Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:104/18.3BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:03/12/2025
Relator:MARIA DA LUZ CARDOSO
Descritores:TAXA DE OCUPAÇÃO DOMÍNIO MUNICIPAL
BOMBAS DE COMBUSTÍVEL
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
Sumário:II – A imposição exigida pelo Município ao particular, pela ocupação de espaço do domínio público com a instalação e exploração de bombas de carburantes líquidos, ar e água, para cuja instalação o Município concedeu licenciamento, constitui uma verdadeira taxa.
I – O aumento de uma taxa por ocupação de uma parcela do domínio público para o décuplo, sem qualquer justificação para tão elevado aumento, viola o princípio constitucional da proporcionalidade a que a Administração está sujeita, tornando-a ilegal e originando a sua anulação
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a 1ª Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul


I – RELATÓRIO

P......., SA, impugnou judicialmente o ato de liquidação da taxa relativa a Instalações Abastecedoras de Carburantes Líquidos, Ar e Água dos anos de 1991, 1992, 1993 e 1994, efetuado pela Câmara Municipal de Sintra, no montante de Esc. 2.861.937$00 (€ 14.275,28).

O Tribunal Tributário de 1.ª Instância de Lisboa julgou a impugnação procedente.

Inconformados, a Câmara Municipal de Sintra e o Ministério Público interpuseram recurso para o TCA, que por acórdão de 25.05.1999, concedeu provimento aos recursos.

Do referido Acórdão, a P......., S.A., recorreu para o STA que, por Acórdão de 21 de junho de 2000, concedeu provimento ao recurso, revogou o Acórdão recorrido e ordenou a baixa do processo a este TCAS a fim de que se conhecesse o objeto do recurso.

Em 23.01.2001 foi proferido novo Acórdão por este TCAS, no qual, foi negado provimento aos recursos e confirmada a sentença recorrida.

Não se conformando com o teor do referido Acórdão, a Câmara Municipal de Sintra interpôs, de novo, recurso para o STA.

O STA proferiu Acórdão no dia 26.02.2003, no qual concedeu provimento recurso, revogou o acórdão do TCA e determinou que fosse ampliada a matéria de facto, a fim de se apurarem elementos suscetíveis de determinar se a taxa em causa violava ou não o princípio da proporcionalidade.
***

A CÂMARA MUNICIPAL DE SINTRA, (doravante Recorrente) apresentou alegações, formulando, a final, as seguintes conclusões:

CONCLUSÕES

1 - Mal andou a decisão recorrida ao julgar procedente a impugnação deduzida por P......., SA, Limitada, anulando-se em consequência o acto impugnado.

2 - O que a CMS criou e exige da impugnante não é o pagamento de um imposto, não se entendendo em que é que a sentença recorrida se baseou para afirmar que o critério utilizado “é o da mangueirada”, chegando nessa medida à conclusão que o que está em causa é um imposto e não uma taxa.

3 - O “critério da mangueirada” não é, nem poderia ser, o seguido pela CMS, pois o
que verdadeiramente está em causa na presente impugnação é a prestação de uma utilidade
individualizável e, por isso se verifica um vínculo sinalagmático, há contra prestação especifica, algo é dado em troca.

4 - Esta taxa exigida pela CMS encontra-se devidamente prevista nos Art°s 42° e 43°
da Tabela de Licenças e Taxas, aprovada em 20 de Outubro de 1989 e em vigor nesta autarquia desde 2 de Dezembro do mesmo ano.

5 - O facto gerador da taxa objecto da presente impugnação é a renovação da licença de funcionamento do posto de abastecimento em causa, ou seja, a remoção de um limite jurídico à actividade da impugnante.

6 - Tanto a decisão recorrida bem como a sentença proferida pelo douto tribunal Tributário de lª Instância de Lisboa, datada de 29 de Outubro de 1996, concluíram que para ser concedida a licença pretendida a CMS tem que ordenar a vistoria ao estabelecimento e que os funcionários camarários têm que proceder a todas as diligências e exames, fazem perícias e informam o processo relatando o que fizeram e o que apuraram.
7 - É consoante o teor das informações dos funcionários que procederam às diligências de exames e averiguações que a CMS concede ou não a licença requerida.

8 - Ora as diligências que precedem a concessão ou denegação da licença pedida, serão mais ou menos complexas e consequentemente mais ou menos onerosas, consoante a
dimensão e volumetria dos postos de abastecimento em causa, tendo-se que ter sempre em conta o serviço que é efectivamente prestado pelos serviços camarários competentes.

9 - Assim, o quantitativo da taxa é determinado em função do serviço que é prestado e a base do seu cálculo está relacionada com as características dos pressupostos de facto.

10 - “A lei tributária de acordo com a Constituição - pode erigir em facto gerador de uma taxa, o acto culminante do processo: a concessão ou denegação da licença pretendida.
Mas a taxa é paga não pelo acto e sim pelas onerosas diligências que o precederam e condicionaram”.

11 - A natureza jurídica da taxa encontra-se bem patente no presente processo, isto é, existe a prestação de uma utilidade individualizável, verificando-se consequentemente um
vínculo sinalagmático e a contraprestação especifica, já que algo é claramente dado em troca.

12 - E não só a liquidação da taxa em questão tem plena cobertura legal na alínea c) do artigo 11º da Lei n° 1/87 como também na alínea o), tendo a Inspecção - Geral do Território referido que não é legítimo a este Município suspender a liquidação das taxas devidas.

13 - Encontrando-se aprovada e em vigor a tabela de Licenças e Taxas, a CMS não tem qualquer legitimidade para suspender no caso concreto a liquidação da taxa devida pela
impugnante nem de abrir excepções à mesma.

14 - Acresce ainda que, em termos processuais, o acto de liquidação não pode ser
objecto de impugnação judicial, já que, apenas pode ser contenciosamente apreciada, por
via de recurso, a decisão camarária que na sequência da impugnação da liquidação vier a
ser proferida.

15 - Torna-se assim claro e inequívoco que na presente impugnação era necessária a
prévia impugnação do acto de liquidação perante o órgão executivo camarário da CMS e só então se poderia interpor recurso desta decisão para o Tribunal Tributário de 1ªInstância.

16 - O acto de liquidação assim deduzido é legalmente inadmissível já que é um acto
que não é contenciosamente impugnável.

Nestes termos e nos demais de Direito aplicável, deverá a sentença recorrida ser revogada e em consequência ser julgada improcedente por não provada a impugnação deduzida, tudo com as legais consequências.”

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O MINISTÉRIO PÚBLICO, (doravante Recorrente) nas suas alegações, formulou as seguintes conclusões:
“a) – a liquidação impugnada refere-se a uma taxa e não a um imposto.
b) – Na verdade, o que essencialmente distingue o imposto da taxa é a existência ou inexistência de uma contraprestação por parte do sujeito activo da relação considerada.
c) – Isto é, o caracter unilateral do imposto.
d) – A natureza bilateral da taxa.
e) – No caso sub-judice existe a prestação de uma utilidade individualizável verificando-se, desse modo, um vínculo sinalagmático.
f) – A liquidação em causa não padece do vicio de violação da lei.
g) – A liquidação desta taxa tem cobertura na al. o) do art. 11º da Lei 1/87 de 6.1 –Lei das Finanças Locais.
h) – A douta sentença recorrida deverá ser revogada, julgando a presente impugnação improcedente.”
*


P......., S.A., (doravante Recorrida), notificada da admissão do recurso, apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção do julgado por entender que a quantia em causa é um verdadeiro imposto que só poderia ser exigível se tivesse sido criado pela Assembleia da República ou pelo Governo com autorização legislativa e que a sua exigência ofende o disposto no art.º 168.º, n.º 1 al. i) da CRP.
*


Colhidos os vistos legais (artigo 657º, n. º2 do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigo 281º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)), cumpre apreciar e decidir.

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Delimitação do objeto do recurso

Em ordem ao consignado no artigo 639º do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282º do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir:

- Se a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento ao considerar que tais quantias, por força do seu aumento, desproporcionado e irrazoável, se devem considerar como verdadeiros impostos, ilegais;

- Se a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento ao concluir que um aumento do quantitativo daquelas taxas para o décuplo do seu montante viola os princípios da proporcionalidade.

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II. FUNDAMENTAÇÃO

II.1- De facto

No nosso anterior acórdão deram-se como provados os seguintes factos, praticamente coincidentes com os fixados na sentença recorrida, com exceção dos fixados no ponto 7) e ponto 8) do probatório, que foram acrescentados, sendo todos de manter agora.

“MATÉRIA DE FACTO

Compulsados os autos e analisada a prova produzida, dão-se como provados, com interesse para a decisão, os seguintes factos:

“1) P.......SA, explorou durante os anos de 1991 a 1994, e
desde data não apurada, um posto de abastecimento de combustíveis situado no Concelho
de Sintra.
2) A instalação do posto referido em 1) funciona na via pública.
3) Por ofício de 22/08/1995, da Câmara Municipal de Sintra foi notificada a impugnante para proceder ao pagamento da quantia de 2.861.937$00.
4) A presente impugnação foi deduzida em 18/09/95, perante o órgão executivo da
Câmara Municipal de Sintra, ao abrigo do n° 2 da Lei n° 1/87, de 06/01 e solicitando em caso de indeferimento a remessa da impugnação a este Tribunal.
5) As liquidações impugnadas foram mantidas por despacho de 04/10/1995 (fls.99) e após foi efectuada a remessa do processo a este Tribunal Tributário.
6) As liquidações que vêm impugnadas foram efectuadas de acordo com a tabela de Licenças e Taxas, aprovada pela Câmara Municipal de Sintra, em 20/10/1989 e em vigor desde 02/12/1989 a qual contém o capítulo IX intitulado, “Instalações Abastecedoras de Carburantes Líquidos, Ar e Água cuja cópia consta de fls. 38 a 41 dos autos cujo teor aqui
se dá por inteiramente reproduzido e de onde se destaca que por cada “Bomba de Combustível” instalada em local público passou a ser exigida a taxa de 300.000$00, actualizável segundo o índice anual de preços no consumidor, publicado pelo Instituto Nacional de Estatística.”
7) Segundo a respectiva Tabela, a taxa de ocupação do domínio público de instalações abastecedoras de carburantes líquidos e gasosos correspondia, em 1988, ao valor seguinte, por cada bomba de combustível e por ano:
a) instaladas inteiramente na via pública 30.000$00
b) instaladas na via pública, mas com depósito em propriedade particular 20.000$00
c) instaladas em propriedade particular mas com o depósito na via pública 20.000$00
d) instaladas inteiramente em propriedade particular, mas abastecendo na via pública 15.000$00.
8) Em 20 de Outubro de 1989, por deliberação da Assembleia Municipal de Sintra foi aprovada uma nova tabela de taxas, vigente desde 2 de Dezembro de 1989, por cada bomba e por ano, nos seguintes valores:
a) instaladas inteiramente na via pública 300.000$00
b) instaladas na via pública, mas com depósito em propriedade particular 200.000$00
c) instaladas em propriedade particular mas com depósito na via pública 200.000$00 d) instaladas inteiramente em propriedade particular, mas abastecendo na via pública 150.000$00.”
*
Factos não provados

“Com interesse para a decisão da causa não se provou que até 1988 a impugnante pela exploração do posto dito em 1) apenas pagava 30.000$00 por cada “Bomba de Combustível”. Também nada se provou sobre as condições impostas pela Camara Municipal de Sintra para permitir a inicial ocupação do espaço publico onde a impugnante desenvolve a sua actividade.”

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Motivação

“Exclusivamente os elementos documentais que constam dos autos.”

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Tendo em conta os fundamentos da impugnação, a matéria julgada provada pelo Tribunal recorrido e em obediência ao acórdão do STA, na sequência das diligências instrutórias realizadas e estando este Tribunal habilitado e legitimado a ampliar a matéria de facto que se repute pertinente e que decorra da sua audição (1 “[a] Relação já não está limitada à reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes, devendo atender a todos quantos constem do processo, independentemente da sua proveniência (art. 413.º), sem exclusão sequer da possibilidade de efetuar a audição de toda a gravação se esta se revelar oportuna para a concreta decisão.” In Abrantes Geraldes-Recursos no Novo Código de Processo Civil: Almedina, 5ª Edição, 2018, p.293.), aditam-se ao probatório, ao abrigo do 662º do CPC aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT, os seguintes factos, em ordem a melhor compreender a evolução do aumento das referidas taxas: (dispensando-se a sua notificação às partes, por os mesmos serem já do seu conhecimento):

9) As taxas e quantitativos em questão previstos em 1984 foram atualizados anualmente tomando em consideração o índice anual de preços ao consumidor - cfr. inf. de fls.27 constante do recurso deste TCAS, proferido em 28.10.2003, no processo 2144/99, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido.

10) A taxa referida em 3) foi sendo revista até 1994, tendo neste ano sido fixada em 471 040$00 - cfr. recurso deste TCAS, proferido em 28.10.2003, no processo 2144/99, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido.

11) A evolução da taxa de inflação em Portugal, desde 1974 a 2001, é a que consta da tabela de fls.573, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido - cfr. recurso deste TCAS, proferido em 28.10.2003, no processo 2144/99, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido.

12) Antes de 1989, as taxas não eram atualizadas desde 05/02/88, data em que foram aprovados pela Assembleia Municipal de Sintra - cfr. recurso deste TCAS, proferido em 28.10.2003, no processo 2144/99, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido.

13) De acordo com os índices de preços estabelecidos, a taxa de inflação de 1988 para 1999 foi de 9,7% - cfr. Acórdão do TCAS, proferido em 18.05.2004, no processo 01121/03, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido.

14) O índice de preços no consumidor entre o ano de 1988 e 1994 variou em mais 73,66% (passou de 70,3 para 122,08), sendo de 100,00% em 1991 - doc. de fls 741 e 742 do do recurso deste Tribunal n.º 2548/99, de 20.5.2003.


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II.2 - De direito

In casu, os Recorrentes não se conformam com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a Impugnação Judicial apresentada pela ora Recorrida, contra a liquidação da taxa relativa à Instalação Abastecedora de Carburantes Líquidos, Ar e Água dos anos de 1991,1992,1993 e 1994, no montante de 2.861.937$00, efetuada pela Câmara Municipal de Sintra.

Discordam os Recorrentes do teor da sentença recorrida, que no seu entender padece de erro de julgamento, traduzido em errónea aplicação do direito aos factos dados como provados.

Sustenta a Impugnante na sua petição inicial, que o valor que lhe é exigido pela ocupação de espaço do domínio público com a instalação e exploração de bombas de combustível líquido, ar e água, é ilegal por desproporcionado em relação às vantagens que lhe são oferecidas pelo Município de Sintra.

E por força de tal aumento, desproporcionado, defende que, porque a autarquia não lhe passou a prestar contrapartidas acrescidas relativamente às que até então vinha prestando até 1988, que tais taxas, transmudaram-se em imposto, desequilibrando o sinalagma existente entre a quantia paga e a utilidade que lhe serve de contraprestação. Daí a infração ao princípio da proporcionalidade que a torna ilegal enquanto taxa, só se podendo conceber como um verdadeiro imposto, este ilegal.

A sentença recorrida, deu-lhe razão.

Para assim decidir o Mmo. Juíz a quo, entendeu, em síntese que:

Concluindo: existe fundamento para a existência de uma taxa a cobrar pela dita Autarquia. Cumpre no entanto verificar, se no caso concreto, a liquidação da dita taxa, que se pretende cobrar, está ou no isenta de ilegalidades.

Tais ilegalidades podem ser, ou a alegada desproporcionalidade que transformaria a taxa em imposto ou pode ser ainda a sua liquidação por atenção a critérios que objectivamente deformem o próprio conceito de taxa ou estabeleçam uma invasão da esfera da actividade da impugnante em clara afronta ao princípio da liberdade individual e empresarial. Quanto à apontada desproporcionalidade do aumento da taxa, em face do probatório, faltam elementos que nos conduzam a julgá-la verificada. Desde logo, nem sequer se provou nos autos que no ano anterior à entrada em vigor da tabela de taxas de 02/12/1989 a impugnante apenas pagava de taxa por cada bomba de combustíveis, a quantia de 30.000$00. E, além disso, sempre seria necessário verificar há quanto tempo não eram actualizadas as taxas, antes de 02/12/1989, para aferir se o alegado aumento de 30.000$00 para 300.000$00 implicou a falada desproporcionalidade transformadora daquilo que devia ser uma taxa num imposto. Por isso, e por aqui, também não pode proceder a impugnação.

Resta analisar em que medida o critério utilizado para a liquidação impugnada, implica ou não a ilegalidade da mesma. Dito de outro modo: o facto de a Edilidade taxar cada bomba de carburantes em 300.000$00 a partir da mencionada data, (valor este actualizável segundo o índice anual de preços no consumidor publicado pelo Instituto Nacional de Estatística) pode gerar a ilegalidade da liquidação impugnada?. A nossa resposta é afirmativa. Com efeito, ao utilizar este critério (já apelidado de critério da mangueirada, in decisão final de 21/04/1997 na oposição n°60/97 do 2° Juízo 2 Secção, deste Tribunal), a entidade liquidadora esquece e despreza totalmente o carácter sinalagmático da taxa não se importando com a medida da sua contraprestação que é a do fornecimento de um espaço público para exercício da actividade da impugnante e que objectivamente tem um determinado número de metros quadrados (sendo a cedência deste número de metros quadrados a sua contraprestação na relação à qual tem direito à exigência de uma taxa). Assim, quando enveredou pelo critério de taxar cada bomba de carburantes instalada em espaço público invadiu uma esfera privada de actividade empresarial, o que não é admissível, pois à impugnante compete explorar o melhor possível e como entender o espaço que lhe foi cedido, estando os seus direitos de livre iniciativa privada salvaguardados pelas normas constitucionais do País e Comunitárias (vide art° 61° n° 1 da CRP). Que saibamos a actividade das empresas é taxada, designadamente, em IRC e por isso o critério seguido não pode ser aceite porque incompatível com a natureza da taxa, o que determina a existência de vícios na liquidação que vem impugnada, a qual classificamos de verdadeiro imposto, existindo assim ilegalidade por desrespeito das regras de reserva de lei formal em matéria de criação de impostos e por atenção ao teor dos artigos 103° n°s 2 e 3 e 165, n°1 al.i) da C.R.P.”.

É contra o assim decidido que se insurgem os Recorrentes alegando, em síntese, que, da matéria fáctica dada como assente pelo Tribunal recorrido, não constem elementos que nos permitam concluir pela existência de tal desproporcionalidade [Câmara de Sintra] e que a liquidação em causa não padece do apontado vicio de violação da lei, pois a mesma refere-se a uma taxa e não a um imposto [Ministério Público].

Vejamos.

De relevar, ab initio, que os Recorrentes não procederam à impugnação da matéria de facto em ordem ao consignado no artigo 640º do CPC, nada requerendo em termos de aditamento ou supressão do competente acervo probatório, razão pela qual a mesma se encontra devidamente estabilizada.

Atenhamo-nos aos factos que relevam, ou seja, aqueles que antecedem a liquidação impugnada, a saber:

- A P.......SA, explorou durante os anos de 1991 a 1994, edesde data não apurada, um posto de abastecimento de combustíveis situado no Concelho de Sintra.

- A instalação do posto referido funciona na via pública.

- Por ofício de 22/08/1995, da Câmara Municipal de Sintra foi notificada a ora Recorrida para proceder ao pagamento da quantia de 2.861.937$00.

- As liquidações que vêm impugnadas foram efetuadas de acordo com a tabela de Licenças e Taxas, aprovada pela Câmara Municipal de Sintra, em 20/10/1989 e em vigor desde 02/12/1989 a qual contém o capítulo IX intitulado, “Instalações Abastecedoras de Carburantes Líquidos, Ar e Água”, de onde se destaca que por cada “Bomba de Combustível” instalada em local público passou a ser exigida a taxa de 300.000$00, actualizável segundo o índice anual de preços no consumidor, publicado pelo Instituto Nacional de Estatística.”

- De acordo com a referida Tabela, a taxa de ocupação do domínio público de instalações abastecedoras de carburantes líquidos e gasosos correspondia, em 1988, ao valor seguinte, por cada bomba de combustível e por ano:

a) instaladas inteiramente na via pública 30.000$00

b) instaladas na via pública, mas com depósito em propriedade particular 20.000$00

c) instaladas em propriedade particular mas com o depósito na via pública 20.000$00

d) instaladas inteiramente em propriedade particular, mas abastecendo na via pública 15.000$00.

- Em 20 de Outubro de 1989, por deliberação da Assembleia Municipal de Sintra foi aprovada uma nova tabela de taxas, vigente desde 2 de Dezembro de 1989, por cada bomba e por ano, nos seguintes valores:

a) instaladas inteiramente na via pública 300.000$00

b) instaladas na via pública, mas com depósito em propriedade particular 200.000$00

c) instaladas em propriedade particular mas com depósito na via pública 200.000$00 d) instaladas inteiramente em propriedade particular, mas abastecendo na via pública 150.000$00.

- As taxas e quantitativos em questão previstos em 1984 foram atualizados anualmente tomando em consideração o índice anual de preços ao consumidor.

- A taxa em causa foi sendo revista até 1994, tendo neste ano sido fixada em 471 040$00.

- Antes de 1989, as taxas não eram atualizadas desde 05/02/88, data em que foram aprovados pela Assembleia Municipal de Sintra.

- De acordo com os índices de preços estabelecidos, a taxa de inflação de 1988 para 1999 foi de 9,7%.

- O índice de preços no consumidor entre o ano de 1988 e 1994 variou em mais 73,66% (passou de 70,3 para 122,08), sendo de 100,00% em 1991.

Vejamos de que lado está a razão.

In casu, as quantias liquidadas à ora Recorrida reportam-se “à ocupação da via pública com a instalação e abastecimento de bombas abastecedoras de carburantes, água e ar”, tendo os respetivos montantes sido encontrados em função do número de bombas instaladas e respetivos depósitos, se encontrassem ou não totalmente instaladas em domínio público, de acordo com os artigos 42.º e 43.º da Tabela de Taxas e Licenças Municipais da Câmara Municipal de Sintra, [cfr. alínea 6) dos factos provados].

A primeira questão a dilucidar, prende-se em aferir se o tributo em causa é um imposto ou uma taxa?

Quanto ao primeiro problema, abundante jurisprudência já foi desenvolvida nestes autos, no sentido de confirmar que se trata de uma taxa e não de um imposto.

Por nós, temos idêntica opinião.

Igual situação em apreço foi já apreciada de forma uniforme por este TCA, pelo que, não havendo motivo para divergir desta jurisprudência, limitar-nos-emos (atendendo, também, ao disposto no n.º 3 do artigo 8º do Código Civil) (CC), a seguir tal jurisprudência expendida, nomeadamente, no acórdão de 20/05/2003, no proc. n.º 02144/99.

«Seguiremos em toda a exposição de direito de perto a doutrina contida no acórdão deste TCA nº 2548 de 20/05/2003.

É geralmente aceite pelos autores que uma taxa consiste numa prestação estabelecida por lei a favor de uma pessoa colectiva de direito público, como contrapartida de serviços públicos prestados, da utilização de bens do domínio público ou da remoção de um obstáculo jurídico à actividade dos particulares, cfr. neste sentido Alberto Xavier, Manual de Direito Fiscal, vol. II, págs. 42 e 43, Brás Teixeira, Princípios de Direito Fiscal, vol. I, 3." ed. págs. 43 e 44, Teixeira Ribeiro, Lições de Finanças Públicas, 1991, págs. 208 e segs e acórdão do T.C. n.° 76/88, de 7.4.1998.

»Já o imposto se diferencia daquela pela existência ou não de uma contra prestação por parte do sujeito activo da relação jurídica considerada, ou seja, a distinção faz-se pelo carácter unilateral do imposto e bilateral da taxa; no primeiro caso o facto gerador do tributo consiste na mera revelação da capacidade contributiva, e, no segundo, traduz-se numa ocorrência directamente ligada a uma actividade especifica do sujeito activo, de que beneficia individualmente o sujeito passivo.

O Estado ou outro ente público, com vista à realização do interesse público, exige unilateral e coactivamente uma prestação, em regra pecuniária: é o imposto.

Quando o Estado ou outro ente público estabelece e impõe autoritariamente um preço (não necessariamente formado por critérios económicos, tendo em vista os custos), a pagar pela utilização individual de bens ou serviços semi-públicos, ou como contrapartida de uma actividade do Estado ou de outro ente público, estamos no domínio da taxa.

Na taxa, existe um nexo sinalagmático entre o pagamento exigido e aquilo que é prestado em troca, pelo Estado ou por outro ente público.

Entre a situação que dá origem à taxa e a quantia paga, como sua contraprestação, não tem necessariamente de existir uma equivalência em termos meramente económicos ou de mercado, tratando-se antes de uma equivalência jurídica, bem podendo as duas prestações representarem utilidades económicas com um valor de mercado de diversa grandeza.

As coisas que constituem o domínio público, nos termos do disposto nos art.°s 202.° n.°2 e 1304.° do Código Civil estão fora do comércio jurídico, o que significa que são insusceptíveis de constituir o objecto de direitos individuais no âmbito do direito privado, e por isso, também não podem ser objecto de relações jurídicas privadas com valor económico.

Na medida em que os bens do domínio público não são passíveis de relações jurídicas susceptíveis de apreciação pecuniária, não revestem a natureza de bens patrimoniais, isto é, de bens "aptos a serem permutados ou transformados em dinheiro por oferta no mercado" - cfr. Marcello Caetano, in Manual de Direito Administrativo, V-II, Almedina, Coimbra, pág. 891; Manuel de Andrade, in Teoria Geral da Relação Jurídica, V-I, Coimbra 1974, pág. 205.

É por esta razão que a relação sinalagmática entre o bem ou serviço e a taxa é "independente de um critério de mercado, fundando-se em razões distintas, como a justa distribuição dos encargos públicos, ou em considerações de ordem política, como as de facilitar ou dificultar o acesso a bens e serviços. E daí que a obrigação da taxa não resulte de um acordo de vontades, antes revista a natureza de uma obrigação legal ...ao contrário do que sucede nas taxas, os preços públicos e políticos não são independentes de um critério objectivo de mercado: este é sempre a base da sua formação, da qual se parte para as correcções que se julguem necessárias" - cfr. Alberto Xavier, in Manual de Direito Fiscal, V-I, págs. 54 e 55.

Dentro deste entendimento, o montante da taxa a fixar pelo ente público não tem que corresponder ao custo do bem ou serviço que constitui a contraprestação do Estado.

Assim, dentro dos parâmetros acima referidos, conceitualmente, a importância que está a ser exigida à ora recorrida, não pode deixar de ser classificada como uma TAXA.( Em questão idêntica, do mesmo Município, também o Tribunal Constitucional pelo seu acórdão de 15. Ol .2003, acórdão n.° 20/2003 /TC - DR, II Série - confirmou tal imposição como Taxa, ...por existir uma correspectividade relevante entre o tributo e a autorização concedida peto Município).

O Município de Sintra, como a qualquer outra autarquia local, atribui-lhe a lei a faculdade de fixar e cobrar taxas como contrapartida pelos particulares da utilização dos bens do domínio público municipal, como um dos meios de gerarem receitas próprias, quer as provenientes da gestão do seu património, quer as provenientes por contrapartida da utilização dos seus serviços, cujo produto constitui receita municipal, competindo à Assembleia Municipal, "estabelecer nos termos da lei, taxas municipais e fixar os respectivos quantitativos" - cfr. art.° 240.° n.°3 da CRP, na redacção de então, 4.° n.°1 g e h), 11.° n.°1 c) da Lei n.° 1/87 e 39.° n.°2 1) do Dec-Lei n.° 100/84, de 29 de Março.

A utilização do domínio público por particulares, o chamado uso privativo, depende do consentimento da Administração expresso em titulo jurídico individual, nomeadamente, para o que interessa no caso, por meio de licença.

A licença de uso privativo constitui, pois, um titulo de fruição de propriedade pública constitutivo de mera faculdade de ocupação ou alargado ainda a poderes de transformação, na hipótese dos autos, na medida em que a licença de instalação de bombas de gasolina na via pública passa pela construção no sub-solo, a cargo do licenciado, dos respectivos reservatórios do carburante.

Através do licenciamento em causa, a Administração potencia a extracção de potencialidades acessórias nos bens da sua dominialidade, beneficiando por esta via, a prossecução do interesse público do abastecimento de carburantes pelas populações, dando assim satisfação concreta às necessidades colectivas.

Assente positivamente que o Município de Sintra pode criar taxas sobre ocupação pelos particulares de bens do seu domínio público e que estas não têm que corresponder em termos de grandeza aos preços de mercado a utilidades semelhantes, não se pode aceitar a tese da recorrida que por -mor da violação do princípio da proporcionalidade no aumento dessas taxas, as mesmas transmudem a sua natureza jurídica em imposto. É que os pressupostos de facto não sofreram ò alteração, continuando a recorrida a usar privativamente o domínio público, como até então, o qual se mantém como pressuposto da obrigação de pagamento do valor pecuniário exigido pela mesma a título de taxa.

A criação de uma taxa, com um montante exigível, desproporcionado das utilidades de uso e fruição ao seu abrigo permitidos, aos particulares, não passa, pois, disso mesmo, da exigência de uma prestação desproporcionada, desiquilibrada entre o montante pago e a utilidade recebida, não passando por tal efeito a qualificar-se de imposto!

No caso, as quantias liquidadas à ora recorrida repontam-se "à ocupação da via pública com a instalação e abastecimento de bombas abastecedoras de carburantes, água e ar", tendo os respectivos montantes sido encontrados em função do número de bombas instaladas e respectivos depósitos, se encontrassem ou não totalmente instaladas em domínio público - cfr. art.°s 42.° e 43.° da Tabela de Taxas e Licenças Municipais da Câmara Municipal de Sintra, e probatório»

Deste modo, encontram-se reunidos todos os requisitos para qualificar de taxas tais imposições ora impugnadas, tendo as mesmas sido aprovadas por deliberação da assembleia municipal e ocorrer o apontado sinalagma entre a ocupação do domínio público pela ora Recorrida e as quantias que lhe estão a ser exigidas, configurando-se estas como a contraprestação por aquela ocupação, nos termos antes explicitados.

Diga-se em abono da verdade, que, se bem lermos a petição inicial da Impugnante nem esta verdadeiramente coloca em causa que tais imposições, antes da sua alteração/atualização, ou seja até ao ano de 1988, tenham essa natureza de taxa. O que a mesma coloca em causa é o aumento do montante dessas contraprestações operado pela deliberação de 1989, que elevou tais quantias em 900%.

E por força de tal aumento, desproporcionado defende que porque a autarquia não lhe passou a prestar contrapartidas acrescidas relativamente às que até então vinha prestando até 1988, que tais taxas, transmudaram-se em imposto, desequilibrando o sinalagma existente entre a quantia paga e a utilidade que lhe serve de contraprestação.

Daí a infração ao princípio da proporcionalidade que a torna ilegal enquanto taxa, só se podendo conceber como um verdadeiro imposto, este ilegal.

Ora, não lhe assiste razão, pois como é bem de ver, taxa ilegal, é, ainda assim, uma taxa, que não um imposto.

Deste modo, a criação de uma taxa, com um montante exigível, desproporcionado das utilidades de uso e fruição ao seu abrigo permitidos, aos particulares, não passa, pois, disso mesmo, da exigência de uma prestação desproporcionada, desequilibrada entre o montante pago e a utilidade recebida, não passando por tal efeito a qualificar-se de imposto, como defende o Tribunal a quo.

Assim, assiste razão ao Ministério Público, quando defende no seu recurso, que a liquidação impugnada se refere a uma taxa e não a um imposto.

Resolvida que está a questão da qualificação do tributo em causa, resta-nos prosseguir com a apreciação do aumento de tal taxa, nos termos em que o foi, e se o mesmo é proporcional e adequado aos fins em causa.

Sustenta a Impugnante na sua impugnação que o valor que lhe é exigido, é ilegal por desproporcionado em relação às vantagens que lhe são oferecidas pelo Município de Sintra.

Vejamos.

O princípio da proporcionalidade, a partir de 1989, passou a ter expressão constitucional.

Nos termos do disposto no artigo 266º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa (CRP), na redação de então, sob a epígrafe (Princípios fundamentais), dispunha-se:

“Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade.”

E da norma do artigo 5º n.º 2 do Código de Procedimento Administrativo (CPA),

resultava:

“As decisões da Administração que colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afectar essas posições em termos adequados e proporcionais aos objectivos a realizar.”

O que se pretende com o princípio da proporcionalidade é vincular a Administração na sua atividade, inclusive regulamentar, de modo a que a mesma adeque os meios aos fins que se propõe realizar, proibindo o excesso.

Tal como se refere no Ac. do STA n.º 67/2007, de 06.06.2007 (in www.dgsi.pt), este princípio, «visa a adequada proporção entre os meios empregados e o fim a atingir, reveste-se de particular importância no domínio da actividade discricionária, como se sabe. É, aliás, um dos seus limites: podendo o fim a atingir e o interesse público em presença ser obtidos por uma decisão não tão onerosa ou que não ultrapasse os limites da razoabilidade, forçoso é que a Administração a tome.

Como facilmente dele se depreende, o princípio pretende, além de fazer com que a Administração actue de forma idónea, apropriada e ajustada à situação que tem pela frente, também impor que a Administração se comporte sem escusados excessos, sem desnecessário gravame aos interesses das pessoas que com ela estão em relação, sem o que seria intolerável, arbitrária e demasiado opressiva.» (cf. no mesmo sentido, entre outros, os Acs. do STA n.º 6/04, de 12/04/2005 e n.º 39169, de 28.05.1997, ambos em www.dgsi,pt).

Não é por acaso que o princípio da proporcionalidade, também é conhecido por princípio da proibição de excesso, pois que se trata de controlar a relação de adequação medida-fim (cfr. Gomes Canotilho, Direito Constitucional, Almedina, 6a edição, pags. 382/384).

No caso das taxas administrativas, todas estas perspetivas têm sido tradicionalmente reconduzidas a uma noção de justo equilíbrio ou equivalência entre as prestações a cargo, por um lado, do Estado, e por outro lado, dos particulares. Equivalência não necessariamente económica ou financeira, mas, antes e sobretudo, jurídica entre a quantia que é exigida pelos entes públicos que desenvolvem a atividade administrativa e o benefício ou vantagem que é retirado pelos utilizadores dessa atividade.

É desta desproporção que se queixa a Impugnante.

E, a nosso ver, com razão.

As questões aqui colocadas sobre esta temática, foram já objeto de apreciação por este Tribunal Central Administrativo Sul, em diferentes Acórdãos, nomeadamente no acórdão proferido em 23 de março de 2011 no processo n.º 04050/10.

Assim sendo, por semelhança ao caso em apreço e por economia de meios, visando a interpretação e aplicação uniforme do direito (cfr. artigo 8º n.º 3 do Código Civil (CC)), acolhe-se sem qualquer reserva a argumentação ali aduzida, e que se passa a transcrever, com as necessárias adaptações ao caso em apreciação:
«(…)
Abrigando-nos aos ensinamentos de Mário Esteves de Oliveira, in Código de Procedimento Administrativo - Comentado, 2.ª Edição, pág. 104, surgem-nos como corolários deste princípio, que a decisão administrativa deve apresentar:
-adequada - apta à prossecução do interesse público visado;

-necessária - necessária ou exigível (por qualquer outro meio não satisfazer o interesse público visado);
-proporcional - (em sentido estrito) - proporcional e justa em relação ao benefício alcançado para o interesse público (proporcionalidade custo/benefício).

O princípio da proporcionalidade também é conhecido por princípio da proibição do excesso, pois que se trata de controlar a relação de adequação medida-fim - cfr. Gomes Canotilho, in Direito Constitucional, Almedina, 6.ª Edição, págs. 382 e segs.

O interesse público prosseguido pelo Município de Sintra na concessão do licenciamento da recorrida para ocupar o domínio público com as suas bombas de gasolina, ar e água, não pode deixar de ser inserido na sua política urbanística de dotação do território com estabelecimentos de venda de gasolina e gasóleo para conforto e qualidade de vida dos cidadãos que residem ou viajam no município.
Ponderando, em relação de adequação, o interesse público e as utilidades proporcionadas pela Administração de mera faculdade de ocupação do terreno - pois que seguramente, as obras para a implantação do posto de abastecimento e respectiva manutenção em razão da segurança, funcionalidade e limpeza das instalações não correram nem correm por conta do Município de Sintra - a medida adoptada de aumentar a taxa para o décuplo (a de 30.000$00 passou para 300.000$00 e a de 20.000$00 passou para 200.000$00, isto em 1989 e até Junho de 1990, data esta em que foi aumentada, agora de acordo com o índice de preços no consumidor, e que anualmente voltou a ser actualizada, de acordo com o mesmo critério), resulta destituída de qualquer nexo de proporcionalidade.

Um aumento de tal ordem de grandeza, surge de todo inusitado, sem qualquer parâmetro de correspondência, nomeadamente com os níveis de inflação, tendo em conta a licença concedida de uso privativo do domínio público, em ordem a satisfazer o abastecimento de combustível, interesse público prosseguido pela Autarquia através das instalações da ora recorrida.
Para mais, como agora melhor se melhor se alcança após a ampliação da matéria de facto no presente acórdão, em que é possível verificar que tais taxas já desde 1984 vinham sofrendo agravamentos progressivos, em que a taxa relativa às bombas de carburantes líquidos passou de 15.000$ em 1984, para 30.000$ em 1988 e para 300.000$ em 1989, e a relativa às bombas de ar e água, passado, respectivamente, nos mesmos períodos, de 1.000$, para 5.000$, tendo a partir de 1990, ambas, passado a ser actualizadas de acordo com o índice de preços no consumidor, ou seja, tiveram aquelas um aumento correspondente ao décuplo de um ano para o seguinte, entre 1988 e 1989, para mais quando entre 1984 e 1988, haviam tido um aumento para o dobro, não se podendo falar em taxas desactualizadas pela erosão monetária ao longo dos vários anteriores anos! E isto quando entre o ano de 1988 e o ano de 1989, a variação de preços no consumidor foi positiva em apenas 12,7%.

E também não se poderá falar que a quantia paga pelo particular e a utilidade proporcionada pelo Município se poderia encontrar desiquilibrada até 1988, em desfavor do Município, no binómio prestação paga/utilidade proporcionada, e pela Tabela aprovada então em 1989 é que a mesma foi restabelecida, com a equivalência ou equilíbrio entre as duas utilidades, como aponta o acórdão revogatório, por nada se provar a tal respeito, e nem o recorrente invocar neste domínio, o que quer que seja, designadamente nas suas alegações e conclusões do recurso, o que se configura como uma verdadeira questão, que nenhuma das partes entendeu submeter à apreciação do tribunal e da qual até, se não poderá conhecer, sob pena de excesso de pronúncia.

(…)

No caso, na verdade, o aumento de tais taxas para o décuplo, de um ano para o outro (1988 para 1989), e da actualização deste último montante, de acordo com o índice de preços no consumidor nos anos seguintes (1990, 1991, 1992, 1993 e 1994), sem que tenham aumentado as contrapartidas proporcionadas pelo Município ao particular recorrido e sem que também se prove um aumento dos encargos para si resultantes por essa ocupação do domínio público pela recorrida, e sem que se prove também outros interesses socialmente relevantes para o bem comum que tenham estado subjacentes a esse aumento, igualmente dignos de tutela jurídica ou mesmo até constitucional, para mais quando tais taxas vinham sendo até então actualizadas, não pode deixar de afectar de forma inadmissível, arbitrária ou demasiado onerosa os direitos e expectativas que a impugnante legitimamente deveria depositar na ordem jurídica de um Estado de Direito, abalando, de forma inadmissível, o grau de certeza e segurança que todos os cidadãos depositam na ordem jurídica, com base nas quais conjecturam e orientam as suas vidas, incluindo a económico-empresarial.
Tal aumento daquelas taxas, queda-se por arbitrário, porque não sustentado por quaisquer premissas que permitam explicá-lo e justificá-lo, não podendo deixar de afectar expectativas legítimas da recorrida, defraudando-lhe a sua segurança jurídica, obstando a que a mesma possa, com alguma previsibilidade, calcular os seus custos e antevendo o andamento dos seus negócios de molde a poder reagir, em tempo, com as medidas que entendesse necessárias às condições de exploração da sua actividade aí desenvolvida nesse local público.»

No caso dos autos, vem provado que a Recorrida explora um posto de abastecimento de combustíveis a funcionar, inteiramente, na via pública.

A taxa questionada foi-lhe exigida por tal ocupação.

Em termos do citado princípio da proporcionalidade, entre a situação que origina o pagamento da taxa e a quantia a pagar como sua contraprestação, não tem necessariamente de existir uma equivalência em termos meramente económicos ou de mercado (trata-se, antes, de uma equivalência jurídica, bem podendo as duas prestações representarem utilidades económicas com um valor de mercado de diversa grandeza).

Mas o que não pode verificar-se, tal como, aliás, se diz na sentença recorrida, é uma desproporção intolerável entre ambos.

Ora, como se refere no ac. deste TCA, de 20/5/2003, rec. 2548/99, «Aceite que os bens do domínio público são meios de acção administrativa submetidos à disciplina do direito público e afectos aos fins de interesse público a que a Administração está vinculada a prosseguir (atribuições), é de concluir que a taxa fixada pela ocupação do domínio público deva ponderar a área ocupada e o valor das utilidades proporcionadas pela fruição da propriedade pública, sem, no entanto, se nortear por critérios de valorimetria dos preços em uso no mercado da, ocupação de terrenos ou pelo valor dos créditos obtidos pelo titular da licença de ocupação.

Ou seja, não interessam à fixação da taxa os valores do m2 na locação dos terrenos, nem os lucros evidenciados pelas demonstrações financeiras do particular licenciado».

Da prova carreada para os autos, retira-se que, em 1988, por cada bomba, a tabela era de Esc: 30.000$00. Mas, em 1989, com a nova tabela, por cada bomba a tabela passou a ser de Esc: 300.000$00. Isto, enquanto, de acordo com os índices de preços estabelecidos, a taxa de inflação de 1988 para 1999 foi de apenas 9,7%.

No caso, tendo em conta que se provou, o aumento de tais taxas para o décuplo, de um ano para o outro (1988 para 1989), a atualização deste último montante, de acordo com o índice de preços no consumidor nos anos seguintes (1990, 1991, 1992, 1993 e 1994), sem que tenham aumentado as contrapartidas proporcionadas pelo Município à ora Recorrida e sem que também se prove um aumento dos encargos para si resultantes por essa ocupação do domínio público pela Recorrida, e sem que se prove também outros interesses socialmente relevantes para o bem comum que tenham estado subjacentes a esse aumento, igualmente dignos de tutela jurídica ou mesmo até constitucional, surge de todo inusitado, sem qualquer parâmetro de correspondência, nomeadamente com os níveis de inflação.

Tal aumento daquelas taxas, queda-se por arbitrário, porque não sustentado por quaisquer premissas que permitam explicá-lo e justificá-lo.

Todos os elementos recolhidos e designadamente o súbito aumento exponencial do valor da taxa, de um ano para o outro, com uma taxa de inflação substancialmente mais reduzida, conduz justamente à conclusão de que aquele aumento foi manifestamente desproporcionado.


Neste mesmo sentido se escreveu no Acórdão deste TCA de 18 de maio de 2004, proferido no processo n.º01121/03:
Um aumento de tal ordem de grandeza, surge de todo inusitado, sem qualquer parâmetro de correspondência, nomeadamente com os níveis de inflação, tendo em conta a licença concedida de uso privativo do domínio público, em ordem a satisfazer o abastecimento de combustível, interesse público prosseguido pela Autarquia através das instalações da ora recorrida.
Para mais, como agora melhor se melhor se alcança após a ampliação da matéria de facto no presente acórdão, em que é possível verificar que tais taxas já desde 1984 vinham sofrendo agravamentos progressivos, em que a taxa relativa às bombas de carburantes líquidos passou de 15.000$ em 1984, para 30.000$ em 1988 e para 300.000$ em 1989, e a relativa às bombas de ar e água, passado, respectivamente, nos mesmos períodos, de 1.000$, para 5.000$, tendo a partir de 1990, ambas, passado a ser actualizadas de acordo com o índice de preços no consumidor, ou seja, tiveram aquelas um aumento correspondente ao décuplo de um ano para o seguinte, entre 1988 e 1989, para mais quando entre 1984 e 1988, haviam tido um aumento para o dobro, não se podendo falar em taxas desactualizadas pela
erosão monetária ao longo dos vários anteriores anos! E isto quando entre o ano de 1988 e o ano de 1989, a variação de preços no consumidor foi positiva em apenas 12,7%.

E também não se poderá falar que a quantia paga pelo particular e a utilidade proporcionada pelo Município se poderia encontrar desiquilibrada até 1988, em desfavor do Município, no binómio prestação paga/utilidade proporcionada, e pela Tabela aprovada então em 1989 é que a mesma foi restabelecida, com a equivalência ou equilíbrio entre as duas utilidades, como aponta o acórdão revogatório, por nada se provar a tal respeito, e nem o recorrente invocar neste domínio, o que quer que seja, designadamente nas suas alegações e conclusões do recurso, o que se configura como uma verdadeira questão, que nenhuma das partes entendeu submeter à apreciação do tribunal e da qual até, se não poderá conhecer, sob pena de excesso de pronúncia.

Nas suas conclusões do recurso veio a Recorrente invocar que: “…o quantitativo da taxa é determinado em função do serviço que é prestado e a base do seu cálculo está relacionada com as características dos pressupostos de facto.” - o certo, é que tal matéria não se prova.

Estamos, pois, em presença de um aumento que traduz desproporção intolerável, para efeitos do citado princípio constitucional da proporcionalidade, o que constitui vício de violação de lei.

Assim, nenhum erro de julgamento é de apontar nesta parte à sentença recorrida.

Pelo exposto, terá de negar-se provimento ao recurso, e de confirmar a sentença recorrida, com a fundamentação do presente acórdão.


*

III. DECISÃO


Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO, SUBSECÇÃO COMUM, deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

- conceder provimento ao recurso do Ministério Público;
- negar provimento ao recurso da Câmara Municipal de Sintra e, confirmar a decisão recorrida, com a fundamentação supra.

Sem custas, face à isenção legal da Recorrente (artigo 3º, n. º1, alínea e) do RCCPT, então vigente e o aplicável).

Registe e notifique.

Lisboa, 12 de março de 2025.
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[Maria da Luz Cardoso]


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[Ângela Cerdeira]

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[Tiago Brandão de Pinho]