| Decisão Texto Integral: | *
Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul
♣ I – RELATÓRIO
R…………..Cofragens ……………, Lda., com demais sinais nos autos, deduziu impugnação judicial contra os atos de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas e respetivos juros compensatórios, atinentes aos exercícios de 2006 e 2007, emitidos na sequência de ação inspetiva, no âmbito da qual foi fixada a matéria coletável por recurso a métodos indiretos, de que resultou a pagar, após compensação, a quantia total de €18.270.10.
* O Tribunal Tributário de Lisboa, por sentença proferida em 30 de outubro de 2012, julgou a impugnação judicial improcedente.
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Inconformada com a decisão, a Impugnante apelou para este Tribunal Central Administrativo Sul, tendo na alegação apresentada formulado as seguintes:
“CONCLUSÕES
1. Em 26 de Outubro de 2009 o impugnante deu entrada no Tribunal Tributário de Lisboa de uma acção de impugnação da liquidação determinada por método indiretos dos IRCs referentes ao exercício de 2006 e 2007;
2. A Douta sentença recorrida veio julgar a impugnação improcedente;
3. A sentença recorrida deu como provado que a recorrente contratou outras empresas de subempreitada, designadamente a R……..e V……….., para cumprir prazos de obra, designadamente na Obra …………… Residence;
4. A sentença recorrida não especifica a matéria não provada, em violação do disposto no artigo 123.º-2 do CPPT.
5. Essa omissão é cominada com nulidade, nos termos do artigo 125.º-1 do CPPT;
6. A douta sentença recorrida entende não ter sido provada a alegação da existência de uma inspecção anterior à impugnante nos anos de 2006 e 2007 relativa a IRC que pudesse enquadrar a violação do artigo 63.º-3 da LGT;
7. Não poderia a sentença recorrida, sem mais, determinar que aquela inspeção anterior não se realizou, quando a mesma foi confirmada pela própria testemunha arrolada pela Fazenda Pública, e foi devidamente identificada nas alegações apresentadas pelo recorrente (“26/03/2007 e concluída em 15/1/2008, com o processo 2007/003915”);
8. Pode (e deve – em obediência ao princípio da oficiosidade) o Tribunal ou o Juiz praticar os atos processuais que entenda convenientes à descoberta da verdade material, podendo oficiosamente realizar toda e qualquer diligência de prova que se lhe afigure necessária a esse fim;
9. Desta forma o Tribunal a quo, violou o princípio do inquisitório e da busca pela verdade material, dando pura e simplesmente como não provada a inspeção anteriormente realizada aos períodos em causa;
10. O recorrente alegou na sua petição que, aquando da determinação da matéria tributável para os anos de 2006 e 2007, a AF deveria ter em linha de conta o ano imediatamente anterior nos termos do artigo 90.º do CPPT;
11. Na sentença recorrida omite-se a razão pela qual esse ano não deveria ter sido considerado para a determinação da matéria coletável para o ano de 2006 e 2007;
12. Na determinação do rácio utilizado para determinar a matéria coletável para o ano de 2004, a administração fiscal deveria ter também levado em linha de conta o ano de 2005, o que não fez;
13. Não corresponde à verdade que a recorrente não tenha alegado e provado factos donde se pudesse extrair erro na quantificação da matéria tributável para os anos de 2006 e 2007.
14. Na sua impugnação, a recorrente alegou, designadamente que no ano de 2003 o sujeito passivo apresentou um saldo negativo de proveitos, tendo um prejuízo para efeitos fiscais de 32.655,38€ . - provando tal facto através dos documentos n.ºs 7 e 8 juntos com a sua PI que os prejuízos suportados pelo sujeito passivo foram recuperados no exercício de 2004, o que motivou um total de proveitos muito superior aos realmente produzidos nesse ano; que caso não se tivesse em consideração a matéria tributável do ano de 2005, pelo facto de também esta ter sido corrigida, deveria sempre ter em consideração a matéria tributável apresentada no ano de 2003, dadas as especificidades já assinaladas no ano de 2004, que determinaram que, neste exercício, o sujeito passivo tivesse um resultado de proveitos muito superior ao dos anos anteriores e ao dos anos que se lhe seguiram; que tais obras foram executadas em regime de empreitada, estando sujeitas a prazos de execução; que durante o ano de 2004 a impugnante teve um aumento de rentabilidade, uma vez que não foram apresentadas todos os custos suportados com a realização desses trabalhos; e que por esse motivo, os proveitos declarados no ano de 2004 foram em muito superiores aos reais.
15. A sentença recorrida não se pronuncia sobre esses factos, e decide que não existe qualquer erro na quantificação da matéria coletável determinada por métodos indiretos, nos anos de 2006 e 2007;
16. A AF determinou um rácio de 81,6% apenas com recurso aos elementos contabilísticos do ano de 2004;
17.Tal rácio devia deveria ter sido comparado com o obtido nos anos de 2003 e 2005, de forma a se poder calcular uma média que permitisse à AF determinar para os anos de 2006 e 2007 um valor o tanto quanto possível do rendimento real da recorrente;
18. A AF não alegou nem provou que aquele rácio, ou pelo menos aquela rentabilidade, fosse a normal para o setor de atividade da recorrente;
19. A douta sentença recorrida não se pronuncia acerca de qualquer dos fundamentos invocados pela impugnante e constantes nos artigos 67.º a 73.º da PI, e que obstam a que a Administração Fiscal utilizasse, sem mais, apenas o rácio determinado para o ano de 2004, e descurasse os rácios (determinados com os mesmos critérios) verificados nos anos anteriores, ou durante todo o tempo em que o contribuinte exerceu atividade;
20. A sentença recorrida não se pronunciou acerca do saldo declarado em 2003 pela recorrente, e que deveria ter sido levado em consideração na determinação dos rendimentos para os exercícios em causa;
21. Apesar de na sentença recorrida não se determinar de que forma o rácio determinado para 2004 não possa ser utilizado nos anos de 2006 e 2007, a verdade é que se o valor com os custos de pessoal declarado em 2004 (84.805,00€) foi inferior ao efetivamente suportado pelo sujeito passivo, ou seja foi superior a 84.805,00€, necessariamente o rácio obtido pela soma dos subcontratos e custos de pessoal sobre a prestação de serviços é necessariamente inferior aquele que é determinado pela AF (81,6%);
22. A sentença recorrida não se pronuncia acerca do alegado em 69.º da PI;
23. A justificação de que “para a aplicação dos Métodos Indirectos para os anos de 2006 e 2007 é consequência do facto dos requisitos contabilísticos de custos comprovadamente necessários à realização dos proveitos impossibilitar o conhecimento real dos custos efectivos e, por isso, ser necessário proceder à sua determinação indirecta”, é meramente conclusiva e como tal, manifestamente insuficiente para fundamentar a aplicação dos métodos indiretos para a determinação do rendimento da recorrente;
Em suma,
24. A sentença recorrida é nula, nos termos do artigo 125.º/1 e 123.º do CPPT, na medida em que não discrimina os factos não provados, alegados pelas partes.
25. A sentença recorrida viola os princípios da legalidade, da fundamentação e da verdade e justiça material, nos termos consagrados nos artigos 5.º, 8.º, e 55.º da LGT.
26. Pelo que deve a sentença recorrida ser anulada ou, se assim não se entender, revogada e substituída por outra que julgue a oposição apresentada pela recorrente procedente, e consequentemente serem anuladas as liquidações efetuadas com recurso a métodos indiretos relativamente aos anos de 2006 e 2007.
Pelo exposto, e com o mui douto suprimento de V. Exas Deve ser reconhecida a nulidade da sentença recorrida por violação do disposto nos artigos 125.º/1 e 123.º do CPPT,
Ou se assim não se entender, deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue a oposição apresentada pela recorrente procedente, e consequentemente serem anuladas as liquidações efetuadas com recurso a métodos indiretos relativamente aos anos de 2006 e 2007, com o que se fará
JUSTIÇA!”.
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A Recorrida, Fazenda Pública, devidamente notificada, não apresentou contra-alegações.
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O Exmo. Procurador-Geral Adjunto do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo, ofereceu aos autos o seu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Colheram-se os vistos dos Juízes Desembargadores adjuntos.
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DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, em consonância com o disposto no art. 635º do CPC e art. 282º do CPPT, são as conclusões apresentadas pelo recorrente nas suas alegações de recurso, a partir da respetiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objeto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer, ficando, deste modo, delimitado o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem.
No caso que aqui nos ocupa, as questões a decidir consistem em saber:
(i) Se a sentença padece de nulidade por falta de fixação de factos não provados;
(ii) Padece de erro de julgamento de facto;
(iii) Erro de julgamento de Direito por o recurso a métodos indiretos não estar fundamentado e ter ficado provado o excesso de quantificação.
(iv) Saber se a decisão recorrida violou os princípios da legalidade, da fundamentação, da verdade e da justiça material.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
- De facto
A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:
“Consideram-se documentalmente provados os seguintes factos, relevantes para a decisão da causa:
1. A impugnante é uma sociedade por quotas colectada pela actividade “Outras Actividades Especializadas em Construção Diversa, N.E. - C.A.E. 43992”, enquadrada no regime geral de tributação em sede de IRC (cf. relatório de inspecção a fls. 287 do processo administrativo tributário, de ora em diante designado PAT).
2. Em 7/7/2004 a Sociedade M…….. - Empreiteiro ………….., Unipessoal, Lda. emitiu a factura n.° 0543, em nome da ora impugnante, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido e na qual consta o seguinte (cf. cópia de factura a fls. 215 dos autos):
«Texto no original»
3. A Ramos & Varela contratou a impugnante em regime de subempreitada com base em autos de medição (cf. depoimento da testemunha A …………….).
4. Na obra de O….. …………… a impugnante contratou em regime de subempreitada outras empresas, para cumprir o prazo de obra (cf. depoimento da testemunha A ………………).
5. Em 27/2/2008 no âmbito do processo n.° 2007/003915, foi emitida pela Direcção de Serviços de Investigação da Fraude e de Acções Especiais - DSíFAE, a informação n.° 161/08, na qual consta o assunto “Acções de investigação à sociedade, C……. & J…….., Lda. e aos seus principais subempreiteiros, com o propósito de averiguar sobre a utilização de facturas de empresas não declarantes” cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido (cf. informação a fls. 366 a fls. 371).
6. Em 3/10/2008 foi iniciada pelos serviços de inspecção tributária uma ação inspectiva externa à impugnante, no âmbito do IVA e IRC, relativa aos exercícios dos anos de 2004, 2005, 2006 e 2007, em cumprimento das ordens de serviço n.° 01200803448, n.° 012008703450 e n.° 01200703451 emitidas em 19.08.2008, com o fundamento de que “desencadeada na sequência do acompanhamento e controlo desenvolvidos pela Direcção de Investigação da Fraude e de Acções Especiais, a sujeitos passivos a operar na área de construção civil, nomeadamente à sociedade C………. & J……., Lda., com o NIF ………….. e aos subempreiteiros a quem esta sociedade recorria para a execução das obras, por na cadeia de subcontratação haver indícios de emissão de facturação falsa. O sujeito passivo em análise prestou serviços em 2006 e 2007 à C………. & J........, Lda. ” (cf. relatório de inspecção a fls. 286 do PAT).
7. Em 20/02/2009 e em resultado da acção inspectiva identificada no ponto anterior foi emitido o respectivo relatório final, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta o seguinte (constante de fls. 286 a 301 do PAT):
« Textos e quadro no original»
8. Em 30/3/2009 foram entregues presencialmente ao impugnante, cópias dos ofícios n.° 24693 e n.° 24696 de 27/3/2009, da Direcção de Finanças de Lisboa e do Relatório final do Procedimento inspetivo composto por 35 folhas (cf. cópia dos ofícios a fls.374 a 375 e certidão de notificação pessoal a fls. 376 do PAT).
9. Em 27/04/2009 o Impugnante apresentou um pedido de revisão da matéria tributável, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido (cf. pedido a fls. 131 a 138 do autos e informação a fls. 392 do PAT).
10. No âmbito do pedido de revisão referido no ponto anterior, não houve acordo entre o perito do sujeito passivo e o perito da administração tributária, cujo conteúdo dos respectivos laudos se dá aqui por integralmente reproduzido (fls. Acta n.° 40 a fls. 377 e 378 do PAT e laudos a fls. 379 a fls. 390 do PAT).
11. Em 10/07/2009 foi proferido pelo Director de Finanças a decisão de fixação da matéria tributável por métodos indirectos no valor de EUR 34.917,31 relativamente ao exercício de 2006 e EUR 35.396,95 relativo ao exercício de 2007, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido (cf. fls. 392 a fls. 404 do PAT).
12. Em 17/9/2009 foi emitida a liquidação de IRC n.° …………649 referente ao exercício de 2006 no valor de EUR 11.507,59 com a data limite de pagamento voluntário de 26/10/2009 (cf. print a fls. 355 a 357 do PAT).
13. Em 25/9/2009 foi emitida a liquidação de IRC n.° ……………680 referente ao exercício de 2007 no valor de EUR 6.982,61, com a data limite de pagamento voluntário de 5/11/2009 (cf. print a fls. 358 a 359 do PAT).
14. Em 26/10/2009, a PI da presente impugnação deu entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa (cf. carimbo aposto a fls. 2 dos autos).
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Quanto à decisão da matéria de facto a sentença recorrida exarou o seguinte:
“A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais constantes dos autos, e especificados nos vários pontos da matéria de facto provada e do depoimento da testemunha A …………….., que revelou conhecimento directo dos factos que relatou e prestou o seu depoimento de forma clara e coerente, assim se revelando convincente.”
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E, consignou ainda quanto aos factos não provados, que “Nada mais foi provado com interesse para a decisão em causa, atenta a causa de pedir.”
*** III. Do Direito
Nos presentes autos a matéria tributável foi apurada com recurso a métodos indiretos de tributação, sendo que, nesta sede, se discute a questão de saber se encontra fundamentado o recurso a tais métodos, bem como a existência ou não de excesso de quantificação.
O Tribunal a quo julgou absolutamente improcedente a presente impugnação por ter considerado que se encontrava demonstrada a necessidade do recurso a métodos indirectos de tributação e não ter a Impugnante, aqui recorrente, logrado provar o excesso de quantificação.
A Recorrente insurge-se contra o julgado por entender que a decisão recorrida efetuou um errado julgamento quer de facto, quer de Direito, arguindo ainda que aquela decisão é nula por falta de fixação de factos não provados.
Comecemos por apreciar a questão da nulidade da decisão por falta de fixação de factos não provados, sem que esclareça em que medida deveriam ter sido fixados factos negativos e quais.
Apreciando.
Dispõe o art. 607º, nº 4 do CPC que:
“4 - Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.”
Por outro lado, estabelece o artigo 125º do CPPT que a sentença é nula quando:
“a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.”
As causas de nulidade da sentença encontram-se taxativamente enumeradas no artigo 125º do CPPT, à semelhança do que acontece no 615º do CPC, nelas não se incluindo o erro de julgamento, seja ele de facto ou de Direito (neste sentido, entre muitos outros, o acórdão STJ, de 9.4.2019, Procº nº 4148/16.1T8BRG.G1.S1., in www.dgsi.pt). Deste modo, podemos afirmar que as nulidades das sentenças mais não são do que vícios formais decorrentes de erro de atividade ou de procedimento (error in procedendo) respeitante à disciplina legal. Estamos perante vícios de formação ou atividade que afetam a regularidade do silogismo judiciário da própria decisão e que se mostram obstativos de qualquer pronunciamento de mérito. Já, pelo contrário, o erro de julgamento (error in judicando) que resulta duma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error júris), de forma que o decidido esteja em desconformidade com a lei.
Como ensinava o Prof. José Alberto Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 1981, Vol. V, págs. 124, 125, o magistrado comete erro de juízo ou de julgamento quando decide mal a questão que lhe é submetida, ou porque interpreta e aplica erradamente a lei, ou porque aprecia erradamente os factos. Já quando na elaboração da sentença, infringe as regras que disciplinam o exercício do seu poder jurisdicional comete um erro de atividade. Os erros da primeira categoria são de carácter substancial: afetam o fundo ou o efeito da decisão; os segundos são de carácter formal: respeitam à forma ou ao modo como o juiz exerceu a sua atividade.
Podemos, deste modo, afirmar que as causas de nulidade da decisão elencadas no artigo 125º do Código de Procedimento e Processo Tributário visam o erro na construção do silogismo judiciário, nunca estando subjacente às mesmas quaisquer razões de fundo, essas sim, que conduziriam a erro de julgamento.
Concluindo, o erro de julgamento, a injustiça da decisão e a não conformidade da mesma com o direito aplicável, não constituem nulidades da sentença, mas sim erros de julgamento (neste sentido podemos ver Antunes Varela, in Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª edição, 1985, pág. 686).
Em consequência, as nulidades das sentenças ditam a sua anulação, já as suas ilegalidades conduzem à revogação das mesmas (ex vi acórdão STJ de 17/10/2017, tirado no procº nº 1204/12.9TVLSB.L1.S1.).
No caso que aqui nos ocupa, a recorrente invoca que a sentença recorrida enferma da nulidade por violação do disposto nos arts. 123º e 125º do CPPT, que se reconduziria a uma nulidade da sentença.
Como refere Tomé Gomes, in Da Sentença Cível”, in “O novo processo civil”, caderno V, ebook publicado pelo Centro de Estudos Judiciários, Jan. 2014, pág. 370, disponível em http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/ProcessoCivil/CadernoV_NCPC_Textos_Jurisprudencia.pdf:
“Assim, a falta de fundamentação de facto ocorre quando, na sentença, se omite ou se mostre de todo ininteligível o quadro factual em que era suposto assentar. Situação diferente é aquela em que os factos especificados são insuficientes para suportar a solução jurídica adoptada, ou seja, quando a fundamentação de facto se mostra medíocre e, portanto, passível de um juízo de mérito negativo.”
Por outro lado, e como bem sabemos, apenas devem ser fixados, quer como provados, quer como não provados os factos que sejam necessários à decisão de mérito ou, eventualmente, factos instrumentais que sejam relevantes para a mesma.
Baixando ao caso dos autos, se bem entendemos as alegações e respetivas conclusões da Recorrente, o que esta verdadeiramente pretende não é invocar a nulidade da sentença, mas sim o erro de julgamento de facto por não terem sido fixados como não provados factos que havia aduzido em sede de impugnação judicial, advogando, inclusivamente, que a decisão violou os princípios da descoberta da verdade material e do inquisitório.
Ora, tal alegação não configura a existência de uma nulidade da decisão, mas sim de erro de julgamento de facto, tanto mais que mais à frente faz menção à existência dum facto não provado, pelo que improcedente terá de ser julgado o presente recurso, nesta parte.
Avançando.
Argui a apelante que a decisão aqui escrutinada padece de erro de julgamento de facto, desde logo, porque não fixou como provados factos que seriam relevantes para a decisão, bem como também não fixou factos não provados que foram por si alegados em sede impugnatória.
Prossegue arguindo que foi violado os princípios do inquisitório e da descoberta da verdade material, uma vez que o juiz deveria ter curado de indagar os factos que lhe fossem uteis e relevantes para a decisão. Insurge-se especificamente relativamente à questão de a decisão recorrida ter considerado não ter sido como não provado a existência duma outra inspeção quando deveria ter procurado obter prova nesse sentido, procurando sustentar a sua alegação no depoimento de duas testemunhas.
Por outro lado, no ponto 14ª das suas conclusões que existia um conjunto de factos que deveriam ter sido dados como assentes e relativamente aos quais a sentença recorrida é omissa.
Apreciando.
Consagra o art. 607º, nº 5 do CPC que o “juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”, de forma consentânea com o disposto o determinado no Código Civil, mais concretamente nos seus preceitos 389º e seguintes. Não obstante, a livre apreciação da prova não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.
Por outro lado, estabelece o artigo 662º do CPC, que o Tribunal da Relação (leia-se Tribunais Centrais) “deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”, donde, quando os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insuscetível de ser destruída por quaisquer outras provas, a dita modificação da matéria de facto - que a ela conduza - constitui um dever do Tribunal de Recurso, e não uma faculdade do mesmo.
Como nos ensina Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, p. 225-227, “O atual art. 662º representa uma clara evolução [face ao art. 712º do anterior C.P.C.] no sentido que já antes se anunciava. Através dos nºs 1 e 2, als. a) e b), fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e fundar a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis.
(…) Afinal, nestes casos, as circunstâncias em que se inscreve a sua atuação são praticamente idênticas às que existiam quando o tribunal de 1ª instância proferiu a decisão impugnada, apenas cedendo nos fatores de imediação e da oralidade. Fazendo incidir sobre tais meios probatórios os deveres e os poderes legalmente consagrados e que designadamente emanam dos princípios da livre apreciação (art. 607º, nº 5) ou da aquisição processual (art. 413º), deve reponderar a questão de facto em discussão e expressar de modo autónomo o seu resultado: confirmar a decisão, decidir em sentido oposto ou, num plano intermédio, alterar a decisão num sentido restritivo ou explicativo”.
Contudo, reconhecendo o legislador que a garantia do duplo grau de jurisdição, em sede de matéria de facto, tal apenas poderá acontecer se o Recorrente cumprir os ónus que sobre si impendem e que decorrem do artigo 640º do CPC, delimitando, por um lado, o âmbito do recurso e, por outro lado, conferindo o verdadeiro e efetivo contraditório à parte contrária.
Vejamos, então, quais são os ónus que impendem sobre a apelante e que se encontram elencados no artigo 640º do CPC:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”
Quando em causa esteja a prova gravada “(…) incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes” (nº 2, al. a) do mencionado preceito).
Já quando o recorrido pretenda refutar o alegado pelo Recorrente, deve proceder de igual modo, mencionando os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. (al. b) do nº 2 do artigo 640º do CPC).
Decorre, assim, do preceito aludido que cabe ao apelante especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão diversa da adotada pela decisão recorrida sobre os pontos da matéria de facto impugnados, sendo que quando em causa esteja prova testemunhal produzida junto do Tribunal a quo, o Recorrente tem de indicar as passagens concretas das gravações das quais pretende retirar os factos por si pretendidos aditar ou que considera incorretamente julgados.
Significa isto que não basta ao Recorrente manifestar, de forma não concretizada, a sua discordância com a decisão da matéria de facto efetuada pelo Tribunal a quo, impondo-se-lhe os ónus supra mencionados.
Por outro lado, cumpre ainda referir que nem todos os factos alegados pelas partes, ainda que provados, carecem de integrar a decisão atinente à matéria de facto, porquanto apenas são de considerar os factos cuja prova (ou não prova) seja relevante face às várias soluções plausíveis de Direito.
Finalmente, importa distinguir entre factos provados e meios de prova, sendo que uns não se confundem com os outros.
Exposto o quadro jurídico em que se move a questão do erro de julgamento de facto, detenhamos-mos agora sobre a questão de saber se, in casu, a Recorrente cumpriu os ónus que sobre si impendiam.
Como bem decorre da conclusão 14º das alegações de recurso, a apelante indica, embora não de forma precisa, quaisquer os factos que, no seu entender, deveriam ser aditados à matéria de facto, no entanto, não indica com base em que documentos ou prova testemunhal os mesmos poderiam ser sustentados.
Apenas no que diz respeito ao facto: “No ano de 2003 o sujeito passivo apresentou um saldo negativo de proveitos, tendo um prejuízo para efeitos fiscais de 32.655,38€” são indicados os documentos que poderiam sustentar tal facto.
Acontece, porém, que como melhor veremos mais adiante neste Aresto, a fixação de tal facto nenhuma valia possuiria para a decisão de facto, motivo pelo qual o presente recurso tem de ser rejeitado.
No que respeita aos factos não provados que deveriam ter sido dados por assentes na decisão recorrida, o apelante em nenhum momento esclarece quais seriam esses factos pelo que, na sequência de tudo o acima explicado, não se pode senão rejeitar o presente recurso.
Finalmente, quanto à circunstância de ter sido afirmado na decisão recorrida que não ficou provada a existência doutra ação inspetiva ao exercício de 2006, argui a Recorrente que se não se considerasse que a mencionada existência decorrida dos depoimentos das testemunhas arroladas, então sempre impendia sobre o Tribunal a obrigação de indagar essa inspeção havia tido ou não lugar, ao abrigo dos princípios do inquisitório e da descoberta da verdade material.
Que dizer?
Na sua petição inicial a aqui apelante advogava que já havia sido sujeita a uma ação inspetiva aos dois exercícios em questão e que nela não ocorreu qualquer correção à sua matéria tributável.
O Tribunal a quo ao conhecer o vício da violação da irrepetibilidade das ações inspectivas consagrado no artigo 63º, nº 3 da LGT, na redação em vigor à data dos factos, estribando-se no facto 5 do probatório, concluiu que a impugnante não havia sido objeto de duas ações inspectivas, tendo ancorado a sua decisão do seguinte modo:
“Através do artigo 63.°, n.° 3 da LGT, o legislador pretendeu assegurar o principio da estabilidade das relações jurídicas dos particulares com a Administração, estabelecendo a regra de que não poderá haver mais do que um procedimento externo de fiscalização relativamente ao mesmo sujeito passivo, quanto ao mesmo imposto e período de tributação, excepto nas situações que surjam factos novos e haja uma decisão fundamentada do dirigente máximo do serviço, no sentido de efectivação de novo procedimento.
No que se refere à alegada violação da supra citada disposição legal, o impugnante alega que os exercícios de 2006 e 2007 já tinham sido alvo de uma inspecção iniciada em 26/9/2007 e concluída em 15/1/2008, que identifica com o processo n.° 2007/003915, mas não apresenta qualquer documento que comprove a realização da alegada inspecção.
Compulsado o processo administrativo tributário, consta do mesmo única e exclusivamente a informação n.° 161/08, emitida pela Direcção de Serviços de Investigação da Fraude e de Acções Especiais - DSIFAE, no âmbito do processo n.° 2007/003915, com o seguinte assunto “ Acções de investigação à sociedade, C......... & J........, Lda. e aos seus principais subempreiteiros, com o propósito de averiguar sobre a utilização de facturas de empresas não declarantes” (cf. ponto n.° 5 dos factos provados) ou seja, o processo identificado pelo impugnante na PI refere-se à Sociedade C......... & J........, Lda., na qual consta um levantamento das subempreitadas contratadas por aquela empresa e as empresas com as quais contratava, entre as quais a impugnante.
Pelo que a inspecção não foi dirigida à contabilidade da impugnante, mas apenas e na medida em que a impugnante se relacionou com a empresa alvo da inspecção.
Ao que acresce que dos motivos da inspecção realizada à impugnante, expressos no ponto II.2. do relatório de inspecção (cf. ponto n.° 7 dos factos provados), consta precisamente que na sequência de uma acção de controlo efectuada pela Direcção de Serviços de Investigação da Fraude e de Acções Especiais - DSIFAE à sociedade C......... & J........, Lda. e aos subempreiteiros a quem esta sociedade se socorria, entre os quais se incluía a impugnante, surgiram indícios de emissão de factura falsa.
Pelo exposto, considera-se como não provada a alegação da existência de uma inspecção anterior à impugnante nos exercícios de 2006 e 2007 relativa a IRC que pudesse enquadrar a violação do artigo 63 °, n.° 3 da LGT.”
Significa isto que, na verdade, não se tratou de afirmar que não havia ficado provado um determinado facto, mas sim concluir que de acordo com os elementos juntos aos autos e factos assentes, a alegada ação de fiscalização mais não havia sido do que uma ação para apurar factos relacionados com um terceiro que se encontrava a ser alvo dum processo de investigação por fraude e, necessitando de cruzar elementos, foi efetuada uma visita à Recorrente, sendo utilizada de forma menos precisa a menção a que não havia ficado provado, quando o que se pretendia efetivamente esclarecer era que havia ficado provado que tinha existido uma ação de cruzamento de informação e não, como pretendia a impugnante, aqui apelante, uma verdadeira ação de fiscalização.
Assim sendo, a fixação de tal facto como provado ou não provado seria absolutamente desnecessário uma vez que já havia ficado provado que a Recorrente havia sido objeto duma ação de recolha de elementos no âmbito duma ação inspetiva a outro sujeito passivo.
Em consequência, não se vislumbra como possam ter sido violados os princípios da verdade material ou do inquisitório, pelo que improcedente terá também de ser julgado o presente salvatério, nesta parte.
Avançando.
Defende a Recorrente que, por um lado, não se encontrava fundamentada a necessidade de recurso a métodos indiretos de tributação, como, por outro lado, havia provado o excesso de quantificação.
Apreciando.
Por força do Princípio da Tributação pelo Lucro Real plasmado no art. 104º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa (doravante CRP), a tributação das entidades sujeitas a IRC deve incidir, fundamentalmente, sobre o seu lucro real.
Já o Princípio da Capacidade Contributiva, decorrência do Princípio da Igualdade, genericamente consagrado no art. 13º da CRP, em matéria fiscal encontra reflexo nos nºs 1 e 2 do já mencionado art. 104º da CRP, constitui um limite e um fundamento da tributação, constituindo-se como seu pressuposto e critério. Dele decorre que devem ocorrer situações de isenção fiscal para o mínimo de subsistência, bem como a proibição de situações de confisco. Por outro lado, impõe que o imposto seja construído, no patamar infraconstitucional, tendo em consideração indicadores efetivos de aptidão para suportar a prestação tributária. Por força ainda deste princípio, a lei fiscal deve tratar de forma igual e uniforme os factos que revelam ou exprimem a mesma capacidade contributiva (vertente positiva do Princípio da Igualdade) e tratar de forma diferenciada aqueles que revelam uma capacidade contributiva distinta (vertente negativa), assegurando que tal suceda na medida da respetiva diferença.
A propósito destes dois princípios, tem o Tribunal Constitucional entendido, em sede de tributação das empresas, designadamente no seu Acórdão nº 127/2004, de 03/03/2004 que “(…) o rendimento real fiscalmente relevante não é, em si próprio, uma realidade de valor fisicamente apreensível, mas antes um conceito normativamente modelado e contabilisticamente mensurável, sendo constituído, simpliciter, “pela soma algébrica do resultado líquido do exercício e das variações patrimoniais positivas e negativas [previstas na lei e] verificadas no mesmo período” (…) - o saldo entre os proveitos ou ganhos provenientes das mais diversas fontes, como vendas, bónus, comissões, rendimentos de imóveis, rendimentos de carácter financeiro, prestações de serviços, mais-valias realizadas, subsídios, etc., menos os custos ou perdas, como os encargos relativos à produção, distribuição e venda, encargos de natureza financeira e de natureza administrativa, encargos fiscais e parafiscais, reintegrações e amortizações, etc., acrescido das variações patrimoniais positivas ou diminuído das variações patrimoniais negativas, previstas na lei”.
No entanto, o princípio da Tributação pelo Lucro Real não é um princípio absoluto, desde logo, porquanto na redação do preceito constitucional foi utilizado o advérbio “fundamentalmente”, o que significa que podem existir exceções, sempre que as mesmas se encontrem devidamente fundamentadas e justificadas (neste sentido podemos ver, entre muitos outros, os Acórdãos do Tribunal Constitucional nº 55/2022, de 22/01/2022 e 680/2022, de 20/10/2022).
De entre as exceções ao Princípio da Tributação pelo Lucro Real, encontramos aquelas situações em que, quando a contabilidade dos sujeitos passivos apresentar deficiências, omissões ou incorreções que impedem o apuramento do lucro real, a AT deve de lançar mão de métodos indiretos de tributação.
Realça-se, no entanto, que por força do disposto no art. 75º, nº 1 da LGT e como decorrência clara deste princípio da Tributação pelo Lucro Real, as declarações dos contribuintes, bem como os dados e apuramentos inscritos na contabilidade dos mesmos, se presumem-se verdadeiras e de boa-fé, desde que estejam organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal.
Todo este regime de aplicação de métodos indiretos de tributação possui, deste modo, carácter subsidiário. Em consequência, e porque constitui uma situação de exceção, nomeadamente por força dos princípios constitucionais que já mencionámos, o seu regime foi rigorosamente desenhado pelo legislador fiscal, não apenas determinando em que condições pode ser aplicado, quais os meios graciosos e judiciais ao dispor dos contribuintes para os discutir, bem como fixando as regras de repartição do ónus da prova.
Assim, começa o art. 81º da Lei Geral Tributária (doravante LGT), por afirmar o carácter subsidiário dos métodos indiretos de tributação, estabelecendo o nº 1 deste preceito que:
“1 - A matéria tributável é avaliada ou calculada directamente segundo os critérios próprios de cada tributo, só podendo a administração tributária proceder a avaliação indirecta nos casos e condições expressamente previstos na lei.”
Por outro lado, e por forma a estabelecer os fins visados quer pela avaliação directa, quer pela avaliação indirecta, o art. 83º do mesmo diploma legal, determina o seguinte:´
“1 - A avaliação directa visa a determinação do valor real dos rendimentos ou bens sujeitos a tributação.
2 - A avaliação indirecta visa a determinação do valor dos rendimentos ou bens tributáveis a partir de indícios, presunções ou outros elementos de que a administração tributária disponha.”
Podemos, deste modo, afirmar que enquanto a avaliação direta tem como ponto de partida as declarações dos contribuintes e/ou os dados apurados na sua contabilidade, que se presumem verdadeiros, e com ele se apura o lucro real das entidades sujeitas a imposto, já a avaliação indireta visa apurar os rendimentos obtidos pelos contribuintes a partir de indícios de que a AT disponha ou presunções que faça. Significa isto que quando se aplicam métodos indiretos de tributação o legislador sabe que não vai apurar o lucro real das entidades a que se reporta o imposto, mas o valor mais aproximado possível daquele que seria o seu valor real.
Exatamente porque com a aplicação de métodos indiretos de tributação não se consegue apurar o lucro real e efetivo dos sujeitos passivos, mas porque há que respeitar os princípios constitucionais supra aludidos, o legislador não concedeu à AT nenhum poder discricionário, tendo estabelecido regras muito precisas, também, quanto às situações em que a presunção de veracidade pode cessar e as regras de repartição do ónus da prova, bem como que quando ocorra um excesso na quantificação o mesmo possa ser alegado com vista à anulação do ato.
Deste modo, na al. a) do nº 2 do art. 75º da LGT, estabelece ser necessário que as declarações, a contabilidade ou escrita revelem “… omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo”, o que significa que não são quaisquer erros ou omissões que fazem cessar a presunção de veracidade plasmada no nº 1 do preceito; é necessário que essas omissões, erros, inexatidões sejam de molde a impedir o conhecimento direto da matéria tributável real dos contribuintes, ou que existam indícios fundados de que a mesma (contabilidade) não reflete a matéria tributária real.
Em sede de IRC, e conformando-se com tudo o acima mencionado, estabelecia, à data dos factos, o artigo 54º do CIRC, o seguinte:
“A determinação do lucro tributável por métodos indirectos, salvo em caso de aplicação do regime simplificado, e sem prejuízo do disposto no nº 11 do artigo anterior, é efectuada pelo director de finanças da área da sede, direcção efectiva ou estabelecimento estável do sujeito passivo ou por funcionário em que este delegue, e baseia-se em todos os elementos de que a administração tributária disponha, de acordo com o artigo 90º da lei geral tributária e demais normas legais aplicáveis.”
Importa, por isso, trazer à colação os artigos 87º a 89º da Lei Geral Tributária.
O artigo 87º da LGT, elenca, de forma taxativa, as várias situações em que é possível lançar mão destes métodos indiretos de tributação, estabelecendo no seu nº 1, na parte relevante para os presentes autos, o seguinte:
“1 - A avaliação indirecta só pode efectuar-se em caso de:
(…)
b) Impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável de qualquer imposto;
c) A matéria tributável do sujeito passivo se afastar, sem razão justificada, mais de 30% para menos ou, durante três anos seguidos, mais de 15% para menos, da que resultaria da aplicação dos indicadores objectivos da actividade de base técnico-científica referidos na presente lei.
d) Os rendimentos declarados em sede de IRS se afastarem significativamente para menos, sem razão justificada, dos padrões de rendimento que razoavelmente possam permitir as manifestações de fortuna evidenciadas pelo sujeito passivo nos termos do artigo 89.º-A;
e) Os sujeitos passivos apresentarem, sem razão justificada, resultados tributáveis nulos ou prejuízos fiscais durante três anos consecutivos, salvo nos casos de início de actividade, em que a contagem deste prazo se faz do termo do terceiro ano, ou em três anos durante um período de cinco.
f) Existência de uma divergência não justificada de, pelo menos, um terço entre os rendimentos declarados e o acréscimo de património ou o consumo evidenciados pelo sujeito passivo no mesmo período de tributação.”
Mais, o art. 88º do diploma a que nos temos vindo a reportar, esclarece ainda quais são as situações concretas a que se refere a al. b) do nº 1 do preceito anteriormente mencionado, determinando que estamos perante situações enquadráveis na referida alínea sempre que ocorra uma das seguintes situações:
“(…)
a) Inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração, falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução quando não supridas no prazo legal, mesmo quando a ausência desses elementos se deva a razões acidentais;
b) Recusa de exibição da contabilidade e demais documentos legalmente exigidos, bem como a sua ocultação, destruição, inutilização, falsificação ou viciação;
c) Existência de diversas contabilidades ou grupos de livros com o propósito de simulação da realidade perante a administração tributária e erros e inexactidões na contabilidade das operações não supridos no prazo legal.
d) Existência de manifesta discrepância entre o valor declarado e o valor de mercado de bens ou serviços, bem como de factos concretamente identificados através dos quais seja patenteada uma capacidade contributiva significativamente maior do que a declarada.”
Por fim, chama-se ainda à colação o disposto no artigo 90º preceito onde estão elencados os elementos que a AT deverá ter em consideração para determinar a matéria tributável com base nestes métodos indiretos, e que estabelece o seguinte:
“1 - Em caso de impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável, a determinação da matéria tributável por métodos indirectos poderá ter em conta os seguintes elementos:
a) As margens médias do lucro líquido sobre as vendas e prestações de serviços ou compras e fornecimentos de serviços de terceiros;
b) As taxas médias de rentabilidade de capital investido;
c) O coeficiente técnico de consumos ou utilização de matérias-primas e outros custos directos;
d) Os elementos e informações declaradas à administração tributária, incluindo os relativos a outros impostos e, bem assim, os relativos a empresas ou entidades que tenham relações económicas com o contribuinte;
e) A localização e dimensão da actividade exercida;
f) Os custos presumidos em função das condições concretas do exercício da actividade;
g) A matéria tributável do ano ou anos mais próximos que se encontre determinada pela administração tributária.
h) O valor de mercado dos bens ou serviços tributados;
i) Uma relação congruente e justificada entre os factos apurados e a situação concreta do contribuinte.”
De todo o regime supra aludido, retiramos que o legislador fiscal, em obediência ao comando constitucional de que a tributação deve ser efetuada pelo lucro real, em regra, espartilhou os poderes da AT por forma a que esta apenas possa deitar mão a estes métodos indiretos de tributação em situações muito concretas e obedecendo a critérios bem definidos e que calcule o lucro tributável do modo mais próximo possível àquele que foi o lucro real da entidade.
Também em sede de ónus da prova, o legislador, criou regras muito claras.
Assim, e por força do art. 74º da LGT, nestas situações compete à AT demonstrar a verificação dos pressupostos legais que lhe permitem a tributação por este método, demonstrando de forma absolutamente clara e inequívoca que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelos contribuintes ou que decorrem da sua contabilidade, sendo que o método indireto é o único que torna possível o apuramento do imposto. Após esta demonstração, cabe ao contribuinte o ónus de demonstrar que aqueles pressupostos não ocorrem ou que ainda que ocorram, existiu um erro ou excesso manifesto na quantificação da matéria coletável.
Neste sentido podemos ver inúmeros Acórdãos, entre os quais realçamos o Acórdão do TCA Norte proferido no Processo nº 00181/04.4BEVIS e datado de 26/10/2017, onde é afirmado o seguinte:
“I. Face às regras do ónus da prova (arts. 324º do Código Civil e 74º da LGT) compete à administração tributária, quando pretende utilizar o mecanismo dos métodos indiretos, demonstrar a verificação dos pressupostos legais que permitem a tributação por esse método, mostrando, de forma clara e inequívoca que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àquele método se tomou a única forma de calcular o imposto, externando os elementos que a levaram a concluir nesse sentido.
II - Após que recai sobre o contribuinte o ónus de demonstrar que aqueles pressupostos não se verificam ou que, verificando-se, houve erro ou manifesto excesso na quantificação”
Na mesma senda, o Acórdão do TCA Sul proferido no Processo nº 04785/11 e datado de 20/12/2012, esclarece que:
“1. Encontram-se preenchidos os pressupostos para o lucro tributável ser apurado por métodos indirectos quando através da contabilidade da contribuinte, mercê das suas omissões, deficiências ou irregularidades, não é possível apurar os reais custos e nem os reais proveitos;
2. Em sede de impugnação judicial, actualmente, no âmbito da vigência da LGT e do CPPT; cabe à Administração Fiscal assentar os pressupostos que levaram à tributação, em juízos de probabilidade, necessariamente elevada, e ao contribuinte, que alegue e prove factos (através de prova concludente) que ponham em dúvida (fundada) os pressupostos em que assentou o juízo de probabilidade elevado feito pela Administração para prova da existência do facto tributário,'
3. Não tendo a impugnante, em sede de contra alegações, quanto ao fundamento em que decaiu na 1.ª Instância, vindo esgrimir as concretas razões por que se mostram errados os fundamentos que o estearam, não pode o mesmo deixar de improceder, na falta também, de qualquer fundamento de conhecimento oficioso que outra solução ditasse;
4. Não tendo a impugnante vindo fazer qualquer prova da desadequação do critério utilizado pela AT para a determinação da quantificação da matéria tributável alcançada e nem que esta possa padecer de qualquer erro ou excesso, não pode a mesma deixar de se inverter, por tal ónus probatório, neste caso, lhe cabe.”
De tudo o acima referido, podemos concluir que impede sobre a AT, no seu relatório inspetivo, invocar, concretizar, indicar os motivos concretos que a levam a desconsiderar a contabilidade dos sujeitos passivos inspecionados, por forma a afastar a presunção de veracidade de que a mesma beneficia, ao amparo do disposto no artigo 75º da LGT, e a obrigam a lançar mão deste método subsidiário de apuramento do lucro tributável dos contribuintes, indicando também qual o método que utilizaram para proceder ao aludido apuramento e dos elementos de que se socorreram para tal.
Na verdade, embora a avaliação indireta visa a determinação do valor dos rendimentos ou bens tributáveis a partir de indícios, presunções, necessário se torna que esses indícios se encontrem provados, impendendo essa prova sobre a AT.
Após a demonstração da necessidade de recurso a métodos indiretos de tributação, impenderá sobre o contribuinte demonstrar o excesso da quantificação alcançada pela AT, designadamente pela utilização de métodos ou elementos credíveis.
Dizer ainda que muito embora com a aplicação de métodos indiretos de tributação nunca se consiga chegar ao verdadeiro lucro tributável dos sujeitos passivos, tal situação não pode acarretar um excesso na quantificação do lucro apurado com este método.
Efetuado este breve enquadramento da questão, cumpre baixar ao caso dos autos para aquilatar do bem decidido pelo Tribunal a quo no que tange à verificação dos fundamentos para recurso a métodos indiretos, bem como no que respeita ao modo como foi apurado o seu quantum.
No que respeita à primeira questão, amparou o Tribunal a quo a sua decisão no seguinte discurso argumentativo:
“No caso vertente, realizada a inspecção à contabilidade da impugnante, a administração fiscal constatou que em grande parte das obras realizadas e declaradas nos anos de 2006 e 2007, a impugnante apresenta custos com “fornecimentos e serviços externos”, designadamente empresas contratadas em regime de subempreitada, com um valor é muito superior ao valor que recebeu pelos serviços que prestou, ou seja, adquiriu mais metros quadrados de cofragem do que os que foram por si produzidos e vendidos.
Nos autos não existem autos de medição, orçamentos ou qualquer documento de suporte que permita verificar o valor desses contratos de subempreitada, declarados como gastos.
Ao que acresce o facto de as facturas de suporte a esses custos não conterem a descrição da área produzida, nem o custo unitário, ou seja, em incumprimento das exigências formais contidas no artigo 35.°, n.° 2, al. b) do CIVA, aliado ao facto de os pagamentos das mesmas terem sido efectuados por caixa ou em numerário, ou pelo menos registados como tal, em clara violação do artigo 63.°-C da LGT.
Ora, verificado o desequilíbrio negativo entre os custos e os lucros nas obras realizadas, a Administração tributária conclui pela existência de fortes dúvidas sobre a indispensabilidade e veracidade do valor dos custos apresentados, bem como pela impossibilidade de verificar a sua veracidade e indispensabilidade devido à inexistência ou falta de forma legal dos documentos de suporte e à ilegalidade do meio de pagamento utilizado.”
Não conseguimos acompanhar o aqui decidido.
Na verdade, da leitura do relatório inspetivo o que resulta à evidencia é que AT coloca em causa a veracidade de certos custos, designadamente porque não se compreende como para certas obras a que se reportariam as empreitadas, nas faturas emitidas pelo subempreiteiro contratado sejam cobrados mais metros quadrados de cofragens do que aqueles que a Recorrente cobra aos clientes. Nessa sequência, a AT considera que não está provada a necessidade de tais custos, ao abrigo do disposto no artigo 23º do CIRC. Juntamente com esta realidade, sustenta ainda a AT no mesmo relatório que, por um lado a Recorrente detinha um número de trabalhadores adequado para a realização das mesmas obras, bem como que o pagamento das faturas, que se encontram devidamente identificadas com sendo as emitidas pelos subempreiteiros S……… B……. e J……….., salienta-se, ser efetuado através da conta “Caixa” e não através de uma conta “Bancos”.
Significa isto que, no fundo, o que a AT nos está a pretender afirmar é que não estamos perante facturas que titulem verdadeiros serviços, embora sem ter lançado mão desta figura, considera que os custos não se revelam como admissíveis ao abrigo do artigo 23º, por considerar que os mesmos não seriam indispensáveis à realização dos proveitos.
Ora, conhecendo a AT as faturas concretas que desconsidera como custo fiscalmente relevante, não existindo mais nenhuma circunstância que possa levar à aplicação dos métodos indiretos, como as indicadas no artigo 88º da LGT, designadamente a circunstância da contabilidade do sujeito passivo não se encontrar devidamente organizada, por conter omissões, deficiências ou irregularidades, que impossibilitem o apuramento dos reais custos e nem os reais proveitos, ter ocorrido uma Recusa de exibição da contabilidade e demais documentos legalmente exigidos, bem como a sua ocultação, destruição, inutilização, falsificação ou viciação, bem como existirem diversas contabilidades ou grupos de livros com o propósito de simulação da realidade perante a administração tributária e erros e inexatidões na contabilidade das operações não supridos no prazo legal, não se encontram motivos para que houvesse necessidade de lançar mão de métodos indiretos de tributação.
Efetivamente, in casu, a Recorrente sempre colaborou com a AT, fornecendo vários elementos, como resulta claro do relatório inspetivo, não há nenhum relato de atrasos ou deficiências na contabilidade, sendo que a única coisa que motiva a correção é a circunstância de a AT considerar que certos custos não estão em consonância com as demais realidades apuradas.
Ora, a ser assim, a AT o que deveria ter feito seria corrigir esses custos concretos e não invocar um alegado “desequilíbrio negativo entre os custos” quando o mesmo apenas resulta de existirem faturas que possam não titular transações verdadeiras. Encontrando-se essas faturas devidamente identificadas o caminho correto teria sido o de corrigir os custos em conformidade e não lançar mão dos métodos indiretos de tributação.
Aliás, o alegado desequilíbrio negativo entre os custos e os lucros nas obras realizadas cuja desconsideração daqueles custos implicaria uma rentabilidade muito diferente ou custos com mão de obra não declarado, não passa duma expressão conclusiva, imprecisa e não circunstanciada que não esclarece as suas premissas.
Significa isto que não tendo a AT logrado provar a verificação da necessidade de lançar mão dos aludidos métodos indiretos, nem sequer cabia à Recorrente provar o excesso na quantificação dos mesmos, pelo que o conhecimento desse segmento se julga prejudicado nesta sede.
Assim sendo e sem necessidade de mais considerações, julgaremos totalmente procedente o presente recurso, revogando-se a decisão recorrida e julgando a impugnação procedente.
* CUSTAS
No que diz respeito à responsabilidade pelas custas, atendendo ao total decaimento da Recorrida, a mesma é responsável pelas mesmas, em ambas as instâncias, embora sem taxa de justiça nesta sede por não ter contra-alegado [cfr. art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT].*** III- Decisão
Face ao exposto, acordam em conferência os Juízes da Subsecção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida e julgar a Impugnação procedente anulando-se os atos de liquidação impugnados.
Custas pela Recorrida, em ambas as instâncias.
Lisboa, 30 de Setembro de 2025
Cristina Coelho da Silva - Relatora
Tiago Brandão de Pinho
Vital Lopes
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