Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:895/18.1 BELRS-S1
Secção:CT
Data do Acordão:03/16/2023
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:CONSULTA DE PROCESSO JUDICIAL
ATIVIDADE DE JORNALISTA
LIBERDADE DE IMPRENSA
DEVER DE CONFIDENCIALIDADE
SIGILO FISCAL
Sumário:I-Quem não for parte no processo judicial apenas tem o direito de examinar e consultar os autos quando demonstrar interesse atendível (artigos 163.º e 164.º do CPC).

II-No âmbito de atividade de jornalista e que legitime o acesso ao processo têm de ser alegados factos, concretos, dos quais resulte que o interesse nessa consulta se justifica, concretizando-se a relevância e interesse público, com a devida materialização no espaço e no tempo, sem que a narração possa traduzir-se numa alegação de cariz geral e abstrato.

III-A liberdade de imprensa não é ilimitada, tendo, naturalmente, de ser sopesada com direitos pessoais, e de proteção da vida privada dos cidadãos.

IV-Para efetuar a ponderação entre o direito ao respeito pela vida privada e o direito à liberdade de expressão, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem desenvolveu uma série de critérios que devem ser sopesados, mormente, a contribuição para um debate de interesse público, o grau de notoriedade da pessoa afetada, o objeto da reportagem, o comportamento anterior da pessoa em causa, o conteúdo, forma e consequências da publicação, o modo e as circunstâncias em que as informações foram obtidas, bem como a sua veracidade.

V-Sendo o requerimento inicial de consulta dos autos, absolutamente genérico, conclusivo e sem a exigível particularização da realidade de facto, tal inviabiliza, per se, a aferição do interesse atendível e a ponderação dos aludidos critérios e direitos.

VI-No domínio fiscal encontra-se regulamentado o dever de confidencialidade e o sigilo fiscal, e sua comunicação às Autoridades Judiciárias (artigo 64.º, nº3 da LGT).

VII-Contemplando os autos dados sobre a situação tributária da Oponente, sua concreta situação patrimonial e demais elementos pessoais, encontram-se sujeitos ao sigilo fiscal, o qual seria violado com a realização da consulta que o Recorrente visa, não sendo passível, in casu, de corporizar-se qualquer cisão que pudesse não estar abrangida por tal realidade, desde logo atento o âmbito da lide de oposição, e a espécie processual em curso.

Votação:COM UM VOTO DE VENCIDO
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACÓRDÃO


I-RELATÓRIO


M. A., na qualidade de jornalista interpôs recurso dirigido a este Tribunal tendo por objeto o despacho que indeferiu o pedido de consulta do processo nº 895/18.1 BELRS, porquanto, por um lado, não foi alegado e demonstrado o interesse atendível, e, por outro lado, os autos contêm dados, nomeadamente, sobre a situação tributária do demandante, recolhidos pela AT que se encontram sujeitos ao sigilo fiscal.


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O Recorrente, apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:

“1. O Recorrente requereu, na qualidade de jornalista, terceiro ao processo, a consulta dos respetivos autos, o que fez ao abrigo e nos termos do artigo 163.° do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT.

2. O tribunal a quo indeferiu, em absoluto, a pretensão do Recorrente, tendo considerado que (i) no requerimento elaborado pelo Recorrente não se encontra suficientemente explanado o interesse atendível e que (ii) se verifica a necessidade de proteger o sigilo relativo à situação tributária da parte visada pelo processo executivo.

3. O artigo 163.° do CPC enuncia o princípio da publicidade do processo civil, sendo que tal princípio é aplicável ao processo tributário por força da aplicação subsidiária das normas do CPC, nos termos do artigo 2.°, alínea e), do CPPT.

4. Para que um terceiro tenha acesso a um processo, é necessário (i) que fique demonstrada a existência de um “interesse atendível e (ii) ter em conta qualquer restrição de publicidade legalmente prevista”.

5. O Recorrente expôs no seu requerimento factos mais do que suficientes para justificar a existência de um interesse atendível, provando, por um lado, a sua qualidade de jornalista e alegando, por outro lado, o interesse público do caso.

6. Relativamente ao argumento de que o tribunal se encontra vinculado à obrigação de guardar sigilo relativamente à situação tributária da parte visada pelo processo executivo, a verdade é que tal circunstância não justifica que o acesso ao processo seja negado em absoluto.

7. Publicidade processual e segredo processual não são duas realidades incompatíveis; pelo contrário, são duas realidades que devem ser adequadamente articuladas perante o circunstanciaiismo do caso concreto.

8. Tendo negado, de forma absoluta, o acesso ao processo, o tribunal incorreu em violação do princípio da publicidade, mais concretamente das normas constantes dos números 1 e 2 do artigo 163.º do CPC.

9. Ademais, a decisão do tribunal a quo incorreu também em violação da liberdade de imprensa, na sua dimensão de acesso às fontes de informação,

10. No caso dos presentes autos, fonte informação é o próprio processo, conforme alegado pelo Recorrente no seu requerimento,

11. Em concreto, as normas violadas foram as constantes do artigo 38.°, n.° 2, alínea b), da CRP, do artigo 8.° da Lei n.° 1/99, de 1 de janeiro, e do artigo 22.°, alínea b), da Lei n.° 2/99, de 13 de janeiro.

12. Uma correta ponderação dos interesses em jogo deveria ter levado a uma decisão de deferimento, ainda que parcial, isto é, expurgando a informação protegida pelo sigilo fiscal invocado.

13. Ao assim não ter procedido, tendo optado, ao invés, por um indeferimento absoluto da pretensão do Recorrente, o tribunal a quo incorreu em erro na resolução do conflito normativo e, por inerência, em violação dos princípios da publicidade do processo e da liberdade de imprensa.

Nestes termos e nos demais de direito, deverá o presente recurso ser julgado procedente, devendo, em consequência, ser revogada a decisão do tribunal a quo e deferido o requerimento de consulta do processo, ainda que com eventuais limitações.”


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Não foram produzidas contra-alegações.

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Os autos foram com vista ao Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP), que proferiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

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Com dispensa dos vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Tributário para decisão.

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II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Visando a decisão do presente recurso, este Tribunal dá como provada a seguinte matéria de facto:

1. A 8 de março de 2018, M. N. M., deduziu junto do Instituto da Segurança Social, IP, Centro Distrital de Lisboa, oposição ao processo de execução fiscal contra si instaurado, e que corre termos junto do Tribunal Tributário de Lisboa, com o nº de processo 895/18.1BELRS (cfr. doc. de fls. 18 dos autos 895/18.1BELRS, com a referência 006389867);

2. A 26 de abril de 2021, o Recorrente apresentou requerimento endereçado ao Tribunal Tributário de Lisboa, com o seguinte teor:

Original nos autos

(cfr. doc. de fls. 308 dos autos 895/18.1BELRS, com a referência 007102344);

3. Na sequência da apresentação do requerimento referido em 1), foi prolatado despacho pela Meritíssima Juiz do Tribunal a quo, com o seguinte teor:

“Por requerimento de fls. 308 e 309 do SITAF, veio M. A., na qualidade de jornalista com a cédula profissional n.º 4….-A, requerer a consulta dos presentes autos, por se encontrar “a recolher informação para escrever um artigo sobre alguns dos factos que constituem matéria descrita nos autos”, na medida em que “os factos que deram origem aos presentes autos, bem como as circunstâncias em que os mesmos terão sido praticados e os agentes alegadamente envolvidos (nomeadamente titular actual de cargo público e reportando a alegados factos ocorridos no exercício de cargo em Organização Não Governamental co-financiada através do Erário Público), consubstanciam matéria de interesse público que, como tal, pode ser noticiada.”.

Vejamos.

Nos termos do disposto no artigo 163.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT, o processo civil é público, salvas as restrições legais (cfr., designadamente, o artigo 164.º do CPC), o que implica, nos termos do n.º 2 daquele primeiro preceito legal, “(…) o direito de exame e consulta dos autos na secretaria e de obtenção de cópias ou certidões de quaisquer peças nele incorporadas, pelas partes, por qualquer pessoa capaz de exercer o mandato judicial ou por quem nisso revele interesse atendível.”.

De acordo com a referida norma, o interessado na consulta do processo, deve alegar factos dos quais resulte que o interesse nessa consulta se justifica, concretizando a alegada relevância e interesse público.

Na base da publicidade do processo, está a transparência da administração da justiça.

No presente caso, o pedido de consulta dos autos é feito por jornalista da revista S.

Os jornalistas beneficiam de um regime especial, por força do disposto no artigo 8.º do Estatuto dos Jornalistas, estabelecido pela Lei n.º 1/99, de 13/01, constituindo interesse legítimo a invocação pelo jornalista do interesse no acesso às fontes de informação.

Contudo, o campo da liberdade de imprensa não é ilimitado, pelo que mesmo que haja matérias judiciais a respeito das quais existe uma maior abertura à publicidade, não está, de todo, posta de parte, a possibilidade de haver limites à informação e, por conseguinte, aos jornalistas.

Em matéria fiscal, importa ainda considerar o disposto no artigo 64.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária, segundo o qual “os dirigentes, funcionários e agentes da administração tributária estão obrigados a guardar sigilo sobre os dados recolhidos sobre a situação tributária dos contribuintes e os elementos de natureza pessoal que obtenham no procedimento, nomeadamente os decorrentes do sigilo profissional ou qualquer outro dever de segredo legalmente regulado”, comunicando-se esse dever de confidencialidade, como resulta do n.º 3 do ora referido preceito legal, “a quem quer que (…) obtenha elementos protegidos pelo segredo fiscal, nos mesmos termos do sigilo da administração tributária.”.

No requerimento apresentado, não se encontra suficientemente explanado o interesse atendível.

Por outro lado, contêm os presentes autos dados, nomeadamente, sobre a situação tributária do demandante, recolhidos pela administração tributária que, como tal, se encontram sujeitos ao referido sigilo, o qual seria violado com a realização da consulta que o requerente pretende.

Atento o exposto, indefiro o requerido.

Notifique.”

(cfr. doc. de fls. 26 a 29 dos presentes autos, com a referência 004707677);

4. Em resultado da prolação e notificação do despacho descrito no ponto antecedente, o Recorrente apresentou o presente recurso jurisdicional (cfr. fls. 1 a 15 dos presentes autos, referência 004707666);


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A convicção do Tribunal, no que diz respeito à matéria de facto estruturada supra, fundou-se no teor dos documentos, alicerçada na consulta da plataforma SITAF e na posição das partes, conforme referido em cada um dos números do probatório.

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III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO


In casu, o despacho recorrido corresponde ao evidenciado no ponto 3 supra, ou seja, aquele que indeferiu o pedido de consulta do processo nº 895/18.1 BELRS, na medida em que, por um lado, não foi alegado e demonstrado o interesse atendível, e, por outro lado, os autos contêm dados, nomeadamente, sobre a situação tributária do demandante, recolhidos pela AT que se encontram sujeitos ao referido sigilo.

Cumpre, assim, aferir se o aludido despacho deve manter-se na ordem jurídica com a consequente manutenção do indeferimento da consulta do processo, competindo, nessa medida, aquilatar se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito, na medida em que foi demonstrado um interesse atendível, tendo, outrossim, sido violado o princípio da publicidade, da liberdade de imprensa e a concreta abrangência do sigilo fiscal.

O Recorrente advoga, desde logo, que o Tribunal a quo interpretou, erroneamente, o âmbito e a extensão do interesse atendível e bem assim da ponderada e casuística delimitação atinente ao sigilo fiscal.

Mais relevando que, a obrigação de guardar sigilo relativamente à situação tributária da parte visada pelo processo executivo, não justifica que o acesso ao processo seja negado em absoluto, sendo certo que publicidade processual e segredo processual são realidades que devem ser interpretadas em conjunto.

Convoca, in fine, que a visada decisão determina violação da liberdade de imprensa, na sua dimensão de acesso às fontes de informação, tendo, nessa medida, sido violados os normativos constantes do artigo 38.°, n.° 2, alínea b), da CRP, do artigo 8.° da Lei n.° 1/99, de 1 de janeiro, e do artigo 22.°, alínea b), da Lei n.° 2/99, de 13 de janeiro.

Vejamos, então.

Comecemos por convocar o quadro jurídico que releva para o caso vertente.

Preceitua o artigo 163.º do CPC, aplicável ex vi, artigo 2.º, alínea e), do CPPT, sob a epígrafe de “publicidade do processo” que:

“1 - O processo civil é público, salvas as restrições previstas na lei.

2 - A publicidade do processo implica o direito de exame e consulta do processo por via eletrónica, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º, e na secretaria, bem como o de obtenção de cópias ou certidões de quaisquer peças nele incorporadas, pelas partes, por qualquer pessoa capaz de exercer o mandato judicial ou por quem nisso revele interesse atendível.

3 - (Revogado.)

4 - Incumbe às secretarias judiciais prestar informação precisa às partes, seus representantes ou mandatários judiciais, ou aos funcionários destes, devidamente credenciados, acerca do estado dos processos pendentes em que sejam interessados.

5 - (Revogado.)”

Dispõe, por seu turno, o artigo 164.º do CPC, no atinente às limitações à publicidade do processo que:

“1 - O acesso aos autos é limitado nos casos em que a divulgação do seu conteúdo possa causar dano à dignidade das pessoas, à intimidade da vida privada ou familiar ou à moral pública, ou pôr em causa a eficácia da decisão a proferir.

2 - Preenchem, designadamente, as restrições à publicidade previstas no número anterior:

a) Os processos de anulação de casamento, divórcio, separação de pessoas e bens e os que respeitem ao estabelecimento ou impugnação de paternidade, a que apenas podem ter acesso as partes e os seus mandatários;

b) Os procedimentos cautelares pendentes, que só podem ser facultados aos requerentes e seus mandatários e aos requeridos e respetivos mandatários, quando devam ser ouvidos antes de ordenada a providência;

c) Os processos de execução só podem ser facultados aos executados e respetivos mandatários após a citação ou, nos casos previstos no artigo 626.º, após a notificação; independentemente da citação ou da notificação, é vedado aos executados e respetivos mandatários o acesso à informação relativa aos bens indicados pelo exequente para penhora e aos atos instrutórios da mesma.

d) Os processos de acompanhamento de maior.

3 - O acesso a informação do processo também pode ser limitado, em respeito pelo regime legal de proteção e tratamento de dados pessoais, quando, estando em causa dados pessoais constantes do processo, os mesmos não sejam pertinentes para a justa composição do litígio.”

De convocar, outrossim, o consignado no artigo 64.º da LGT, que a propósito de confidencialidade dispõe que:

“1 - Os dirigentes, funcionários e agentes da administração tributária estão obrigados a guardar sigilo sobre os dados recolhidos sobre a situação tributária dos contribuintes e os elementos de natureza pessoal que obtenham no procedimento, nomeadamente os decorrentes do sigilo profissional ou qualquer outro dever de segredo legalmente regulado.

2 - O dever de sigilo cessa em caso de:

a) Autorização do contribuinte para a revelação da sua situação tributária;

b) Cooperação legal da administração tributária com outras entidades públicas, na medida dos seus poderes;

c) Assistência mútua e cooperação da administração tributária com as administrações tributárias de outros países resultante de convenções internacionais a que o Estado Português esteja vinculado, sempre que estiver prevista reciprocidade;

d) Colaboração com a justiça nos termos do Código de Processo Civil e mediante despacho de uma autoridade judiciária, no âmbito do Código de Processo Penal;

e) Confirmação do número de identificação fiscal e domicílio fiscal às entidades legalmente competentes para a realização do registo comercial, predial ou automóvel.

3 - O dever de confidencialidade comunica-se a quem quer que, ao abrigo do número anterior, obtenha elementos protegidos pelo segredo fiscal, nos mesmos termos do sigilo da administração tributária.

4 - O dever de confidencialidade não prejudica o acesso do sujeito passivo aos dados sobre a situação tributária de outros sujeitos passivos que sejam comprovadamente necessários à fundamentação da reclamação, recurso ou impugnação judicial, desde que expurgados de quaisquer elementos susceptíveis de identificar a pessoa ou pessoas a que dizem respeito.

5 - Não contende com o dever de confidencialidade:

a) A divulgação de listas de contribuintes cuja situação tributária não se encontre regularizada, designadamente listas hierarquizadas em função do montante em dívida, desde que já tenha decorrido qualquer dos prazos legalmente previstos para a prestação de garantia ou tenha sido decidida a sua dispensa;

b) A publicação de rendimentos declarados ou apurados por categorias de rendimentos, contribuintes, sectores de atividades ou outras, de acordo com listas que a administração tributária deve organizar anualmente a fim de assegurar a transparência e publicidade.

c) A notificação, pela administração tributária, de sujeito passivo que disponibilize uma interface eletrónica para efeitos de acionar a responsabilidade solidária deste.

6 - Para efeitos do disposto na alínea a) do número anterior, considera-se como situação tributária regularizada o disposto no artigo 177.º-A do CPPT.

7 - Para efeitos do disposto na alínea d) do n.º 2, e com vista à realização das finalidades dos processos judiciais, incluindo as dos inquéritos em processo penal, as autoridades judiciárias acedem diretamente às bases de dados da Autoridade Tributária e Aduaneira.

8 - A concretização do acesso referido no número anterior é disciplinada por protocolo a celebrar entre o Conselho Superior da Magistratura, a Procuradoria-Geral da República e a Autoridade Tributária e Aduaneira.”

Visto o direito que releva para o caso vertente, comecemos, então, por atentar se o despacho recorrido interpretou erroneamente a extensão das alegações do Recorrente, mormente no atinente ao interesse atendível.

Neste âmbito, aduz o Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro ao discernir que o Recorrente não alegou e demonstrou interesse atendível, porquanto expôs no seu requerimento factos mais do que suficientes para justificar a existência de um interesse atendível, provando, por um lado, a sua qualidade de jornalista e alegando, por outro lado, o interesse público do caso.

Porém, sem razão. Senão vejamos.

Atentando no recorte probatório dos autos, concretamente no requerimento do Recorrente e que deu azo ao despacho visado, verifica-se que o mesmo não se encontra minimamente substanciado, sendo que a alegação atinente ao interesse atendível é genérica e eminentemente conclusiva.

Com efeito, atentando no evidenciado requerimento verifica-se que o Recorrente refere que está a recolher informação para escrever um artigo, cujo tema nem tão-pouco, evidencia, limitando-se a expressar que o mesmo versará sobre “factos que constituem matéria descrita nos autos acima mencionados”, sublinhando, depois, que tais factos terão, alegadamente, “sido praticados e as circunstâncias em que os mesmos foram praticados consubstanciam matéria de interesse público que, como tal, pode ser noticiada.”

Ora, do supra expendido dimana perentório que o mesmo não concretiza, minimamente, quais os factos visados, as circunstâncias e o contexto em que, alegadamente, ocorreram, o potencial interesse para a publicação do artigo, e em que medida os mesmos revestem interesse público.

Como doutrinado por António Santos Abrantes Geraldes e outros: (1) “[q]uem não for parte no processo apenas tem o direito de examinar e consultar os autos na secretaria e de obter cópias ou certidões quando nisso revelar interesse atendível.(…) no caso de desempenho de atividade que legitime o acesso ao processo (v.g. um jornalista) o interessado na consulta do processo deve alegar factos dos quais resulte que o interesse nessa consulta se justifica, concretizando a alegada relevância e interesse público”.


Há, portanto, uma concreta necessidade de materialização, no espaço e no tempo, sem que a narração possa traduzir-se numa alegação de cariz geral e abstrato, como in casu.

Neste âmbito, esclarece o Tribunal Constitucional, no Acórdão nº 333/2022, proferido no processo nº 456/2022, datado de 03 de maio de 2022, e convocando jurisprudência firmada nesse Tribunal que “[n]a verdade, e como se decidiu no Acórdão n.º 108/02, em que era requerente também um jornalista, alegadamente no exercício da sua atividade profissional, «os fundamentos invocados pelo requerente revelam que o interesse na consulta pretendida é de cariz geral e abstrato, não sendo aduzidos quaisquer factos concretos atinentes a cada um dos declarantes que possam justificar um interesse particular atendível, à luz dos critérios oportunamente definidos por este Tribunal”.

In casu, nada se sabe sobre qual ou quais os factos, os eventos que se pretendem divulgar, inviabilizando, assim, que se possa aquilatar se os mesmos têm interesse jornalístico no sentido de se inscrever no direito de informação dos cidadãos, ajuizando-se, assim, que nenhuma censura pode ser aduzida ao Tribunal a quo quando o assim o julgou.

É certo que nas alegações de recurso, existe uma superior densificação da realidade que se pretende relatar convocando-se o cargo que exerce a visada na J. F. A. e sua concatenação e cotejo com factos, alegada mente, ocorridos durante a Presidência da A. A., mas a verdade é que tal realidade não pode ser passível de ponderação, na medida em que o interesse pessoal e atendível terá que ser alegado no requerimento inicial, e não somente em alegações de recurso, visto que o Tribunal ad quem não pode tomar conhecimento desses factos por não terem sido levados ao conhecimento do Tribunal a quo. Sem embargo do exposto há que relevar que, de todo o modo, a aludida alegação continua a ser genérica, sem que se percebam, em concreto, quais os factos que podem traduzir interesse atendível para a visada consulta.

Não granjeando, outrossim, mérito as alegações atinentes à violação da liberdade de impressa, porquanto, e na linha do decidido, tal liberdade não é ilimitada, tendo, naturalmente, de ser sopesada com direitos pessoais, e de proteção da vida privada dos cidadãos.

Note-se, ademais, que a própria Jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, permite inferir nesse sentido, porquanto enumera e densifica critérios atinentes ao efeito.

Com efeito, e como evidenciado no Acórdão do TJUE proferido no processo C-345/17, datado de 14 de fevereiro de 2019 “[p]ara efetuar a ponderação entre o direito ao respeito pela vida privada e o direito à liberdade de expressão, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem desenvolveu uma série de critérios pertinentes que devem ser tomados em consideração, nomeadamente a contribuição para um debate de interesse público, o grau de notoriedade da pessoa afetada, o objeto da reportagem, o comportamento anterior da pessoa em causa, o conteúdo, forma e consequências da publicação, o modo e as circunstâncias em que as informações foram obtidas, bem como a sua veracidade (v., neste sentido, TEDH, 27 de junho de 2017, Satakunnan Markkinapörssi Oy e Satamedia Oy c. Finlândia, CE:ECHR:2017:0627JUD000093113, § 165). Do mesmo modo, deve ser tomada em consideração a possibilidade de o responsável pelo tratamento adotar medidas que permitam limitar o alcance da ingerência no direito à vida privada.”

Ora, do teor do requerimento inicial, e conforme supra expendido, nada nos é possível retirar nesse e para esse efeito. Com efeito, a alegação absolutamente genérica, conclusiva e sem a exigível particularização da realidade de facto inviabiliza, per se, a aferição do interesse atendível e a sopesar, ademais, os aludidos critérios, direitos e ponderações. Sendo certo que, no caso vertente e conforme analisaremos infra, não podemos, de todo, descurar que nos encontramos no domínio e no âmbito fiscal, em que existe uma clara e expressa consagração legal do sigilo fiscal e sua comunicação aos agentes judiciários.

Ainda a propósito dos limites, convoque-se, designadamente, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, prolatado no processo nº 1769/11, de 19 de janeiro de 2012, do qual se extrata, designadamente, o seguinte:

“o campo da liberdade de imprensa não é ilimitado, pelo que, mesmo que haja matérias judiciais a respeito das quais existe uma maior abertura à publicidade, não está, de todo, posta de parte, a possibilidade de haver limites à informação e, por conseguinte, aos jornalistas.

Se a informação passa pelo assegurar da livre possibilidade de expressão e confronto das diversas correntes de opinião, não pode olvidar-se que não deve beliscar os direitos de personalidade de cada cidadão.

E se o direito a ser informado é o lado positivo do direito de se informar e concretiza-se no direito que todos os cidadãos têm de serem verdadeiramente informados, desde logo, pelos meios de comunicação social e pelos poderes públicos, é óbvio que importa apreciar se a notícia a divulgar tem interesse jornalístico, se interessa dar a conhecer aos cidadãos o acontecimento, tendo presente que o acesso à informação não pode ser visto como um privilégio da classe jornalística, mas sim, como um direito fundamental dos cidadãos.” (destaques e sublinhados nossos).

Não se vislumbrando, assim, qualquer preterição do artigo 38.º, nº2, da CRP, do artigo 8.º, da Lei nº 1/99, de 1 de janeiro e do normativo 22.º da Lei nº 2/99, de 13 de janeiro, sendo certo que, a adensar o supra exposto há, outrossim, que ter presente que de harmonia com o citado normativo 8.º da citada Lei, “[o] direito de acesso às fontes de informação não abrange os processos em segredo de justiça, os documentos classificados ou protegidos ao abrigo de legislação específica, os dados pessoais que não sejam públicos dos documentos nominativos relativos a terceiros, os documentos que revelem segredo comercial, industrial ou relativo à propriedade literária, artística ou científica, bem como os documentos que sirvam de suporte a atos preparatórios de decisões legislativas ou de instrumentos de natureza contratual.”

Acresce que, in casu, há, igualmente, que relevar que nos encontramos perante um processo de oposição ao processo de execução fiscal que visa discutir a exigibilidade de uma quantia exequenda, e não a sua concreta legalidade, cujos fundamentos estão elencados de forma taxativa no artigo 204.º do CPPT, donde não se vislumbra de que forma tais realidades fáticas possam relevar um interesse atendível, nem os mesmos, conforme aduzido anteriormente, foram devidamente identificados e densificados pelo Recorrente, em conformidade com a sua legal vinculação.

Ademais, e na esteira do evidenciado pelo Tribunal a quo há que ter presente que os presentes autos contêm dados sobre a situação tributária da Oponente, sua concreta situação patrimonial e demais elementos pessoais, logo encontram-se sujeitos ao referido sigilo fiscal, o qual seria violado com a realização da consulta que o Recorrente visa, não sendo passível, in casu, de corporizar-se qualquer cisão que pudesse não estar abrangida por tal realidade, desde logo atento o âmbito da lide de oposição, e a espécie processual em curso.

Com efeito, há que ter presente que o objeto do dever de sigilo fiscal são os dados recolhidos sobre a situação tributária dos contribuintes e os elementos de natureza pessoal obtidos no procedimento tributário.

Como doutrina José Maria Fernandes Pires e outros(2), “O legislador selecionou como objecto da protecção do direito ao sigilo dois tipos de dados:i)os elementos de natureza pessoal obtidos no âmbito do procedimento tributário, nomeadamente os decorrentes de qualquer tipo de sigilo profissional ou de outro tipo de segredo, ii) os dados recolhidos sobre a situação tributária dos contribuintes.”

Densificando, depois, que “os dados sobre a situação tributária integram os elementos que revelem a situação patrimonial ou a existência ou não de regularização da situação tributária. Quando a lei se refere a dados recolhidos sobre a situação tributária dos contribuintes deve considerar-se que estão incluídos quaisquer elementos, informatizados ou não, que reflitam a situação patrimonial ou pessoal dos sujeitos passivos, assim como referentes à regularização ou não dessa situação à face da lei tributária. Os elementos de natureza pessoal são aqueles que envolvem a identificação das pessoas e implicam o acesso à reserva da intimidade da vida privada".(3) (destaques e sublinhados nossos).

Note-se que o próprio conceito de “dado pessoal”, plasmado no Regulamento EU 2016/678, de 27 de abril de 2016, define enquanto tal: “informação relativa a uma pessoa singular identificada ou identificável («titular dos dados»); é considerada identificável uma pessoa singular que possa ser identificada, direta ou indiretamente, em especial por referência a um identificador, como por exemplo um nome, um número de identificação, dados de localização, identificadores por via eletrónica ou a um ou mais elementos específicos da identidade física, fisiológica, genética, mental, económica, cultural ou social dessa pessoa singular”.

Logo, como aduzido pelo Tribunal a quo, em ordem à transmissibilidade consignada no nº3, do citado normativo, sempre a situação tributária, com a abrangência supra expendida, e a situação pessoal dos sujeitos passivos, estaria coberta pelo dever de confidencialidade que se transmite às autoridades judiciárias.

Se é certo que o direito à liberdade de impressa tem consagração constitucional, também a consagração da regra do sigilo fiscal -corresponde, precisamente, à extensão e reconhecimento do direito à privacidade no âmbito da atividade tributária, enquanto direito fundamental constitucionalmente consagrado, privilegiando, assim, a tutela da intimidade privada dos contribuintes- tem consagração e dimensão normativa, como decorre dos artigos 26.º e 35.º do citado Diploma Legal.

Como doutrinado, no Aresto do STA, prolatado no processo nº 0838/11, de 16 de novembro de 2011:

“I - O direito à informação encontra expressão normativa na Constituição da República Portuguesa e foi transposto para a lei ordinária através do Código de Procedimento Administrativo. Todavia, face ao reconhecimento, também constitucional, do direito à privacidade, o legislador foi obrigado a estabelecer restrições ao direito à informação e a criar instrumentos jurídicos que funcionem como garantias do direito à privacidade.

II - A consagração da regra do sigilo fiscal, constante do artigo 64.º da Lei Geral Tributária, corresponde, precisamente, à extensão e reconhecimento do direito à privacidade no âmbito da actividade tributária, estando por ele abrangidos os dados de natureza pessoal dos contribuintes (pessoa singular ou colectiva) e os dados expressivos da sua situação tributária, os quais só podem ser revelados a terceiros - outros sectores da Administração ou particulares - nos casos expressamente previstos na lei, para responder a um motivo social imperioso, e só na medida estritamente necessária para satisfazer o equilíbrio entre os interesses em jogo.”

Note-se que, a ratio do preceito, no segmento que respeita à derrogação do segredo fiscal, radica no combate à fraude e evasão fiscal, conforme expressamente evidenciado no Aresto deste Tribunal, no âmbito do processo nº 78/21, de 27 de maio de 2021, sendo que como se deixou expendido no Acórdão n° 517/2015, do Tribunal Constitucional, proferido no processo nº 418/2013, de 14 de outubro de 2015:

“Por outro lado - como ainda se anotou no acórdão n° 442/2007 - quando a quebra do sigilo bancário promana da Administração Fiscal, não pode esquecer-se que ela não implica a abertura desses dados ao conhecimento geral, visto que os conhecimentos obtidos pelo exercício da função tributária estão sujeitos ao dever de confidencialidade (artigo 64° da Lei Geral Tributária) e a sua violação está tipificada de forma mais gravosa, face ao crime de violação do sigilo profissional (...).

Nessa medida, o levantamento do sigilo bancário mantém a reserva quanto aos dados que dele são objeto, através da sua cobertura pelo sigilo fiscal, que deixa salvaguardado - ainda que com o alargamento do círculo de pessoas que tomam conhecimento dos dados protegidos - «o conteúdo essencial tanto do direito à privacidade da vida privada e familiar dos contribuintes como da dinâmica da atividade bancária» (Casalta Nabais, O dever fundamental de pagar impostos, Coimbra, 1997, página 619)".

De adensar, in fine, que esta é, outrossim, a posição que se compagina com o artigo 8.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, no qual é proclamado o direito à intimidade, estando proibida qualquer ingerência que não esteja preceituada na lei, que não seja necessária para a segurança nacional, para a segurança pública, para o bem-estar económico do país, para a proteção da saúde ou da moral, para a proteção dos direitos e das liberdades de terceiros.

E por assim ser, nenhum erro de julgamento pode ser apontado ao Tribunal a quo quando recusou, mediante o visado despacho, a consulta do processo, o qual, nessa medida, se mantém.


***


III. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR provimento ao recurso, mantendo-se o despacho recorrido.

Custas pelo Recorrente.
Registe. Notifique.

Lisboa, 16 de março de 2023
(Patrícia Manuel Pires)
(Luísa Soares)
Voto de vencido
Não acompanho os fundamentos e a decisão que fez vencimento.
I
1. O recorrente pretende ter acesso aos autos de processo de oposição à execução fiscal em relação a pessoa titular de cargo público, por referência a factos ocorridos no exercício de funções no âmbito de Instituição de Solidariedade Social. Invoca a sua qualidade de jornalista e o interesse público para a descoberta da verdade no acesso aos elementos em causa. Convoca, para o efeito, os artigos 163.º do CPC (“Publicidade do Processo”), 38.º/2/b), da Constituição da República Portuguesa - CRP, 8.º da Lei n.º 1/99, de 01.01, 22.º da Lei n.º 2/99, de 13.01. Estes estabelecem o seguinte:
i) «O processo civil é público, salvas as restrições previstas na lei. // A publicidade do processo implica o direito de exame e consulta do processo por via eletrónica, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º, e na secretaria, bem como o de obtenção de cópias ou certidões de quaisquer peças nele incorporadas, pelas partes, por qualquer pessoa capaz de exercer o mandato judicial ou por quem nisso revele interesse atendível» (artigo 163.º/1 e 2, do CPC).
ii) «A liberdade de imprensa implica: (…) // b) O direito dos jornalistas, nos termos da lei, ao acesso às fontes de informação e à proteção da independência e do sigilo profissionais, bem como o direito de elegerem conselhos de redação (artigo 38.º/2/b), da CRP).
iii) «O direito de acesso às fontes de informação é assegurado aos jornalistas:
a) Pelos órgãos da Administração Pública enumerados no n.º 2 do artigo 2.º do Código do Procedimento Administrativo (artigo 8.º da Lei n.º 1/99, de 01.01 – Estatuto do Jornalista).

iv) «Constituem direitos fundamentais dos jornalistas, com o conteúdo e a extensão definidos na Constituição e no Estatuto do Jornalista:
(…) // b) A liberdade de acesso às fontes de informação, incluindo o direito de acesso a locais públicos e respectiva protecção» (artigo 22.º da Lei n.º 2/99, de 13.01 – Lei de Imprensa).

2. O entendimento que fez vencimento propugna que os elementos em causa estão abrangidos pelo sigilo fiscal, o qual, enquanto corolário da privacidade do contribuinte, prevalece perante a ideia de liberdade de imprensa e de acesso às fontes de informação. Funda-se no artigo 64.º da LGT e no conceito de “dado pessoal”, plasmado no Regulamento EU 2016/678, de 27 de abril de 2016. Estes dispõem nos seguintes termos:
i) «Os dirigentes, funcionários e agentes da administração tributária estão obrigados a guardar sigilo sobre os dados recolhidos sobre a situação tributária dos contribuintes e os elementos de natureza pessoal que obtenham no procedimento, nomeadamente os decorrentes do sigilo profissional ou qualquer outro dever de segredo legalmente regulado» (artigo 64.º/1, da LGT)
ii) «Dados pessoais: informação relativa a uma pessoa singular identificada ou identificável («titular dos dados»); é considerada identificável uma pessoa singular que possa ser identificada, direta ou indiretamente, em especial por referência a um identificador, como por exemplo um nome, um número de identificação, dados de localização, identificadores por via eletrónica ou a um ou mais elementos específicos da identidade física, fisiológica, genética, mental, económica, cultural ou social dessa pessoa singular» (artigo 4.º/1, do Regulamento 2016/679, do Parlamento Europeu e do Conselho, relativo à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados - RGPD.
3. O pedido de acesso aos autos do processo judicial é feito, ao abrigo do disposto no artigo 163.º do CPC (publicidade do processo) e do disposto no artigo 38.º da CRP, em matéria de garantias de liberdade de imprensa.
4. O pedido de informação incide sobre matéria relativa ao exercício de cargo político (artigo 2.º/1/i), da Lei n.º 52/2019, de 31/07, membros dos órgãos executivos do poder local. Ou seja, está em causa o escrutínio público do exercício de cargos políticos, função primordial da liberdade dos jornalistas de acesso às fontes de informação.
II
A restrição de acesso a um processo judicial – que é estruturalmente público - não se pode fundar no artigo 64.º da LGT, que é oponível à Administração e não aplicável ao processo judicial.
Os dados relativos à situação tributária constituem uma categoria específica de dados relativos a uma pessoa, mas o acesso aos mesmos não significa necessariamente uma ingerência na reserva da vida privada.
O Acórdão de Satakunnan Markkinapörssi Oy et Satamedia Oy c. Finlande [GC], queixa n.º 931/13, § 137, do TEDH(4) é paradigmático a este respeito.

No ordenamento jurídico fiscal finlandês, os dados fiscais eram de acesso público geral e eram tradicionalmente objeto de amplo tratamento jornalístico (v.g., n.º 120). O TEDH recordou, no caso, a sua jurisprudência anterior quanto à liberdade de expressão e quanto à reserva da vida privada.
Quanto à liberdade de expressão, recordou que o direito à informação constitui uma sua dimensão essencial; que, na vertente, da expressão de ideias, convive com a expressão pública de críticas e de juízos negativos; e que os media têm um papel vital na consecução do direito das pessoas a receber informação e como “public watchdog". (5)

No que se refere ao direito à reserva da vida privada, sendo um conceito amplo, é convocável num contexto de tratamento de dados quando este tratamento, pela quantidade e termos em que tem lugar, consubstancia uma interferência na esfera de vida privada da pessoa.
No caso concreto, a informação requerida, por ser judicial e respeitar a um universo circunscrito de informação, não preenche o critério que permite convocar a proteção da reserva da vida. Por outro lado, é manifesto estar em causa a vertente informativa da liberdade de expressão, exercida no quadro da atividade jornalística formal.
Acresce referir que o artigo 85.º do RGPD (“Tratamento e liberdade de expressão e de informação”) obriga a que a actividade jornalista seja especificamente protegida (Acórdão do TJUE de 14 de fevereiro de 2019, Sergejs Buivids, C-345/17; e, também, mutatis mutandis, Acórdão do TEDH de 08.11.2016, Magyar Helsinki Bizottság versus Hungria, queixa n.º 18030/11).
Na situação sub judice é juridicamente seguro ser devido o fornecimento da informação requerida.
(Jorge Cortês)











1) Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, CPC anotado, Almedina, 2019, reimpressão, Vol. I, página 199
2) Gonçalo Bulcão, José Ramos Vidal e Maria João Menezes, LGT comentada e anotada, Almedina, 2015, página 706.
3) In Ob. Cit, pág.709.
4) https://hudoc.echr.coe.int/fre?i=001-175121.
5) “The vital role of the media in facilitating and fostering the public’s right to receive and impart information and ideas has been repeatedly recognised by the Court. Not only does the press have the task of imparting such information and ideas; the public also has a right to receive them. Were it otherwise, the press would be unable to play its vital role as ‘public watchdog’. (n.º 26)”