Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1228/12.6BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:06/26/2025
Relator:FILIPE CARVALHO DAS NEVES
Descritores:NOTIFICAÇÃO DA LIQUIDAÇÃO
INEFICÁCIA
EXECUÇÃO FISCAL
Sumário:I - O executado pode apresentar oposição à execução fiscal ao abrigo da alínea i), do n.º 1, do art.º 204.º do CPPT nos casos em que sustenta a falta de notificação tout court do ato tributário de liquidação que está a ser cobrado coercivamente.
II - Não se cumprindo as formalidades da notificação legalmente cominadas e não se provando que, apesar de não terem sido observadas, foi atingido o objetivo que se visava alcançar com a mesma, é inelutável a conclusão de que o executado não foi notificado do ato tributário de liquidação exequendo e que, por isso, a dívida que se encontra a ser coercivamente cobrada não lhe é exigível.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO

A Fazenda Pública veio apresentar recurso da sentença proferida a 26/06/2019 pelo Tribunal Tributário de Lisboa («TTL») que julgou procedente a oposição judicial deduzida por P… – Sociedade de Apartamentos Turísticos, Lda., melhor identificada nos autos, no processo de execução fiscal («PEF») n.º 3247201201000020, instaurado para cobrança de dívida de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas («IRC»), do exercício de 2007, no valor de 14.325,13 Euros.

A Recorrente apresentou alegações, rematadas com as seguintes conclusões:

«A) In casu, deveria ter sido dada uma maior acuidade ao escopo do vertido nos arts. arts. 45.º, n.º 1, 74.º n.º 1 e 99.º da LGT; artigo 13.º, 35º a 39º do CPPT; artigo 28º do Regulamento do Serviço Público de Correios (RSPC), aprovado pelo DL nº 176/88 de 18/5,; art. 411.º, 436.º e 662.º ambos do CPCivil ex vi art. 2.º, al. e) do CPPT ,
B) assim como, deveria ter sido melhor valorado e considerado pelo respeitoso Areópago a quo, retirando as correctas ilações jurídico-factuais do acervo documental constante dos autos, maxime o constante de fls. 14 a 18, 19 e 20 dos autos.
C) Talqualmente, também o respeitoso Tribunal a quo o deveria ter feito no que concerne à
factualidade dada como assente nas alíneas 3) a 6) do probatório.
D) Tudo, devidamente condimentado com os princípios (antiformalistas), "pro actione" e "in dubio pro favoritate instanciae"; o princípio da oficialidade; o princípio do Inquisitório, o Princípio da Legalidade, o Princípio da Justiça e às mais elementares regras da lógica das coisas e da experiência comum,
E) conjugadamente com a mais recente jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores,
F) Para assim se aquilatar pela IMPROCEDÊNCIA DA OPOSIÇÃO aduzida pela Recorrida, maxime, para que melhor se pudesse inferir pela inexistência de uma qualquer falta de notificação da liquidação sub judice à Oponente e consequentemente, mantendo-se o processo de execução fiscal em preço, incólume, com as devidas consequências legais.
G) Pelo que, a Recorrente, com o devido respeito, conclui não ter razão o respeitoso Tribunal a quo, que julgou num determinado sentido que perante a matéria de facto dada como assente, devidamente conjugada com os demais elementos constantes dos autos, mormente do acervo probatório documental que supra se mencionou,
H) não tem a devida correspondência com o modo como as normas que constituem o fundamento jurídico da decisão a quo deveriam ter sido interpretadas e aplicadas.
I) Como as conclusões do recurso exercem uma importante função de delimitação do objeto daquele, devendo “corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que se pretende obter do tribunal Superior, em contraposição com aquilo que foi decidido pelo Tribunal a quo” - (Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 4.ª ed., Coimbra, Almedina, 2017, p. 147),».
J) A delimitação do objecto do recurso supra elencado, é ainda melhor explanado, explicitado e fundamentado do item 22º ao 91º das Alegações de Recurso que supra se aduziram (itens aqueles que por economia processual aqui se dão por expressa e integralmente vertidos) e das quais as presentes Conclusões são parte integrante.
K) Posto que, aquelas vicissitudes supra elencadas, estão comprovadas, referenciadas e dadas como assentes nos presentes autos, não tendo sido devidamente relevadas pelo Tribunal a quo,
L) pois que, a tê-lo sido, o itinerário decisório a implementar pelo respectivo Areópago, de certo, que teria sido outro.
M) Nem, tão pouco, da factualidade dada como assente e do acervo probatório documental existente nos autos sub judice, foram extraídas ilações jurídico-factuais assertivas por parte do respeitoso Areópago recorrido.
N) Por conseguinte, salvo o devido respeito, que é muito, o Tribunal a quo lavrou em erro de julgamento.
NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO, com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido total provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a sentença proferida com as devidas consequências legais.
CONCOMITANTEMENTE,
Apela-se desde já à vossa sensibilidade e profundo saber, pois, se aplicar o Direito é um rotineiro acto da administração pública, fazer justiça é um acto místico de transcendente significado, o qual, poderá desde já, de uma forma digna ser preconizado por V. as Ex.as, assim se fazendo a mais sã, serena, objectiva e a costumada
JUSTIÇA!»
*
O Recorrido apresentou contra-alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:
«a)- Toda a prova documental dos autos foi devidamente valorada, máxime a constante de fls 14 a 18, 19 e 20 dos autos, tendo o tribunal recorrido julgado e decidido em conformidade com a mesma, não tendo existido qualquer erro de julgamento da matéria de facto nem errada interpretação e aplicação do direito ao caso vertente, nem ainda um julgamento da matéria de facto inquinado por défice instrutório.
b)- Está dado como provado que a carta registada através da qual a Administração Tributária enviou a liquidação de IRC aqui em causa foi devolvida ao serviço de finanças de Lisboa 2 em 17/11/2011, matéria de facto que a recorrente não impugnou, aceitando-a.
c)- A recorrente não impugna nos termos da lei a matéria de facto dada como provada, nos pontos 1 a 6 da alínea A dos Factos Provados, da rubrica IV – Fundamentação -, da douta decisão recorrida.
d)- Matéria de facto esta que está definitivamente assente e que demonstra à saciedade que a notificação da liquidação dos autos nunca chegou ao seu destinatário, a ora recorrida, e que esta, por isso, dela não tomou conhecimento, prova para cuja obtenção é dispensável qualquer prova do motivo da devolução da carta de notificação à recorrente.
e)- A carta contendo a notificação da liquidação dos autos de IRC n.º 2011 8310006265, identificada com o número de documento 2011 1632359, do período de tributação de 2007, no valor de €13.929,42, e a respetiva liquidação de juros compensatórios n.º 2011 1947802, no valor de € 279,30 foi remetida por carta registada sob a referência de registo RY545586173PT em 31/10/2011 (factos provados: 1 e 3 do probatório);
f)- os CTT descrevem, no seu print o percurso da mesma desde a sua aceitação nos correios até à sua devolução à recorrente, com referência às datas de verificação dos factos aí descritos (factos provados: 4, 5 e 6 do probatório);
g)- A recorrente aceita ter-lhe sido devolvida a referida carta;
h)- Do print do Serviço de Finanças que constitui o doc. 2 junto com a resposta da ora recorrida à contestação da recorrente, resulta que a liquidação com referência ao número de registo: RY545843022PT, é uma liquidação de juros, que não são contemplados na execução objeto dos presentes autos de oposição.
i)- Não existe pois qualquer défice instrutório que inquine a decisão proferida, tendo a carta de notificação da liquidação dos autos sido devolvida ao Serviço de Finanças, fica demonstrado à saciedade que o objetivo da referida notificação – dar conhecimento à ora recorrida da liquidação dos autos -, não foi atingido.
j)-Não havendo que indagar a ocorrência de novos factos, levando-os ao probatório, no caso em apreço, pois a prova dos factos tal como foi obtida é manifestamente suficiente, concludente e irrefutável quanto à verificação dos mesmos, que dispensa, por desnecessária para a boa decisão da causa, qualquer outra prova.
k)- A recorrente quando recebeu de volta a carta da notificação da liquidação dos autos certamente que ficou a saber o motivo da devolução da mesma, considerando que aquele consta sempre do verso do envelope.
l)- A recorrente nunca veio dar conhecimento aos autos de tal motivo ou manifestar nos mesmos qualquer preocupação relacionada com o eventual desconhecimento do motivo da devolução da carta, fazendo-o apenas agora em sede de recurso.
m)- A recorrente, não obstante não ter dado cumprimento à lei, como era seu dever, enviando uma carta registada com aviso de receção à contribuinte, para notificação à mesma da liquidação dos autos, tendo-lhe sido devolvida a carta registada de notificação da liquidação em análise, deveria ter diligenciado pela realização de uma nova notificação à contribuinte, em vez de se remeter a uma posição de inércia, como efetivamente fez.
n)- Não tendo igualmente logrado fazer qualquer prova nos presentes autos de que aquela liquidação ainda assim tenha efetivamente chegado ao conhecimento da recorrida, nem no âmbito dos mesmos fez qualquer requerimento de prova visando esclarecer o que quer que fosse nesta matéria.
o)- Quando a recorrida juntou aos autos, na sua resposta à contestação da recorrente, o doc. 2, um print do Serviço de Finanças, e como doc. 3, o print dos ctt extraído do site www.ctt.pt, do qual resulta que o registo RY545586173PT, foi colocado no correio em 31/10/2011, não tendo sido efetuada a entrega do mesmo à oponente nas datas nele referidas, dias 04, 07 e 16 de Novembro de 2012, o que levou à sua devolução ao Serviço de Finanças – 2, em 17/11/2011, a recorrente não impugnou os mesmos, nem nada veio requerer com vista a tentar contradizer o seu conteúdo.
p)- A recorrente, quer no âmbito do processo administrativo de liquidação do tributo, quer no âmbito do presente processo judicial até ao encerramento da discussão e julgamento na 1ª instância, sempre se conformou com o facto de a liquidação não ter sido notificada à contribuinte, ora recorrida, nada fazendo para inverter o desenrolar dos acontecimentos.
q)- Por força dos factos tidos como provados, não impugnados, resulta à evidência que a liquidação dos autos não foi notificada à oponente, ora recorrida, dentro do prazo de caducidade do direito de liquidar, o que a torna ineficaz em relação à contribuinte.
r)- O direito à liquidação caduca, por via de regra, no prazo de quatro anos, como se alcança com clareza do nº1, do art.º 45º da Lei Geral Tributária (LGT).
s)- Tendo aquele prazo de caducidade tido o seu início em 1 de Janeiro de 2008, caducou o direito à liquidação do tributo dos autos – IRC de 2007 -, em 31/12/2011.
t)- A liquidação do tributo pode ter ocorrido dentro do prazo de caducidade da mesma, mas o certo é que nunca foi efetuada a notificação à ora recorrida, da referida liquidação, dentro daquele prazo.
u)- Do facto da liquidação dos autos, referente ao IRC de 2007, não ter sido notificada à contribuinte, ora recorrida, no prazo de caducidade, decorre a ineficácia da mesma e a inexigibilidade da obrigação exequenda.
v)- Não devendo sequer ter havido lugar à emissão do título executivo dos autos, pois o mesmo certifica a existência de uma liquidação ineficaz em relação à contribuinte, ora recorrida, e como tal, inexequível, dizendo respeito à cobrança de uma dívida tributária inexigível, em virtude da falta de notificação da liquidação à contribuinte dentro do prazo de caducidade da mesma.
x)- Fez pois o tribunal recorrido um correto julgamento da matéria de facto, interpretando e aplicando corretamente a lei.
Termos em que,
Deve ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se inalterada a douta decisão proferida, com as legais consequências, fazendo assim V. Exas., a costumada justiça.»
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A Exma. Magistrada do Ministério Público («EMMP») pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.

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Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul para decisão.

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II – DO OBJECTO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações (cf. art.º 635.º, n.º 4 e art.º 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil - «CPC» - ex vi art.º 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário - «CPPT»), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente.

Assim, delimitado o objeto do recurso pelas conclusões das alegações da Recorrente, importa decidir se deve ser revogada a sentença proferida pelo Tribunal a quo com fundamento em erro de julgamento, atendendo a que ficou demonstrado que a Recorrida foi notificada da liquidação de IRC relativa ao exercício de 2007 que deu origem à instauração do PEF aqui em causa.
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III – FUNDAMENTAÇÃO

III.A - De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:
«1. Em 19/10/2011 foi emitida em nome da Oponente a liquidação de IRC n.º 2011 8310006265, identificada com o número de documento 2011 1632359, do período de tributação de 2007, no valor de €13.929,42, e a respectiva liquidação de juros compensatórios n.º 2011 1947802, no valor de €279,35 - cf. demonstrações de liquidação a fls. 5, 7 e 8 do processo de execução fiscal apenso aos autos;
2. A liquidação de IRC referida no ponto anterior foi emitida oficiosamente pela Administração Tributária - cf. factos não controvertidos;
3. A liquidação de IRC referida no ponto 1. foi remetida por carta registada sob a referência de registo RY545586173PT em 31/10/2011 - cf. comprovativo de emissão, demonstração de liquidação e comprovativo de pesquisa de objectos dos CTT a fls. 4 a 6 do processo de execução fiscal apenso aos autos;
4. A carta registada referida no ponto anterior não foi entregue no dia 04/11/2011 com a menção «Entrega não efectuada. Aguarda nova tentativa de entrega» - cf. comprovativo de pesquisa de objectos dos CTT a fls. 6 do processo de execução fiscal apenso aos autos;
5. Em 07/11/2011 a carta registada referida no ponto 3. foi distribuída e a entrega não foi conseguida com o seguinte motivo «Destinatário Ausente, empresa encerrada. Avisado na estação Campo de Ourique Lisboa» - cf. comprovativo de pesquisa de objectos dos CTT a fls. 6 do processo de execução fiscal apenso aos autos;
6. Em 17/11/2011, a carta registada referida no ponto 3. foi devolvida ao serviço de finanças de Lisboa 2. - cf. comprovativo de pesquisa de objectos dos CTT a fls. 6 do processo de execução fiscal apenso aos autos;
7. Em 03/01/2012, foi emitida a certidão de dívida n.º 2012/4381 constando da mesma que é executado a Oponente e que a dívida respeita a IRC do período de tributação de 2007 no montante de €14.208,77 - cf. certidão de dívida e anexo a fls. 2 e 3 do processo de execução fiscal apenso aos autos;
8. O serviço de finanças de Lisboa 2 instaurou contra a Oponente o processo de execução fiscal n.º 3247201201000020 para a cobrança coerciva da dívida referida no ponto anterior – cf. autuação e certidão de dívida a fls. 1 e 2 do processo de execução fiscal apenso aos autos;
9. Por ofício de citação a Oponente foi citada para o processo de execução fiscal identificado no ponto anterior para o pagamento da dívida exequenda no valor de €14.325,13 - cf. ofício a fls. 17 do processo de execução fiscal apenso aos autos.»

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A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte:
«Nada mais se provou com interesse para a decisão da causa.».
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Mais resulta consignado em termos de motivação da matéria de facto o seguinte:
«O Tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos e na posição das partes vertidas nos articulados e requerimentos conforme identificado nos factos provados.».

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III.B De Direito

Insurge-se a Recorrente contra a sentença recorrida por, alegadamente, padecer de erro de julgamento, concretamente em relação à demonstração da notificação da liquidação de IRC referente ao exercício de 2007, cujo não pagamento está na génese da execução fiscal em causa. Vem, assim, a Recorrente peticionar a revogação da sentença que recaiu sobre a oposição à execução fiscal apresentada no PEF n.º 3247201201000020, defendendo, em suma, que in casu se pode concluir que a Recorrida foi notificada da sobredita liquidação de IRC.

Importa, antes de mais, relevar que a Recorrente não procedeu à impugnação da matéria de facto em ordem ao consignado no art.º 640.º do CPC, nada requerendo em termos de aditamento, alteração ou supressão ao probatório, apenas se limitando a convocar, ainda que genericamente, a existência de um erro de julgamento de facto, sem qualquer indicação clara e expressa dos factos que considera provados, nem o específico meio probatório em que sustenta o seu entendimento.


Mais cumpre ressalvar, neste concreto particular, que não traduz qualquer impugnação da matéria de facto as alegações contempladas em B) e G) das respetivas conclusões, desde logo, porque não basta à Recorrente defender, globalmente, que a decisão sobre a matéria de facto está incorreta, carecendo, como visto, de indicar que concretos pontos de facto estão incorretamente julgados, que concretos meios probatórios suportam esse entendimento e que concretos factos entende que devem ser considerados provados ou não provados. E por assim ser, face ao supra expendido, considera-se a matéria de facto devidamente estabilizada.

Feito este breve introito, e mantendo-se, como visto, o probatório inalterado, há, então, que aferir da bondade da censura endereçada pela Recorrente na presente lide recursiva.

Apreciemos.

Adiantando, desde já, a nossa posição, entendemos que a sentença em dissídio não padece do desacerto que lhe vem assacado nas alegações recursivas.

Vejamos porquê.

É indisputado nos presentes autos que a falta de notificação da liquidação de IRC do exercício de 2007 constitui fundamento legalmente admissível de oposição à execução fiscal nos termos da alínea i) do n.º1 do art.º 204.º do CPPT.

Importa, então, determinar se in casu, tal como se entendeu na sentença recorrida, o ato tributário de liquidação em causa não chegou a ser notificado à Recorrida, fundamentando, assim, a conclusão quanto à inexigibilidade da dívida exequenda.


Preceituava o art.º 90º, n.º 1, do Código do IRC, na redação aplicável, que a liquidação do IRC se processa nos seguintes termos:

(i) quando a liquidação deva ser feita pelo sujeito passivo nas declarações a que se referem os art.ºs 120.º e 122.º, tem por base a matéria coletável que delas conste;

(ii) na falta de apresentação da declaração a que se refere o art.º 120.º, a liquidação é efetuada até 30 de novembro do ano seguinte àquele a que respeita ou, no caso previsto no n.º 2 do referido art.º, até ao fim do 6.º mês seguinte ao do termo do prazo para apresentação da declaração aí mencionada e tem por base o valor anual da retribuição mínima mensal ou, quando superior, a totalidade da matéria coletável do exercício mais próximo que se encontre determinada;

(iii) na falta de liquidação nos termos das alíneas anteriores, a mesma tem por base os elementos de que a administração fiscal disponha.

Por seu turno, o art.º 110.º, n.ºs 1 e 2 do Código do IRC estabelece que nos casos de liquidação efetuada pela Administração Tributária («AT»), o sujeito passivo é notificado para pagar o imposto e juros que se mostrem devidos, no prazo de 30 dias a contar da notificação, a qual deve ser realizada nos termos preconizados no CPPT.

Relativamente ao tema das notificações no procedimento tributário, cumpre começar por apontar que o art.º 36.º, n.º1 do CPPT estipula que «Os atos em matéria tributária que afetem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados».


Por seu turno, o art.º 38.º, n.º 1 do CPPT consagra que as notificações são efetuadas obrigatoriamente por carta registada com aviso de receção, sempre que tenham por objeto atos ou decisões suscetíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes ou a convocação para estes assistirem ou participarem em atos ou diligências, sendo que o n.º3 desta norma dispõe que as notificações não abrangidas pelo n.º 1, bem como as relativas às liquidações de tributos que resultem de declarações dos contribuintes ou de correções à matéria tributável que tenha sido objeto de notificação para efeitos do direito de audição, são efetuadas por carta registada.
Conforme se decidiu no acórdão deste Tribunal de 19/03/2015, proferido no proc. n.º 07740/14, disponível em www.dgsi.pt, «(...) a não observância da forma de notificação legalmente exigida constituirá uma irregularidade que não afectará o valor da notificação, desde que se comprove que ela foi efectivamente efectuada, uma vez que as formalidades processuais são meios de garantir objectivos e não finalidades em si mesmas. Daí que, sempre que seja atingido o objectivo, serão irrelevantes as irregularidades, considerando-se sanada a deficiência – cfr. J. Lopes de Sousa, in CPPT anotado, Vol. I, pág. 375, Áreas Editora (...) Seja como for, e repita-se, não tendo sido observadas as formalidades exigidas para a notificação em causa, sempre se impunha à AT, como atrás se referiu, que, não obstante, demonstrasse que o objectivo da notificação havia sido alcançado, o que obviamente aquela nunca lograria demonstrar com a junção dos prints, mesmo que acompanhados da prova do endereço do destinatário e de ter sido essa a morada de envio das notificações.».

Quanto ao prazo de caducidade do direito à liquidação de tributos, o art.º 45.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária («LGT») determina que o direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro. O prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, como é o caso do IRC, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário (cf. art.º 45.º, n.º4 da LGT).

Importar, ainda, assinalar que estabelece o art.º 74.º, n.º 1 da LGT que o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da AT ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.

Aqui chegados, tendo sido feito este périplo pelas normas aplicáveis ao caso que agora nos ocupa, regressemos, agora, ao caso concreto.

Comecemos por apontar que estando em causa uma liquidação oficiosa de IRC do exercício de 2007, o prazo de caducidade de quatro anos teve início em 01/01/2008 e terminou em 31/12/2011 (cf. pontos 1 e 2 do probatório e o disposto no art.º 45.º, n.ºs 1 e 4 da LGT).

Tal como bem se apontou na sentença recorrida, dimana dos pontos 1. e 2. dos factos provados que a liquidação de IRC do período de tributação de 2007 foi emitida oficiosamente pela AT, pelo que, sendo suscetível de alterar a situação tributária da Recorrida, a sua notificação deveria ser realizada através de carta registada com aviso de receção, nos termos previstos no art.º 38.º, n.º 1 do CPPT.

Considerando que no caso dos presentes autos a Recorrida alega que não foi notificada da liquidação de IRC do exercício de 2007, que deu origem ao PEF aqui em causa, cabia à AT comprovar que efetuou a referida notificação nos termos legalmente previstos, ou seja, que remeteu para o domicílio fiscal da Recorrida a mencionada liquidação oficiosa de IRC por carta registada com aviso de receção e que esta foi recebida (cf. arts.º 74.º, n.º1 da LGT e 38.º, n.º1 do CPPT).




Prova que a AT não logrou fazer, tal como acertadamente se concluiu na sentença em dissídio. É que decorre dos pontos 3. a 6. dos factos provados que a liquidação oficiosa de IRC aqui em causa foi remetida apenas por carta registada para a Recorrida, a qual foi devolvida ao Serviço de Finanças de Lisboa 2 em 17/11/2011 (cf. ponto 6. do probatório), pelo que se conclui que não só não foi cumprida a formalidade exigida pelo art.º 38.º, n.º 1 do CPPT, como a AT não logrou demonstrar que o objetivo da referida notificação (dar conhecimento da liquidação de IRC do exercício de 2007 à Recorrida) foi alcançado antes do dia 31/12/2011, fim do prazo de caducidade do direito à liquidação do tributo em referência.

E por ser assim, concluímos, sem necessidade de mais nos alongarmos, em linha com a sentença recorrida, que a AT não logrou demonstrar que concretizou a notificação à Recorrida da liquidação de IRC relativa ao exercício de 2007, que está na génese do presente PEF.

Em face do exposto, o recurso não merece provimento, devendo a sentença recorrida ser mantida, o que de seguida se decidirá.
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IV- DECISÃO

Termos em que acordam, em conferência, os Juízes da Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Registe e notifique.

Lisboa, 26 de junho de 2025

(Filipe Carvalho das Neves)

(Isabel Vaz Fernandes)

(Susana Barreto)