Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 759/10.7BESNT |
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Secção: | CT |
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Data do Acordão: | 02/24/2022 |
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Relator: | ANA CRISTINA CARVALHO |
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Descritores: | IVA BENS EM SEGUNDA MÃO REVENDEDORES DA UNIÃO EUROPEIA REGIME ESPECIAL DE TRIBUTAÇÃO DA MARGEM |
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Sumário: | I - A transmissão de bens em segunda mão efectuadas por um sujeito passivo revendedor podem ser sujeitas a tributação segundo o regime especial de tributação da margem quando este tenha adquirido esses bens no interior da Comunidade a outro sujeito passivo revendedor, desde que a transmissão por este tenha sido efectuada ao abrigo de regulamentação idêntica vigente no Estado membro onde a transmissão dos bens tiver sido efectuada. II - Tendo as viaturas objecto das operações sujeitas a tributação sido adquiridas pelo sujeito passivo em Portugal a revendedores da União que aplicaram o regime geral de IVA, e não o regime especial de tributação pela margem vigente nesse país, equiparado ao aplicável em Portugal, as transmissões em território nacional deverão ser tributadas segundo o regime normal de IVA, com base tributável correspondente ao valor da contraprestação obtida ou a obter dos adquirentes. |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul I - RELATÓRIO A..., Ldª, inconformada com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra que julgou totalmente improcedente a impugnação judicial por si apresentada contra as liquidações adicionais de IVA referentes aos anos de 2007 e 2008, com os n.°s 10012414, 10012416, 10012418, 10012420, 10012422, 10012424, 10012426, 10012428 e respetivos juros compensatórios, dela veio interpor o presente recurso formulando, para o efeito, as seguintes conclusões: « A) Vem o presente recurso interposto da Douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo que julgou improcedente a presente Impugnação Judicial, mantendo as liquidações impugnadas pela ora Recorrente. B) In casu, concluiu o Tribunal a quo pela aplicação indevida pela Impugnante do regime especial de tributação na margem constante do Regime Especial de Tributação de Bens em Segunda Mão, ficando a mesma sujeita ao regime geral do IVA. C) Mais concluiu que o IVA pelo regime da margem, na revenda das viaturas em Portugal, não foi correctamente calculado, tendo em consideração que o IA/ISV foi incluído indevidamente no preço da compra a considerar para efeitos de apuramento da margem sujeita a IVA. D) Por último, conclui que a discrepância entre os valores de imposto constantes das liquidações adicionais e os valores apurados pela Recorrente, resulta do facto de somente algumas operações tributáveis terem sido colocadas em crise pela Autoridade Tributária, pelo que os cálculos revelaram parte dessas operações. E) A Douta Sentença consagra ainda que a decisão sobre a matéria de facto assentou somente na análise da prova documental existente nos autos, contudo a matéria de facto não foi devidamente julgada, tendo sido dispensada a produção de prova testemunhal. F) Destarte, o presente recurso tem como objecto a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto nos presentes autos, impugnando-se expressamente a decisão com os fundamentos que se passarão infra a enunciar, pelo que, considerando os elementos de facto e de prova, deveria ter sido proferida decisão em sentido diverso, com a consequente anulação da parte que excede o imposto apurado e aceite pela Impugnação, bem como dos juros compensatórios. G) Primeiramente, veio o Douto Tribunal a quo dispensar a inquirição das testemunhas arroladas, considerando que os autos continham os elementos necessários para a sua decisão. H) Como é possível constatar, a Recorrente alegou na sua Petição Inicial que os seus fornecedores revendedores aplicavam o Regime Especial de Tributação de Bens em Segunda Mão nos contratos efectuados com a Recorrente. I) Mais alegou que a responsabilidade pela desconformidade do imposto devido era da responsabilidade do Técnico Oficial de Contas, erro assumido pelo próprio. J) Na verdade, a Recorrente nunca quis incumprir as suas obrigações para com a Autoridade Tributária, tendo liquidado sempre os seus tributos atempadamente e de acordo com a Lei. K) Contudo, sendo a importação de veículos uma das suas actividades comerciais, e não possuindo conhecimentos sobre o regime de tributação aplicável, era o TOC da Recorrente que tratava de todos os assuntos fiscais, pensando a Recorrente que o imposto decorrente das vendas intracomunitárias estava ser devidamente calculado, quando, para seu espanto, constatou, após o Relatório Tributário efectuado pela Autoridade Tributária, que parte desse tributo não estava a ser correctamente calculado, designadamente, a inclusão do IA/ISV no valor da compra dos veículos. L) Destarte, a Recorrente não tinha noção, nem era sua intenção prejudicar o Estado, sendo tais factos da única e exclusiva responsabilidade do TOC. M) De realçar que, presentemente, corre termos na 2.ª Vara Cível de Lisboa, a Acção de Processo Ordinária de Condenação, sob o numero 307/11.1TVLSB, intentada pela Recorrente contra o referido TOC, J..., testemunha arrolada nos presentes autos. N) Acresce que discordando do cálculo de imposto devido, efectuado pela Sra. Inspectora da Autoridade Tributária, e consequentemente, da discrepância de valores apurados por esta e pela Recorrente, foi peticionada a demonstração dos referidos cálculos, sendo que somente a Inspectora arrolada como testemunha pela Recorrida poderia prestar tais esclarecimentos. O) Ora, com o deferimento da prova testemunhal, designadamente, com a inquirição das testemunhas arroladas pela Recorrente e pela Recorrida, a Recorrente conseguiria provar as negociações efectuadas entre a Recorrente e os seus fornecedores estrangeiros, com vista à aquisição de veículos usados, e consequente aplicação do Regime Especial de Bens em Segunda Mão pelos mesmos; a responsabilidade exclusiva do TOC nos erros tributários ocorridos em todo o processo; os cálculos errados efectuados pela Sra. Inspectora, dada a desconformidade dos mesmos com os valores apurados pela Recorrente. P) O direito à prova no procedimento e no processo tributário existe e é objecto de uma tutela muito forte, sendo que de acordo com o disposto no artigo 113°, 2 ª parte, do CPPT, o juiz “conhecerá logo o pedido, se a questão for apenas de direito ou, sendo também de facto, o processo fornecer os elementos necessários caso contrário, deverá ordenar as diligências de prova necessárias, nomeadamente a testemunhal (artigos 114.°, 115.°, n.°1, 118 ° e 119 °, do CPPT). Q) In casu, o objecto da inquirição de testemunhas é pertinente e fundamental na apreciação da Impugnação Judicial, sendo um dos meios de prova para a descoberta da verdade material. R) Na verdade, a Recorrente ficou prejudicada e impedida de demonstrar a matéria de facto referida supra, bem como na sua Petição Inicial, para a qual se remete e se dá aqui por integralmente reproduzida para os devidos efeitos legais. S) Destarte, com a dispensa da inquirição de testemunhas, a Douta Sentença violou o disposto nos artigos 108°, 114°, 115°, n.° 1, 118.° e 119.° do CPPT, bem como o Princípio do Contraditório e o Principio da Igualdade das Partes na sua acepção substancial, consagrados no artigo 20.°, n ° 4 da Constituição da República Portuguesa, e ainda no actual artigo 4º do Código de Processo Civil ex vi artigo 2.º do CPPT, já que o Tribunal a quo não podia proferir a decisão final sem ter ouvido as testemunhas arroladas pela Recorrente, na medida em que a questão em causa é igualmente de facto, e os presentes autos não fornecem todos os elementos necessários ao seu cabal julgamento. T) Nesse sentido vide Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 16 de Novembro de 2011 e de 14 de Setembro de 2011, e ainda os Acórdãos do Tribunal Administrativo Central Norte, de 12 de Janeiro de 2012 e 26 de Setembro de 2013, todos disponíveis em www.dgsi.pt. U) Acresce que a consagração da produção de prova testemunhal em sede tributária tem sido objecto de apreciação do Tribunal Constitucional, considerando inconstitucionais as normas que excluem a produção deste meio de prova. Veja-se a titulo de exemplo, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 759/2913, publicado na 1.ª Série do Diário da República n.° 223, de 18 de Novembro de 2013. V) De acordo com o referido Acórdão: "Essa limitação, que, em tais situações, redunda numa absoluta constrição de quanto à utilização desse específico meio de prova, não se revela ponderada e adequada em face do direito fundamental que deflui do n.° 1 do artigo 20.° da Constituição. O direito à tutela judicial efetiva, como vincam Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição, 163) 'sob o ponto de vista da limitação do direito de defesa, verificar-se-á, sobretudo, quando a não observância ...de princípios gerais de processo acarreta a impossibilidade de o particular exercer o seu direito de alegar [e, acrescentar-se-á agora, de provar], daí resultando prejuízos efetivos para os seus interesses. Também Jorge Miranda e Rui Medeiros (Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 190) referem que, muito embora disponha o legislador de uma ampla margem de liberdade na concreta modelação do processo, não sendo incompatível com a tutela jurisdicional a imposição de determinados ónus processuais às 'partes', o que é certo é que o direito ao processo inculca que 'os regimes adjetivos devem revelar-se funcionalmente adequados aos fins do processo e conformar -se com o princípio da proporcionalidade, não estando, portanto, o legislador autorizado, nos termos dos artigos 13.° e 18°, n os 2 e 3, a criar obstáculos que dificultem ou prejudiquem, arbitrariamente ou de forma desproporcionada, o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva’." Concluindo ainda que: "Neste circunstancialismo, e perante situações em que, face ao normativamente consagrado, a demonstração dos factos — que, no entendimento da 'parte', conduzam à defesa do seu direito ou interesse legalmente protegido — não é possível, de todo, deixar de fazer-se através de prova testemunhal, desde que, repete-se, essa seja, nos termos gerais legalmente admissível, claramente que vai ficar afetada aquela defesa, porventura tornando inviável ou inexequível o direito de acesso aos tribunais. E, nesse contexto, a solução legislativa que isso consagre não pode deixar de considerar-se como desproporcionada e afectadora do direito consagrado no n.° 1 do artigo 20.° da Lei Fundamental, pois que totalmente preclude uma apreciação e valora cão dos factos invocados como consubstanciadores da pretensão deduzida em juízo. ” W) In fine, e de acordo com o ora exposto, a dispensa de prova testemunhal é ilegal, pelo que deve a Douta Sentença ser revogada, e ser ordenado o regresso dos autos à Primeira Instância, a fim de aí serem inquiridas as testemunhas arrolada. X) Caso assim não se entenda, sem prescindir, e por mera cautela, sempre se dirá que a matéria foi incorrectamente julgada pelo Tribunal. Vejamos: Y) Considerou o Tribunal a quo que as questões a decidir consistiam em saber se foi indevidamente aplicado pela Impugnante o regime especial de tributação da margem, bem como se foi correctamente calculado o IVA pelo regime da margem na revenda das viaturas. Z) Por conseguinte, o Tribunal a quo considerou, pela inaplicabilidade do regime especial de tributação pela margem, invocando que, uma vez que as facturas foram registadas no sistema VIES como aquisições sujeitas ao regime geral do IVA, os revendedores intracomunitários não emitiram as mesmas nos termos de "regulamentação idêntica" á constante do Decreto- Lei n.° 199/96, de 18 de Outubro, pelo que a Impugnante não poderia aplicar este regime especial, ficando, assim, sujeita ao regime geral do IVA. AA) Ora, salvo o devido respeito, e na nossa humilde opinião, andou mal o Tribunal ao julgar pela inaplicabilidade do supra mencionado regime. BB) Na verdade, em parte alguma dos presentes autos consta que as facturas foram registadas no sistema VIES como aquisições sujeitas ao regime geral do IVA. CC) Consequentemente, não pode o Tribunal de Primeira Instância fundamentar a sua decisão em factos inexistentes nos autos. DD) Muito menos pode concluir que, estando registadas como aquisições sujeitas ao regime geral do IVA, os revendedores intracomunitários "ao emitirem as facturas não o fizeram nos termos de "regulamentação idêntica” á constante do Decreto-Lei n.° 199/96, de 18 de Outubro" como impõe o artigo 3.°, alínea d) do Regime Especial de Tributação dos Bens em Segunda Mão. EE) Na verdade, os revendedores intracomunitários acordaram com a Recorrente em aplicar o Regime Especial de Tributação dos Bens em Segunda Mão, tendo emitido as facturas de acordo com este regime. FF) De acordo com o artigo 3.°, alínea d) do Decreto-Lei n.° 199/96, de 18 de Outubro, é aplicável o regime especial de tributação da margem às transmissões de bens em segunda mão, efectuadas por sujeito passivo revendedor, desde que o mesmo tenham adquirido os bens no interior da Comunidade (União Europeia), a outro sujeito passivo revendedor, desde que a transmissão de bens por esse sujeito passivo revendedor tenha sido efectuada ao abrigo do disposto neste diploma ou de regulamentação idêntica vigente no Estado membro onde a transmissão dos bens tiver sido efectuada. GG) In casu, os requisitos consagrados neste artigo estão preenchidos, designadamente, a Recorrente é sujeito passivo revendedor que adquiriu veículos usados, ou seja, bens em segunda mão, de acordo com o disposto no artigo 2.°, alínea a), a revendedores intracomunitários da Comunidade, também estes sujeitos passivos revendedores. HH) Para além destes requisitos, é igualmente necessário que a transmissão dos veículos tenha sido efectuada ao abrigo de regulamentação idêntica vigente ao Regime Especial de Tributação dos Bens em Segunda Mão. II) A Recorrente adquiriu os veículos a revendedores sitos na Alemanha, Bélgica e França, sendo que estes países alteraram unicamente os respectivos diplomas de IVA. A esse nível, veja-se a incorporação da tributação pela margem do regime de bens em segunda mão, na UStG ("Umsatzsteuergesetz") alemã, no "Code de la TVA” da Bélgica, e ainda no "Code General des Impôts" francês. JJ) Ora, as facturas constantes dos presentes autos referem estas mesmas legislações, pelo que também este requisito se encontra preenchido. KK) Acresce que em lado algum das facturas consta que tais países aplicaram o seu regime geral de tributação de IVA aquando das transacções comerciais efectuadas. LL) Destarte, e de acordo com todo o exposto supra, estão preenchidas todas as condições para a aplicação do regime de tributação da margem consagrado no Regime Especial de Bens em Segunda Mão, pelo que mal andou o Tribunal a quo, ao decidir que a Recorrente não poderia aplicar este regime às transacções efectuadas. MM) Sendo aplicável o Regime Especial de Bens em Segunda Mão, também o mesmo regime pode ser aplicado pela Recorrente na venda em território nacional das viaturas adquiridas no espaço comunitário, pelo que o IVA foi correctamente calculado na revenda das viaturas. NN) Contudo, e apesar da segunda questão a decidir se cingir ao correcto ou incorrecto cálculo do IVA pelo regime da margem, na revenda das viaturas, o Tribunal a quo absteve-se de se pronunciar sobre este regime, concluindo unicamente que o IVA não foi devidamente calculado devido à inserção ilegal do IA/ISV no preço de compra a considerar para efeitos de apuramento da margem de IVA. OO) Ora, o Tribunal a quo não se pronunciou sobre o que devia, quanto a esta questão, sendo claro o erro de julgamento existente na presente Decisão. PP) Ora, tal como reconhece a Recorrente, ocorreram erros na contabilização do imposto, da responsabilidade exclusiva do Técnico Oficial de Contas à altura dos factos, sendo a inserção indevida do IA/ISV um deles. QQ) Tal atuação causou elevados prejuízos à Recorrente, tendo o TOC reconhecido esse mesmo erro. Para o efeito, e segundo orientações da Inspectora da AT, rectificou e entregou declarações de rectificação no serviço de finanças competente, ainda que tais valores não estivessem correctos, como melhor demonstrado nos presentes autos. RR) Por conseguinte, a inclusão do IA/ISV no preço de compra não é discutível nos presentes autos, pelo que, salvo melhor entendimento, andou mal o Tribunal a quo ao se cingir unicamente a este aspecto, e nada fundamentar quanto ao cálculo do IVA pelo regime da margem, na revenda das viaturas. SS) Ainda sobre o cálculo dos valores, e consequente discrepância entre os valores de impostos constantes das liquidações adicionais que se encontram em contradição com os valores apurados pela Recorrente, a mesma solicitou explicações sobre a referida discrepância, sendo que a Recorrida não respondeu a este facto, não explicando como procedeu aos respectivos cálculos. TT) Também a Douta Sentença se limitou a pronunciar-se de acordo com o que a Recorrida referiu na sua Contestação, designadamente, que as divergências resultam "do facto de os montantes de imposto apurados no Relatório de inspecção não refletirem todas as operações tributáveis realizadas pela Impugnante, mas apenas as que foram colocadas em crise pela A T, pelo que os cálculos apenas revelam parte dessas operações UU) Ora, não ficou demonstrado nos autos, como foram calculados os valores pela Recorrida, o que reforça a tese defendida pela Recorrente quanto ao cálculo e consequentes valores errados de imposto apurados pela Autoridade Tributária. VV) Acresce que os valores calculados pela Recorrente se cingiram unicamente às facturas objecto de inspecção, e não sobre todas as operações tributáveis realizadas pela Impugnante nos períodos em causa, como alega a Recorrida e como consta da Douta Sentença. WW) Destarte, o Tribunal a quo não apreciou correctamente um dos pedidos da Recorrente na sua Impugnação Judicial, limitando-se a reproduzir o alegado pela Recorrente, e não aferindo ou oficializando a Recorrida para vir aos autos explicar a discrepância de valores. XX) In fine, e tendo em consideração a factualidade e alegações efectuadas supra, o imposto apurado pela Recorrida é desprovido de sentido, tal como melhor explanado na Petição Inicial, pelo que as Liquidações Adicionais e os respectivos juros compensatórios não são totalmente devidos, devendo ser anulados, o que implica que a decisão proferida em Primeira Instância tenha que ser revogada, decidindo-se antes pela procedência total dos pedidos formulados pela Recorrente na Impugnação Judicial. YY) Assim se fazendo a acostumada Justiça! Pelo exposto, deverá o presente Recurso ser julgado procedente, revogando-se a Douta sentença recorrida quanto ao julgamento da matéria de facto e de direito, julgando, em consequência, a presente Impugnação Judicial totalmente procedente.» * A AT não apresentou contra-alegações.* Foi dada vista ao Ministério Público, e neste Tribunal Central Administrativo, o Procurador–Geral Adjunto pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.* Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência para apreciação e decisão.* II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO Atento o disposto nos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente no âmbito das respectivas alegações, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. Importa assim, decidir: i) se a sentença é nula por omissão de pronuncia quanto à questão da falta de fundamentação relativamente aos cálculos do imposto liquidado adicionalmente; ii) Se a sentença padece de erro de julgamento de facto e de direito por ter dispensado a prova testemunhal indicada e por insuficiência da matéria de facto ao não considerar que os fornecedores da recorrente intracomunitários, procederam à transmissão dos veículos aplicando regulamentação idêntica ao regime da margem de IVA, vigente no Estado membro onde a transmissão teve lugar; iii) Se a sentença incorreu em erro de julgamento de direito ao julgar não verificados os pressupostos de aplicação do regime de IVA pela margem; iv) Se ocorre erro de julgamento na sentença ao não julgar verificado o erro de cálculo do imposto liquidado adicionalmente. III - FUNDAMENTAÇÃO III – 1. De facto É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto constante da sentença recorrida: «1. A Impugnante tem por objecto social o comércio de veículos automóveis com sua representação, documentação de automóveis, comércio de peças, acessórios e afins para automóveis e reparação com montagem dos mesmos. Importação e exportação de automóveis, peças ou acessórios de automóveis; 2. Em cumprimento das ordens de serviço n.°s 01200905443 e 01200905444 os Serviços de Inspecção Tributária realizaram uma acção inspectiva de âmbito parcial (IVA) referente aos anos de 2007 e 2008 da ora Impugnante; 3. As ordens de serviço foram emitidas devido a divergências verificadas entre as Aquisições Intracomunitárias constantes do VIES (Vat Informations Exchange System) e as indicadas nas declarações periódicas de IVA entregues pela Impugnante; 4. No decurso da acção inspectiva foi apurado que: "III - 1.2 - Aplicação indevida do regime especial de tributação da margem Os veículos automóveis adquiridos pelo sujeito passivo nacional (constantes dos mapas incluídos neste ponto do relatório) foram objecto de aquisição intracomunitária, de acordo com o art° 3º do RITI, encontram-se sujeitas a IVA no território nacional, nos termos do n.° 1 do art° 8º, conjugado com a alínea a) do art° 1º, ambos do RITI. O sujeito passivo do imposto é o adquirente, nos termos da alínea a) do n.° 1 do art° 2 do RITI, sendo o imposto exigível na data da emissão da factura, de acordo com o estatuído na alínea b) do n° 1 do art° 13° do RITI. O valor tributável é determinado nos termos do n° 3 do art° 17º do RITI, incluindo o imposto automóvel (IA/ISV), ainda que não liquidado simultaneamente. Na análise às Aquisições Intracomunitárias, pude constatar que estas possuem como suporte as facturas emitidas pelos fornecedores comunitários e as Declarações Aduaneiras de Veículo (DAV) relativas ao pagamento do IA/ISV, encontram-se contabilizadas na subconta 3128.4- ercadorias Adquiridas no Mercado Intracomunitário - Regime Margem. Relativamente às Vendas respeitantes às aquisições intracomunitárias, verifiquei que na emissão das facturas aos clientes (compradores das viaturas usadas), o contribuinte optou pela aplicação do Regime Especial de Tributação dos Bens em Segunda Mão, mencionou em todas as facturas emitidas a menção "IVA bens em 2.ª mão". O contribuinte adquiriu as viaturas usadas na União Europeia a um sujeito passivo revendedor, e segundo a alínea d) do n.° 1 do art. 3.° do referido Regime Especial de Tributação dos Bens em Segunda Mão, Objectos de Arte, de Colecção e Antiguidades, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 199/96, de 18 de Outubro (em vigor a partir de 23 de Outubro de 1996), só poderia aplicar o regime especial de tributação da margem, desde que a transmissão dos bens por esse outro sujeito passivo revendedor tivesse sido efectuada pelo regime especial de tributação da margem. Ora, no caso vertente, o sujeito passivo, adquiriu as viaturas a revendedores, sediados em Espanha, França, Alemanha e Bélgica, tendo os revendedores declarado as vendas como Transmissões Intracomunitárias”; 5. Os revendedores referidos em 4., que constam do quadro abaixo, apuseram nas facturas por si emitidas as seguintes menções e preceitos legais:
6. Acrescenta-se, ainda, no Relatório da acção inspectiva, que: "Do exposto, a empresa "A..., LDA não poderia ter aplicado o regime especial de tributação da margem, Às vendas de viaturas usadas adquiridas na União Europeia, deveria ter aplicado o regime geral do Imposto sobre o Valor Acrescentado. Aplicando o regime geral do Imposto sobre o Valor Acrescentado (art. 17º do CIVA), o valor tributável das transmissões de bens é o valor da contraprestação obtida ou a obter do adquirente, ou seja, o valor a pagar pelo comprador. Dado que o sujeito passivo liquidou IVA (taxa de 21% ou 20%) pelo método da margem, mas indevidamente calculado (fez incidir a taxa de IVA sobre a diferença entre o valor da venda e o somatório do preço de compra e do imposto automóvel) ao valor de venda das viaturas constantes das facturas emitidas pela "A..., LDA", subtraiu-se o IVA que liquidou, à diferença aplicou-se o IVA à taxa normal (21% ou 20%), apurando-se deste modo o IVA Devido (que deveria ter sido liquidado) a este valor retirou-se o IVA que a empresa já liquidou, obtendo-se o IVA em falta". 7. As facturas emitidas pelos revendedores referidos em4. e 5. foram registadas no sistema VIES como aquisições sujeitas ao regime geral de IVA; 8. No decurso da acção inspectiva foi ainda apurado que: "III - 1.2 - Cálculo incorrecto do IVA, na revenda das viaturas pelo regime da margem. (...) A A..., Lda. Registou na sua contabilidade as aquisições de viaturas usadas à empresa D..., S.L. e aquando da venda das viaturas, liquidou IVA pelo regime da margem nas facturas que emitiu aos clientes nacionais, mas incluiu erradamente o I.A. (Imposto Automóvel), desde Julho de 2007 designado ISV (Imposto sobre Veículos), no preço de compra a considerar para efeitos de apuramento da margem sujeita a IVA"; 9. Com base no conteúdo das respectivas notas de apuramento mod. 382, os competentes serviços da Administração Tributária efectuaram as liquidações adicionais de IVA n°s n.°s 10012414, 10012416, 10012418, 10012420, 10012422, 10012424, 10012426, 10012428 e respectivos juros compensatórios, ora impugnadas, relativas aos anos de 2007 e 2008.» * Consta ainda da mesma sentença que «Não se provaram outros factos com relevância para a decisão da causa.» e «A decisão sobre a matéria de facto assentou na análise crítica das informações oficiais e dos documentos constantes dos autos, conforme indicado a propósito de cada alínea do probatório.». * IV – APRECIAÇÃO DO RECURSOIV – 1. Ampliação da matéria de facto Por se entender relevante à decisão a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada, adita-se ao probatório, ao abrigo do preceituado no artigo 662.º, nº 1, do CPC, aplicável por força do disposto no artigo 281.º do CPPT, a seguinte factualidade: 10. Além da menção referida no ponto 5, nas facturas emitidas por C... n.ºs 2008/1790, 2008/2278, 2008/2279, 2008/2200, 2008/2802, 2008/2598, 2008/2600, 2008/2698, 2008/2601, 2008/2126, 2008/2599, 2008/2904, 2008/3359 e 2008/0033, consta a seguinte menção: «(…) BTW 0% (…) vrijgesteld van BTW volgens art 39 bis, 1º vam het BTW - wetboek voor een intracommunautaire levering» cuja tradução é «(…) IVA 0% (…) isentos de IVA de acordo com o art. 39 bis, 1º do Código do IVA para uma entrega intracomunitária» - cf. Anexo IV do relatório de inspecção tributária (RIT) a fls. 130, 138, a 144, 146, 147, 153, 162, 163 e 168 do PA; * A recorrente alega que a decisão recorrida padece de erro de julgamento de facto e de direito, ao julgar ter sido indevidamente aplicado o regime especial de tributação pela margem.Vejamos o regime jurídico do Regime Especial de Tributação dos Bens em Segunda Mão, Objectos de Arte, de Colecção e Antiguidades que a recorrente considera aplicável. O referido regime foi aprovado pelo artigo 4.º do Decreto-Lei n.° 199/96, de 18 de Outubro e entrou em vigor em 24/10/1996. Este diploma legal procedeu à revogação de anteriores diplomas que regulavam a matéria (DL nº 504-G/85, 30 dezembro e DL nº 346/89, 12 outubro) e procedeu ainda à transposição da Directiva n.° 94/5/CE, do Conselho, de 14 de Fevereiro de 1994, que completou o sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado alterando a Directiva 77/388/CEE – com a aprovação do regime especial aplicável aos bens em segunda mão, aos objectos de arte e de colecção e às antiguidades. Dispõe o artigo 3.º do referido regime especial (do Decreto-Lei n.° 199/96): «1 - As transmissões de bens em segunda mão, de objectos de arte, de colecção ou de antiguidades, efectuadas por um sujeito passivo revendedor, são sujeitas ao regime especial de tributação da margem, desde que este tenha adquirido esses bens no interior da Comunidade, em qualquer uma das seguintes condições: a) A uma pessoa que não seja sujeito passivo; b) A outro sujeito passivo, desde que a transmissão feita por este tenha sido isenta de imposto, ao abrigo do n.º 33 do artigo 9.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, ou de disposição legal idêntica vigente no Estado membro onde tiver sido efectuada a transmissão; c) A outro sujeito passivo, desde que a transmissão feita por este tenha tido por objecto um bem de investimento e tenha sido isenta de imposto, ao abrigo do artigo 53.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, ou de disposição legal idêntica vigente no Estado membro onde tiver sido efectuada a transmissão; d) A outro sujeito passivo revendedor, desde que a transmissão dos bens por esse outro sujeito passivo revendedor tenha sido efectuada ao abrigo do disposto neste diploma, ou de regulamentação idêntica vigente no Estado membro onde a transmissão dos bens tiver sido efectuada. (…)» Ainda com interesse para a situação dos autos, dispõe o artigo 6.º do mesmo regime: «1 - As facturas ou documentos equivalentes, emitidos pelos sujeitos passivos revendedores, relativos às transmissões efectuadas ao abrigo do regime especial de tributação da margem, não podem discriminar o imposto devido e devem conter a menção «IVA - Bens em segunda mão» ou «IVA - Objectos de arte, de colecção ou antiguidades», conforme os casos. 2 - As transmissões sujeitas ao regime de tributação da margem devem ser escrituradas de modo a evidenciar os elementos que permitam concluir a verificação das condições previstas no artigo 3.º e dos elementos determinantes do valor tributável referidos no artigo 4.º 3 - Quando, no âmbito da sua actividade, o sujeito passivo aplique, simultaneamente, o regime geral do imposto sobre o valor acrescentado e o regime especial de tributação da margem, deverá proceder ao registo separado das respectivas operações.» (Sublinhados nossos). De acordo com as normas supracitadas, e tendo em conta a relevância para o caso que nos ocupa, as transmissões de bens em segunda mão, efectuadas por um sujeito passivo revendedor, são sujeitas ao regime especial de tributação da margem de lucro, desde que: i) O sujeito passivo revendedor tenha adquirido esses bens no interior da União Europeia; ii) a outro sujeito passivo revendedor; iii) que a transmissão dos bens por esse outro sujeito passivo revendedor tenha sido efectuada ao abrigo do disposto neste diploma, ou de regulamentação idêntica vigente no Estado membro onde a transmissão dos bens tiver sido efectuada; iv) E as facturas ou documentos equivalentes, emitidos pelos sujeitos passivos revendedores, relativos às transmissões efectuadas ao abrigo do regime especial de tributação da margem, devem conter a menção «IVA - Bens em segunda mão», não podendo discriminar o imposto devido. Vejamos então, o caso dos autos. Alega a recorrente que o Tribunal recorrido lavrou em erro porquanto, em lado algum dos autos consta que as facturas foram registadas no sistema VIES como aquisições sujeitas ao regime geral do IVA, nem resulta das facturas objecto de inspecção que os revendedores intracomunitários seus fornecedores dos bens adquiridos em segunda mão tenham aplicado o regime geral de tributação de IVA aquando das transmissões comerciais efectuadas. Na sentença foi feito o enquadramento legal da transmissão de bens em segunda mão, após o que, sobre a questão em apreciação se consignou o seguinte: «(…) conforme decorre da factualidade provada, as facturas que estão em causa têm aposta a menção de venda intracomunitária, e foram registadas no sistema VIES como aquisições sujeitas ao regime geral de IVA. É assim, evidente, que os revendedores intracomunitários, ao emitirem as facturas não o fizeram nos termos de "regulamentação idêntica" à constante do Decreto-Lei n.° 199/96, de 18 de Outubro, razão pela qual, e nos termos do preceito antes citado, não poderia a Impugnante aplicar o regime especial de tributação da margem ao revender os mesmos bens, ficando, assim, sujeita ao regime geral do IVA, não merecendo censura a conduta da AT.» O VIES é o acrónimo de «VAT Information Exchange System», Sistema de Intercâmbio de Informações sobre o IVA é um sistema para o intercâmbio de dados e informações de natureza fiscal entre os Estados Membros da União Europeia destinado a combater a fraude e a evasão fiscal, permitindo a verificação em tempo real da existência, bem como a regularidade, de um número IVA comunitário. A comunicação por parte do fornecedor das informações indicadas no artigo 264.º da Diretiva 2006/112/CE não impedia o contribuinte de aplicar o regime em causa, desde que alegasse e provasse a realização das operações nos termos da legislação aplicável, pelo que, complementado por outros elementos de prova, a informação constante do sistema VIES não constituía fundamento para impedir a aplicação do regime de tributação especial invocado. Por outro lado, nos termos do disposto no artigo 76.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária e do artigo 115.º, n.º 2 do CPPT, as menções efectuada no relatório de inspecção quando devidamente fundamentadas e se baseiem em critérios objetivos, constituem informações que têm força probatória, pelo que caberá ao contribuinte fazer prova do contrário, alegando factos e demonstrando falta de aderência à realidade de tais informações. Como referem Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa em comentário a esta norma: «A força probatória das informações oficiais reporta-se aos factos que nelas forem referidos, pois é apenas relativamente a factos que se coloca a questão da produção de prova. Relativamente a factos, a sua força probatória existe quanto aos afirmados como sendo praticados pela administração tributária ou com base na percepção dos seus órgão ou agentes, ou factos determinados a partir dessa percepção com base em critérios objectivos. No que concerne aos factos afirmados com base em juízos formulados pela administração tributária a partir dos factos materiais apurados que não sejam determinados com base em critérios objectivos não existe aquela especial força probatória, valendo as informações como elementos sujeitos à livre apreciação da entidade competente para a decisão. É este o regime geral previsto para a força probatória dos documentos autênticos (art. 371º, nº 1,do CC), aqui já estendido aos factos determinantes segundo critérios objetivos, e não seria congruente com a opção legislativa a ele subjacente, a atribuição de um estatuto probatório privilegiado às informações prestadas pela administração tributária, que nem sequer está funcionalmente colocada no procedimento tributário numa situação de alheamento em relação ao sentido da decisão, que é uma garantia da isenção da prestação de informações.» Também neste Tribunal Central Administrativo Sul, se decidiu no acórdão de 26/06/2014, recurso n.º 07148/13, nesse sentido: «o relatório de inspecção, pese embora o disposto nos artigos 76º, n.º 1, da LGT e 115.º, n.º 2, do CPPT, não constitui uma prova legal plena na acepção do art.º 347º do CC (…)» Vejamos o que resulta da prova adquirida nos autos. Do relatório de inspecção (cf. ponto III-1.2 que consta dos n.ºs 4 e 5 do probatório) resulta provado que todos os veículos constantes da lista fornecida pela Direcção Gral das Alfândegas – Direcção de Serviços Antifraude, relativa aos veículos legalizados pela recorrente, foram registados na contabilidade analisada. Resulta ainda que, a recorrente não contabilizou nem auto liquidou IVA referente às aquisições intracomunitárias nos anos aqui em causa (2007 e 2008), na conta IVA dedutível – Mercado Intracomunitário, antes contabilizando tais aquisições na subconta 3128.4 – Mercadorias Adquiridas no Mercado Intracomunitário – Regime Margem. No âmbito da acção de inspecção, a AT consultou o sistema VIES - Sistema de Intercâmbio de Informações sobre o IVA e verificou que a recorrente efectuou aquisições a diversos fornecedores sediados na UE. Considerando que estavam em causa aquisições intracomunitárias sujeitas a IVA, sem que a recorrente tivesse procedido à autoliquidação de IVA, a AT efectuou as correcções e as consequentes liquidações adicionais impugnadas parcialmente nos presentes autos. Conforme resulta do ponto 4 da matéria de facto, a AT não se limitou a efectuar as correcções aqui em causa, por terem sido registadas facturas no sistema VIES, como aquisições sujeitas ao regime geral de IVA. A consulta ao sistema VIES constituiu o ponto de partida para a acção de inspecção, no âmbito da qual, a AT procedeu à análise das aquisições intracomunitárias, das facturas emitidas pelos fornecedores que lhes serviram de suporte, bem como das Declarações Aduaneiras de Veículo (DAV) relativas ao pagamento de IA e ISV e verificou que as mesmas foram contabilizadas na subconta 3128.4 – Mercadorias Adquiridas no Mercado Intracomunitário – Regime Margem. Importa assim, verificar se, como alega a recorrente, não resulta das facturas objecto de inspecção que os revendedores da União Europeia seus fornecedores dos bens adquiridos em segunda mão aplicaram o regime geral de tributação de IVA e sim o regime especial equivalente ao Decreto-Lei n.º 199/96. Não constitui objecto de controvérsia que a recorrente é sujeito passivo, revendedora e que adquiriu os bens em segunda mão, no interior da União Europeia, a sujeito passivo revendedor. Resulta da matéria de facto provada, no que se refere às vendas, na emissão das facturas aos seus clientes a recorrente optou pela aplicação do regime especial de tributação dos bens em segunda mão, fazendo constar das facturas a menção «IVA bens em 2ª mão». Contudo, para que a recorrente pudesse aplicar o regime especial da tributação da margem de lucro na venda de bens adquiridos em segunda mão, também o revendedor, seu fornecedor, devia ter aplicado o referido regime. Ou seja, a recorrente devia ter adquirido os bens em causa ao abrigo do regime especial de tributação da margem. Para o efeito, as facturas devem omitir a discriminação do imposto devido e nelas deve constar a menção «IVA - Bens em segunda mão». A questão que se coloca é, pois, a de saber se as menções constantes das facturas que determinaram a correcção aqui em causa, constantes do quadro do ponto 5 da matéria de facto, traduzem a aplicação do regime geral como se considerou na sentença recorrida confirmando a decisão da AT, ou do regime especial como defende a recorrente. Ora, estamos em presença de vários sujeitos passivos revendedores a efectuar transacções intracomunitárias, em que nas operações em causa não foi liquidado IVA com a indicação «isento de IVA» (cf. pontos 10 a 17 do probatório). Da análise às facturas emitidas pelos fornecedores da União Europeia à recorrente, verificou a AT que as menções nelas constantes não correspondiam a legislação equivalente ao regime nacional da margem (cf. ponto 5 do probatório), concluindo assim, pela inaplicabilidade do regime especial às transmissões efectuadas pela recorrente e em consequência pela sua sujeição ao regime geral de IVA, daí resultando as correcções e correspondentes liquidações adicionais. Para o efeito de se considerar aplicável o regime especial da margem, as facturas devem omitir a discriminação do imposto devido. Resulta do ponto n.º 5 da matéria de facto provada (com base no teor do relatório de inspecção), que os fornecedores da recorrente fizeram constar nas facturas que emitiram, as menções veículo usado e isentos de IVA (cf. segunda coluna cujo título é «menções referidas nas facturas reativas ao regime do IVA»). Quanto à legislação nacional aposta nas facturas, atentos os factos aditados ao provatório (cf. ponto 10 do probatório), resulta comprovado que as facturas emitidas pela C... contêm aposta a seguinte menção: «de acordo com o art. 39 bis, 1º do BTW para uma entrega intracomunitária». Ora, o ofício circular n.º 97748 de 26/09/1997, divulgou com vista ao «conhecimento e divulgação pelos funcionários afectos aos Serviços de Prevenção e Inspecção Tributária (…) comparativo das menções específicas de cada Estado Membro, que devem figurar nas facturas relacionadas com transmissões intracomunitárias de bens em segunda mão entre sujeitos passivos.» Refere-se no aludido ofício que a «compilação foi efectuada pela Direcção Geral dos Impostos de França depois de consultados os serviços competentes restantes Estados membros da U.E.» O artigo 39º bis, primeira parte, do Código do IVA belga (BTW), corresponde à aplicação do regime geral de isenção de vendas intracomunitários de bens no sistema fiscal vigente na Bélgica à data dos factos. À aplicação do regime da margem corresponde o artigo «58, § 4, du Code de la TVA» constituindo a menção obrigatória nas transacções em que seja aplicado o regime da margem: «Livraison soumise au régime particulier d'imposition de la marge bénéficiaire - TVA non déductible» ou seja: Entrega sujeita ao regime especial de margem de lucro - IVA não dedutível. No que se refere às facturas emitidas pela sociedade A... (…) as facturas mencionam veículo usado (cf. pontos 11, 13 e 14 dos factos aditados ao probatório) sem menção relativa ao IVA. No que se refere à factura identificada no ponto em 12, contém a menção: entrega intracomunitária isenta de impostos, «isento de impostos de acordo com § 4 No. ib USTG» (Umsatzsteuergesetz). Por seu turno, as facturas emitidas pelo fornecedor D…, mencona «Entrega intracomunitária isenta de impostos de acordo com o Art. 28c da 6ª Directiva CE e § 6ª UStg» Ora, o § 4 Nr. 1 b, 6 a UStG corresponde à aplicação do regime geral de entregas intracomunitárias isentas vigente na Alemanha . Correspondendo o § 25 a UStG ao regime alemão da margem, não se prevendo menções obrigatórias a tal regime. As facturas emitidas por N... e P...Auto mencionam «isenção de IVA na venda intracomunitária artigo 262.º do CGI», norma que corresponde à aplicação do regime geral de entregas intracomunitárias isentas vigente à data na França, constituindo o artigo 297-A «du code général des impôts» o regime francês da margem, não sendo obrigatória a menção «IVA incluído» ou «Preço com todas as taxas incluídas» ou ainda «entrega realizada no âmbito da 7ª directiva». Ao contrário do que alega a recorrente nas conclusões II) e JJ), as menções constantes das facturas não se referem à aplicação do regime da margem. Do que se deixou dito sobre o regime aplicado pelos revendedores fornecedores da recorrente, plasmado nas facturas, resulta a sua coerência com o teor da consulta efectuada ao sistema VIES mencionada no relatório de inspecção. No que se refere ao regime aplicado pelos referidos operadores, dispõe o artigo 28.°- C, A, alínea a), primeiro parágrafo, da Sexta Directiva IVA previa o seguinte: «Sem prejuízo de outras disposições comunitárias e nas condições fixadas pelos Estados-Membros para garantir uma aplicação correcta e simples das isenções adiante previstas e a prevenir eventuais fraudes, evasões e abusos, os Estados-Membros isentarão: a) As entregas de bens, na acepção do artigo 5.° e na acepção do n.° 5, alínea a), do artigo 28.°-A, expedidos ou transportados, pelo vendedor ou pelo adquirente ou por conta destes, para fora do território referido no artigo 3.°, mas no interior da Comunidade, efectuadas a outro sujeito passivo ou a uma pessoa colectiva que não seja sujeito passivo, agindo como tal num Estado-Membro diferente do Estado de início da expedição ou do transporte de bens.» Da prova produzida resulta a conclusão de que os fornecedores da recorrente aplicaram o regime de isenção na transmissão de bens, pelo que, não podia a recorrente aplicar o regime da margem na venda dos bens, ainda que se tratasse de bens em segunda mão. Cabia à recorrente a prova de que os seus fornecedores aplicaram o regime de tributação especial de tributação dos bens em segunda mão, para que lhe fosse permitido optar pelo regime da margem. Tal demonstração devia resultar das menções constantes nas facturas, sob cominação de lhe ser aplicável o regime geral, já que os regimes especiais, por implicarem um regime derrogatório do mecanismo normal de funcionamento do IVA, devem ser de interpretação restrita. Como sublinhou o TJUE proferido em 19/07/2012 no processo C-160: «28 A este respeito, deve recordar‑se que o regime de tributação da margem de lucro realizada pelo sujeito passivo revendedor no momento da entrega de bens em segunda mão, como os que estão em causa no processo principal, constitui um regime especial de IVA, derrogatório do regime geral da Diretiva 2006/112 (v. acórdãos de 8 de dezembro de 2005, Jyske Finans, C‑280/04, Colet., p. I‑10683, n.° 35, e de 3 de março de 2011, Auto Nikolovi, C‑203/10, Colet., p. I‑1083, n.° 46). 29 Por conseguinte, o artigo 314.° da Diretiva 2006/112, que identifica os casos de aplicação deste regime especial, deve ser objeto de interpretação estrita.» No mesmo sentido, v.g. o Acórdão do STA de 17/6/2020, proferido no processo n.º 0499/12.2BEPRT. Assim, não demonstrando que os fornecedores aplicaram o regime especial da margem, não podia a recorrente transmitir os veículos pelo regime da margem. A aquisição de viaturas usadas, efectuada num Estado-Membro, a um sujeito passivo revendedor que utiliza na transação o regime geral, determina a aplicação do regime geral na venda desses bens, devendo a recorrente, enquanto sujeito passivo, proceder à autoliquidação do IVA, nos termos do artigo 23.º, n.º 1 a) do RITI, como se refere no relatório de inspecção. Donde se conclui que a conclusão a que chegou a AT na acção inspectiva não foi infirmada pela recorrente, pelo que improcede o erro de julgamento de facto e de direito imputado à sentença recorrida. Aqui chegados, importa apreciar se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento quanto ao alegado vício de erro de cálculo do imposto devido. A forma como o imposto devido foi calculado, encontra-se explicitado no relatório e transposto para a matéria de facto provada no ponto 6., « Aplicando o regime geral do Imposto sobre o Valor Acrescentado (art. 17º do CIVA), o valor tributável das transmissões de bens é o valor da contraprestação obtida ou a obter do adquirente, ou seja, o valor a pagar pelo comprador. Dado que o sujeito passivo liquidou IVA (taxa de 21% ou 20%) pelo método da margem, mas indevidamente calculado (fez incidir a taxa de IVA sobre a diferença entre o valor da venda e o somatório do preço de compra e do imposto automóvel) ao valor de venda das viaturas constantes das facturas emitidas pela "A..., LDA", subtraiu-se o IVA que liquidou, à diferença aplicou-se o IVA à taxa normal (21% ou 20%), apurando-se deste modo o IVA Devido (que deveria ter sido liquidado) a este valor retirou-se o IVA que a empresa já liquidou, obtendo-se o IVA em falta.» Limitando-se a recorrente a alegar que discorda dos cálculos que foram efectuados, que os seus cálculos não coincidem, não substancia em que considera que os cálculos estão errados e de que forma divergem dos seus cálculos improcedendo este segmento do recurso. Conclui-se pela não comprovação da verificação dos requisitos de aplicação do Regime Especial de Tributação em IVA dos Bens em Segunda Mão (Decreto-Lei n.º 199/96, de 18/10), pelo que ao caso era aplicável o regime geral de IVA, tal como concluiu a AT e assim se conclui pela improcedência do recurso. IV – Conclusões I - A transmissão de bens em segunda mão efectuadas por um sujeito passivo revendedor podem ser sujeitas a tributação segundo o regime especial de tributação da margem quando este tenha adquirido esses bens no interior da Comunidade a outro sujeito passivo revendedor, desde que a transmissão por este tenha sido efectuada ao abrigo de regulamentação idêntica vigente no Estado membro onde a transmissão dos bens tiver sido efectuada. II - Tendo as viaturas objecto das operações sujeitas a tributação sido adquiridas pelo sujeito passivo em Portugal a revendedores da União que aplicaram o regime geral de IVA, e não o regime especial de tributação pela margem vigente nesse país, equiparado ao aplicável em Portugal, as transmissões em território nacional deverão ser tributadas segundo o regime normal de IVA, com base tributável correspondente ao valor da contraprestação obtida ou a obter dos adquirentes. V - DECISÃO Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em negar provimento ao recurso jurisdicional, confirmar a sentença recorrida. Custas pela recorrente. Lisboa, 24 de Fevereiro de 2022. Ana Cristina Carvalho – Relatora Lurdes Toscano – 1ª Adjunta Maria Cardoso – 2ª Adjunta
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