Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:965/11.7BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:06/05/2025
Relator:FILIPE CARVALHO DAS NEVES
Descritores:ILEGITIMIDADE
IFAP
FUSÃO
Sumário:I - O ato praticado pela Recorrente que determinou a devolução pela Recorrida das ajudas recebidas reveste a natureza de ato administrativo, na aceção do art.º 120.º do Código de Procedimento Administrativo (em vigor à data), configurando o exercício de um poder sancionatório, que tem origem na sua natureza jurídica pública.
II - Por essa razão, a obrigação de reposição das quantias em causa, emanando de um ato de natureza eminentemente sancionatória, não é transmissível com o estabelecimento comercial, inserindo-se, antes, no passivo da devedora originária.
III - Não tendo a dívida exequenda sido transmitida para a Recorrida (sociedade executada) no âmbito da providência especial de recuperação que consistiu na reconstituição empresarial, aprovada nos termos do art.º 78.º do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência, inexiste suporte legal para se proceder ao seu chamamento para a execução fiscal, sendo aquela, assim, parte ilegítima na execução.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO

O Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I.P. («IFAP») veio apresentar recurso da sentença proferida a 08/06/2018 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou procedente a oposição judicial deduzida por S… – C…, S.A., melhor identificada nos autos, na qualidade de sociedade incorporante da sociedade S… – S… Azeites, S.A., no processo de execução fiscal («PEF») n.º 3522201001019007, instaurado para cobrança de dívida no valor total de 90.908,08 Euros.

A Recorrente apresentou alegações, rematadas com as seguintes conclusões:

«A. O presente recurso vem interposto de sentença proferida em 7/6/2018, através da qual decidiu-se julgar procedente a oposição à execução fiscal e, em consequência, julgar extinta a execução fiscal instaurada contra a Oponente, e condenar o IFAP, I.P. no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida, no entendimento que “(…)Sendo a dívida posterior a 26.01.2004 e não tendo sido reclamada, nem reconhecida nos autos de recuperação da sociedade S… – Comércio e Indústria, S.A., a dívida não foi assumida pela sociedade executada”.
B. Salvo melhor entendimento, a douta sentença recorrida faz uma incorreta análise dos factos e do direito aplicável, pois, a sociedade S… – C…, SA, é responsável pelo pagamento da dívida exequenda.
C. Com efeito, em 19/1/2001, a sociedade S… — Comércio e Indústria, S.A., solicitou informação sobre quais os procedimentos para transferir a titularidade do projeto para a sociedade F… - Gestão Mobiliária e Imobiliária, Lda, tendo em resposta o ex-IFADAP, informado que uma alteração da titularidade do projeto, nos termos da 2ª alínea do Artº 27º da Portaria 199/94, conduziria à cessação do pagamento do Prémio de Perda de Rendimento.
D. Em 30/4/2001, pela sociedade F… - Gestão Mobiliária e Imobiliária, Lda,
foi apresentada uma exposição, tendo o ex-IFADAP respondido, através de ofício nº 31.500/1269/2001, de 7/5/2001, informando esta sociedade que “independentemente dos accionistas se manterem juridicamente está subjacente uma transferência de titularidade”.
(Cfr. Doc.s nºs 4 e 5, junto com a contestação)
E. Todavia, durante o período de vigência do referido contrato de atribuição da ajuda, a sociedade S...- Comércio e Indústria, S.A., em 27/9/2001, transferiu a titularidade do prédio, designado “H…”, afeto ao projeto em referência, para
a sociedade F…- Gestão Mobiliária e Imobiliária, Lda, consubstanciando tal
facto, uma irregularidade na execução do projeto, por violação das obrigações contratadas.
F. Em 6/5/2005, foi efetuada uma reanálise ao Projeto nº 1994630021460, tendo-se concluído pelo incumprimento do mesmo, por transferência da titularidade do prédio objeto da ajuda para a sociedade F… - Gestão Mobiliária e Imobiliária, Lda, tendo a sociedade, S...- Comércio e Indústria, S.A. notificada, em 22/7/2005, através de ofício nº 767/DINV/SEF/2005, nos termos e para os efeitos dos Artºs 100º e 101º
do CPA.
G. Em 19/9/2005, através de ofício n° 0948/DINV/SEF/2005, a sociedade S...- Comércio e Indústria, S.A., é notificada da decisão final de recuperação de verbas indevidamente recebidas, tendo o ora recorrente rececionado duas cartas provenientes da sociedade S…, S.A. e da S…– S… Azeites, S.A , alegando a inexistência da sociedade S…, S.A., por esta ter sido alvo de um processo especial de recuperação de empresa e das medidas de recuperação adotadas, nomeadamente, pela constituição de três novas sociedades, a saber, I…, S.A. (1), I…, S.A. (2), e S… - S… Azeites, S.A. (3) e da concordata aprovada.
H. Perante o teor das referidas cartas, o IFAP, I.P., em 26/05/2009, solicitou à Liquidatária Judicial no âmbito do referido processo especial de recuperação de empresa, a Srª Drª M…, a informação sobre qual a entidade que deveria responder pela quantia em dívida a este Instituto, resultante do incumprimento por parte da referida empresa, tendo-lhe sido informado que a responsabilidade pelo pagamento da dívida no âmbito do homologado no plano de recuperação de empresa, era da empresa S… Comércio e Indústria, S.A., entretanto extinta.
I. Com efeito, resulta do teor de sentença proferida em 4/6/2004, pelo 1º Juízo do Tribunal Judicial de Abrantes, no âmbito do Proc. 106/04.7TBABT, que “a S… – S… Azeites, S.A. adquiriu, por transferência global, nos termos previstos no art. 86.º do CPEREF, todos os direitos e obrigações inerentes ao estabelecimento comercial e industrial que era detido pela recuperanda.”
J. Atenta a informação prestada pela Liquidatária Judicial, em 10/2/2010, o IFAP, I.P., remeteu ao Serviço de Finanças de Abrantes, certidão de dívida, para que fosse instaurado o competente processo de execução fiscal contra a firma S…, S… Azeites, SA. (Cfr. Doc. 15, cujo teor se dá por integralmente reproduzido)
K. A este respeito, entende o Tribunal a quo (pág. 11 da sentença) que a sociedade “A S… – S… Azeites, S.A. adquiriu, por transferência global, nos termos previstos no art. 86.º do CPEREF, todos os direitos e obrigações inerentes ao estabelecimento comercial e industrial que era detido pela recuperanda.” (Negrito e sublinhado nosso)
L. Ou seja, todos os direitos e obrigações inerentes ao estabelecimento comercial e industrial à data detido e explorado pela sociedade S… Comércio e Indústria, S.A. foram transferidos para a sociedade S… – C…, SA, enquanto sociedade incorporante de todo o património da sociedade S… – S… AZEITES, SA.
M. O período de vigência do contrato de atribuição da ajuda, celebrado em 11/09/1995, apenas terminou em 2015, pelo que, até essa data, estava a sociedade S… – C…, SA, enquanto sociedade incorporante de todo o património da sociedade S… – S… AZEITES, SA, que por sua vez foi a adquirente por transferência global de todos os direitos e obrigações inerentes ao estabelecimento comercial e industrial da sociedade S...- Comércio e Indústria, S.A., obrigada à manter os requisitos de atribuição da ajuda. (Cfr. Ponto A da matéria de facto dada como provada na sentença).
N. Uma vez que na execução do projeto não foram mantidos os requisitos para atribuição da ajuda, a sociedade S… – C…, SA, é responsável pelo
incumprimento do projeto.
O. Face ao exposto, salvo melhor opinião, ao contrário do entendimento do Tribunal a quo, enquanto legal sucessora da devedora original, a sociedade S… – C…, SA, é responsável pelo pagamento da dívida exequenda, pelo que é
parte legítima nos presentes autos enquanto executada, razão pela qual deve a oposição ser julgada improcedente, bem como deve ser indeferida a indemnização pelos prejuízos resultantes da prestação de garantia bancária.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e em consequência ser revogada a decisão recorrida, assim se fazendo
JUSTIÇA!».
*
A Recorrida apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões:

«A. Não merece qualquer censura a douta sentença recorrida que fez uma correta análise dos factos e do direito aplicável.
B. No que respeita à decisão sobre a matéria de facto, não vem a mesma especificadamente impugnada pela Recorrente, como lhe competia nos termos do artigo 640º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 2º alí e) do CPPT, pelo que se conclui que o julgamento da matéria de facto pelo Tribunal a quo não é posto em causa no presente recurso.
C. Alega a Recorrente que o período de vigência do contrato de atribuição de ajuda apenas terminou em 2015, quando o referido contrato foi rescindido pelo IFAP em 2005 (cfr. ponto I. da matéria de facto dada por provada).
D. Improcede assim totalmente o argumento que, tendo o período de vigência do contrato apenas terminado em 2015 estaria, por isso a Oponente até essa data obrigada a manter os requisitos de atribuição da ajuda.
E. O contrato terminou a sua vigência em 2005, pelo que nunca poderia a sociedade incorporante suceder no cumprimento das obrigações contratuais previstas num contrato que já havia cessado a sua vigência à data do registo da fusão.
F. É facto assente que foi a S...- Comércio e Indústria, S.A. que incumpriu o contrato quando, em 2001, transferiu a titularidade do prédio afeto ao projeto para a sociedade F… - Gestão Mobiliária e Imobiliária, pelo que nunca poderia ser a Oponente responsável pelo incumprimento do projecto.
G. O que está em causa nos presentes autos é se a executada pode ser chamada a responder pela dívida exequenda e a dívida exequenda não emerge do incumprimento do contrato mas do acto administrativo sancionatório que determinou a devolução das ajudas.
H. Aliás, é por estar em causa o pagamento, a uma pessoa colectiva pública, de uma prestação pecuniária devida por força de acto administrativo que a cobrança coerciva dessa dívida é feita em processo de execução fiscal, nos termos do artigo 155º do CPA e do artigo 148º nº 2, al. a) do CPPT.
I. E essa dívida, como obrigação de pagamento de uma quantia pecuniária, insere-se no passivo da devedora originária S...- Comércio e Indústria, S.A..
J. Como resulta da matéria de facto considerada provada, nem todos os passivos da recuperanda se transmitiram para a S...- S… Azeites, S.A
L. No âmbito do processo especial de recuperação da S...— Comércio e Indústria, S.A., a S...— S… Azeites, S.A. apenas assumiu (i) o passivo reconhecido naqueles autos anterior a 26.01.2004, e (ii) o passivo constituído posteriormente àquela data, com excepção do passivo não reconhecido nos autos que seria, em qualquer circunstância, da responsabilidade da recuperanda - (cfr. ponto Q da matéria de facto considerada provada).
M. Não tendo a dívida em causa na presente execução sido reclamada nem reconhecida nos autos de recuperação, a mesma não se transmitiu para a executada, sendo a responsável pela mesma a sociedade S...— Comércio e Indústria, S.A..
N. Pelo que se impõe concluir, como na douta sentença, que a executada é parte ilegítima na execução.
Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exas suprirão, deve o presente recurso ser julgado improcedente, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.».
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A Exma. Magistrada do Ministério Público («EMMP») pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.
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Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul para decisão.

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II – DO OBJECTO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações (cf. art.º 635.º, n.º 4 e art.º 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil - «CPC» - ex vi art.º 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário - «CPPT»), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente.
Assim, delimitado o objeto do recurso pelas conclusões das alegações da Recorrente, importa decidir se deve ser revogada a sentença proferida pelo Tribunal a quo com fundamento em erro de julgamento, atendendo a que a Recorrida é parte legítima na presente execução fiscal porquanto adquiriu, por transferência global, todos os direitos e obrigações inerentes ao estabelecimento comercial e industrial à data detido e explorado pela S…, Comércio e Indústria, S.A., sendo, pois, responsável pelo pagamento da dívida exequenda.
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III – FUNDAMENTAÇÃO

III.A - De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:
«A. Em 11.09.1995, foi celebrado entre o IFADAP (actual, IFAP) e a sociedade S...– Comércio e Indústria, S.A. um “contrato de atribuição de ajuda, no âmbito das Medidas Florestais na Agricultura instituídas pelo Reg. (CEE) 2080/92, do Conselho, de 30 de Junho de 1992”, relativa ao Projecto n.º 1994630021460, com vigência até 2015 (cfr. contrato, a fls. 331 e 332 dos autos, que se dá por reproduzido);
B. Em 27.09.2001, a sociedade S...– Comércio e Indústria, S.A. transferiu a titularidade do prédio designado “H…”, afecto ao projecto referido na alínea antecedente, para a sociedade F… – Gestão Mobiliária e Imobiliária, Lda. (cfr. comunicação datada de 19.01.2001, a fls. 333 dos autos, conjugada com a carta, a fls. 335 dos autos e certidão, a fls. 338 dos autos que se dão por reproduzidas);
C. Através do ofício ref. 31.500/20/2001, de 06.02.2001, o IFADAP informou a sociedade S...– Comércio e Indústria, S.A. que uma alteração da titularidade do projecto conduziria à cessação do pagamento do prémio de perda de rendimento (cfr. ofício, a fls. 334 dos autos, que se dá por reproduzido);
D. Através do ofício n.º 4636/UIALEN/port/2004, de 27.12.2004, o IFADAP solicitou à sociedade S...– Comércio e Indústria, S.A. informação sobre a manutenção do interesse na transferência do projecto (cfr. ofício, a fls. 169 dos autos, que se dá por reproduzido);
E. Em resposta ao ofício referido na alínea antecedente, a sociedade S..., S… Azeites, S.A. informou o IFADAP que a sociedade S...– Comércio e Indústria, S.A. foi objecto de um projecto especial de recuperação e que o prédio designado “H…”, associado o projecto de plantação florestal, não faz parte do activo imobiliário transmitido para essa sociedade no âmbito do processo de recuperação (cfr. exposição, a fls. 170 e 171 dos autos, que se dá por reproduzida);
F. Em 06.05.2005, o IFADAP efectuou uma reanálise ao projecto referido em A. tendo sido proposta a rescisão do contrato de atribuição de ajuda (cfr. “conclusão da análise”, a fls. 339 e 340 dos autos, que se dá por reproduzida);
G. Através do ofício ref. 767/DINV/SEF/2005, de 22.07.2005, o IFADAP notificou a sociedade S...– Comércio e Indústria, Lda. para exercer o direito de audição sobre o projecto de rescisão do contrato de atribuição de ajuda, na sequência da alteração da titularidade dos prédios afectos ao projecto de arborização (cfr. ofício, a fls. 342 e 343 dos autos, que se dá por reproduzido);
H. Por carta datada de 14.09.2005, a sociedade S..., S… Azeites, S.A. informou o IFADAP que a correspondência dirigida à S...– Comércio e Indústria, S.A. devia ser remetida para a Rua do C…, n.º …, em Lisboa (cfr. carta, a fls. 174 dos autos, que se dá por reproduzida);
I. Através do ofício ref. 948/DINV/SEF/2005, de 19.09.2005, o IFADAP notificou a sociedade S...– Comércio e Indústria, Lda., para o Apartado …, 2… Alferrarede, da rescisão unilateral do contrato de atribuição de ajudas e cancelamento do projecto, com exigência de devolução das ajudas processadas, acrescida dos respectivos juros, no montante total de € 102.062,46 (cfr. ofício, a fls. 344 e 345 dos autos, que se dá por reproduzido);
J. Em 30.09.2005, a sociedade S...– Comércio e Indústria, Lda. informou o IFADAP que, por sentença de Junho de 2004, lhe foi aplicada a medida de recuperação de reconstituição empresarial, tendo sido constituídas três novas sociedades. Mais esclareceu que a S..., S… Azeites, S.A. tinha adquirido por transferência global todos os direitos e obrigações inerentes ao estabelecimento comercial e industrial à data detido e explorado pela requerente, não tendo aquela qualquer actividade e bens, e que o crédito devia ter sido reclamado em prazo e oportunamente (cfr. exposição, a fls. 347 e 348 dos autos, que se dá por reproduzida);
K. Em 03.11.2005, a sociedade S..., S… Azeites, S.A. reiterou junto do IFADAP que a correspondência dirigida à S...– Comércio e Indústria, S.A. devia ser remetida para a morada referida na alínea H. supra (cfr. carta, a fls. 350 dos autos, que se dá por reproduzida);
L. Através do ofício n.º 690/DJU/UDEV/2009, o IFAP solicitou à liquidatária judicial da sociedade S...– Comércio e Indústria, S.A. que, considerando as ressalvas decorrentes do plano de recuperação, esclarecesse qual a entidade que responde pela quantia em dívida (cfr. ofício, a fls. 351 a 353 dos autos, que se dá por reproduzido);
M. Por carta datada de 15.06.2009, a gestora judicial informou o IFAP que “De acordo com o plano de recuperação, o passivo não reconhecido nos referidos autos, seria da responsabilidade da recuperanda, pelo que (…) o valor em dívida será da responsabilidade da S...Comércio e Indústria, S.A.” (cfr. carta, a fls. 355 dos autos, que se dá por reproduzida);
N. A sociedade S...– Comércio e Indústria, S.A. foi objecto de um projecto especial de recuperação, com aprovação a providência de reconstituição empresarial, nos termos do art. 78.º do CPEREF, acompanhada de uma concordata relativamente aos credores não subscritores da proposta, que foi homologada por sentença proferida a 04.06.2004, no âmbito do processo n.º 106/04.7TBABT, que correu termos no 1.º Juízo de Abrantes (cfr. certidão do processo judicial, a fls. 183 a 295 dos autos, que se dá por reproduzida);
O. A reconstituição empresarial consubstanciou-se na constituição de três novas sociedades: S...– S… Azeites, S.A., Imobiliária S...(1), S.A. e Imobiliária S...(2), S.A. (cfr. certidão, a fls. 183 a 295 dos autos);
P. A S...– S… Azeites, S.A. adquiriu, nos termos do art. 86.º do CPEREF, por transferência global, todos os direitos e obrigações inerentes ao estabelecimento comercial e industrial que era detido e explorado pela recuperanda, incluindo, designadamente, todas as marcas e todos os direitos de propriedade industrial, contratos com clientes de qualquer natureza, contratos com instituições financeiras, direitos ao arrendamento, créditos e débitos sobre clientes e ainda os trabalhadores identificados no anexo 5 (cfr. proposta de recuperação, a fls. 204 a 217 dos autos);
Q. Em relação ao passivo, a S...– S… Azeites, S.A. apenas assumiu o passivo reconhecido naqueles autos (anterior a 26.01.2004) e o passivo constituído posteriormente àquela data, “com excepção do passivo não reconhecido nos presentes autos que será, em qualquer circunstância, da responsabilidade da recuperanda” (cfr. alínea d) do ponto III.2 da proposta de recuperação, a fls. 213 dos autos);
R. A Imobiliária S...(2), S.A., passou a ser a titular de todos os bens imóveis da recuperanda sitos no concelho de Portalegre e a Imobiliária S...(1), S.A. passou a ser titular de todos os imóveis pertencentes à recuperanda, com excepção dos que ficaram na titularidade daquela (cfr. proposta de recuperação, a fls. 211 dos autos);
S. A dívida do IFAP, referida na alínea I. supra, não foi reclamada, nem reconhecida no processo especial de recuperação da sociedade S...– Comércio e Indústria, S.A. (cfr. relação de créditos, a fls. 240 a 273 dos autos, que se dá por reproduzida);
T. Em Dezembro de 2007, a sociedade S...– S… Azeites, S.A. foi incorporada na sociedade S… – C…, S.A., ora Oponente, tendo a sua actividade sido cessada em 25.01.2008 (cfr. declaração de cessação de actividade, a fls. 166 dos autos, que se dá por reproduzida);
U. Em 04.01.2010, o IFAP extraiu certidão de dívida em nome da sociedade S...– S… Azeites, S.A. (cfr. certidão de dívida, a fls. 409 dos autos, que se dá por reproduzida);
V. Em 21.04.2010, foi a sociedade S...– S… Azeites, S.A. citada, no âmbito do processo de execução fiscal n.º 3522201001019007, para pagar a quantia exequenda de € 89.089,76, acrescida de juros de mora no valor de € 1.545,96, e custas no valor de € 273,26, proveniente de subsídios do IFAP, de 2005 (cfr. ofício, a fls. 168 dos autos, que se dá por reproduzido);
W. Em 26.05.2010, a Oponente constituiu garantia bancária junto do M…, no valor de € 115.626,99, destinada a suspender o processo de execução fiscal referido na alínea antecedente (cfr. garantia, a fls. 423 dos autos, que se dá por reproduzida);
X. Até Agosto de 2011, a Oponente suportou custos com a manutenção da garantia, no valor total de € 3.211,90 (cfr. extractos bancários, a fls. 424 a 430 dos autos, que se dão por reproduzidos).

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A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte:
«A sociedade S...– S… Azeites, S.A. foi notificada do acto de rescisão contratual proferido pelo IFAP.».
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Mais resulta consignado em termos de motivação da matéria de facto o seguinte:
«A convicção do Tribunal quanto aos factos considerados provados resultou do exame dos documentos não impugnados, conforme referido em cada uma das alíneas do probatório.
Quanto à matéria de facto não provada:
Por falta de junção aos autos da respectiva prova documental (acto emitido em nome da sociedade S...– S… Azeites, S.A., bem como o comprovativo do seu envio e recepção pela destinatária).».

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III.B De Direito

Insurge-se a Recorrente contra a sentença recorrida por, alegadamente, padecer de erro de julgamento, concretamente em relação à ilegitimidade da Recorrida para a presente execução fiscal. Vem, assim, a Recorrente peticionar a revogação da sentença que recaiu sobre a oposição à execução fiscal apresentada no PEF em causa, defendendo, em suma, que a Recorrida é parte legítima na presente execução fiscal uma vez que adquiriu, por transferência global, todos os direitos e obrigações inerentes ao estabelecimento comercial e industrial à data detido e explorado pela S..., Comércio e Indústria, S.A., sendo, pois, responsável pelo pagamento da dívida exequenda.

Apreciemos.

Adiantando, desde já, a nossa posição, entendemos que a sentença em dissídio não padece do desacerto que lhe vem assacado nas alegações recursivas. Vejamos, então, porquê.

Antes de mais avançarmos, atentemos no discurso fundamentador adotado na sentença recorrida e que permitiu ao TAF de Sintra concluir nos termos em que o fez. Aí se lê, após algumas considerações jurídicas relevantes para o tema em análise, o seguinte:

«Relativamente ao passivo, a S...– S… Azeites, S.A. apenas assumiu o passivo reconhecido nos autos, anterior a 26.01.2004, e o passivo constituído posteriormente, com excepção do passivo não reconhecido nos presentes autos que seria, em qualquer circunstância, da responsabilidade da recuperanda.
Ora, neste caso, o acto de rescisão unilateral foi notificado à sociedade S...– Comércio e Indústria, Lda. através de ofício datado de 19.09.2005 (cfr. alínea I. do probatório).
Sendo a dívida posterior a 26.01.2004 e não tendo sido reclamada, nem reconhecida nos autos de recuperação da sociedade S...– Comércio e Indústria, S.A., a dívida não foi assumida pela sociedade executada.
Não tendo a dívida sido transmitida para a sociedade executada, o IFAP não tinha qualquer suporte legal (ou título válido) para proceder ao chamamento da executada para responder pela dívida, sendo esta, como defendeu a Oponente, parte ilegítima na execução.
Em conformidade, procedem as alegações da Oponente, o que, nos termos previstos na alínea b) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT, determina a extinção da execução fiscal instaurada contra a sociedade executada.».
E o assim cristalinamente decidido pelo Tribunal a quo não merece qualquer censura, dado que o exame da factualidade relevante conduz, necessariamente, à conclusão retirada na sentença sub judice: a Recorrida é parte ilegítima na execução fiscal. Explicitemos, agora, as razões para assim entendermos.

Em primeiro lugar, o ato praticado pela Recorrente que determinou a devolução das ajudas recebidas pela sociedade S...– Comércio e Indústria, S.A., por ter sido transmitida, durante o período de vigência de contrato, a titularidade do imóvel afeto ao projeto para o qual foi concedida a ajuda agro-florestal, reveste a natureza de ato administrativo, na aceção do art.º 120.º do Código de Procedimento Administrativo (em vigor à data), configurando o exercício de um poder sancionatório e autoritário de pagamento de determinada quantia, que tem origem na sua natureza jurídica pública (cf., por todos, o acórdão deste Tribunal proferido no processo n.º 11981/15, de 25/06/2015, disponível em www.dgsi.pt). E por essa razão, a obrigação de reposição das quantias em causa, emanando de um ato de natureza eminentemente sancionatória, não é, por isso, transmissível com o estabelecimento, inserindo-se, antes, no passivo da devedora originária.

Depois, porque a Recorrente nas suas alegações de recurso desconsidera completamente que ficou dado como provado nos presentes autos que «Em relação ao passivo, a S...– S… Azeites, S.A. apenas assumiu o passivo reconhecido naqueles autos (anterior a 26.01.2004) e o passivo constituído posteriormente àquela data, “com excepção do passivo não reconhecido nos presentes autos que será, em qualquer circunstância, da responsabilidade da recuperanda”» (cf. ponto Q. dos factos provados). Ou seja, a sociedade S...– S… Azeites, S.A. não assumiu, sem mais, a totalidade do passivo da S...– Comércio e Indústria, S.A. no âmbito da transferência global que foi realizada, nos termos previstos no art.º 86.º do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência («CPEREF»), de todos os direitos e obrigações inerentes ao estabelecimento comercial e industrial que era detido por esta entidade, que foi executada em execução da providência de reconstituição empresarial que foi aprovada nos termos do art.º 78.º do CPEREF (cf. ponto P. do probatório). A sociedade S...– S… Azeites, S.A. apenas assumiu o passivo reconhecido naqueles autos anterior a 26/01/2004 e o passivo constituído posteriormente àquela data, com exceção do passivo não reconhecido nos presentes autos que será, em qualquer circunstância, da responsabilidade da recuperanda (a S...– Comércio e Indústria, S.A.).

Em terceiro lugar, porque ressalta também da factualidade assente nos presentes autos – e não impugnada pela Recorrida – que a dívida exequenda não foi reclamada, nem reconhecida na providência de reconstituição empresarial que beneficiou a sociedade S...– Comércio e Indústria, S.A. (cf. ponto S. do probatório), sendo que tal era indispensável para a sua assunção pela Recorrida. Na verdade, apenas com a reclamação ou reconhecimento dessa dívida naquele âmbito é que poderia passar a integrar o conjunto de passivos assumido pela S...– S… Azeites, S.A., tal como ficou consignado no âmbito da providência especial de recuperação que foi aprovada (cf. ponto Q. dos factos provados). Assim, sendo a dívida exequenda posterior a 26/01/2004 (cf. ponto I) do probatório) e tendo ficado provado que não foi reclamada ou reconhecida nos autos de recuperação da sociedade S...– Comércio e Indústria, S.A. (cf. ponto S) do probatório), é evidente a conclusão que não foi transmitida para a esfera jurídica da Recorrida.

Pelo que, sem necessidade mais nos alongarmos, podemos concluir, em linha com a sentença recorrida, que não tendo a dívida em causa sido transmitida para a sociedade executada – ora Recorrida –, inexiste suporte legal para a Recorrente proceder ao seu chamamento para responder pela dívida exequenda, sendo aquela, assim, parte ilegítima na execução.

Em face do exposto, o recurso não merece provimento, devendo a sentença recorrida ser mantida, o que de seguida se decidirá.
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IV- DECISÃO

Termos em que acordam, em conferência, os Juízes da Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente.

Registe e notifique.

Lisboa, 5 de junho de 2025

(Filipe Carvalho das Neves)

(Lurdes Toscano)

(Susana Barreto)