Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:675/08.2BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:07/15/2025
Relator:MARGARIDA REIS
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
IVA
DEDUÇÃO
ISENÇÃO
ART. 16.º, N.º 6, ALÍNEA A) DO CIVA
Sumário:I - Atento o disposto na alínea a) do n.º 6 do art. 16.º do CIVA, é tributável em sede de IVA o montante referente a penalidade contratual devida por atraso na conclusão de empreitada.
II - Estando em causa nos presentes autos uma situação substancialmente idêntica a circunstância sobre a qual recaíra já uma informação vinculativa, não merece qualquer censura a sentença, por nela se invocar a referida informação.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
I. Relatório

A Fazenda Pública, inconformada com a sentença proferida em 2017-06-13 pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial interposta por E……………….. S.A. tendo por objeto o ato de liquidação adicional de IVA e correspondentes juros compensatórios, respeitantes ao período de agosto de 2004, no montante de EUR 55.257,12, vem dela interpor o presente recurso.

O Recorrente encerra as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:

III. Conclusões

1. Visa o presente recurso reagir contra a decisão proferida nos presentes autos que julga procedente a impugnação deduzida por E……..S.A. do acto de liquidação adicional de IVA e correspondentes juros compensatórios, referente ao período de tributação de Agosto de 2004, no montante de € 55.257,12.

2. A douta sentença, apelando a Informação Vinculativa emitida pela Autoridade Tributária no âmbito do processo V023 2007015, com despacho do Subdirector-Geral dos Impostos, em substituição do Director-Geral, de 12.11.2007, entendeu que o débito de € 750.000,00 efectuado pela Sociedade de Empreendimentos Turísticos – S... S.A., ao consórcio do qual fez parte a Impugnante, e em relação ao qual é responsável pelo pagamento de 50%, referente ao incumprimento do prazo estabelecido para o fim do contrato de empreitada entre eles celebrado, se encontra sujeito a tributação por força dos n.ºs 1 e 5 do artigo 16.º do CIVA, sendo, por isso, admissível a dedução de IVA levada a cabo pela Impugnante nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 19.º e alínea a) do n.º 1 do artigo 20.º do CIVA.

3. Diverge a Fazenda Pública de tal entendimento, por entender não ocorrer a afirmada identidade de factos entre o caso sub judice e a referida informação vinculativa, nos termos sufragados pela douta sentença.

4. Dos factos, e conforme alínea C) dos factos assentes, decorre que a Impugnante, enquanto parte do consórcio identificado na alínea B) do probatório, assume no contrato celebrado a qualidade de empreiteiro, e como tal, de fornecedor do serviço, enquanto a Sociedade de Empreendimentos Turísticos – S... S.A. assume a qualidade de dono da obra.

5. Sendo que, de acordo com a alínea D) do probatório, através de documento assinado a 23/07/2004 o Consórcio e a Sociedade de Empreendimentos Turísticos – S... S.A. celebraram acordo mediante o qual o empreiteiro aceitou o pagamento ao dono da obra de multas decorrentes do incumprimento do prazo contratual no valor de € 750.000,00.

6. Da informação vinculativa resultam factos diversos, pois na mesma está em causa situação inversa, na qual a obra é concluída para além do prazo definido contratualmente por motivo imputável ao dono da obra, resultando para este a obrigação de pagamento ao empreiteiro de determinado montante de indemnização pelos encargos de estaleiro e das sucessivas prorrogações de prazo.

7. Enquanto nos presentes autos nos deparamos com o pagamento pelo empreiteiro ao dono da obra de uma penalidade contratual devida pelo incumprimento do prazo contratual no valor de € 750.000,00, referindo-nos portanto a um débito do cliente/dono da obra ao empreiteiro/fornecedor.

8. Efectivamente, não nos reportamos nos presentes autos, como defende a douta sentença, a pagamento pelo dono da obra ao empreiteiro (situação fáctica em relação à qual se debruça a informação vinculativa - um débito do fornecedor ao dono da obra), não sendo, por isso, passível de se aplicar o juízo de sujeição ao IVA à penalidade contratual em questão nos presentes autos, com a consequente inadmissibilidade da dedução de IVA efectuada pela Impugnante.

9. De facto, diz-nos a informação vinculativa no seu ponto 11 que “11. Ora, tendo em conta as referidas disposições, pode concluir-se que o débito do fornecedor ao cliente relativamente a indemnizações, é passível de tributação, por força dos nºs 1 e 5 do artigo 16º do CIVA, desde que não se encontrem abrangidas pelo nº 6 do mesmo artigo.” (realce nosso).

10. Mais acrescentando o seu ponto 12 que “12. As penalidades contratuais por incumprimentos diversos, a debitar pelo cliente ao fornecedor, que sancionam o incumprimento de uma obrigação contratual ou, em geral, a lesão de qualquer interesse, não são tributáveis em IVA.” (realce nosso).

11. Devendo, pois, concluir-se, em conformidade com a Informação Vinculativa a que a douta sentença lança mão, ainda que em sentido oposto ao defendido pela douta sentença, que a penalidade contratual em causa nos presentes autos não é passível de tributação, porquanto é tal penalidade debitada pelo cliente ao empreiteiro (fornecedor), que é a Impugnante, pelo facto de esta incumprir os prazos contratuais.

12. Nestes termos, tratando-se de operação não sujeita IVA, nos termos do prescrito na alínea a) do n.º 1 do artigo 1.º e dos n.ºs 1 dos artigos 3.º e 4.º do CIVA, não é o IVA dedutível, conforme determinado pela alínea a) do n.º 1 do artigo 20.º do CIVA, uma vez que só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações de transmissões de bens ou prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas.

13. Concluímos, pois, não se mostrarem os factos dos presentes autos subsumíveis na realidade delineada pela douta sentença, incorrendo a mesma em erro de julgamento de facto, com consequente violação do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 19.º e alínea a) do n.º 1 do artigo 20.º do CIVA, devendo a douta sentença ser revogada e substituída por decisão que julgue improcedente a impugnação nos termos expostos, mantendo-se plenamente vigente a liquidação adicional de IVA impugnada.

Termina pedindo:

Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., concedendo-se provimento ao recurso, deve ser revogada a douta sentença recorrida, julgando-se totalmente improcedente a impugnação judicial deduzida, com as devidas consequências legais.


***

A Recorrida apresentou contra-alegações, nas quais conclui como se segue:

IV. CONCLUSÕES

1.ª O presente recurso foi deduzido pela Ilustre Representante da Fazenda Pública contra a sentença que julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado;

2.ª A Fazenda Pública insurge-se contra a sentença por entender que não ocorre identidade de factos entre o caso sub judice e a Informação Vinculativa que serviu de base ao entendimento vertido pelo Tribunal Recorrido na douta sentença;

3.ª Salvo o devido respeito, nenhuma razão assiste à Recorrente;

4.ª Da análise da matéria de facto dada como provada na douta sentença recorrida, não poderia ter resultado conclusão distinta pelo Tribunal Recorrido, que não aquela que foi alcançada na sentença posta em crise;

5.ª Efetivamente, reitere-se e clarifique-se que os factos dados como provados no aresto em referência foram relevados pelo Tribunal Recorrido na decisão proferida, considerando o mesmo que a operação em causa nos presentes autos era sujeita a IVA, sendo o mesmo suscetível de ser deduzido, sem que, para chegar a essa conclusão se operasse qualquer desvio da realidade factual que havia sido dada como provada nos autos;

6.ª Com efeito, o que foi considerado pelo Tribunal como facto relevante para a decisão foi o pagamento de multa contratual devida pelo incumprimento do prazo estabelecido contratualmente pelas partes, referente à data limite para a realização de empreitada;

7.ª Desta forma, e partindo desta realidade, o Tribunal a quo bem andou ao apelar às instruções administrativas veiculadas pela própria Autoridade Tributária e Aduaneira. Afinal, comparando a realidade em discussão nos presentes autos com a indicada pelo Tribunal a quo aquando da referência à Informação Vinculativa proferida no processo V023 2007015, por despacho do Subdiretor-Geral dos Impostos, em substituição do Diretor Geral, de 12.11.2007, não poderá senão concluir-se pela sua semelhança;

8.ª Com efeito, estão em causa, em ambos os casos contratos de empreitada de construção civil, relativos a obras que foram concluídas em prazo mais alargado do que o fixado;

9.ª Sendo que, quer na situação dos autos, quer na situação vertida naquela Informação Vinculativa, em virtude do atraso no cumprimento, e para efeitos de ressarcimento pelos danos causados, as partes acordaram a fixação de indemnização decorrente de danos causados por tal atraso;

10.ª Desse modo, o entendimento vertido naquela Informação tem plena aplicação à situação sub judice, dele se extraindo que, nos casos em que se verifique a celebração de contrato de empreitada, com cláusula penal acionável, determinante de obrigação do pagamento de indemnização/multa contratual, o pagamento respeitante a tal penalidade contratual, porque dotado de caráter remuneratório, na medida em que tem subjacente uma transmissão de bens ou prestação de serviços, é tributável em sede de IVA;

11.ª De nenhum ponto da sentença se extrai que o Tribunal Recorrido tenha considerado que, nos presentes autos, estivesse em causa pagamento pelo empreiteiro ao dono da obra, como pretende a Fazenda Pública;

12.ª O que o Tribunal fez, outrossim, foi averiguar se, no caso em que duas ou mais entidades, que são sujeitos passivos de IVA, e que, no âmbito da sua atividade, celebrem contratos relativos a operações, também elas sujeitas a IVA, os quais contêm cláusula penal para eventual indemnização por lucros cessantes ou danos emergentes, o pagamento da indemnização adveniente se deveria entender como uma contraprestação de operação sujeita a IVA, tendo concluído em sentido afirmativo;

13.ª Neste quadro, e contrariamente ao que se pretende perpassar, dúvidas não restarão de que, perante a factualidade dada como provada e assente, não poderia o Tribunal ter decidido diferentemente, não se verificando, ao contrário do que pretende a Ilustre Representante da Fazenda Pública, qualquer erro de julgamento de facto, por se verificar a afirmada identidade de factos entre o caso sub judice e a referida informação vinculativa, nos termos sufragados pela sentença;

14.ª Com efeito, atenta a situação acima descrita, não poderia ter-se atingido outra conclusão que não fosse a anulação do ato tributário contestado;

15.ª Em primeiro lugar, o montante pago é, para este efeito, equiparável ao pagamento de uma qualquer outra indemnização(5), na medida em que se insere abstratamente no tipo de multas que consubstanciam uma obrigação de conteúdo negativo(6), que visam compensar determinados proveitos que, por efeito do incumprimento contratual, deixam de ser obtidos;

16.ª Mais concretamente, em situações como a sub judice, tratam-se aquelas de penalidades que visam fazer face aos efeitos patrimoniais do incumprimento do próprio contrato de empreitada, nomeadamente o facto de o “Dono da Obra” não ter podido dispor da mesma na data contratualmente estabelecida para a sua conclusão;

17.ª Donde se conclui, em primeiro lugar, que os montantes desta natureza são pagos no âmbito da execução de um determinado contrato – in casu de empreitada – encontrando-se, em qualquer circunstância, associados ao mesmo, e, tão ou mais importante, que têm, pelas razões acima referidas, um carácter manifestamente remuneratório;

18.ª Razão pela qual os mesmos se encontram sujeitos a tributação em sede de IVA, tal como, de resto e como adiante se constatará, tem entendido a administração tributária e a jurisprudência portuguesa em situações idênticas;

19.ª Mas independentemente da finalidade abstrata da “multa” em causa, a verdade é que a mesma consubstanciou, no caso vertente e também em concreto, no pagamento de um montante indemnizatório sujeito a IVA;

20.ª Efetivamente o pagamento do referido montante foi, à semelhança de outras, condição essencial para que as partes dessem por cumprida a sua parte do acordo e considerassem definitivamente cessado o vínculo contratual estabelecido entre ambas;

21.ª Para a Recorrida, aquele pagamento consubstanciou, como se aludiu, o assentimento por parte do “Dono da Obra” de que o serviço havia sido inteiramente realizado e todas as respetivas prestações cumpridas e, para este último, inseriu-se aquele no próprio âmbito do serviço – de construção da obra – que lhe foi prestado pela Recorrida (a contraprestação do negócio jurídico);

22.ª Por essa razão também se constata o carácter remuneratório do montante pago pela Recorrida, motivo pelo qual se encontra sujeito a IVA;

23.ª De resto e como acima se aludiu, tem sido este o entendimento veiculado pela administração tributária na generalidade das situações em que, como a vertente, é paga uma prestação com a natureza da sub judice, bem como pela jurisprudência dos tribunais administrativos e fiscais (cf. o acórdão do TCAN de 29 de Março de 2007 (recurso n.º 1843/2007) e o acórdão do STA de 12 de Março de 2008 (recurso n.º 1189/2008), bem como de 3 de Dezembro de 2008 (recurso 0880/07);

24.ª Por todo o exposto é manifesta a sujeição do montante pago pela Impugnante, ora Recorrida, a IVA, enquanto indemnização decorrente de responsabilidade contratual com carácter remuneratório, e, nessa medida, a ilegalidade da liquidação de IVA e juros compensatórios;

25.ª Assim, não se verificando nenhum erro no douto juízo proferido pelo Tribunal a quo, deverá o Recurso interposto pela Fazenda Pública ser considerado improcedente, sendo de manter a decisão ora recorrida;

26.ª Sem prejuízo do exposto, admitindo-se, por mero dever de patrocínio, que o recurso interposto pela Ilustre Representante da Fazenda Pública é julgado procedente, revogando-se a sentença recorrida, face à não apreciação pelo Tribunal a quo de questões que ficaram prejudicadas pela solução dada ao litígio, sempre se impõe ao Tribunal ad quem no caso sub judice o conhecimento da questão que ficou prejudicada na decisão recorrida, julgando ainda assim procedente a presente impugnação judicial;

27.ª Com efeito, a obrigação de liquidação do IVA e da determinação da incidência do imposto é uma questão que se coloca na esfera do sujeito passivo emitente da fatura, in casu o “Dono da Obra”, e não já perante aquele que suporta o imposto, a Recorrida;

28.ª Sobre a entidade que suporta o imposto – no caso vertente a Impugnante, ora Recorrida – recai a obrigação de proceder ao seu pagamento, e é essa circunstância – o pagamento do imposto – que releva, ou deveria ter relevado, na situação sub judice;

29.ª Com efeito, é precisamente essa circunstância que ressalta do disposto na alínea a), do n.º 1, do artigo 19.º, do Código do IVA, o qual prevê que, para efeitos do apuramento do imposto devido, o sujeito passivo deduzirá ao IVA incidente sobre as operações tributáveis que efetuou “O imposto devido ou pago pela aquisição de bens ou serviços a outros sujeitos passivos”. (sublinhado nosso);

30.ª Acresce que, para que tal dedução seja legalmente possível prevê importa ainda que o imposto se encontre mencionado em fatura ou documento equivalente – requisito formal – (cf. artigo 19.º, n.º 2, alínea a), do Código do IVA) e que tenha sido suportado com vista à realização de operações tributáveis – requisito material – (cf. artigo 20.º do Código do IVA);

31.ª Ora, no caso vertente, é também inquestionável que qualquer um dos referidos requisitos quer formal, quer material, se encontra verificado;

32.ª Tais circunstâncias bastariam, pois, para que a dedução do IVA em causa fosse aceite;

33.ª Na mesma linha de entendimento já se pronunciou, de resto, o Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), no âmbito do processo n.º 0289/04, de 05.06.2007, no qual julgou que o pressuposto legal e efetivamente relevante para efeitos do direito à dedução é o de que as faturas que lhe servem de suporte cumpram com os requisitos previstos no artigo 35.º do Código do IVA, não relevando, no que concerne ao direito à dedução, o facto de as mercadorias terem sido efetivamente entregues ou os serviços efetivamente prestados;

34.ª Na verdade, só assim não será, nos casos em que tenha sido praticada uma operação simulada ou em que haja sido simulado o preço constante de uma determinada fatura, nos termos do disposto no mencionado n.º 3, do artigo 19.º, do Código do IVA, o que manifestamente não se verifica no caso vertente, como aliás salienta a própria administração tributária na informação da Divisão de Justiça Contenciosa da Direcção de Finanças de Lisboa (cf. página 17);

35.ª Nas demais situações e tendo simultaneamente presente a acima referida neutralidade como característica e fim essencial do IVA e o próprio direito à dedução como elemento estruturante da mecânica e funcionamento do imposto, impõe-se sempre a aceitação da dedução do IVA sob pena de manifesta distorção daqueles fins;

36.ª Efetivamente, quer na legislação comunitária, quer na legislação nacional, consagrou-se, no que respeita ao direito à dedução, o princípio segundo o qual, relativamente a cada transação, o IVA calculado sobre o preço do bem ou serviço à taxa aplicável ao referido bem ou serviço é exigível com prévia dedução do montante do imposto que haja incidido diretamente sobre o custo dos diversos elementos constitutivos do preço;

37.ª Isto é, tratando-se o IVA de um imposto que visa a tributação do valor acrescentado em cada transmissão operada no circuito económico de um bem e tendo sido instituído, para esse efeito e para o de assegurar a neutralidade do imposto, o direito à dedução do imposto suportado a montante, a desconsideração na situação em apreço da dedução do IVA suportado quando o sujeito passivo emitente da fatura procedeu à liquidação e entrega daquele nos cofres do Estado e não promoveu qualquer correção posterior no sentido da retificação/anulação daquela liquidação, obsta (sem que ocorra qualquer razão plausível) a que só o “valor acrescentado” seja tributado e se garanta a mencionada neutralidade;

38.ª E da constatação de que inexiste uma razão válida e legítima para que se limite, no caso vertente, o direito à dedução, só pode concluir-se que a liquidação de IVA e juros compensatórios em crise viola os próprios fins visados com a criação do IVA e que se encontram ínsitos, desde logo, nos artigos 2.º e 17.º da Diretiva do Conselho 77/388/CEE (“Sexta Diretiva”), bem como, no Preâmbulo do Código do IVA, aprovado pelo Decreto- Lei n.º 394-B/84, de 26.12, e, ainda, nas disposições normativas que regulam o exercício do direito à dedução, como o artigo 19.º do Código do IVA acima referido;

39.ª Assim e com fundamento na violação no princípio da neutralidade do IVA e do direito à dedução, vertidos nos aludidos artigos 2.º e 17.º da Diretiva do Conselho 77/388/CEE, no Preâmbulo do Código do IVA e nos artigos 19.º e 20.º do mesmo diploma legal, deverá ser anulada a liquidação sub judice;

40.ª Caso assim não se entenda e estando em causa uma questão de interpretação de Direito da União Europeia que suscita dúvidas e assume relevância para a questão decidenda, deverá submeter-se a respetiva interpretação ao Tribunal de Justiça da União Europeia competente para decidir a título prejudicial sobre a interpretação do Direito da União Europeia, ao abrigo do disposto no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE);

41.ª A questão a interpretar pelo Tribunal de Justiça da União Europeia é a seguinte: A Sexta Diretiva do IVA e o princípio da neutralidade devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que a administração tributária recuse a um sujeito passivo o direito a deduzir o IVA pago, quando o sujeito passivo emitente da fatura procedeu à liquidação e entrega daquele nos cofres do Estado e não promoveu qualquer correção posterior no sentido da retificação/anulação daquela liquidação?

Termina pedindo:

Por todo o exposto, e o mais que o ilustrado juízo desse Tribunal suprirá, deve o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a douta sentença recorrida, assim se cumprindo com o DIREITO e a JUSTIÇA!


***

A Digna Magistrada do M.º Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Questões a decidir no recurso

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, tal como decorre do disposto nos arts. 635.º nºs 4 e 5 e 639.º do Código de Processo Civil (CPC), disposições aplicáveis ex vi art. 281.º do CPPT.

Assim sendo, no caso em apreço, atentos os termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso, há que apurar se a sentença recorrida padece dos erros de julgamento de facto que lhe são imputados pela Recorrente Fazenda Pública, por ter subsumido incorretamente a questão em apreço à informação vinculativa referente ao processo V023 2007015.


II. Fundamentação

II.1. Fundamentação de facto

Na sentença prolatada em primeira instância consta a seguinte decisão da matéria de facto, que aqui se reproduz:

III – FUNDAMENTAÇÃO

III.1. DE FACTO

Compulsados os autos e analisada a prova documental produzida nos presentes autos encontram-se assentes, por provados, os seguintes factos com interesse para a decisão do mérito:

A) A Impugnante é uma sociedade anónima encontra-se enquadrada na actividade com o CAE 45212 - “Construção e engenharia civil” [cf. fls. 147 do PAT em apenso].

B) A 24.02.2000 foi assinado um documento em nome da Impugnante e da sociedade Construtora A..., S.A., denominado “contrato de consórcio externo”, onde consta que as referidas entidades constituem consórcio com vista “à realização da totalidade dos trabalhos que constituem a empreitada denominada por “Construção do R... S... Resort, no Funchal – 2.ª Fase (“Empreitada”)” [cf. copia do contrato a fls. 85 a 94 dos autos].

C) A 29.02.2000 foi assinado um documento em nome do consórcio identificado no ponto anterior, e da Sociedade de Empreendimentos Turísticos – S..., S.A., através do qual o primeiro obrigou-se a realizar a execução da “Construção do R... S... Resort, no Funchal – 2.ª Fase”, constando do mesmo na cláusula 16.ª, o seguinte: “1 – Se o Empreiteiro não concluir a obra no prazo contratualmente estabelecido, ser-lhe-á aplicada a multa diária de 1‰ (um por mil) do valor da adjudicação por cada dia de atraso, com o limite de 30 (trinta) dias. 2 – Se o atraso respeitar ao início da execução da empreitada, de acordo com o plano e trabalhos em vigor, aplicar-se-á ao Empreiteiro a multa estabelecida no artigo 144.º do Decreto-Lei n.º 405/93, de 10 de Dezembro” [cf. cópia do contrato a fls. 96 a 106 dos autos].

D) A 23.07.2004 foi assinado um documento foi assinado um documento em nome do consórcio identificado no ponto anterior, e a Sociedade de Empreendimentos Turísticos – S..., S.A., denominado “Acordo”, onde consta, nomeadamente, que “[o] EMPREITEIRO aceita, ainda a aplicação de multas decorrentes do incumprimento do prazo contratual, no valor de €750.000,00, acrescido de IVA, à taxa legal em vigor, ficando assim reduzido a este montante o valor global das penalidades aplicadas pelo DONO DA OBRA”(…)” [cf. copia do contrato a fls. 85 a 94 dos autos].

E) A 30.07.2004 foi pela sociedade Construções A..., S.A., emitida a factura n.º 2004-S/00380, dirigida à Impugnante, referente ao acordo identificado no ponto anterior, pelo montante de €375.000,00, acrescido de €48.750,00 de IVA [cf. fls. 265 do PAT em apenso].

F) Com base na ordem de serviço n.º OI200700315, foi espoletada um procedimento de inspecção externa à sociedade impugnante, referente ao exercício de 2004, de âmbito geral [cf. fls. 146 do PAT em apenso].

G) A 11.02.2008, foi elaborado o relatório de inspecção referente ao procedimento identificado no ponto anterior, onde consta nomeadamente o seguinte:

“(…)

3.3 – IVA – Imposto sobre o Valor Acrescentado

O total de correcções em sede de IVA, ascende a €49.380,62, conforme se discrimina: (…)

3.3.2 - Dedução indevida de IVA (art. 19.º n.º 1 alínea a), art. 20.º n.º 1 alínea a), todos do CIVA) € 48.750,00

O sujeito passivo contabilizou na conta 6955 - C.P. Ext. - multas e penalidades o montante de €375.000,00, e na conta 243231013 - IVA dedutível outros bens e serviços, o IVA suportado no valor de €48.750,00, relativo a uma multa por incumprimento do prazo contratual aplicada por um cliente (ver Anexo 15 - folhas 1 a 3).

De acordo com a alínea a) do n.º 1 do art. 1º do CIVA, estão sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado as transmissões de bens e as prestações de serviços efectuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal. Seguidamente é definido nos artigos 3.º e 4.º do mesmo diploma o conceito de transmissões de bens e de prestações de serviços. O n.º 1 do art. 3º do CIVA refere que se considera, em geral, transmissão de bens a transferência onerosa de bens corpóreos por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade. Por outro lado, o conceito de prestações de serviços vem definido no art. 4º do mesmo código, considerando prestações, de serviços as operações efectuadas a título oneroso que não constituem transmissões. Ora de acordo com o exposto, facilmente se conclui que a operação em análise relativa a uma multa pelo atraso do incumprimento do contrato não se enquadra no conceito de transmissão de bens ou de prestações de serviços.

A alínea a) do n.º 1 do art. 19º do diploma já citado estabelece que para apuramento do imposto devido, os sujeitos passivos deduzirão ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuaram o imposto pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos. Complementando este último artigo, a alínea a) do n.º 1 do art. 20º do CIVA define que só poderá deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações de transmissões de bens prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas. Portanto pela conjugação dos dois artigos supracitados, só poderá deduzir-se imposto sobre operações de transmissão de bens ou prestações de serviços, no entanto a operação em análise não se enquadra em nenhum destes dois últimos tipos de operações, como já foi demonstrado no parágrafo anterior, não sendo neste caso dedutível o IV A indevida mente liquidado.

Assim é de corrigir o montante de €48.750,00, relativo a IVA não dedutível nos termos da legislação atrás referida.

(…) [cf. cópia do relatório de inspecção a fls. 60 a 78 dos autos e fls. 135 a 269 do PAT em apenso].

H) Através do ofício n.º 00439, de 15.02.2008, dos Serviços de Inspecção Tributária, foi a Impugnante notificada do teor do relatório de inspecção identificado no ponto anterior [cf. fls. 60 dos autos e fls. 273 a 275 do PAT em apenso].

I) A 01.03.2008 foi pela AT efectuada compensação ente o montante em dívida pela Impugnante de €48.750,00, pelo crédito de imposto no mesmo montante que a mesma detinha, em sede de IVA [cf. fls. 116 do PAT em apenso].

J) A 01.03.2008 foi emitida liquidação de juros compensatórios referente ao período de Agosto de 2004, em sede de IVA, no montante de €6.507,12, e realizada a compensação dos montantes de €42.850,73 e €5.899,27, referentes a créditos da Impugnante [cf. fls. 80 dos autos e fls. 118 do PAT em apenso].

K) A 29.04.2008 foi paga a liquidação de juros compensatórios identificada no ponto anterior [cf. fls. 166 e 167 dos autos e fls. 119 do PAT em apenso].

L) A 23.06.2008 foi remetida via postal a petição inicial que deu origem aos apresentes autos [cf. fls. 3 dos autos].


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II.2. Fundamentação de Direito

Alega a Recorrente, e em síntese, que a sentença padece de erro de julgamento de facto, porque na sua tese a situação em causa nos autos não é igual à situação decidida através do despacho do Subdiretor-geral dos Impostos, em substituição do Diretor-Geral, de 12 de novembro de 2007, proferido sobre o pedido de informação vinculativa no processo V023 2007015, no qual se sustenta a sentença para julgar procedente a impugnação judicial quanto a esta concreta causa de pedir.

Antes de mais, há que esclarecer que a Recorrente não faz uma correta qualificação do vício que pretende assacar à sentença, pois, na verdade, conforma-se com a decisão sobre a factualidade pertinente, que, por isso, transitou em julgado.

Não é, por isso, um erro de julgamento de facto que imputa à decisão, mas antes um erro de julgamento de direito, na sua modalidade de erro de estatuição, que se caracteriza pela incorreta aplicação do direito aos factos apurados (cf. neste sentido PINTO, Rui – Manual do Recurso Civil. Volume I. Lisboa, AAFDL editora, 2020, pág. 27).

Ora, e quanto ao mesmo, desde já se antecipa que não cabe razão à aqui Recorrente.

Antes de mais, há que recordar a fundamentação da sentença recorrida no extrato pertinente, que se passa a transcrever:

(…)

Desta forma, importa saber se se subsume nas normas de incidência de IVA, o pagamento de multa contratual devida pelo incumprimento do prazo estabelecido no contrato identificado em C) dos factos assentes referente à data limite para a realização da empreitada, e, consequentemente, se o IVA suportado pela Impugnante, deve ou não ser aceite como IVA dedutível, nos termos do artigo 19.º, n.º 1, alínea a), e artigo 20.º, n.º 1, alínea a), ambos do CIVA.

Vejamos.

Resultava do disposto no artigo 1.º, n.º 1, alínea a) do CIVA que “[e]stão sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado: a) As transmissões de bens e as prestações de serviços efectuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal”.

Mais constava nos n.ºs 1 dos artigos 3.º e 4.º do CIVA que ”[c]onsidera-se, em geral, transmissão de bens a transferência onerosa de bens corpóreos por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade”, e “[s]ão consideradas como prestações de serviços as operações efectuadas a título oneroso que não constituem transmissões, aquisições intracomunitárias ou importações de bens”.

Por outro lado, estabelecia o artigo 16.º, n.º 1, alínea a) do CIVA que “[d]o valor tributável referido no número anterior serão excluídos: a) Os juros pelo pagamento diferido da contraprestação e as quantias recebidas a título de indemnização declarada judicialmente, por incumprimento total ou parcial de obrigações.”

Elencadas as normas de incidência de IVA, importa ainda referir as normas referentes à sua liquidação e pagamento do imposto, analisando as alíneas a) dos n.ºs 1 dos artigos 19.º e 20.º do citado diploma, que estabeleciam que “[p]ara apuramento do imposto devido, os sujeitos passivos deduzirão, nos termos dos artigos seguintes, ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuaram: a) O imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos;” e “[s]ó poderá deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações seguintes: a)Transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas”.

Delimitado o enquadramento normativo, importa aqui fazer apelo às próprias instruções administrativas veiculadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira, nomeadamente chamando aqui à colação o despacho do Subdirector-Geral dos Impostos, em substituição do Director Geral, de 12.11.2007, proferido sobre o pedido de informação vinculativa no processo V023 2007015, que sancionou o seguinte entendimento (no mesmo sentido do que já havia sido sancionado na informação n.º 2367, de 20.09.1993, da CSCA do SIVA):

“1. A exponente, encontrando-se enquadrada em IVA no regime normal mensal, exercendo a actividade de construção de edifícios, CAE 45211, vem expor e solicitar o seguinte:

1.1. Celebrou um contrato de empreitada de construção civil com a entidade A, para a construção do edifício sede daquela entidade.

1.2. Os serviços prestados foram todos eles sujeitos a IVA à taxa normal. 1.3.A obra foi concluída para além do prazo inicialmente fixado, por motivos imputáveis ao dono da obra, e, como forma da exponente ser ressarcida pelos danos causados, ambas as partes acordaram na fixação, a título de indemnização decorrente de encargos de estaleiro e das sucessivas prorrogações de prazo, o montante de X mil €, a pagar pelo dono da obra ao empreiteiro.

1.4. Face a estes elementos, vem solicitar parecer vinculativo no sentido de clarificar se a indemnização em causa deverá ser entendida como parte da contraprestação, sendo assim relevante como valor tributável, e, por isso, sujeita a imposto, ou, pelo contrário, se é susceptível de lhe ser aplicável a exclusão referida no artigo 16º do Código do IVA.

2. Do princípio da aplicação geral do IVA a todas as transacções comerciais, qualquer que seja a sua natureza, decorre que na definição da base de incidência, ou campo de aplicação, se tente apreender a matéria mais ampla possível abarcando toda a actividade económica em geral.

3. Daí resulta que quando se trata de definir operações tributáveis, transmissões de bens e prestações de serviços, utilizam-se conceitos de acepção muito vasta. De acordo com o nº 1 do artigo 3º do Código do IVA (CIVA), considera-se, em geral, transmissão de bens a transferência onerosa de bens corpóreos por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade.

Nos termos do nº 1 do artigo 4º do CIVA, são consideradas como prestações de serviços as operações efectuadas a título oneroso que não constituem transmissões, aquisições intracomunitárias ou importações de bens.

4. O conceito de prestações de serviços dado pelo artigo 4º tem um carácter residual, sendo consideradas como prestações de serviços as prestações efectuadas a título oneroso que não constituam transmissões ou importações de bens.

A qualificação de prestação de serviços é aqui de natureza económica e ultrapassa a definição jurídica dada pelo artigo 1154º do Código Civil, abrange transmissão de direitos, a obrigação de conteúdo negativo (não praticar determinado acto) e ainda a prestação de serviços coactiva (cf. Artigo 6º nº 1 da antiga 6a Directiva, entretanto reformulada, tendo dado origem à actual Directiva 2006/112/CE, artigo 25º).

5. O artigo 562º do Código Civil estabelece o princípio geral da obrigação de indemnização, referindo que quem estiver a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.

6. Por sua vez o nº 1 do artigo 564º daquele Código estipula que o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão (lucros cessantes).

7. O devedor que não cumpriu a prestação a que estava contratualmente vinculado vê-se na necessidade de reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação, isto é, deverá satisfazer o interesse que resultaria do cumprimento perfeito do contrato – interesse positivo ou de cumprimento (Mota Pinto, Direito Civil, 1980 – 158).

8. Para enquadramento da questão da sujeição ou não a IVA das quantias recebidas a título de indemnização, há que ter em conta o princípio subjacente do IVA, como imposto sobre o consumo, e que corresponde, basicamente, ao disposto na actual Directiva 2006/112/CE, pretendendo tributar a contraprestação de operações tributáveis e não a indemnização de prejuízos, que não tenham carácter remuneratório.

9. Assim, são tributáveis em IVA as indemnizações que tenham subjacente uma transmissão de bens ou prestação de serviços, e, como tal, configuram uma contraprestação a obter do adquirente de uma operação sujeita a imposto.

10. Se as indemnizações sancionam a lesão de qualquer interesse, sem carácter remuneratório porque não remuneram qualquer operação, antes se destinam a reparar um dano, não são tributáveis em IVA, na medida em que não tem subjacente uma transmissão de bens ou prestação de serviços.

11. Ora, tendo em conta as referidas disposições, pode concluir-se que o débito do fornecedor ao cliente relativamente a indemnizações, é passível de tributação, por força dos nºs 1 e 5 do artigo 16º do CIVA, desde que não se encontrem abrangidas pelo nº 6 do mesmo artigo.

12. As penalidades contratuais por incumprimentos diversos, a debitar pelo cliente ao fornecedor, que sancionam o incumprimento de uma obrigação contratual ou, em geral, a lesão de qualquer interesse, não são tributáveis em IVA.

13. Concluindo, no caso em apreço, o débito da quantia de X mil € pela empresa exponente ao seu cliente entidade A, é passível de tributação, por força dos nºs 1 e 5 do artigo 16º do CIVA, já que configura uma contraprestação a obter do adquirente, de uma operação sujeita a imposto, não se lhe podendo aplicar o nº 6 do mesmo artigo 16º, uma vez que a referida indemnização não foi declarada judicialmente, mas sim acordada entre ambas as partes, conforme refere a exponente.” (negrito nosso)

Ora,

A situação relatada na informação vinculativa supra transcrita é de todo idêntica à dos presentes autos.

Em ambos os casos temos a celebração de contrato de empreitada, com cláusula penal a accionar em caso de incumprimento de prazos, cláusula essa que foi aplicada, determinando a obrigação do pagamento de indemnização/multa contratual.

Desta forma impõe-se concluir que o débito de €750.000,00 efectuado pela Sociedade de Empreendimentos Turísticos – S..., S.A., ao consórcio ao qual fez parte a Impugnante, e em relação ao qual é responsável pelo pagamento de 50%, referente ao incumprimento do prazo estabelecido para o fim do contrato de empreitada entre eles celebrado, “é passível de tributação, por força dos nºs 1 e 5 do artigo 16º do CIVA, já que configura uma contraprestação a obter do adquirente, de uma operação sujeita a imposto, não se lhe podendo aplicar o nº 6 do mesmo artigo 16º, uma vez que a referida indemnização não foi declarada judicialmente, mas sim acordada entre ambas as partes”.

Tratando-se de uma operação sujeita a IVA, e não resultando controvertido que a Impugnante efectivamente suportou o encargo refente à factura identificada na alínea E) dos factos assentes, nem o cumprimento das formalidades da factura emitida (cf. artigo 61.º da informação da Divisão de Justiça Contenciosa da Direcção de Finanças de Lisboa) então é o mesmo susceptível de ser deduzido, nos termos do artigo 19.º, n.º 1, alínea a) e artigo 20.º, n.º 1, alínea a), ambos do CIVA.

Razão pela qual deve a correcção efectuada pelos serviços de inspecção, aqui impugnada, ser anulada, e, consequentemente, ser anulada a liquidação que foi emitida na sua concretização.

(…)

Pretende a Recorrente que a sentença erra ao invocar a favor da asserção de que em causa está uma operação tributável, por não caber no âmbito do disposto na alínea a) do art. 16.º do CIVA, o entendimento plasmado na supramencionada informação vinculativa, porque a situação nela tratada não é idêntica à que esta em causa nos presentes autos, uma vez que a informação vinculativa recaiu sobre uma situação em que “a obra é concluída para além do prazo definido contratualmente por motivo imputável ao dono da obra, resultando para este a obrigação de pagamento ao empreiteiro de determinado montante de indemnização pelos encargos de estaleiro e das sucessivas prorrogações de prazo(cf. ponto 6, das conclusões de recurso), enquanto que nos presentes autos está em causa uma indemnização paga pelo consórcio empreiteiro ao dono da obra, pelo incumprimento do prazo contratual.

Com efeito, o que está em causa nos presentes autos é a dedução, que a Administração fiscal considera inadmissível, de IVA liquidado (pela sociedade líder do consórcio) e (efetivamente) pago pela Recorrida sobre o montante correspondente à sua quota parte na multa contratualmente definida, e paga pelo consórcio empreiteiro ao dono da obra, pelo atraso na conclusão da mesma, no caso, empreitada de construção do R... S... Resort (cf. pontos B, C, D e E da fundamentação de facto).

Por outro lado, recorde-se que o que singelamente resulta da fundamentação do ato é que “a operação em análise relativa a uma multa pelo atraso do incumprimento do contrato não se enquadra no conceito de transmissão de bens ou de prestação de serviços”, nada ali se alegando ou provando quando à caracterização da “multa” em questão (cf. ponto G, da fundamentação de facto).

Recorde-se ainda que o que resultava, então como agora, do disposto na alínea a) do n.º 6 do art. 16.º do CIVA é que “Do valor tributável referido no número anterior [das transmissões de bens e das prestações de serviços sujeitas a imposto] são excluídos: a) Os juros pelo pagamento diferido da contraprestação e as quantias recebidas a título de indemnização declarada judicialmente, por incumprimento total ou parcial de obrigações”.

Ora, o que aqui está em causa e é determinante não são as partes em causa na operação, mas a natureza da operação subjacente ao montante pago, sendo certo que, nesse aspeto, que é o relevante, a circunstância em causa nos presentes autos é em tudo similar à tratada na informação vinculativa invocada na sentença, estando em ambas as situações em causa penalidades contratuais devidas por atraso na conclusão de empreitada.

Não se vislumbra, por isso, qualquer motivo para que a invocação da informação vinculativa na sentença se revele impertinente, como pretende a aqui Recorrente.

Acresce que o que parece resultar decisivo para a decisão da Administração fiscal no caso a que se reporta a informação vinculativa é a circunstância de a referida indemnização não ter sido declarada judicialmente, mas sim acordada entre as partes, o que também aqui sucede.

Não está, pois, em causa, uma qualquer indemnização declarada judicialmente pelo incumprimento parcial de obrigação.

Por outro lado, sempre se dirá que da alegação da Recorrente – e muito menos da fundamentação do ato impugnado - nada resulta em concreto que permita por em causa a conclusão a que chega o Tribunal de primeira instância de que tanto nos presentes autos como na situação objeto da informação vinculativa estão em causa quantias, não arbitradas judicialmente, com carácter remuneratório, destinadas ao ressarcimento de danos causados – no caso, ao dono da obra – pela prorrogação do prazo de cumprimento do contrato, como tal devendo ser entendidas como “parte da contraprestação”, por dizer respeito a uma “aceção muito vasta” de prestação de serviços, em suma, que em ambos os casos se está perante “indemnizações que tenham subjacente uma transmissão de bens ou prestação de serviços, e, como tal, configuram uma contraprestação a obter” relativamente a uma obrigação sujeita a imposto, conforme se sustenta na supramencionada informação vinculativa.

Donde se conclui que o IVA em causa foi corretamente liquidado e, como tal, a respetiva dedução era devida.

Assim sendo, e em face do exposto, o presente recurso deve ser julgado integralmente improcedente, nada havendo a apontar à sentença recorrida, que não merece censura.


***

Atento o decaimento da Recorrente, é sua a responsabilidade pelas custas, nos termos do disposto no art. 527.º, n.º 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT.

***


Conclusão:

Preparando a decisão, formulamos a seguinte síntese conclusiva:

I. Atento o disposto na alínea a) do n.º 6 do art. 16.º do CIVA, é tributável em sede de IVA o montante referente a penalidade contratual devida por atraso na conclusão de empreitada.

II. Estando em causa nos presentes autos uma situação substancialmente idêntica a circunstância sobre a qual recaíra já uma informação vinculativa, não merece qualquer censura a sentença, por nela se invocar a referida informação.

III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao presente recurso.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 15 de julho de 2025 - Margarida Reis (relatora) – Teresa Costa Alemão – Tiago Brandão de Pinho.