuação da atividade delituosa ou de perturbação da ordem e a tranquilidade públicas [artigo 204, CPP].
A medida de prisão preventiva é a mais gravosa de todas as medidas e aplica-se quando as medidas menos gravosas forem inadequadas ou insuficientes, em cada caso concreto [artigo 202, CPP], nomeadamente, se forem inadequadas ou insuficientes a prisão domiciliária [obrigação de permanência na habitação] do artigo 201 do CPP, as proibições e regras de conduta do artigo 200 do CPP, a suspensão do exercício de profissão, de função, de atividade e de direitos do artigo 199, do CPP, a obrigação de apresentação periódica do artigo 198 do CPP, e a caução [carcerária] do artigo 197 do CPP.
As medidas de prisão preventiva e de prisão domiciliária são, por definição e natureza, atentas as referidas finalidades legais, incompatíveis com o exercício efetivo do cargo ou função do arguido detido ou preso, nomeadamente do militar, como o caso do Autor.
Aliás, e sem necessidade de averiguar dos fundamentos concretos do decretamento das medidas coativas aplicadas ao Autor, seguramente que a prisão preventiva implicou o seu afastamento do local e funções de trabalho, em face de concretos perigos acima referidos. Também a pena de prisão, embora com fins diferentes dos das medidas, pois já tem em conta as finalidades de retribuição/punição e de prevenção geral e especial ou reinserção social dos arguidos, implica, por natureza e definição, a privação da liberdade e o consequente afastamento dos arguidos do local e funções de trabalho.
O regime prisional aberto, quer seja voltado para o interior quer seja voltado para o exterior não invalida o que se acabou de dizer, não sendo equiparado a qualquer prestação ou exercício efetivo de cargos e funções anteriores do arguido. O exercício de atividades durante o cumprimento de penas de prisão, quando é autorizado, está permanentemente sujeito a vigilância, restrições e condicionalismos, não se equiparando ao exercício efetivo de cargos e funções profissionais do arguido, pois a sua finalidade é a laboroterapia e auxílio à readaptação e reinserção e não qualquer equiparação à efetividade de serviço.
Quanto à circunstância de as "medidas" de prisão preventiva, prisão domiciliária, ou mesmo dias de detenção não constituírem "penas", tal não obsta a que as mesmas se integrem no «cumprimento de penas» a que se refere o citado artigo 43-3-a), EMFAR [DL 197-A/2003]. E, por conseguinte, implicam, tal como as penas, que o militar se considere fora da efetividade de serviço.
Com efeito, todas as medidas de coação que impliquem a privação da liberdade integram a pena de prisão que vier a ser decretada, descontando-se nela «por inteiro», nos termos do artigo 80-1, do CP, que estabelece que «a detenção, a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação sofridas pelo arguido são descontadas por inteiro no cumprimento da pena de prisão» [ainda que tenham sido aplicadas em processo diferente daquele em que vier a ser condenado, quando o facto por que for condenado tenha sido praticado anteriormente à decisão final do processo no âmbito do qual as medidas foram aplicadas, ou seja, tendo em conta as situações de concurso de crimes -vd artigo 77, CP].
Portanto, o legislador Penal atribui às ditas medidas a natureza de privação da liberdade, a integrar no cumprimento da própria pena de prisão.
Daí que, no cômputo da pena do arguido, ora Autor, efetuado no processo criminal, o tribunal tenha procedido ao desconto dos dias de privação de liberdade em cumprimento das medidas, como se pode ver da chamada "liquidação da pena" cuja cópia consta a fls 322/s. Também o artigo 67-1, do CP, determina que «o arguido definitivamente condenado a pena de prisão», que não for demitido disciplinarmente de função pública que desempenhe, «incorre na suspensão da função enquanto durar o cumprimento da pena»; e, nos termos do artigo 68-1, do mesmo CP, salvo disposição em contrário, a proibição e a suspensão do exercício de função pública «determinam a perda dos direitos e regalias atribuídos ao titular, funcionário ou agente, pelo tempo correspondente».
Mesmo que assim se não entendesse -mas entende-se— sempre se teria de considerar o arguido «fora da efetividade de serviço», durante o tempo da privação da liberdade, seja por força das medidas detentivas, seja por força da pena de prisão, por se integrar também numa situações de «ausência ilegítima». Ausência ilegítima, na medida em que não se trata de situação de ausência autorizada ao nível dos poderes da hierarquia militar, mas sim de situação de ausência que foi imposta quer ao arguido quer à sua hierarquia militar, por um tribunal criminal -que prevalece sobre outras autoridades, nos termos da CRP por razões e culpa imputáveis e imputadas ao próprio militar, em virtude da imputação da prática de atos ilícitos por ele levados a cabo e que deu causa a essa ausência.
O facto de a ausência do ora Autor, por causa da detenção e prisão a que deu causa, ser imposta por um tribunal não transforma a mesma em ausência «legítima», para efeitos do artigo 43-3-d), do EMFAR. Portanto, também por aí tinha de considerar-se o ora Autor «fora da efetividade de serviço», durante esse tempo de privação da liberdade. Aliás, em termos de realidade factual, é evidente que o arguido que se encontre privado da liberdade, seja por prisão preventiva, seja por cumprimento de pena de prisão, não está no exercício efetivo de cargos e funções.
O A, efetivamente, não estava «no exercício efetivo» de cargos e funções enquanto cumpria privação da liberdade. E não vale aqui o argumento de exclusão de partes, de que se não foi por vontade sua mas antes por vontade do tribunal que ficou impossibilitado de prestar exercício efetivo, então se deva considerar em efetividade de serviço. Pois um tal raciocínio é meramente formal e enferma de falácia.
O Arguido, ora A, não estava nem pode ser considerado, pois, no exercício efetivo de cargos e funções da sua profissão de militar, no tempo em que esteve privado da liberdade.
O artigo 46, do EMFAR, sob a epígrafe «contagem de tempo de serviço efetivo», dispõe que «1- Conta-se como tempo de serviço efetivo o tempo de serviço prestado nas Forças Armadas ou em funções militares fora do seu âmbito, bem como noutras situações expressamente previstas neste Estatuto.
2- Não é contado como tempo de serviço efetivo: a) Aquele em que o militar tiver permanecido em qualquer situação pela qual não tenha direito ao abono de remuneração; b) O do cumprimento das penas de presídio militar e prisão militar; c) Aquele que, nos termos da legislação disciplinar (...), não deva ser considerado. (...)». Correspondentemente ao que acima se viu estabelecido no artigo 43, também agora este artigo 46-1-b) do EMFAR, estabelece que, na contagem do tempo de serviço efetivo não entra, ou seja não conta o tempo «do cumprimento das penas» de presídio militar e prisão militar. Ora, se não conta o tempo das penas cumpridas em presídio e prisão militar, que são e eram instituições próprias e específicas da condição de militar, por maioria de razão, não conta o tempo das penas cumpridas em Estabelecimento não militar.
Na verdade, há certas entidades, entre elas os militares no ativo, que, no que concerne ao cumprimento de medidas prisão, gozam do regime especial do artigo 25 do EMFAR [DL 34-A/90, de 24/01], segundo o qual, fora de flagrante delito, a captura de militares no ativo ou na efetividade de serviço é requisitada aos seus superiores hierárquicos pela autoridade competente, nos termos da legislação processual penal aplicável. E tais militares mantêm-se detidos ou presos preventivamente nas prisões militares, à ordem do tribunal ou autoridade competente, nos termos da Legislação processual penal aplicável. O mesmo consta do artigo 24, do DL 197-A/2003, de 30/08.
Portanto, a referência do artigo 46, do EMFAR, às «penas de presídio militar e prisão militar» não significa que, se o «cumprimento das penas» não for feito em presídio militar ou prisão militar e antes ocorrer em EP comum, o tempo de cumprimento da privação da liberdade já passe a contar como «serviço efetivo» para o arguido. Pelo contrário, por maioria de razão, o cumprimento de pena ou medida de prisão fora de instituição [presídio] militar não deve contar como tempo de serviço efetivo, relevando, outrossim, que se trata sempre do cumprimento de penas e medidas de privação da liberdade. Que, já vimos, por natureza, afastam efetivamente o arguido do serviço efetivo das suas funções e cargos.
No Capítulo V, do EMFAR, regulam-se a «situações e efetivos». No âmbito das «situações» e das «disposições gerais», dispõe o artigo 140, do EMFAR, que «o militar encontra-se numa das seguintes situações: a) Ativo; b) Reserva; c) Reforma».
Depois, o artigo 141, define o «ativo», estatuindo que «1- Considera-se no ativo o militar que se encontre afeto ao serviço efetivo ou em condições de ser chamado ao seu desempenho e não tenha sido abrangido pelas situações de reserva ou de reforma. 2-O militar no ativo pode encontrar-se na efetividade de serviço ou fora da efetividade de serviço.».
O artigo 147, por sua vez, regula a «inatividade temporária», estabelecendo que «1- O militar no ativo considera-se em inatividade temporária nos seguintes casos: a) Por motivo de acidente ou doença, quando (...); b) Por motivos criminais ou disciplinares, quando no cumprimento das penas de presídio militar, de prisão militar ou de inatividade».
O artigo 148-2, do EMFAR, por seu turno e no que toca a efeitos da inatividade temporária, determina que tal inatividade «resultante do cumprimento de penas» criminais ou disciplinares produz os efeitos previstos na lei.
À semelhança do artigo 43, do EMFAR, que considera o militar «fora da efetividade de serviço», este artigo 147 determina que, quando em cumprimento de penas criminais o militar se considera «em inatividade» [temporária].
Vimos que os preceitos legais, acima referidos, falam em cumprimento das penas de presídio militar e prisão militar. Tais penas são penas típicas estabelecidas no Código de Justiça Militar [CJM]. Como se sabe, o anterior CJM viu inúmeros preceitos declarados inconstitucionais, pelo Tribunal Constitucional [TC], dada a discrepância com os princípios constitucionais aplicáveis a todos os cidadãos e aos militares, em tempo de paz.
O novo Código de Justiça Militar foi, assim, aprovado pela Lei 100/2003, de 15/11, que, na linha da jurisprudência do TC, distinguiu duas situações para os crimes, antes diferenciados no anterior CJM, como «essencialmente militares» e não essencialmente militares.
Depois ainda levou-se em consideração os crimes cometidos em tempo de paz ou em tempo de guerra. O anterior CJM, como o atual, prevê, correspondentemente, as penas militares e as penas comuns.
O artigo 1° da Lei 100/2003, de 15/11, aprovou o novo CJM anexo. E revogou o CJM em vigor [DL 141/77, de 09/04, com as alterações] «todas as disposições de diplomas não enumerados (...) que sejam incompatíveis com o Código de Justiça Militar aprovado pela presente lei, bem como as constantes de legislação especial avulsa que proíbam ou restrinjam a suspensão da execução da pena de prisão». Revogou ainda os artigos 237 e 309 a 315, do Código Penal [CP] e o artigo 49, da Lei 20/95, de 13/07 [artigo 2°].
O artigo 4°, preambular do CJM [conversão das penas], determinou que «são convertidas em penas de prisão as penas de presídio militar, de prisão militar e de prisão maior que estejam a ser executadas no momento da entrada em os vigor da presente lei ».
Também o artigo 5, preambular do CJM, regulou a liberdade condicional dispondo que «às penas que se encontrem em execução à data da entrada em vigor do Código de Justiça Militar aplica-se o regime de liberdade condicional nele previsto».
Este CJM entrou em vigor no dia 14/09/2004 [artigo 11].
O CJM aplica-se apenas aos crimes de natureza estritamente militar. E crime estritamente militar é o «facto lesivo dos interesses militares da defesa nacional e dos demais que a Constituição comete às Forças Armadas» [artigo 1°, CJM]. O artigo 8, do CJM, define os crimes cometidos em tempo de guerra como sendo os crimes «perpetrados estando Portugal em estado de guerra declarada contra país estrangeiro». Por sua vez, a pena principal, de prisão, está prevista no artigo 14 que diz que «o crime estritamente militar é punível com pena de prisão», com o mínimo de 1 mês e o máximo de 25 anos. O cumprimento da pena de prisão aplicada a militar é efetuado em estabelecimento prisional militar e a execução da pena de prisão aplicada a militares é regulada em legislação própria, na qual são fixados os deveres e os direitos dos reclusos [artigo 15]. Segue-se depois a regulação das «penas de substituição», penas «acessórias», quanto aos pressupostos e o regime da suspensão, que remete para o Código Penal, devendo os deveres e regras de conduta aplicados a militares ser adequados à condição militar e, em especial, à prestação de serviço efetivo; a reserva compulsiva [artigo 18]; a expulsão [artigo 19]; a aplicação das penas acessórias [artigo 20]; a suspensão do exercício de funções militares [artigo 21].
Neste seguimento, quando o artigo 43, do EMFAR [DL 197-A/2003], acima referido, manda considerar «fora da efetividade de serviço», para «além de outras situações tipificadas na lei» [exemplificativo], o «cumprimento de penas» a que a «legislação penal» ou «disciplinar» atribuam esse efeito, bem como considerar as situações de «ausência ilegítima», temos de ter em conta também as penas previstas no «código penal». E o mesmo se aplica, mutatis mutandi, quando o artigo 46, do EMFAR, dispõe que «não é contado como tempo de serviço efetivo», o tempo do cumprimento das penas de «presídio militar» e de «prisão militar».
Não seria razoável e ofenderia a harmonia do sistema que, para efeitos de contagem de tempo de serviço efetivo se interpretasse o preceito referido no sentido de não contar o tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade, de «presídio militar» e de «prisão militar», por dos crimes essencialmente militares como serviço efetivo, mas, ao mesmo tempo, já fosse de interpretar o mesmo no sentido de contar o tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade, aplicadas em tribunal comum e por crimes comuns [chamemos assim para distinguir] como de serviço efetivo. Não se vê razão alguma para distinguir.
Remetendo o CJM para a jurisdição comum os crimes comuns [ou seja não essencialmente militares] e dispondo o citado artigo 43, do EMFAR, que se considera «fora da efetividade de serviço» o tempo de «cumprimento de penas» a que a legislação penal ou disciplinar atribuam esse efeito, ou as situações de «ausência ilegítima», deve concluir-se que o cumprimento da pena ou medida de prisão comum [que absorve o tempo do cumprimento das medidas de coação detentivas - artigo 80, do CP] não conta como serviço efetivo.
E é também o que se passa, em geral, com situações idênticas a que estão sujeitos os demais cidadãos, em que, de facto, não prestaram serviço efetivo [vd artigo 64-1, do DL 100/99, de 31/03 -regime de faltas dos funcionários e agentes da Administração]4. Não prestando, de facto, serviço efetivo, por via do cometimento de ilícitos que implicaram a privação da liberdade, não se vê com que fundamento e razão de ser o legislador lhe fosse atribuir um direito igual ao daqueles que de facto se encontram em efetividade de serviço, contando a prisão como tempo de serviço efetivo, assim premiando o cometimento de infrações.
O argumento de que o A, então arguido, não prestou serviço efetivo, mas que isso não foi por vontade sua, mas sim por vontade do tribunal que lhe aplicou as medidas e que o impossibilitou de prestar as suas funções e cargos, é falacioso, como se disse, pois que, em boa verdade, foi o arguido quem criou a situação, através da prática de ilícitos, e se colocou, por isso, na situação de ser detido e preso, implicando que o tribunal não tivesse tido outra alternativa a não ser privá-lo da liberdade. Portanto, a ausência foi causada pela sua ação ilícita, sendo o seu argumento um jogo meramente formal e sem substância.
Como se referiu já em sede cautelar, a decisão judicial que determina a privação da liberdade [preventivamente ou como pena], pela sua natureza privativa da liberdade, não permite a comparência ao serviço e a prestação do serviço efetivo. Mas a culpa pela não comparência continua a caber ao arguido, que fez uma opção pelo ilícito e quis correr o risco de ser detido, privado da liberdade e, consequentemente, de ficar impossibilitado de prestar a sua contraprestação laboral. Não pode, por isso, escudar-se no argumento formal de que o juiz que lhe aplicou a medida é que o impossibilitou, para pretender defender que o tempo de prisão preventiva e domiciliária, e, depois, a pena de prisão que absorveu esse tempo, conta como serviço efetivo.
4 Que dispõe: «1 - As faltas dadas por motivo de prisão preventiva consideram-se justificadas e determinam a perda de vencimento de exercício e do subsídio de refeição.»
Em face de tudo o exposto, deve improceder a pretensão do Autor.
No que tange, em particular, à reposição das quantias percebidas pelo A, este peticionou a ampliação do objeto do processo, considerando que os ofícios n°s ........ e ........, referidos no probatório, constituíram decisões-surpresa do Réu, na medida em que foram tomadas sem audição prévia.
Todavia, também falece esta pretensão do A, porque as comunicações e solicitações que foram feitas ao A, pelo R, através desses ofícios, não constituem verdadeiros atos, no sentido de que regulem externamente ex novo o caso concreto [artigo 120, CPA], mas antes traduzem a execução do ato impugnado, ou seja a decisão que na PI veio atacar.
Para além do que o R veio esclarecer a fls 602 [no contraditório dessa ampliação] de que, em 24/01/2014, houve uma reunião com o A e seus mandatários sobre os mesmos ofícios, e que foram acolhidos os fundamentos da Informação ali referida [docs fls 604/ss], os ofícios referidos dão execução à decisão impugnanda de 12/02/2013, proferida sobre o parecer para que a mesma remete. E como resulta do probatório, a decisão refere-se expressamente à reposição das verbas, como consequência da não contagem do tempo de privação da liberdade como serviço efetivo. Os referidos ofícios não constituem novas decisões, mas antes atos de execução material da decisão impugnada.
A audição prévia, prevista no artigo 100, do CPA, traduz a concretização do princípio da "participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito", prevista no artigo 267-5, da CRP. O direito à audição "prévia", supõe o direito a participar na própria decisão, cujo projeto lhe é apresentado, evitando-se, por ventura, no futuro, a sua impugnação [um dos fins da criação da figura].
Por isso o direito de audição prévia se encontra conexionado com o princípio da audiência dos interessados [artigo 59, do CPA] e com o princípio da colaboração da Administração com os particulares e o princípio da participação [artigos 7 e 8, do CPA].
No entanto, não constitui um direito fundamental, mas uma formalidade essencial do ato administrativo nos casos em que a lei a exija. A sua inobservância, quando exigida, como nos diz ANTÓNIO Francisco DE SOUSA, não representa, assim, a violação do conteúdo essencial de um direito fundamental gerador de nulidade do ato [artigo 133-2-d), CPA], mas mera preterição de uma formalidade essencial geradora de anulabilidade do ato.
No caso, não houve preterição do direito de audição prévia, nem o A disso acusa o ato. Pois como resulta do probatório, e o mesmo reconhece, foi-lhe dado a conhecer o projeto e sobre ele se pronunciou. O que alega é que só se pronunciou quanto à contagem, ou seja aos fundamentos da contagem e não quanto à reposição das quantias recebidas [com base noutra contagem]. E daí que considere, nessa parte, o ato como uma decisão-surpresa.
No entanto, não tem razão, sendo a reposição a consequência jurídica da não contagem do tempo de privação da liberdade operado pela decisão impugnada, na qual assenta e à qual dá execução. Tendo o A, como teve, a oportunidade de se pronunciar sobre o projeto, que colidia com a anterior contagem, e, por conseguinte, tendo ao dispor os elementos para se poder pronunciar, considera-se cumprida a oportunidade e o dever de audição prévia.
Pelo exposto, deve improceder a pretensão do Autor.
Alega o A que os atos de processamento de salários constituem atos jurídicos individuais e concretos [ou seja verdadeiros atos administrativos] e não meras operações materiais, pelo que só são revogáveis no prazo de um ano; revogabilidade que, refere, não se confunde com a prescrição da reposição de verbas a que se refere o artigo 40 do DL 155/92, de 28/076.
Assim, a reposição de verbas, em seu entender, viola o artigo 58-2, CPTA, que estabelece os prazos de impugnação dos atos, bem como os artigos 140 e 141, do CPA, os quais versam, respetivamente, sobre a revogabilidade dos atos válidos e dos atos inválidos.
Mas também aqui não assiste razão ao Autor.
Na verdade, os atos de processamento de salários constituem atos administrativos [e não meros atos de execução] quando e na medida em que consubstanciarem decisões, ao abrigo de normas de direito público, que produzam efeitos jurídicos numa situação individual e concreta, ou seja constituam uma regulação do caso concreto [artigo 120, CPA], no que respeita às "questões sobre as quais tenham tomado posição com vontade de unilateralidade decisória" [vg, Ac do STA de 10/04/2008]. Mas não é assim, infalivelmente, em toda e qualquer situação de processamento de vencimento, nomeadamente, não é assim, quando o legislador impuser à Administração a sua vontade, expressa na lei, e esta se limita a cumprir a lei e não a decidir segundo a sua própria vontade unilateral e autoritária.
No caso em apreço, não se trata de revogar ou não vários atos de processamento de salários do A, mas antes de dar execução ao ato administrativo impugnando, que decidiu que o tempo de privação da liberdade do A não conta como tempo de serviço efetivo, e, por consequência, foram pagas indevidamente e contra legem tais importâncias, cuja reposição ora se pretende.
Assim, a reposição do indevidamente pago e recebido pelo A não se confunde, a nosso ver, com a não revogabilidade dos atos administrativos. Donde, deve improceder a pretensão.
Como resulta de tudo o que vem de ser dito, a decisão impugnada não enferma dos vícios de violação de lei, que determine a sua invalidade, ao contrário do que o Autor alega.
Aqui chegados e em face de tudo o exposto, deve ser julgada totalmente improcedente a presente ação, absolvendo-se o Réu dos pedidos formulados pelo Autor e mantendo-se na Ordem Jurídica o ato impugnado.”


Correspondentemente, decidiu-se em 1ª Instância “(…) julgar improcedente a presente ação, e em consequência, (…) Não anular a decisão impugnada de 12/02/2013, do CEMA, mantendo-se a mesma na Ordem jurídica. Absolver o Réu dos pedidos formulados.”


Analisemos então o suscitado.
Desde logo, e como consta do Parecer do Ministério Público já nesta instância, cujo teor se acompanha:
“Antes de mais e no que respeita à questão da contagem de tempo de serviço, no que concerne à sua relevância para efeitos de antiguidade, bem andou o Tribunal de que se recorre no sentido da invocação do artigo 43º do Estatuto dos Militares das Forças Armadas (EMFA), no sentido de que um militar apenas pode estar em "efetividade de serviço" ou "fora da efetividade de serviço” e de que a efetividade de serviço consiste no exercício efetivo de cargos ou funções;
Assim, "Ativo é a situação em que o militar ... se encontra afeto ao serviço efetivo ou em condições de ser chamado ao seu desempenho e não tenha sido abrangido pelas situações previstas para a reserva e reforma";
(…)
Ou seja, em fase de cumprimento de pena privativa de liberdade, o recorrente encontra-se em situação de verdadeira ausência ilegítima, porquanto a mesma não é sequer autorizável pela hierarquia de que depende;
Ora, alcança-se claramente do disposto nos artigos 43º e 46º, nº 1, b), do EMFA, que na contagem do tempo de serviço efetivo não são levadas em conta o cumprimento das penas de presídio militar e prisão militar, pelo que, por maioria de razão e enquadramento lógico, igual procedimento se retira relativamente ao cumprimento de pena de prisão de natureza não - militar;
Ou seja, como bem se refere na motivação de recurso subscrito pelo R.(ponto nº 45), mal se compreenderia que a Lei concedesse igual relevância, nomeadamente para os fins pretendidos pelo A., aos militares que se encontram no exercício efetivo de funções, relativamente àqueles que cumprem penas privativas de liberdade pela prática de crimes;
No que respeita à alegada invalidade do denominado, pelo A., ato administrativo atinente à reposição de verbas, como consequência da não contagem do tempo de privação de liberdade como serviço efetivo, também não assiste qualquer razão ao A.;
Efetivamente, como bem se refere na decisão recorrida, "não se trata de revogar ou não vários atos de processamento de salários do A., mas antes de dar execução ao ato administrativo impugnado, que decidiu que o tempo de privação de liberdade do A. não conta como tempo de serviço efetivo, e, por consequência, foram pagas indevidamente e contra legem tais importâncias, cuja reposição ora se pretende.”;
Pelo que "a reposição do indevidamente pago e recebido pelo A. não se confunde ... com a não revogabilidade do ato administrativo”;
Não se denotando, assim, a existência de qualquer invalidade, nomeadamente da alegada violação de lei, relativamente ao ato ora impugnado.”


Objetivando:
DOS VÍCIOS INVOCADOS
O Autor veio recorrer da decisão de 1ª Instância, alegando que o juízo formulado pelo Tribunal a quo relativamente à ilegalidade do ato objeto de impugnação padece de vários erros de julgamento, que inquinam o Acórdão recorrido em resultado de, alegadamente, o Tribunal a quo não ter distinguido no tempo as situações de ativo e reserva, em que o Recorrente permaneceu ao longo do período considerado relevante pela decisão impugnada.


Entende o Recorrente que o tratamento diferenciado que as referidas situações exigem, conduz-nos, necessariamente, a conclusões distintas daquelas a que o Tribunal a quo chegou, sendo que o Tribunal a quo tratou de modo indiferenciado as duas questões subjacentes ao ato impugnado, a saber, o direito à contabilização do tempo de serviço e a questão remuneratória.


Mais se invoca, a existência de erro decorrente do Acórdão recorrido ter admitido a possibilidade de revogação do ato de autorização de passagem à reserva, ao arrepio do regime da revogabilidade dos atos administrativos consagrado no CPA.


Em qualquer caso e em bom rigor, o Recorrente limita-se a retomar toda a argumentação que havia já esgrimido em 1ª Instância, mais do que imputar vícios à decisão recorrida.


As questões objeto do presente recurso são, pois:
(a) a contabilização do tempo de serviço e do direito à retribuição no período em que o Recorrente, na reserva e fora da efetividade de serviço, cumpriu pena de prisão;
(b) a contabilização do tempo de serviço e do direito à retribuição no período em que o Recorrente, no ativo, permaneceu sob medidas de coação;
(c) a irrevogabilidade do ato de autorização de passagem à reserva;
(d) e a violação do princípio da boa-fé na vertente da tutela da confiança.


O Recorrente limita-se a invocar conclusivamente erro de julgamento por parte do Tribunal, discordando da interpretação sobre o quadro legal vigente.


Em qualquer caso, refira-se, desde já, que se não vislumbra, nem reconhece que a decisão recorrida padeça de qualquer dos vícios invocados ou quaisquer outros que aqui importasse declarar.


DO DIREITO SOBRE A CONTAGEM DE TEMPO DE SERVIÇO E DO DIREITO À REMUNERAÇÃO DURANTE O PERÍODO DE SUJEIÇÃO ÀS MEDIDAS DE COAÇÃO PRIVATIVAS DA LIBERDADE
Quanto à dedução do período em que o Autor se encontrou sujeito às duas medidas de coação, no período ocorrido de 27 de setembro de 2006 a 2 de julho de 2008 o mesmo considera recursivamente que a ilação feita pelo tribunal a partir dos art.° 44.° e art.° 46.° do Estatuto dos Militares das Forças Armadas, EMFAR, não tem qualquer suporte legal.


Em qualquer caso, como referido já em 1ª Instância, a carreira militar é uma carreira especial, cuja matéria estatutária se encontra especialmente regulada no Estatuto dos Militares das Forças Armadas, aprovado pelo DL n.° 236/99, de 25 de Junho, com as alterações entretanto introduzidas (EMFAR), dispondo ainda de um regulamento disciplinar e de um regime remuneratório próprio, respetivamente aprovados pela Lei Orgânica n.° 2/2009 de 22 de Julho e, atualmente, pelo DL n.° 296/2009, de 14 de Outubro.


Relativamente ao regime remuneratório dos militares, refira-se que o DL n.° 296/2009, de 14 de Outubro entrou em vigor a 1 de Janeiro de 2010, sendo que o DL n.° 328/99, de 18 de Agosto, que aprovou o regime antecedente e que ainda se mantém em vigor naquilo em que não contrarie o regime entretanto aprovado, é o diploma que se encontrava em vigor à data dos primeiros factos em causa, os quais se reportam ao período de 27 de Fevereiro de 2006 a 2 de Julho de 2008.


Ao contrário do que acontece no regime geral dos trabalhadores com funções públicas, no estatuto dos militares não existe a figura da falta, pelo que sempre que o militar se ausente do seu posto ou local de trabalho sem que para isso se encontre devidamente legitimado, por uma licença ou por outra situação legalmente prevista, incorrerá na situação de ausência ilegítima, podendo, ao fim de um determinado período, chegar a incorrer também na prática do crime de deserção.


A impossibilidade de prestação de serviço efetivo em que um militar do ativo incorre aquando do cumprimento de uma medida de coação ou de uma pena privativa da liberdade, não se enquadrando na previsão de qualquer uma das licenças previstas legalmente, só pode subsumir-se na figura da “inatividade temporária”, especialmente prevista pela alínea b) do art.° 147.° do EMFAR.


A ausência ao serviço de qualquer militar detido, sujeito a uma medida de coação privativa da liberdade ou no cumprimento de uma pena de prisão é, pois, uma situação de afastamento temporário do exercício de funções militares, por impedimento decorrente de motivos criminais.


O art.° 43.° n.° 3 do EMFAR admite que o militar fique “fora da efetividade” no caso de outras situações tipificadas na lei, sendo que o “presídio militar'', a “prisão militar” e a “inatividade” são figuras entretanto revogadas pelos diplomas de 2003 e 2009, em face do que um militar incorrerá em “inatividade temporária” sempre que, por quaisquer motivos disciplinares ou criminais, tipificados na lei, se encontre impedido da prestação de serviço, ficando fora da efetividade, pela conjugação do previsto no art.° 150.° e art.° 43.° n.° 3 do EMFAR.


Por outro lado, refere o art.° 148° n.° 2 do EMFAR que quando a “inatividade temporária” seja resultante do cumprimento de penas criminais ou disciplinares produz os efeitos previstos na lei, como seja o da irrelevância do decurso do tempo de inatividade temporária enquanto antiguidade para efeitos de promoção, expressamente previsto pela alínea a) do art.° 181° do EMFAR ou o da passagem à situação de “adido ao quadro”, prevista no art.° 173° do EMFAR.


É certo que a “inatividade temporária” não exclui, em regra, o direito à contagem de tempo de serviço, nem o direito à remuneração, o que só ocorrerá nos casos de “inatividade temporária por motivos disciplinares ou criminais”, pois que o militar deixa de ser considerado como estando na “efetividade”.


Incontornavelmente, nos termos do art.° 2 n.º 2 da estrutura do regime remuneratório atualmente aplicável aos militares dos quadros permanentes, em regime de contrato e de voluntariado dos três ramos das Forças Armadas, aprovada pelo DL n.º 296/2009, de 14 de Outubro, o direito à remuneração suspende-se essencialmente nas situações de “ausência ilegítima” e “deserção”.


Já no n.° 3 do art.° 16.° do mesmo diploma, se refere que nas situações em que, nos termos estatutários e regulamentares, não haja lugar à contagem do tempo de serviço, este não é igualmente levado em conta para efeitos de cálculo de remuneração de reserva.


Por outro lado, com o correspondente estatuto remuneratório das Forças Armadas, relevam os princípios subjacentes aos n.ºs 1 e 3 do art.° 66.°, art.° 67.°, n.ºs 1 e 2 do art.° 68.°, n.° 1 do art.° 69.°, e art.º 70.°» 72.°, 73.° e 76.° a 19° da Lei n.° 12-A/2008, de 27 de fevereiro, que se consubstanciam na necessidade da atribuição de remuneração pressupor o exercício de funções.


Para os militares, o conceito de “remuneração”, previsto pelo art.° 20.° do EMFAR, implica a “efetividade”, sendo que a “prestação de serviço” e o “cargo que desempenhe” são requisitos do conceito.


Também o art.° 2° do DL n.° 328/99, de 18 de Agosto já se referia à remuneração como o abono mensal devido aos militares na efetividade de serviço, referindo-se, de modo que deverá ser entendido como meramente exemplificativo que a remuneração não era devida nas situações de “ausência ilegítima", “deserção”, “licença registada” e “licença ilimitada”.


Deste modo, dos arts. 44.° a 46.° do EMFAR, não pode deixar de resultar que o cálculo da pensão de reforma, assim como o cálculo da remuneração na reserva, será sempre feito com base no tempo de serviço prestado no exercício de funções públicas.


Assim, o tempo de serviço militar será o tempo de serviço efetivo, acrescido das percentagens de aumentos legalmente estabelecidas; e como tempo de serviço efetivo o tempo de serviço prestado nas Forças Armadas ou em funções militares fora do seu âmbito, bem como noutras situações expressamente previstas pelo EMFAR.


Deste modo, mal se compreenderia que para o tempo de serviço relevante do Autor, aqui Recorrente, pudesse ser considerado o período em que se encontrou privado de liberdade, até pela sua natureza sinalagmática.


Relevará ainda aqui o art.° 64.° do DL n.° 100/99 que, sob a epígrafe de “situação de prisão”, estabelece no seu n.° 1 que as faltas dadas por motivo de prisão preventiva se consideram justificadas, determinando, contudo a perda de vencimento.


Efetivamente, nos termos do referido art.° 64°, na sequência da prisão preventiva, o funcionário ou agente que venha a ser condenado definitivamente, como o aqui Recorrente, no período de prisão preventiva que não exceda a pena de prisão que lhe for aplicada, perderá o correspondente vencimento, sendo que o referido período não contará funcionalmente para qualquer efeito.


Assim, não merece a decisão recorrida, quanto aspeto vindo de analisar, qualquer censura, irrelevando, pois, para efeitos de contagem de tempo de serviço do período de tempo ocorrido de 27 de Fevereiro de 2006 a 2 de Julho de 2008, durante o qual o militar se encontrou a cumprir duas medidas de coação.


DA CONTAGEM DE TEMPO DE SERVIÇO E DO DIREITO À REMUNERAÇÃO DURANTE O PERÍODO DE CUMPRIMENTO DE UMA PENA DE PRISÃO EFETIVA, JÁ NA SITUAÇÃO DE RESERVA
Contesta ainda o Recorrente a dedução do período de tempo de cumprimento da pena de prisão efetiva durante a reserva, alegando que para a decisão em causa se considera que durante o referido período de reserva o militar não esteve disponível para o serviço, como exigível a qualquer militar na reserva fora da efetividade, entendendo a disponibilidade como permanente prontidão e permanente capacidade para a possibilidade de nomeação, pela invocação dos art.° 5º e art.°14° do RDM, o art.°14° do EMFAR e o art.° 14° das BGECM.


Mais se refere recursivamente reportadamente ao art.° 14° do RDM, que o facto de apenas se prever que os militares na reserva se mantêm disponíveis para o serviço, padece de um erro de raciocínio, atribuindo à permanente prontidão um significado puramente literal.


Mais alega que se terá de admitir que em termos militares a prontidão não corresponde a um conceito unívoco, devendo sempre associar-se a um nível, a um estado ou a um determinado grau de prontidão correspondente a um período de tempo definido em função de concretas circunstâncias, no qual se impõe que o ativo deverá ficar pronto e operacional para a missão ou tarefa.


Distinta da situação de ativo e de reforma, é a da a reserva, a qual constitui uma situação privativa dos militares dos quadros permanentes, que, após abandonarem o ativo e antes de atingirem a idade de passagem à reforma, devem manter-se disponíveis para a prestação de serviço efetivo, visando a salvaguarda das necessidades de recursos humanos da instituição militar.


Assim, a circunstância do militar ter sido autorizado a cumprir a pena de prisão em regime aberto, irreleva para a situação aqui controvertida, pois que não deixa de ser uma forma de cumprimento de uma pena prisão.


Se é certo que o art.° 142.° do EMFAR estabelece que a reserva é a situação para a qual transita o militar do ativo quando verificadas as condições legalmente estabelecidas, mas sob a exigência de disponibilidade para o serviço, no caso concreto, em qualquer caso, o aqui Recorrente tendo sido sujeito a uma pena privativa de liberdade, ficou o mesmo impedido de cumprir os deveres exigíveis na reserva, com repercussão em termos remuneratórios e quanto à contagem de tempo de serviço.


O entendimento relativo à relevância do tempo de prisão durante a reserva toma-se necessária para a contagem do tempo de reserva, importando, correspondentemente para o cálculo da pensão de reforma, pois que resulta do art.° 44.° do EMFAR que o tempo de serviço é contado para efeitos de cálculo da pensão de reforma e da remuneração da reserva, relevando ainda, para efeitos do cálculo da pensão de reforma, o tempo de permanência do militar na reserva fora da efetividade de serviço.


Como decorre do Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, Proc. n.° 207/08, de 5 de Junho de 2008, embora relativo ainda ao anterior Estatuto dos Militares das Forças Armadas, aprovado pelo DL n.° 34-A/90 de 24 de Janeiro, o tempo de permanência do militar na reserva fora da efetividade de serviço não contava para efeitos do cálculo da sua pensão de reforma, pois que para esse efeito só relevava o tempo de serviço efetivo acrescido do tempo de serviço noutras funções públicas, em face do que, o militar fora da efetividade de serviço encontrava-se afastado do serviço público, tendo o novo Estatuto, aprovado pelo DL n.º 236/99, de 25 de Junho introduzido uma inovação nesta matéria, uma vez que o tempo de permanência na reserva fora da efetividade de serviço passou a relevar para efeitos do cálculo das pensões de reforma.


Em qualquer caso, numa altura, em que o período de reserva fora da efetividade era considerado como um afastamento do serviço público, a disponibilidade era, ainda assim, exigível, não obstante a sua irrelevância para a contagem como tempo de serviço.


Atualmente, a relevância do período de reserva para a contagem como tempo de serviço, conferiu ao tempo de reserva a plena natureza de serviço público.


Como decorre do art.° 5.° do RDM, pela sua condição de militares, também os militares na reserva fora da efetividade de serviço estão sujeitos à disponibilidade própria da sua situação.


Assim, para os efeitos de contagem de tempo de serviço prestado ao Estado, irreleva o período durante o qual o militar cumpriu a pena de prisão efetiva, por estar impedido da disponibilidade exigível na reserva.


Deste modo e em conformidade com tudo quanto supra se expendeu, para efeitos de contagem de tempo de serviço prestado ao Estado, é irrelevante o período durante o qual o militar cumpriu a pena de prisão efetiva já na reserva, não sendo o mesmo contabilizável para os fins pretendidos.


Refira-se, finalmente, que igualmente se não reconhece a conclusivamente invocada violação do princípio da boa-fé na vertente da tutela da confiança, até por falta de densificação do conceito invocado.

* * *
Pelo exposto, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Subsecção Social da Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao Recurso, confirmando-se o Acórdão Recorrido.


Lisboa, 11 de julho de 2024

Frederico de Frias Macedo Branco

Teresa Caiado

Eliana de Almeida Pinto