Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:579/23.9BELLE
Secção:CA
Data do Acordão:10/03/2024
Relator:MARA DE MAGALHÃES SILVEIRA
Descritores:DIREITO À INFORMAÇÃO PROCEDIMENTAL
INTERESSE LEGÍTIMO
DEFESA DE INTERESSES DIFUSOS
Sumário:I - Estando em causa a consulta a um procedimento urbanístico em curso, a informação cuja consulta é pretendida corresponde a informação administrativa procedimental;
II - Nos termos dos artigos 82.º a 85.º do CPA e 110.º, n.ºs 1 a 6 do RJUE, no âmbito do urbanismo, o direito à informação administrativa procedimental cabe aos interessados no procedimento e, por extensão, aos que, não detendo essa qualidade, provem ter um interesse legítimo no conhecimento dos elementos que pretendam e, bem assim, para defesa de interesses difusos definidos na lei, a quaisquer cidadãos no gozo dos seus direitos civis e políticos e às associações e fundações defensoras de tais interesses;
III - Cabe ao Requerente do pedido de acesso à informação administrativa procedimental alegar e concretizar o interesse específico atendível na consulta ou consubstanciar a sua atuação na defesa de interesses difusos.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção COMUM
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa, Subsecção Comum, do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

R........ (doravante Recorrente, Requerente ou A.) instaurou, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, o presente processo urgente de intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões, contra o Município de Portimão (doravante Recorrido, Requerido, Entidade Requerida ou R.), pedindo que o Requerido fosse intimidado “a indicar ao aqui Autor, data e hora para que este possa, junto dos serviços da Câmara Municipal de Portimão, consultar o processo 306/23” e a condenação da Sra. Presidente da Câmara Municipal de Portimão “ao pagamento de multa que V.Ex.ª doutamente arbitrará, a título de sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso em relação ao prazo fixado para cumprimento da intimação”.

Por saneador-sentença proferido em 25 de outubro de 2023, o referido Tribunal julgou totalmente improcedente a intimação e, em consequência, absolveu a Entidade Requerida do pedido.

Inconformado, o Requerente/Recorrente interpôs recurso jurisdicional para este Tribunal Central Administrativo Sul dessa decisão, cujas alegações contêm as seguintes conclusões:

A- Como fundamento para julgar totalmente improcedente a acção intentada pelo requerente o Tribunal recorrido considerou, em suma:
1) Que o requerente não invocou um interesse legitimo que lhe permitisse conseguir o que requereu, ou seja, data e hora para consulta junto dos serviços do Município de Portimão de um processo de urbanismo;
2) A existência de dados nominativos no processo a consultar, o que, de acordo com o Tribunal recorrido, constitui um entrave ao acesso àquilo a que o requerente pretende, o que, recorde-se, é consulta de um processo, nos serviços da Câmara Municipal e nessa medida, pedido de indicação de data e hora para que essa consulta possa ser feita.
B- Convém recordar que o princípio decorrente do artigo 268.° da LeiFundamental, de acordo com o qual e sob a epígrafe "Direitos e garantias dos administrados", prescreve o seguinte:
1. Os cidadãos têm o direito de ser informados pela Administração, sempre que o requeiram, sobre o andamento dos processos em que sejam diretamente interessados, bem como o de conhecer as resoluções definitivas que sobre eles forem tomadas.
2. Os cidadãos têm também o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas.
3. Os atos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afetem direitos ou interesses legalmente protegidos.
4. É garantido aos administrados tutela jurisdicional efetiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, o reconhecimento desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer atos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, a determinação da prática de atos administrativos legalmente devidos e a adoção de medidas cauteiares adequadas.
5. Os cidadãos têm igualmente direito de impugnar as normas administrativas com eficácia externa lesivas dos seus direitos ou interesses legalmenteprotegidos.
6. Para efeitos dos n.os 1 e 2, a lei fixará um prazo máximo de resposta por parte da Administração.
C- Este preceito constitucional versa, quer sobre aquilo que tem vindo a ser denominado como "direito à informação procedimental', mas também ao "direito à informação não procedimental' , os quais estão regulados, respectivamente, nos artigos 82.° e 85.° do actual Código de Procedimento Administrativo e na Lei n.° 26/2018 de 22 de Agosto.
D- Quem quiser aceder a elementos de um processo administrativo do qual não seja parte deve provar "ter interesse legitimo no conhecimento dos elementos que pretendam".
E- De acordo com a sentença recorrida e acomodando-se ao argumento do Município de Portimão, " ... o Recorrente (deveria) ter alegado um interesse directo, pessoal e legitimo ...", o que segundo a sentença, o recorrente não fez.
F- Acontece, porém, que, não obstante o Tribunal recorrido ter ignorado, o Requerente invoca, no final do requerimento enviado à Câmara, via email, e em data não apurada e como resposta ao oficio de 15 de Setembro de 2023 (factos provados B) e C) ), invoca o seguinte: "... o processo n.° 306/23 incide sobre área de reserva ecológica nacional, que qualquer intervenção que ali tenha lugar deve ser enquadrada no plano de ordenamento da orla costeira (POOC) que, por declarações de impacte ambiental anteriores e que visaram projetos para a mesma área, a qualidade cénica da paisagem, a fragilidade da frente costeira, a afetação de espécies protegidas, a destruição e impermeabilização de solo, entre outras, são questões que terão sempre que ser consideradas."
G- Quer isto dizer que o processo relativamente ao qual o requerente pede consulta incide sobre uma zona especialmente vulnerável, onde incidem um conjunto de instrumentos de gestão territorial como o Regime Juridico da Reserva Ecológica Nacional ou o POOC, território onde coincidem valores naturais a proteger, uma paisagem única, a fragilidade da frente costeira, a protecção de algumas espécies aí (e só aí) existentes.
H- Trata-se, isso sim, de fazer valer um direito constitucionalmente consagrado, designadamente através do n.° 1 do artigo 66.° da CRP, o qual, prescreve:
"1. Todos têm direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender."
I- Os direitos que o Requerente pretende fazer valer são difusos porque são indeterminados e indetermináveis.
J- E contrariamente ao que declara a sentença recorrida, foram identificados no requerimento a que fizemos referência, precisamente para mostrar que o Requerente tinha e tem um interesse legitimo interesse que pode não ser directo, nem pessoal, mas ainda assim legitimo e que deve, como esperamos, ser atendido.
K- Fica claro que ainda que o Requerente não tenha um interesse directo e pessoal, ainda assim tem um interesse legitimo e atendível e previsto legalmente nos termos dos já citados n.° 1 do artigo 66.° da CRP e do n.° 6 do artigo 110.° do RJUE.
L- Vejamos agora ao argumento da existência de dados nominativos e da necessidade de preservar o direito à privacidade do ou dos titulares desses dados.
M- Todos os processos, camarários ou outros, e o processo a que o requerente pretende aceder, não será excepção, contêm dados pessoais, pelo que, caso a tese do Tribunal recorrido vingue, acabaram as consultas de processos quanto deles não se é parte, ou, dizendo de outro modo, quando o requerente não tenha um interesse directo, pessoal e legitimo. Ora, esta ideia não é aceitável, nem é esse o espírito, nem a letra da lei.
N- Os documentos a que o requerente pretende aceder, não podem ser classificados como documento nominativos. Passamos a explicar porquê.
O- De acordo com o artigo 3.° n.° 1 alínea b) da LADA, documento nominativo é um "documento que contenha dados pessoais, na acepção do regime jurídico de protecção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados."
P- Nos termos do n.° 1 do artigo 4.° do Regulamento Geral de Protecção de Dados, dados pessoais são " informação relativa a uma pessoa singular identificada ou identificável; é considerada identificável uma pessoa singular que possa ser identificada, direta ou indiretamente, em especial por referência a um identificador, como por exemplo um nome, um número de identificação, dados de localização, identificadores por via eletrónica ou a um ou mais elementos específicos da identidade física, fisiológica, genética, mental, económica, cultural ou social dessa pessoa singular;"
Q- Esta amplitude como são definidos dados pessoais no RGPD deve ser interpretado cum granum salis, como diria o nosso Professor Jorge Miranda, num contexto de exercício de funções publicas, Caso contrário a ser coartada de forma injustificável o principio da administração aberta e, consequentemente, da transparência, os quais norteiam toda a actividade da Administração pública.
R- A compatibilidade que deve existir entre administração aberta e protecção de dados está bem patente no artigo 86.° do RGPD.
S- Quase naturalmente, como está muito na moda ser invocada a existência de dados nominativos para a Administração se furtar a conceder acesso a documentos administrativos, sendo este processo exemplo disso, esta compatibilização é quase sempre esquecida.
T- Este é, aliás o entendimento que tem vindo a ser seguido pela jurisprudência. A título exemplificativo podemos indicar o Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte, de 25.01.2019 proferido no processo n.° 01775/18.6BEBRG no qual o entendimento foi: 1...) 4 - Não se estando em presença de matéria confidencial ou que se possa configurar como relativa a dados pessoais de natureza íntima, como seriam, por exemplo, os dados genéticos, de saúde ou que se prendessem com a vida sexual, bem como os relativos às convicções políticas, filosóficas ou religiosas, que pudessem traduzir-se numa invasão da reserva da vida privada, mas antes perante meros registos administrativos, não se mostra admissível a recusa na prestação de informações. 5 - Informações relativas ao modo como terão sido concretizadas avaliação de desempenho de docentes em determinados anos letivos, não configuram manifestamente dados pessoais, pelo que não podem gozar do regime de proteção de dados pessoais, pois que estamos em presença de meras questões relativas à avaliação dos docentes e ao seu reposicionamento remuneratório e funcional, sendo questões saudavelmente públicas, não se podendo consubstanciar como documentos de natureza nominativa, em homenagem aos princípios da transparência e da publicidade."
U- No caso dos presentes autos, não existem quaisquer dados ou informações quanto à vida privada dos intervenientes nesse processo e também é inegável que versa sobre o exercício de uma função publica, no caso, uma operação urbanística da competência da Câmara Municipal, pelo que deverá prevalecer a regra geral de livre acesso a documentos administrativos decorrente do n.° 1 do artigo 4.° da LADA
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, devendo a sentença ser revogada e substituída por outra que intime o Município de Portimão a indicar data e hora para que o aqui recorrente possa consultar o processo n.° 306/23 cf. requerido»

O Requerido/Recorrido apresentou contra-alegações ao recurso interposto pelo Requerente/Recorrente, nas quais não formulou conclusões, pugnando pela improcedência do recurso e pela manutenção da sentença recorrida.

O Tribunal a quo admitiu o recurso interposto pelo A./Recorrente, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo.

O Ministério Público junto deste TCA Sul, notificado nos termos e para efeitos do disposto no n.º 1, do artigo 146.º do CPTA, emitiu parecer defendendo a improcedência do recurso.

O Recorrente pronunciou-se sobre o parecer do Ministério Público, pugnando pelo seu desentranhamento, sustentando, em suma, que o Ministério Público não atua em defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos e do interesse público. Proferiu-se despacho indeferindo o requerido.

Prescindindo-se dos vistos legais, atento o carácter urgente do processo, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos juízes desembargadores adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.


II. Delimitação do objeto do recurso

Conforme jurisprudência firmada, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação dos apelantes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º 4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPTA).
Tendo em conta o exposto, a questão que a este Tribunal cumpre apreciar reconduz-se a saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento de direito.


III. Fundamentação de facto

III.1. Na decisão recorrida foi julgada provada a seguinte factualidade:

«Com interesse para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:
A. Em data não apurada o Requerente requereu o acesso ao processo camarário 305/23, com o teor abaixo reproduzido (doc. 1 e 2 da p.i.; e artigo 574.°, n.° 2 do Código de Processo Civil):
R........, advogado, residente em Portimão, com o cartão de cidadão n.° .......00, vem requerer que lhe seja indicada, data e hora para consulta do processo 305/23.
Este requerimento é feito ao abrigo do Código de Processo Administrativo, nomeadamente, nos seus artigos 83.° e 85.° n. 1.
O interesse legitimo do requerente para pedir consulta do processo e, eventualmente, cópia de partes desse processo assenta nos artigos 11.°, 12.°, 17.° e n.° 2 do artigo 66.°, todos da Constituição da República Portuguesa.
B. Por ofício de 15 de Setembro de 2023, referência DGUM/SAE/FM/3516 12261, a Entidade Requerida respondeu ao requerente nos termos abaixo reproduzidos (doc. 2 junto com a p.i.):
Assuntos CONSULTA DE PROCESSO
Nipg n.º …..2/23
Relativamente ao pedido de consulta de processo n.° 305/23, conforme meu despacho de 2023/09/14, e após ter sido solicitado parecer ao responsável pelo Regulamento Geral da Proteção de Dados, para aferir se o pedido está devidamente enquadrado em relação ao acesso de dados, fica V. Exa. notificado para vir alegar, nos termos do art.° 6.°, n.º 5 da Lei de Acessos aos Documentos Administrativos, em relação a dados nominativos, um interesse direto, pessoal e legítimo próprio ou de cliente, junta para o efeito, neste caso, a respetiva procuração. De modo que o Município tenha fundamentação adequada para disponibilizar a consulta dos documentos com dados pessoais sujeitos a dever legal de sigilo, sem incorrer no risco de violação do dever legal de sigilo, sem prejuízo da eventual minimização do acesso em função do interesse demonstrado.
C. Em data não concretamente apurada, o Requerente comunicou à Entidade Requerida, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, destacando-se os seguintes excertos (doc. 3 junto com a p.i.):
«(...)
Vejamos cada uma destas questões.
O que o requerente pediu à Câmara Municipal foi que lhe fosse indicada, data e hora, para consulta do processo 305/23.
Como não conhecemos o conteúdo da documentação a que queremos aceder, alguns dos elementos importantes para aferir a existência de dados pessoais nominativos, terão de ser por nós presumidos.
Presume-se que este processo tenha como objecto a construção de uma unidade hoteleira na zona do João D’Arens.
Presume-se que o titular do requerimento à Câmara de Portimão seja uma sociedade comercial.
Presume-se que do requerimento à Câmara Municipal possam constar alguns documentos que contenham dados nominativos, relativos a, por exemplo, dados dos técnicos responsáveis, termos de responsabilidade, entre outros.
Ora, como o Sr. responsável pelos dados pessoais não pode desconhecer, dados nominativos nos termos do artiqo 4.º do RGPO, são informação relativa a uma pessoa singular identificada ou identificável («titular dos dados»); é considerada identificável uma pessoa singular que possa ser identificada, direta ou indiretamente, em especial por referência a um identificador, como por exemplo um nome, um número de identificação, dados de localização, identificadores por via eletrónica ou a um ou mais elementos específicos da identidade física, fisiológica, genética, mental, económica, cultural ou social dessa pessoa singular;
Ora, perante esta definição e se a nossa presunção de que o titular do processo 306/23 é uma sociedade comercial estiver correcta, a posição do Sr. responsável pelos dados pessoais, não pode deixar de estar errada.
Poder-se-á argumentar "E quanto aos outros, aqueles dados verdadeiramente nominativos e aos quais o requerente terá acesso, caso o deixemos consultar o processo?
Quanto a esses existe um mecanismo que pretende obviar esta questão. Chama-se pseudonimização, isto é, o tratamento de dados pessoais de forma que deixem de poder ser atribuídos a um titular de dados específico sem recorrer a informações suplementares, desde que essas informações suplementares sejam mantidas separadamente e sujeitas a medidas técnicas e organizativas para assegurar que os dados pessoais náo possam ser atribuídos a uma pessoa singular identificada ou identificável;
A existência desta pseudonimização é a maneira de não defraudar a lei naquilo que são os seus principais objectivos, bem como a Constituição, relativamente ao princípio da administração aberta. E, embora esteja muito na moda junto da administração publica o uso (abusivo) do RGPD para impedir acesso a documentos administrativos, o que é facto é que os dois sistemas (protecção de dados e acesso a documentos administrativos) foram concebidos para conviver pacificamente.
Vejamos a segunda questão
Será a existência num dado processo administrativo de dados nominativos fundamento de recusa de acesso a esses documentos?
A resposta não pode deixar de ser um rotundo, não.
Se assim fosse teríamos que jogar fora o princípio da administração aberta, mas também o princípio constitucional que nos diz que os cidadãos que têm direito de acesso a arquivos e registos administrativos, com as exceções consagradas no próprio texto constitucional e na lei ordinária, mas que aqui não se aplicam.
Quanto à última questão, a questão de saber se o requerente tem legitimidade para requerer o que requereu.
Recorde-se que pedimos indicação de data e hora para consulta do processo 306/23. E este pedido foi feito à luz dos artigos 83.º e 85.º n.º1 do código de procedimento administrativo.
Numa nota à parte, deve clarificar-se que o nosso pedido foi feito à luz do CPA e não da LADA. Estamos perante matéria procedimental pelo que o correto é que sejam aplicadas as normas do CPA e não as normas da LADA.
Voltemos a nossa legitimidade (ou falta dela).
No nosso requerimento e perante o conteúdo do número 1 do artigo 85.ºdo CPA que nos diz que "os direitos reconhecidos nos artigos 82° a 84.ºsão extensivos a quaisquer pessoas que provem ter interesse legítimo no conhecimento dos elementos que pretendam", tivemos o cuidado de, ainda que de forma meramente indicativa e face a simplicidade do que estávamos estamos a requerer, indicar os artigos 11.º, 12.º, 17.º, do CPA e 66.º n° 2 da CRP, sendo que na pressa, indicamos os artigos 11º, 12.º e 17.º como sendo da Constituição da República Portuguesa, quando o que pretendíamos era escrever código do procedimento administrativo. O último dos artigos invocados, o artigo 66° n.º 2, esse sim, é da Constituição da República Portuguesa.
Num mundo perfeito que foi aquele em que o legislador do CPA concebeu o código, a administração deve colaborar com os particulares e, parte dessa colaboração passa por prestar aos particulares as informações e os esclarecimentos de que careçam.
Mas os cidadãos têm também um direito de participar nas decisões que lhes digam respeito e uma das formas de participação é, desde logo, pedindo informações,
consultando os processos e, eventualmente pedindo cópias, físicas ou digitais, de documentos administrativos.
Já iremos à parte das "decisões que lhes digam respeito".
Mas a nossa legitimidade vem (também) do princípio da administração aberta constante do artigo 17° do CPA e que nos diz que “Todas as pessoas têm o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, mesmo quando nenhum procedimento que lhes diga directamente respeito esteja em curso..."
O aqui requerente é uma das “pessoas" de que fala o artiqo 17° n.º 1 do CPA e o procedimento de que pedimos a consulta, embora não nos diga diretamente respeito, diz-nos, de modo indireto, respeito. E passamos a explicar porquê, explicação que nos conduz ao artigo 66.º n.º 2, alíneas a), b), d) e e) da CRP.
Ora, não sabemos se o senhor responsável pela proteção de dados saberá, mas o senhor diretor de departamento, Ricardo Tomé, saberá com certeza que o processo 306/23 incide sobre área de reserva ecológica nacional, que qualquer intervenção que ali tenha lugar deve ser enquadrada no plano de ordenamento da orla costeira (POOC), que, por declarações de impacto ambiental anteriores e que visaram projetos para a mesma área, a qualidade cénica da paisagem, a fragilidade da frente costeira, a afetação de espécies protegidas, a destruição e impermeabilização de solo, entre outras, são questões que terão sempre que ser consideradas.
Portanto, com o devido respeito e fazendo notar que devia ser o município a promover esta participação e não colocar o requerente perante a necessidade deter de explicar a sua legitimidade para conseguir uma data e uma hora para consultar um processo camarário, devo dizer que a minha legitimidade é total quando estão em causa valores coletivos que por todos podem ser prosseguidos e que não são exclusivos, nem da Câmara municipal de Portimão, nem do promotor do projeto.
Finalmente, e sem prejuízo do que passará referir-se, renova-se o pedido para que, no mais curto espaço de tempo, nos seja indicada data e hora para consulta do processo 306/23, nos serviços de urbanismo dessa Câmara Municipal.
Em qualquer caso, e sem prejuízo do que se acabou de dizer, verificamos que o nosso pedido foi respondido fora do prazo indicado na lei para o efeito, no caso, 10 dias úteis.
Como a partir do momento da não resposta, ou da resposta nos termos em que V.Exªs responderam e que não satisfaz o pedido, inicia-se um prazo legal para eventual inicio de processo de intimação para prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões (artigo 104.º e seguintes do código de processo nos tribunais administrativo), o qual não queremos perder, pelo que demos início junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé de um processo judicial com os fins visados no nosso requerimento.
Obviamente que, se entretanto, recebermos dessa Câmara Municipal informação sobre dia e hora para consulta do processo pretendido, daremos nota disso ao processo para efeitos de uma eventual inutilidade superveniente da lide, com as devidas consequências legais.»

III.2. Quanto aos factos não provados consignou-se na sentença recorrida.

“Considera-se não provado:
1. O requerimento de acesso mencionado em A foi enviado em 07 de Setembro de 2023 (artigo 2.º da contestação)”

III.3. Foi a seguinte a motivação quanto à matéria de facto:

«A matéria de facto considerada provada foi a relevante para a decisão, tendo por base os documentos juntos ao articulado da petição inicial e ao processo administrativo instrutor, conforme indicado em cada ponto do probatório. Considerou-se como não provado o facto identificado em 1, porquanto a Entidade Requerida impugnou todos os factos alegados pelo Requerente, excepto os que resultam do teor dos documentos juntos (artigo 2.º da contestação). E dos documentos juntos pelo Requerente, não foi efectuada qualquer prova quanto à data do envio do requerimento para o acesso ao processo camarário.»

IV. Fundamentação de direito

O Recorrente imputa à sentença, que julgou improcedente o seu pedido de intimação do Recorrido à consulta do procedimento 305/23, erro de julgamento sustentando, em suma, que,
· Alegou um interesse legítimo e atendível para o acesso à informação, previsto legalmente no n.º 1 do artigo 66.º da CRP e do n.º 6 do artigo 110.º do RJUE, com o intuito de defesa de interesses difusos que se mostram identificados no requerimento a que se reporta o facto provado C, onde indicou estar em causa um pedido de consulta de um processo camarário que visa o desenvolvimento de um projeto urbanístico numa zona onde existem um conjunto de valores ecológicos a preserva e que, nesse sentido, a consulta ao processo destina-se a “verificar se um conjunto de direitos difusos estão, nesta fase do processo urbanístico, a ser assegurados e de que maneira” (fls. 4 e 5 das alegações);
· Os documentos a que pretende aceder não contêm quaisquer dados ou informações quanto à vida privada dos intervenientes nesse processo, estando em causa uma operação urbanística, devendo prevalecer a regra geral de livre acesso a documentos administrativos decorrente do n.º 1 do artigo 4.º da LADA.
É sabido que o direito à informação administrativa se desdobra no direito à informação procedimental, consagrado no n.º 1 do artigo 268.º da Constituição da República Portuguesa (“CRP”) e no direito ao acesso a arquivos e registos administrativos, previsto no n.º 2 do mesmo preceito (que corresponde a um direito à informação não procedimental, cf. Mário Aroso de Almeida e Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 5ª ed., pág. 903). Direitos que visam primacialmente objetivos diversos, no primeiro caso, a informação sobre procedimentos administrativos, numa perspetiva de conhecimento das incidências procedimentais, e, no segundo, o acesso aos registos e arquivos administrativos, numa dimensão de administração aberta a todos os cidadãos, pelo que são também diversos os regimes jurídicos que lhes correspondem (neste sentido, entre outros, o Ac. STA de 25.02.2009, proferido no processo n.º 998/08).
Assim, o direito à informação abrange a informação procedimental (arts. 82.º a 85.º do CPA) e a informação não procedimental (art.º 17.º do CPA e art.º 5.º da Lei n.º 26/2015, de 22 de agosto, Lei regula o acesso aos documentos administrativos e à informação administrativa ou doravante LARDA), sendo que a primeira “reporta-se a factos, atos ou documentos que integram ou resultam de um concerto procedimento administrativo que se encontre ainda em curso” e a segunda “respeita a documentos contidos em arquivos ou registos administrativos, aí se incluindo os documentos existentes em procedimentos administrativos já findos” (cf. Mário Aroso de Almeida e Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 4ª ed., pág. 903).
Estando em causa a consulta a um procedimento urbanístico em curso (cf. facto provado C. e requerimento de fls. 132 dos autos) a informação cuja consulta é pretendida corresponde a informação procedimental, o que, desde logo, significa que, face ao direito de acesso aos registos e arquivos administrativos, o âmbito de proteção do direito de acesso à informação administrativa é distinto «em função das categorias de sujeitos envolvidas, variando o conteúdo do direito de acesso de modo proporcional ao interesse objetivo do titular do direito (quanto mais forte for o seu interesse, mais rico será o conteúdo das faculdades de acesso contidas no seu direito)» (cf. Ac. do STA de 23.11.2023, proferido no processo n.º 02258/22.5BEPRT).
Neste sentido, recorda-se que o direito à informação administrativa procedimental, correspondendo ao exercido no âmbito e decurso de um procedimento administrativo, cabe aos interessados no procedimento (arts. 82.º a 84.º do CPA) e, por extensão, aos que, não detendo essa qualidade, provem ter um interesse legítimo no conhecimento dos elementos que pretendam (art.º 85.º, n.º 1 do mesmo Código).
Como se deu conta no Ac. deste TCA Sul de 27.2.2020, proferido no processo n.º 586/19.6BELSB, “[n]o que se refere à extensão do direito à informação estabelecida no art.º 85.º do CPA, impera esclarecer que não se exige um interesse “direto”, que permita ao interessado intervir no procedimento ou impugnar um ato administrativo, mas um mero interesse legítimo no acesso aos documentos. “Como interesse legítimo, deve entender-se um interesse específico atendível, que deverá ser avaliado casuisticamente (…), dentro de critérios de razoabilidade, em função da relação existente entre o requerente e a matéria sobre a qual ele pretendeu obter informação”».
Ou seja, no sentido pugnado pela sentença recorrida «[o] interesse legítimo respeita a um interesse atendível que justifique, razoavelmente, satisfazer a pretensão do requerente (cf. MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA/PEDRO COSTA GONÇALVES/J. PACHECO DE AMORIM, Código de Procedimento Administrativo Comentado, 2.ª ed., Almedina, 1999, p.340.) Terá de ser um interesse conexo com o objecto do procedimento (v.g. um vizinho do local para o qual foi pedido licenciamento de obras; um particular afectado, etc.). Nas palavras do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 25.01.2001, processo n.° 0370/01, relator: Cândido Pinho (a jurisprudência citada tem como fonte o sítio www.dgsi.pt, excepto quando for indicado o contrário), não basta "a simples curiosidade, o interesse simples em saber, em estar a par, podendo resultar numa intolerável intromissão na vida das pessoas, órgãos e instituições e, por tal razão, excluídos da dimensão tituladora do interesse. Por isso o interesse tem de ser próprio, comprovado, sério e útil".».
Adiante-se (também) que, estando em causa questões relacionadas com o direito do urbanismo, o artigo 110.º do RJUE prevê o direito do interessado “de consultar os processos que lhes digam directamente respeito, nomeadamente por via electrónica, e de obter as certidões ou reproduções autenticadas dos documentos que os integram, mediante o pagamento das importâncias que forem devidas” (n.º 3), direito esse que é extensivo “a quaisquer pessoas que provem ter interesse legítimo no conhecimento dos elementos que pretendem e ainda, para defesa de interesses difusos definidos na lei, quaisquer cidadãos no gozo dos seus direitos civis e políticos e as associações e fundações defensoras de tais interesses” (n.º 6).
Daqui resulta que, estando em causa questões relacionadas com o direito do urbanismo, o direito à informação procedimental é extensível não só àqueles que provem ter interesse legítimo no conhecimento dos elementos que pretendem, mas também a quaisquer cidadãos no gozo dos seus direitos civis para defesa de interesses difusos definidos na lei.
Acrescente-se, ainda, que mesmo que ao requerente do acesso assista, nos termos destes normativos, o direito à informação procedimental, este direito não é ilimitado, pois que ele não comporta “uma amplitude tal, a ponto de permitir o acesso por terceiros a documentos nominativos” (Ac. do TCA Sul de 27.2.2020, processo n.º 586/19.6BELSB).
Com efeito, por remissão do art.º 26.º da Lei n.º 58/2019, de 8 de agosto, haverá que considerar que o acesso a documentos administrativos que contenham dados pessoais rege-se pelo disposto na Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto (doravante LARDA), diploma que, no seu art.º 6.º, n.º 5 dispõe que “[u]m terceiro só tem direito de acesso a documentos nominativos:
a) Se estiver munido de autorização escrita do titular dos dados que seja explícita e específica quanto à sua finalidade e quanto ao tipo de dados a que quer aceder;
b) Se demonstrar fundamentadamente ser titular de um interesse direto, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido suficientemente relevante, após ponderação, no quadro do princípio da proporcionalidade, de todos os direitos fundamentais em presença e do princípio da administração aberta, que justifique o acesso à informação.”
Sendo que, ao abrigo do art.º 3.º, n.º 1 al. b) da LARDA corresponde a documento nominativo, “o documento que contenha dados pessoais, na aceção do regime jurídico de proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados”.
E, como se dá na sentença recorrida, ao abrigo do artigo 4.°, n.° 1 do Regulamento Geral de Protecção de Dados Pessoais da União Europeia – Regulamento (UE) n.° 679/2016, de 27 de Abril, doravante RGPD, entendem-se por dados pessoais «a informação relativa a uma pessoa singular identificada ou identificável («titular dos dados»); é considerada identificável uma pessoa singular que possa ser identificada, directa ou indirectamente, em especial por referência a um identificador, como por exemplo um nome, um número de identificação, dados de localização, identificadores por via electrónica ou a um ou mais elementos específicos da identidade física, fisiológica, genética, mental, económica, cultural ou social dessa pessoa singular» [artigo 4.°, alínea 1) do RGPD] e terceiro «a pessoa singular ou colectiva, a autoridade pública, o serviço ou organismo que não seja o titular dos dados, o responsável pelo tratamento, o subcontratante e as pessoas que, sob a autoridade directa do responsável pelo tratamento ou do subcontratante, estão autorizadas a tratar os dados pessoais" [artigo 4.°, alínea 10) do RGPD].

Feito este enquadramento legal o que, em primeiro lugar cumpre apurar é se, como alega o Recorrente – que não ocupa a posição de interessado no procedimento administrativo cuja consulta requer – demonstrou um interesse legítimo no acesso aos documentos ou que esse acesso visa a defesa de interesses difusos. E, apenas no caso de dispor de tal legitimidade, é que importará averiguar se esse direito se encontrava restringido pelo caráter nominativo dos documentos.
Ora, é inegável que no requerimento a que respeita o ponto A) dos factos provados o Recorrente nada aduz ou alega que permita considerar dispor de um interesse legítimo para a consulta ou que esta visa a defesa de interesses difusos.
Como se refere na sentença recorrida[a] mera remissão para normas constitucionais ou princípios legais quanto ao direito de acesso a informação administrativa nada diz”, não bastando, para tanto, de forma não consubstanciada, remeter para os dispositivos que regem os símbolos nacionais e a língua oficial (art.º 11.º CRP), o princípio da universalidade dos direitos e deveres (art.º 12.º da CRP), a extensão do regime dos direitos, liberdades e garantias aos direitos fundamentais de natureza análoga (art.º 17.º da CRP) ou o direito ao ambiente (art.º 66.º da CRP) ou, como corrigiu no requerimento posteriormente apresentado [facto C.], que regulam o principio da colaboração da Administração com os particulares (art.º 11.º do CPA), o princípio da participação (at.º 12.º do CPA), o principio da Administração aberta (art.º 17.º do CPA) e o principio da proteção dos dados pessoais (art.º 18.º do CPA), para daí poder fazer emergir que dispõe de um interesse específico atendível no acesso àquela informação. Esses princípios e normativos, per si, nada concretizam que seja apto a consubstanciar o interesse legítimo do Recorrente.
Só a final do requerimento a que se reporta o facto provado C., o Recorrente aduziu que o processo urbanístico que pretende consultar que “incide sobre área de reserva ecológica nacional, que qualquer intervenção que ali tenha lugar deve ser enquadrada no (POOC), que, por declarações de impacto ambiental anteriores e que visaram projetos para a mesma área, a qualidade cénica da paisagem, a fragilidade da frente costeira, a afetação de espécies protegidas, a destruição e impermeabilização de solo, entre outras, são questões que terão sempre que ser consideradas”, para daí concluir que dispõe de legitimidade “quando estão em causa valores coletivos que por todos podem ser prosseguidos”.
Ou seja, o que estará em causa é a consulta do processo urbanístico para alegada defesa da tutela da legalidade urbanística e ambiental.
Sucede que esta alegação é insuficiente para traduzir um interesse legítimo, isto é, que resulte de uma conexão do requerente com o objeto do procedimento em termos tais que consubstancie um interesse específico atendível, pelo que a este respeito entendemos que, pese embora alguma confusão se denote na sentença recorrida quanto à legitimidade para o exercício do direito à informação procedimental e o exercício desse mesmo direito quanto a documentos que contenham dados pessoais, não incorreu a decisão em erro na conclusão de que o Recorrente não demonstrou um interesse legítimo.
Todavia, e foi esta a questão que o Tribunal a quo não considerou, importaria que se tivesse apreciado o direito reclamado por reporte à parte final do n.º 6 do art.º 110.º do RJUE que estende o direito de acesso à informação procedimental, para defesa de interesses difusos definidos na lei, a quaisquer cidadãos no gozo dos seus direitos civis e políticos.
Segundo a doutrina, entende-se por interesses difusos “(…) os interesses sem titular determinável, meramente referíveis na sua globalidade a categorias indeterminadas de pessoas (...) evidenciados[s] pela sua adstrição a um conjunto de pessoas caracterizado pela sua indivisibilidade e pela indeterminabilidade dos seus componentes (...)” (cfr. Sérvulo Correia, Direito do Contencioso Administrativo, I, LEX, 2005, págs. 245 e 261). Os “interesses públicos, porque correspondem (em termos ideais, pelo menos) aos interesses gerais de uma colectividade, abstraem dos interesses individuais que são ou podem ser satisfeitos. Sendo que “os interesses difusos só são delimitáveis em função das necessidades concretamente satisfeitas aos membros de uma colectividade: como esses interesses se desdobram numa dimensão individual e numa dimensão supra-individual, não há interesses difusos que não satisfaçam efectivamente uma necessidade de todos e de cada um dos membros da colectividade. Assim, enquanto os interesses públicos são os interesses gerais da colectividade, os interesses difusos são os interesses de todos aqueles que vêem as suas necessidades concretamente satisfeitas como membros de uma colectividade.” (Miguel Teixeira de Sousa, A legitimidade popular na tutela dos interesses difusos, LEX, 2003, pág. 31-32).
Embora se compreenda que o que está em causa no requerimento apresentado serão questões de legalidade urbanística e promoção do ambiente, o que sucede é que o Recorrente, em tais requerimentos, não invoca que o acesso à informação visa a defesa de interesses difusos relacionados com o ambiente e o urbanismo, como também não carateriza de que forma, a circunstância de o referido processo urbanístico poder incidir sobre áreas de proteção especial ou de salvaguarda de recursos e valores naturais – integradas em reserva ecológica, sujeitas a um plano de ordenamento da zona costeira ou em que projetos foram já objeto de declarações de impacto ambiental - se projeta enquanto “interesses da comunidade”, ao ponto de se poder considerar que, o acesso à informação deve ser garantido ao abrigo da parte final daquele n.º 6 do art.º 110.º do RJUE.
Refira-se que não é por a proteção do ambiente e do ordenamento do território corresponderem a “valores coletivos”, no sentido de configurarem um interesse público ou interesse geral, que daí emerge que estejamos perante um interesse difuso para cuja defesa ao Recorrente deva reconhecer-se o acesso à informação procedimental. É que, embora um interesse difuso possa corresponder a um interesse público, dele se distingue por representar a refração em cada indivíduo de interesses unitários da comunidade, global e complexamente considerada e pertence a “todas as pessoas integrantes de uma comunidade, pelo simples facto de o serem” (Oliveira Ascensão, A ação popular e a proteção do investidor, pág. 65).
Ou seja, o que está em causa é a falta de alegação e concretização das razões pelas quais o acesso à informação urbanística tem por objetivo a defesa de interesses difusos, que não se basta pela alegação de que estão “em causa valores coletivos que por todos podem ser prosseguidos”. Antes importava que fosse revelado em que termos, dado que a obra objeto desse processo urbanístico poderá incidir sobre áreas protegidas, tal se projetará, e poderá prejudicar, interesses gerais da comunidade em que o Recorrente se insere, atingindo uma série indeterminada de sujeitos, por forma que o acesso à informação lhe deva ser garantido por este atuar na defesa de interesses difusos relacionados com a proteção do ambiente e o ordenamento do território.
Note-se que, quer em sede de requerimento inicial, quer nas alegações e conclusões do presente recurso, o Recorrente persiste em nada alegar ou concretizar que consubstancie o acesso à informação procedimental em defesa de interesses difusos e que permita reconhecer-lhe o direito à consulta. Também aqui o Recorrente limita-se a aduzir estar a fazer valer o direito ao ambiente, constitucionalmente consagrado no art.º 66.º da CRP, por o processo urbanístico incidir “sobre uma zona especialmente vulnerável, onde incidem um conjunto de instrumentos de gestão territorial como o Regime Juridico da Reserva Ecológica Nacional ou o POOC, território onde coincidem valores naturais a proteger, uma paisagem única, a fragilidade da frente costeira, a protecção de algumas espécies aí (e só aí) existentes.” [conclusões G) e H)]. Ou seja, limita-se a invocar um interesse público de defesa do ambiente e ordenamento do território, mas sem nada consubstanciar que traduza que a tutela reclamada em juízo redunde na salvaguarda de direitos que se refletem na comunidade, ou seja, sem concretizar a atuação em defesa de interesses difusos que legitimaria a consulta do processo urbanístico em causa.
Face ao exposto, não se podendo reconhecer o direito à informação procedimental do Recorrente, por via da consulta do processo 306/23, mostra-se prejudicada a apreciação do erro de julgamento no que respeita a apurar se o acesso à informação procedimental se encontrava (também) limitado pelo caráter nominativo dos documentos. Impondo-se, pois, com a presente fundamentação, negar provimento ao recurso e, em consequência, manter a decisão recorrida.


Da condenação em custas

Vencido, é o Recorrente condenado nas custas (art.ºs 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do RCP e 189.º, n.º 2, do CPTA).


V. Decisão

Nestes termos, acordam os juízes desembargadores da Secção Administrativa, subsecção administrativa comum, do Tribunal Central Administrativo Sul, em,
a. Negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar a sentença recorrida;
b. Condenar o Recorrente nas custas do recurso.

Mara de Magalhães Silveira
Lina Costa
Ilda Côco