Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 26041/24.4BELSB |
| Secção: | CA |
| Data do Acordão: | 09/25/2025 |
| Relator: | JOANA COSTA E NORA |
| Descritores: | REVOGAÇÃO DE LICENÇA ACTIVIDADE DE SALVAMENTO, SOCORRO A NÁUFRAGOS E APOIO AOS BANHISTAS PORTARIA N.º 311/2015, DE 28 DE SETEMBRO ACTIVIDADE DE RESTAURAÇÃO E BEBIDAS |
| Sumário: | I - Actos “contrários” à actividade de salvamento, socorro a náufragos e apoio aos banhistas – cuja prática constitui causa de revogação da licença, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 16.º da Portaria n.º 311/2015, de 28 de Setembro -, são todos aqueles que são estranhos à actividade para a qual a licença foi concedida, que extravasam o âmbito da licença, e não apenas os actos incompatíveis com a actividade. II - O exercício da actividade de restauração e bebidas não se contém na actividade de salvamento, socorro a náufragos e apoio aos banhistas, pelo que, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 16.º da Portaria n.º 311/2015, de 28 de Setembro, é causa de revogação da licença emitida à autora para o exercício desta actividade. |
| Votação: | Unanimidade |
| Indicações Eventuais: | Subsecção Administrativa Comum |
| Aditamento: |
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| Decisão Texto Integral: | ACÓRDÃO Acordam, em conferência, os juízes da subsecção comum da secção administrativa do Tribunal Central Administrativo Sul: I – RELATÓRIO Associação de Nadadores-Salvadores de Grândola – S… instaurou processo cautelar contra a Autoridade Marítima Nacional, pedindo a suspensão da eficácia da decisão de revogação da licença de associação de nadadores-salvadores n.º 013/3C/2023 atribuída à requerente. Pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja foi proferida sentença que julgou improcedente a excepção dilatória de ilegitimidade passiva da entidade demandada e, antecipando o juízo sobre a causa principal, nos termos do n.º 1 do artigo 121.º do CPTA, julgou a acção procedente, anulando a decisão impugnada. A entidade requerida interpôs o presente recurso de apelação, cujas alegações contêm as seguintes conclusões: “A. Por mui douta sentença de 30.05.2025, o Tribunal a quo julgou a ação procedente, por provada, e, em consequência, anulou a decisão de revogação da licença de associação de nadadores-salvadores n.º 013/3C/2023, atribuída à Requerente com vista à prossecução do respetivo objeto, in casu, a atividade de prestação de serviços de assistência a banhistas através de nadadores-salvadores, em especial o salvamento e socorro. B. Entendeu o Venerando Tribunal a quo, em síntese, que «(…) a exploração de um apoio de praia, no qual a Autora vende uns gelados, umas bebidas e uns snack’s, não é suscetível de contrariar o objeto (…)», pelo que «(…) não se vislumbra em que medida tal atividade seja contrária à atividade de salvamento, socorro a náufragos e apoio aos banhistas, ao ponto de legitimar que seja revogada a licença concedida (…).». C. O Venerando Tribunal a quo assenta o grosso da sua douta fundamentação nos ensinamentos da Professora Mafalda Miranda Barbosa (in Reflexões Acerca do Princípio da Especialidade do Fim), daí que a análise feita tenha incidido «(…) não tanto sobre se o ato integra objetivamente no objeto/fim da Associação e se configura uma concretização desse fim, tal como fez a Entidade Demandada, mas de indagar se o contraria ou não.». Daí que tenha também salientado, na sua douta sentença, «(…) que é o próprio Legislador que no artigo 16.º, n.º 1, alínea c), da Portaria 311/2015, de 28 de setembro, define como fundamento para a revogação da licença, a realização de ato contrário à atividade de salvamento socorro a náufragos e apoio aos banhistas. Portanto, desde que o ato não contrarie o objeto/fim, deve ser considerado válido, independentemente de em concreto se mostrar adequado ou não.». D. Pelo que, mal andou o Venerando Tribunal a quo ao considerar que a exploração de um apoio de praia, no qual a Requerente «vende uns gelados, umas bebidas e uns snack’s», não é suscetível de contrariar, ou, pelo menos, adulterar e extravasar, o objeto exclusivo da atividade desenvolvida daquela ANS, mormente ao ponto de legitimar a revogação da licença que lhe foi concedida. E. Com o devido respeito, que é muito, a ora Recorrente não se conforma com a decisão do Venerando Tribunal a quo, que, ao considerar ser legal a acumulação das atividades de prestação de serviços de assistência a banhistas através de nadadores-salvadores, em especial o salvamento e socorro, com a venda de bebidas e outros bens alimentares, olvidou o regime de exclusividade do objeto imposto por lei especial às associações de nadadores-salvadores (ANS). F. Ora, a Requerente é uma ANS sem fins lucrativos, que tem como objeto a atividade de prestação de serviços de assistência a banhistas através de nadadores salvadores, em especial o salvamento e socorro, nos termos dos artigos 1.º e 2.º dos seus Estatutos. G. E em 12.04.2023 foi-lhe emitida a mencionada licença, válida por um período de 3 (três) anos, com base no compromisso de a Requerente atuar exclusivamente na prestação de serviços de assistência a banhistas, vigilância e salvamento, nos termos do artigo 17.º, da Portaria n.º 311/2015, de 28.09 – diploma que aprova o regime especial aplicável à atividade de nadador-salvador, bem como às restantes entidades que asseguram a informação, apoio, vigilância, segurança, socorro e salvamento no âmbito da assistência a banhistas. H. Nos termos da Portaria n.º 311/2015, de 28.09, as licenças emitidas às ANS pressupõem que as entidades licenciadas tenham como objeto exclusivo a prestação de serviços de assistência a banhistas, conforme expressamente estabelecido na alínea f) do artigo 3.º e no artigo 11.º daquele diploma. I. E foi nesse pressuposto que a licença n.º 013/3C/2023 foi emitida à Requerente pelo Instituto de Socorros a Náufragos (ISN), isto é, tendo por base que a Requerente tem como seu objeto exclusivo a mencionada prestação de serviços de assistência a banhistas, nos termos consagrados na lei especial que lhe é aplicável. J. Como tal, este tipo de associações, isto é, as ANS, devem ater-se – atento o disposto expressamente na alínea f) do artigo 3.º e no artigo 11.º da Portaria n.º 311/2015, de 28.09 – às atividades previstas nos seus estatutos e não podem, sob pretexto de necessidade de financiamento, exercer outro tipo de atividades sob pena de se desvirtuar o regime de exclusividade que, neste caso concreto, a lei lhes impõe. K. Salvo melhor e douto entendimento na matéria, é precisamente aqui que o Venerando Tribunal a quo incorre em erro de julgamento na aplicação do Direito aos factos, por desconsiderar a obrigatoriedade e a existência deste regime de exclusividade no caso dos autos, permitindo à Requerente, por conseguinte, uma atividade económica para a qual não foi licenciada, colocando também assim em causa o princípio da igualdade entre operadores e a tutela do interesse público. L. Assim, permite-se alvitrar que o Venerando Tribunal a quo errou – salvo melhor e douta opinião na matéria – na aplicação do Direito aos factos, ao considerar que a «venda de uns gelados, umas bebidas e uns snack’s», consubstancia uma mera atividade acessória ou compatível com a assistência a banhistas, em especial o salvamento e socorro, visto que os factos apurados nos autos configuram precisamente o contrário, ou seja, que a atividade paralela desenvolvida pela Requerente é uma atividade comercial autónoma (que diverge do objeto estatutário) e não acessória/complementar. M. Volvendo ao referido em C. das presentes conclusões, e com o devido respeito pelo Venerando Tribunal a quo (que, reitera-se, é muito!), não se pode analisar isoladamente o disposto no artigo 16.º, n.º 1, alínea c), da Portaria 311/2015, de 28.09, pois a leitura do mesmo preceito obriga à sua conjugação com o previsto na alínea f) do artigo 3.º e no artigo 11.º do mesmo diploma, onde se consagra o regime de exclusividade do objeto das ANS. N. Revela-se factual que a revogação da licença da Requerente se fundamentou na violação das alíneas c) e d) do artigo 16.º da Portaria n.º 311/2015, de 28.09, que preveem como causas para a revogação, respetivamente: (i) a prática de atividades contrárias às finalidades que justificaram a concessão da licença; e (ii) o desvio do objeto social para finalidades diversas daquelas que justificaram a concessão da licença. O. No entanto, tal entendimento não pode ser dissociado do disposto na alínea f) do artigo 3.º e no artigo 11.º da mesma Portaria, desde logo porque, aquando da interpretação da lei o intérprete deve ter em conta, entre vários aspetos, a unidade do sistema jurídico (n.º 1 do artigo 9.º do CC), ao qual também acresce que não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, do mesmo modo que o intérprete deverá igualmente presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (ns.º 2 e 3 do artigo 9.º do CC). P. Permite-se, por isso, afirmar que o legislador foi claro e manifesto ao concretizar, e definir, sem margem para quaisquer dúvidas, na alínea f) do artigo 3.º da Portaria 311/2015, de 28.09, que «Associação de nadadores-salvadores» é «qualquer entidade, pública ou privada e independentemente da forma de constituição, devidamente licenciada que tenha como objeto exclusivo a atividade de prestação de serviços de assistência a banhistas.» (aqui negrito e sublinhado). Q. Do mesmo modo que também estabeleceu no n.º 1 do artigo 11.º do mesmo diploma que «As associações de nadadores-salvadores são entidades que têm como objeto exclusivo a atividade de prestação de serviços de assistência a banhistas através de nadadores-salvadores, em especial o salvamento e socorro.» (aqui negrito e sublinhado). R. Ou seja, foi intenção expressa do legislador que a atividade de prestação de serviços de assistência a banhistas através de nadadores-salvadores, em especial o salvamento e socorro, fosse exercida pelas ANS nesse regime de exclusividade. S. Pois, se assim não fosse, então seguramente que o legislador teria redigido as normas em apreço de forma diferente, não fazendo – nessa eventualidade – menção e alusão expressa à exclusividade do seu objeto. T. Daí que o regime legal consagrado na Portaria n.º 311/2015, de 28.09, não admite que entidades licenciadas para a assistência a banhistas desenvolvam outras atividades económicas paralelas, pois tal compromete a exclusividade do objeto da licença, nomeadamente pelo facto da atividade explorada não se inserir no escopo do salvamento aquático – que se restringe primordialmente à salvaguarda da vida humana – constituindo, desta feita, sem margem para quaisquer dúvidas, um desvirtuamento do seu objeto. U. É que, conforme amplamente discutido na doutrina e jurisprudência nacional, uma associação sem fins lucrativos, como sucede com as ANS, que exerce atividades económicas paralelas e incompatíveis com seu objeto social incorre em desvio de finalidade, podendo tal prática justificar a perda de benefícios ou autorizações administrativas. V. Assim, a exclusividade de um objeto social legalmente fixado para este setor de atividade deve, por isso, no caso específico das ANS, ser interpretada de forma restritiva, impedindo, desse modo, a prática de atos que desviem a entidade dos seus fins essenciais. W. Neste contexto, permite-se afirmar que não só pela legislação se defende a atuação do ISN, que bem andou ao revogar a licença de uma associação que não se predispõe a cumprir exclusivamente o objeto que lhe deu constituição, como o confirma a maioria da doutrina portuguesa (amplamente citada nas alegações de recurso) ao reforçar a legalidade da decisão do ISN, que se pautou pela estrita observância da lei, tendo sido garantidos os princípios da legalidade e da proporcionalidade na decisão que foi judicialmente impugnada. X. Sucede que, no entender do Venerando Tribunal a quo, desde que o ato não contrarie o objeto/fim, deve ser considerado válido, independentemente de, em concreto, se mostrar adequado ou não. Y. Contudo, com o devido respeito pela douta sentença, da qual se discorda neste segmento, urge clarificar que o aduzido pelo Venerando Tribunal carece de ser concretizado, e conjugado, nos termos da lei, com o regime de exclusividade que a própria lei especial impõe ao objeto social das ANS. Z. Isto porque a atividade de salvamento, socorro a náufragos e apoio aos banhistas, além de assentar essencialmente na prontidão e na vigilância, não tem qualquer cariz económico ou comercial, ao invés da atividade de exploração do apoio de praia, sendo, por isso mesmo, atividades contrárias. Complementarmente, a atividade que deveria ser objeto da Requerente, não se relaciona (nem compadece), designadamente, com a atividade de limpeza de instalações sanitárias da praia (de Melides) e o fornecimento de consumíveis para o respetivo funcionamento, e o mesmo se diga a propósito do aluguer de toldos de sombreamento na praia. AA. Tratando-se a Requerente de uma ANS, a sua vida enquanto pessoa coletiva fica dependente do fim pelo qual ela foi reconhecida. Se assim é, se a associação não se pode afastar do fim expresso nos estatutos ou no ato de constituição, então faz todo o sentido sustentar que os direitos que o ordenamento jurídico lhe atribui são apenas aqueles que forem necessários ou convenientes à prossecução desse mesmo fim (nesse sentido, P. Pais de Vasconcelos, in Teoria Geral do Direito Civil, pág. 175, onde o autor sustenta resultar da disciplina legal que a pessoa coletiva está limitada nos seus poderes à prossecução do fim em nome do qual ela foi constituída, o que quer dizer que a pessoa coletiva tem os seus poderes limitados pelo seu fim estatutário). BB. A desvirtuação e a contrariedade ao escopo estatutário, ao invés, põe em causa o próprio substrato da pessoa coletiva e, concomitantemente, uma atuação que corporize tal contrariedade não se justifica em nome da personalidade que foi atribuída. CC. É que, como se compreenderá, a disciplina normativa impõe a obediência ao fim, donde se poderá concluir que mesmo a prática de atos instrumentais tem de apresentar uma qualquer ligação a esse escopo, uma vez que o ordenamento jurídico apenas permite que as pessoas coletivas atuem aí onde prosseguem, direta ou reflexamente, a sua finalidade (neste sentido, vide o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 14.01.1998, que definiu o princípio da especialidade do fim como o que se «traduz na prática de atos adequados ao escopo, à razão de ser da pessoa coletiva»). DD. Como tal, no caso dos autos, a ora Recorrente defende – a contrario do preconizado pelo Venerando Tribunal a quo – que a exclusividade do objeto social legalmente fixado para aquele setor de atividade específico (das ANS) deve, nestes casos, por tudo quanto ficou anteriormente exposto, ser interpretada de forma restritiva, impedindo, desse modo, a prática de atos que desviem a entidade dos seus fins essenciais, mormente atos relacionados com uma atividade económica não licenciada, tendo por base o pressuposto que qualquer desvio para atividades económicas não previstas nos estatutos pode justificar sanções administrativas, incluindo a revogação de eventuais licenças. EE. Desse modo, salvo melhor e douta opinião na matéria, considera a ora Recorrente ser manifesto que a atividade económica desenvolvida pela Requerente excedeu (e contraria) o âmbito do licenciamento concedido, uma vez que a exploração de um apoio de praia se enquadra, isso sim, no conceito de atividade de restauração de bebidas não sedentária, previsto na alínea k) do artigo 2.º, do Decreto-Lei n.º 10/2015, de 16.01 (acresce referir que o simples exercício da venda de bebidas, ainda que em pequena escala, exige o cumprimento dos requisitos legais previstos neste diploma), e constitui, dessa forma, um claro desvio das finalidades previstas no regime jurídico das ANS, ao que o ISN não podia ignorar. FF. E não podendo ignorar não restou outra opção à Administração – in casu, AMN/ISN – que não a de proceder à revogação da referida licença. GG. Assim, a decisão do ISN, além de legalmente vinculada, fundamentou-se, neste caso em particular, na interpretação correta do princípio da especialidade, dado que a exclusividade da licença atribuída à Requerente é, sem margem para quaisquer dúvidas, conditio sine qua non, objetiva, para a sua validade. HH. Nesta senda, o alegado pela Requerente nos autos a respeito do exercício da sua atividade económica não se sustenta juridicamente, uma vez que a exclusividade da atividade de assistência a banhistas por parte das ANS é um requisito legal expresso, e – acresce reforçar – a prática de atividades económicas de restauração por parte da Requerente contraria e excede, manifestamente, os limites do seu objeto e do licenciamento, o que justificou, por conseguinte, e sem margem para dúvidas, a revogação da sua licença por parte do ISN. II. Em suma, atendendo aos interesses contrapostos nos presentes autos, a revogação da licença n.º 013/3C/2023 consubstancia, como não poderia deixar de ser, um ato administrativo legal e justificado, devendo por isso, salvo melhor e douta opinião na matéria, ser mantida a decisão do Diretor do ISN na ordem jurídica.” Notificada das alegações apresentadas, a requerente apresentou contra-alegações, contendo as seguintes conclusões: “a. A decisão do tribunal a quo encontra-se devidamente fundamentada, quer ao nível da matéria de facto dada como provada, quer na aplicação do Direito, não se verificando qualquer erro sobre os pressupostos de facto e de direito. b. As conclusões do recurso interposto pela Recorrente não cumprem os requisitos de clareza, concisão e precisão exigidos pela lei no artigo 639º, n.º 1 do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto do artigo 1º do CPTA, comprometendo a delimitação do objeto do recurso e prejudicando o contraditório que assiste à Recorrida. c. A estrutura prolixa e redundante das conclusões apresentadas as transforma num espelho das alegações, violando o princípio da delimitação e inviabilizando a adequada apreciação das reais questões jurídicas colocadas, motivo pelo qual deve ser ponderado o seu aperfeiçoamento. d. A atividade de exploração do apoio de praia designado A… BAR, levada a cabo pela Recorrida, resulta de solicitação da Câmara Municipal de Grândola e foi formalizada mediante protocolo, enquadrando-se, portanto, na esfera da prossecução dos fins estatutários da associação, com vista à segurança e bem-estar dos utilizadores das praias do concelho. e. A referida atividade foi exercida de forma pontual e acessória, exclusivamente no período da época balnear, por terceiros à associação, não envolvendo os nadadores-salvadores, que permaneceram afetos exclusivamente às suas funções de salvamento e socorro. f. A jurisprudência e doutrina maioritárias reconhecem que associações sem fins lucrativos podem exercer atividades lucrativas, desde que essas se destinem a financiar a prossecução dos fins estabelecidos nos seus estatutos, não se traduzindo, por si só, numa violação do princípio da especialidade do fim. g. O ato administrativo praticado pelo Instituto de Socorros a Náufragos (ISN) revelou um excesso de zelo normativo e uma interpretação restritiva do princípio da especialidade do fim. h. A interpretação restritiva adotada pela Recorrente quanto ao regime de exclusividade do objeto não pode proceder, pois não existe qualquer proibição legal expressa que inviabilize a exploração acessória de atividades de restauração com a finalidade de apoio e financiamento institucional. i. A exploração do bar de apoio de praia não configura uma alteração do objeto social da Recorrida, sendo manifestamente insuficiente para fundamentar a revogação da licença n.º 013/3C/2023 por parte do ISN, nos termos da alínea d) do artigo 16.º da Portaria n.º 311/2015, de 28 de setembro. j. O simples facto de existir uma atividade económica acessória à atividade de informação, apoio, vigilância, segurança, socorro e salvamento prestada a banhistas não afeta a essência nem a eficácia dos fins prosseguidos pela associação, nem a descaracteriza a natureza jurídica desta enquanto tal, e para se afirmar tal facto, seria necessário demonstrá-lo, o que a Recorrente não conseguiu fazer. k. A Recorrente não demonstrou qualquer interferência negativa da atividade de restauração sobre a atividade principal de assistência a banhistas, nem qualquer risco ou prejuízo para a segurança pública, limitando-se a invocar argumentos manifestamente infundados. l. É isenta de censura a apreciação da questão pelo tribunal a quo, o qual aplicou corretamente o Direito à luz dos factos apresentados, tendo fundamentado de modo claro e explícito a sua convicção, contrariamente à interpretação da questão da Recorrente, a qual se limitou a apresentar uma interpretação dos factos sem, contudo, ter demonstrado a incompatibilidade das atividades em causa e a alteração dos estatutos da Recorrida.” O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º 1, do CPTA, pronunciou-se no sentido da procedência do recurso, considerando que a autora, no âmbito da exploração do apoio de praia A… Bar, vendia bebidas, gelados, snacks e cafés, reproduzia música para esplanada e alugava toldos de sombreamento na praia, o que indica que, afinal, a actividade de socorro e salvamento seria secundária, pressupondo a concessão da licença para actividade socorro e salvamento que os titulares da referida associação assegurarão o efectivo socorro e salvamento, e não estarão ocupados com outras actividades. Sem vistos dos juízes-adjuntos, por se tratar de processo urgente (cfr. n.º 2 do artigo 36.º do CPTA), importa apreciar e decidir. II – QUESTÕES A DECIDIR A questão que ao Tribunal cumpre solucionar é a de saber se a sentença padece de erro de julgamento de direito. Como questão prévia, cumpre decidir se deve ser determinado o aperfeiçoamento das conclusões da alegação de recurso. III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Considerando que não foi impugnada, nem há lugar a qualquer alteração da matéria de facto, remete-se para os termos da decisão da 1.ª instância que decidiu aquela matéria, nos termos do n.º 6 do artigo 663.º do CPC. IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO Da questão prévia do aperfeiçoamento das conclusões da alegação de recurso Defende a recorrida que as conclusões da alegação de recurso carecem de aperfeiçoamento por terem estrutura prolixa e redundante, desse modo não cumprindo os requisitos de clareza, concisão e precisão exigidos no n.º 1 do artigo 639.º do CPC, comprometendo a delimitação do objecto do recurso e prejudicando o contraditório que assiste à recorrida. Vejamos. Nos termos do n.º 1 do artigo 639.º do CPC, aplicável ex vi artigo 140.º, n.º 3, do CPTA, as conclusões da alegação de recurso devem ser sintéticas, acrescentando o n.º 3 do mesmo artigo que, “Quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o número anterior, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afetada.” Ora, embora o preceito não se refira a conclusões excessivas ou prolixas, subentende-se que também essa situação está pressuposta no n.º 3, sentido este que se compagina bem “(…) com a ideia de que a celeridade da justiça é uma tarefa de todos, e não só do julgador, devendo as partes fazer um esforço para que as suas peças processuais sejam concisas, completas e claras.” – neste sentido, cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (Pleno), de 31.01.2019, proferido no processo n.º 01298/10.1BEALM 0813/18 (in www.dgsi.pt). Nesta linha de entendimento, pode ler-se no Acórdão do mesmo Tribunal, de 23.11.2017, proferido no processo n.º 958/17 (in www.dgsi.pt) que “A finalidade ou função das conclusões é definir o objecto do recurso, através da identificação, abreviada, dos fundamentos ou razões jurídicas já desenvolvidas nas alegações [artigo 635º, nº4, do CPC]. Sendo elas a delimitar o objecto do recurso, a sua precisão tem essencialmente por finalidade tornar mais fácil, mais pronta e segura a tarefa da administração da justiça, numa perspectiva dinâmica de estreita «cooperação» entre os vários agentes judiciários, e permitir um eficaz «contraditório» ao recorrido, que terá ganho total ou parcialmente a causa, e que, por via disso, terá todo o interesse em manter o decidido, reagindo, para isso, a questões que deverá perceber [ver artigos 3º e 7º do CPC, e 8º do CPTA]. A lógica, e a boa arte de alegar, mandam que as conclusões sejam proposições sintéticas que emanam do que se desenvolveu nas alegações. Devem, portanto, ser em número consideravelmente inferior aos artigos das alegações, mas não só, devem traduzir, ainda, o esforço de condensar, de forma clara, a exposição realizada naquelas.” Assim, importa “(…) aferir se as conclusões possibilitam ou não conhecimento do recurso, se a prolixidade das conclusões acarreta a sua obscuridade ou complexidade e se a circunstância de serem quantitativamente excessivas as torna imprestáveis.” – cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 11.09.2019, proferido no processo 0829/18.3BEAVR (in www.dgsi.pt). É certo que as conclusões das alegações de recurso apresentadas pela recorrente se mostram prolixas, redundantes e “quantitativamente excessivas”. Todavia, não se pode afirmar que as mesmas não cumpram, de forma suficiente, o objectivo de identificar a concreta questão que delimita o objecto do recurso nem sequer o de dificultar o exercício do contraditório por parte da recorrida, como bem o revela a sua resposta à alegação da recorrente. E, assim sendo, não há fundamento para o requerido aperfeiçoamento. Do erro de julgamento de direito A sentença recorrida, antecipando o juízo sobre a causa principal, nos termos do n.º 1 do artigo 121.º do CPTA, julgou a acção procedente, anulando a decisão de revogação da licença de associação de nadadores-salvadores n.º 013/3C/2023 atribuída à requerente, revogação essa que assentou na violação das alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo 16.º da Portaria n.º 311/2015, de 28 de Setembro. Considerou o Tribunal a quo que, por um lado, a exploração, por parte da autora, de um apoio de praia no âmbito do qual vendia bebidas, gelados, snacks e cafés, reproduzia música para esplanada e alugava toldos de sombreamento na praia, numa zona onde exerce a sua actividade, que funciona durante a época balnear, não contraria o seu objecto (actividade de prestação de serviços de assistência a banhistas através de nadadores-salvadores), nos termos e para os efeitos previstos na referida alínea c), sendo um meio legítimo de obtenção de receitas, que não fere o escopo da autora; por outro lado, não se tendo comprovado que tenha existido uma alteração do objecto da autora, não está verificado o pressuposto de aplicação da norma da alínea d). É contra o assim decidido que se insurge a recorrente, alegando que, ao considerar legal a acumulação das actividades de prestação de serviços de assistência a banhistas através de nadadores-salvadores com a venda de bebidas e outros bens alimentares, o Tribunal a quo olvidou o regime de exclusividade do objecto imposto por lei especial às associações de nadadores-salvadores (ANS), nos termos conjugados do disposto nos artigos 16.º, n.º 1, alínea c), 3.º e 11.º da Portaria 311/2015, de 28 de Setembro, de acordo com o qual as ANS não podem desenvolver outras actividades económicas paralelas. Mais alega que a actividade de salvamento, socorro a náufragos e apoio aos banhistas não tem qualquer cariz económico ou comercial, ao invés da actividade de exploração do apoio de praia (sendo actividades contrárias), nem se relaciona (nem compadece) com a actividade de limpeza de instalações sanitárias da praia, o fornecimento de consumíveis para o respectivo funcionamento, ou o aluguer de toldos de sombreamento na praia. Enquadrando-se a exploração de um apoio de praia no conceito de actividade de restauração de bebidas não sedentária, previsto na alínea k) do artigo 2.º, do Decreto-Lei n.º 10/2015, de 16 de Janeiro, constitui a mesma um desvio das finalidades previstas no regime jurídico das ANS, excedendo e contrariando o âmbito do licenciamento concedido. Vejamos. A Portaria n.º 311/2015, de 28 de Setembro, “aprova o regime aplicável à atividade de nadador-salvador, bem como às restantes entidades que asseguram a informação, apoio, vigilância, segurança, socorro e salvamento no âmbito da assistência a banhistas.” (artigo 1.º). Para os efeitos de tal diploma, entende-se por “«Associação de nadadores-salvadores» qualquer entidade, pública ou privada e independentemente da forma de constituição, devidamente licenciada que tenha como objeto exclusivo a atividade de prestação de serviços de assistência a banhistas;” (artigos 3.º, alínea f), e 11.º, n.º 1). As ANS têm acesso a tal actividade mediante licenciamento, o qual tem por fim autorizar a prestação de serviços no âmbito da actividade, identificando a licença o tipo de actividade para a qual a entidade autorizada está habilitada (artigos 12.º, n.º 2, e 13.º, n.ºs 1 e 2). Nos termos das alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo 16.º, a licença pode ser revogada quando se verifique: “(…) c) Atos contrários à atividade de salvamento, socorro a náufragos e apoio aos banhistas; (…) d) Alteração do objeto social suscetível de colidir com a atividade licenciada.” O acto impugnado nos presentes autos - decisão que determinou a revogação da licença de assistência a banhistas titulada pela autora – assentou na circunstância de a autora, a par do exercício da actividade de assistência a banhistas através de nadadores-salvadores, exercer uma actividade económica de restauração e bebidas, através da exploração do apoio de praia denominado A… BAR, considerando, assim, existirem evidências de exercício de actos contrários à actividade de salvamento, socorro a náufragos e apoio aos banhistas, bem como da alteração do objecto social susceptível de colidir com a actividade licenciada, causas de revogação da licença emitida, nos termos do disposto nas alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo 16.º da Portaria n.º 311/2015, de 28 de Setembro. Não tendo a recorrente impugnado a matéria de facto, está em causa saber se o exercício de uma actividade económica de restauração e bebidas, através da exploração do apoio de praia, por parte de uma associação de nadadores-salvadores, titular de licença para o exercício de actividade de prestação de serviços de assistência a banhistas, constitui causa de revogação da licença, nos termos das alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo 16.º da Portaria n.º 311/2015, de 28 de Setembro. A causa de revogação prevista na alínea c) reconduz-se à prática de actos “contrários” à actividade de salvamento, socorro a náufragos e apoio aos banhistas, actividade esta que constitui, precisamente, o objecto da autora (cfr. ponto 1. do probatório) que, enquanto associação de nadadores-salvadores, tem “como objeto exclusivo a atividade de prestação de serviços de assistência a banhistas” (artigo 3.º, alínea f), da Portaria), consistindo a «Assistência a banhistas» no “exercício de atividades de informação, apoio, vigilância, segurança, socorro e salvamento prestado a banhistas”. Actos contrários são todos aqueles que são estranhos à actividade para a qual a licença foi concedida, que extravasam o âmbito da licença, e não apenas os actos incompatíveis com a actividade, como se entendeu na sentença recorrida. Se assim fosse, e considerando a natureza da actividade em causa, não se vislumbra que actos lícitos poderiam ser incompatíveis com a actividade de salvamento, socorro a náufragos e apoio aos banhistas, não fazendo sentido que a causa de revogação da licença em análise se reconduza à prática de actos ilícitos, sem que a letra da lei o expresse em termos minimamente compreensíveis nesse sentido. De resto, tal juízo de incompatibilidade sempre requereria uma mínima concretização da lei na definição de “actos incompatíveis com a actividade” ou, pelo menos, a definição da finalidade da norma – sendo o fim do acto um aspecto de vinculação (e não de discricionariedade) administrativa -, sem que o legislador o tenha feito. Finalmente, por definição, “contrário” não é só o que é incompatível, mas também o que é diferente. Não está em causa saber se o exercício da actividade de restauração e bebidas é contrário ao regime de exclusividade do objecto imposto por lei especial às associações de nadadores-salvadores, como alega a recorrente. Na verdade, tal violação não é causa de revogação da licença; antes o é a prática de “Atos contrários à atividade de salvamento, socorro a náufragos e apoio aos banhistas”. Também não é o cariz económico ou comercial da actividade de restauração e bebidas que determina a sua contrariedade, nos termos da alínea c) em análise, nada determinando esta norma a esse respeito. O que sucede é que o exercício da actividade de restauração e bebidas não se contém na actividade de prestação de serviços de assistência a banhistas, ao contrário do que se concluiu na sentença recorrida, na qual se considerou que a actividade de restauração e bebidas se enquadra no apoio aos banhistas. Com efeito, este sentido de apoiar os banhistas está relacionado com a sua comodidade e o seu conforto, e não com a protecção dos mesmos ligada à actividade balnear, sendo a esta que se reconduz a expressão de “apoio a banhistas”, que integra a actividade de assistência aos mesmos. Assim, a exploração, por parte da autora, de um apoio de praia no âmbito do qual vendia bebidas, gelados, snacks e cafés, reproduzia música para esplanada e alugava toldos de sombreamento na praia, constitui um acto contrário à actividade de salvamento, socorro a náufragos e apoio aos banhistas, pelo que, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 16.º da Portaria n.º 311/2015, de 28 de Setembro, é causa de revogação da licença emitida à autora para o exercício desta actividade. Ao concluir em sentido contrário, a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento. Já a causa de revogação da licença prevista na alínea d) não se verifica, uma vez que não resultou provada nos autos qualquer alteração do objecto social da autora, o qual, como vimos, está em conformidade com a actividade licenciada, a saber: prestação de serviços de assistência a banhistas através de nadadores-salvadores, em especial o salvamento e socorro. Verificando-se no caso em apreço a causa de revogação da licença prevista na alínea c), e sendo esta um dos fundamentos do acto impugnado, fica afastada a sua anulação por erro nos pressupostos, nos termos decididos na sentença recorrida, com o que o mesmo se mantém válido na ordem jurídica. Termos em que se impõe julgar o presente recurso procedente e, em consequência, revogar a sentença na parte referente à anulação do acto impugnado, julgando a acção improcedente. * Vencida, é a recorrida responsável pelo pagamento das custas, nos termos dos artigos 527.º do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA.V – DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes da Subsecção comum da Secção administrativa do Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e, em substituição, julgar improcedente a acção. Custas pela recorrida. Lisboa, 25 de Setembro de 2025 Joana Costa e Nora (Relatora) Marcelo Mendonça Marta Cavaleira |