Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 88/25.1BCLSB |
| Secção: | CA |
| Data do Acordão: | 05/15/2025 |
| Relator: | LUÍS BORGES FREITAS |
| Descritores: | TAD JUSTIÇA DESPORTIVA LIBERDADE DE EXPRESSÃO |
| Sumário: | I - Quando um agente desportivo – apreciado objetivamente à luz da posição do Recorrido – é confrontado com as declarações do Presidente de um clube adversário e a reação que pensou ter sido adotada pelo Conselho de Arbitragem da Federação Portuguesa de Futebol, não as toma como elementos da formação da sua consciência sobre a licitude ou ilicitude dos comportamentos que possa adotar; o invés, aprecia os factos novos à luz dos critérios que a sua consciência já formou em função de factos anteriores. II - Portanto, os factos relativos às declarações do Presidente da S..., SAD, nada determinaram sobre a consciência da ilicitude por parte do Recorrido; acionaram, sim, e apenas, o seu critério de justiça, numa perspetiva de necessidade de tratar igual o que merece tratamento igual. III - No âmbito das competições de futebol organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional a liberdade de expressão é convocada na medida em que, amiúde, é com ela que é efetuado o diálogo com determinados tipos de infração disciplinar; ou seja, o preenchimento destes dependerá, nomeadamente, de se ter traçado o limite do exercício da liberdade de expressão aquém do que permitiria abranger a factualidade em causa. IV - Não é possível criticar a atuação de um órgão deixando imunes as pessoas que o integram, cuja vontade é elemento constitutivo da vontade do órgão. V - A imparcialidade e a isenção da APAF – Associação Portuguesa de Árbitros de Futebol e do Conselho de Arbitragem da Recorrente não são qualidades «congénitas»; exige-se que existam, mas carecem de ser demonstradas. |
| Votação: | Unanimidade |
| Indicações Eventuais: | Subsecção Administrativa Social |
| Aditamento: |
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| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Subsecção Social do Tribunal Central Administrativo Sul: I F....... apresentou, junto do Tribunal Arbitral do Desporto, contra a FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL, recurso do acórdão do Conselho de Disciplina desta que, no âmbito do processo n.° 12/2024, «aplicou ao Demandante uma pena de suspensão pelo período de 50 dias, e acessoriamente uma pena única de multa no valor de € 8.160,00 (oito mil cento e sessenta euros) pela prática de uma infração disciplinar, p. e p. pelo art.° 136.°- 1 e 3, por referência ao art. 112.°-1, ambos do RD». Por acórdão de 14.2.2025 o Tribunal Arbitral do Desporto concedeu provimento ao recurso e, em consequência, revogou a sanção disciplinar que lhe foi aplicada. Inconformada, a Federação Portuguesa de Futebol interpôs recurso dessa decisão para este Tribunal Central Administrativo, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões, que se transcrevem: 1. O presente recurso tem por objeto o Acórdão Arbitral proferido pelo Colégio Arbitral constituído junto do Tribunal Arbitral do Desporto, notificado em 18 de Fevereiro de 2025, que julgou procedente o recurso apresentado pelo Recorrido, que correu termos sob o n.° 12/2024. 2. Em concreto, o presente recurso versa sobre a decisão do Colégio Arbitral em anular as sanções aplicadas ao Recorrido pelo Conselho de Disciplina no RHI n.° 8-2023/2024, que correu termos na Secção Profissional daquele órgão, pela prática de uma infração disciplinar p. e p. no artigo 136.°, n.°s 1 e 3 [Lesão da Honra e da reputação e denúncia caluniosa] do RDLPFP, por referência ao disposto no artigo 112.°, n.° 1 do mesmo Regulamento, que consistiram em sanção de suspensão de 50 (cinquenta] dias de suspensão e multa de € 8160,00 (oito mil, cento e sessenta euros], porquanto entende o Tribunal a quo que as mesmas não têm relevância disciplinar, não logrando ser aptas a preencher os elementos típicos das infrações p. e p. pelos artigos 136.° e 112.° do RDLPFP, verificando-se também uma causa de exclusão da ilicitude; 3. Em causa nos presentes autos estão declarações proferidas pelo Recorrido F......., cujo teor - ao contrário do que considerou o Tribunal a quo - consubstancia comportamento desrespeitoso e lesivo da honra e consideração do Conselho de Arbitragem, colocando em causa o núcleo essencial da função da arbitragem, materializado na isenção e imparcialidade que a deve caracterizar, afetando a credibilidade e o bom funcionamento da competição desportiva. Vejamos, 4. O Tribunal a quo erra ao considerar disciplinarmente irrelevante as declarações proferidas pelo Recorrido F......., melhor referidas no ponto 1.° dos factos dados como provados, porquanto intervindo como comentador em programa televisivo transmitido pelo «Porto Canal», o Recorrido proferiu, entre outras, as seguintes declarações: "(...) mas quando as críticas são de alguém do F…, vai logo queixa… logo queixa. Quando é do S…; quer o Conselho de Arbitragem, quer a APAF. ficam a ponderar. O Conselho de Arbitragem nem se sabe nada, mas a APAF disse que estava a ponderar. Isto só os envergonha a eles e só mostra como não são isentos nem imparciais". 5. Entendeu o Tribunal a quo que as expressões utilizadas pelo Recorrido não são disciplinarmente relevantes, porquanto, as declarações em causa não preenchem o tipo de ilícito disciplinar que foi imputado ao Recorrido. Não concebemos tal entendimento, senão vejamos, 6. O Acórdão recorrido padece de graves erros na aplicação do Direito e na valoração da matéria de facto considerada provada, com os quais a Recorrente não se pode conformar. 7. Ora, desde logo, cabe chamar à colação que o bem jurídico a proteger no âmbito disciplinar é distinto daquele que se visa proteger no âmbito penal, ainda que existam normas punitivas semelhantes, por vezes coincidentes, que possam induzir o aplicador em erro. Deste modo, a análise subjacente num e noutro caso tem, também, de ser muito distinto. 8. A afirmação de que a responsabilidade disciplinar é independente e autónoma da responsabilidade penal está, desde logo, presente na Lei e nos Regulamentos Federativos. 9. Assim, quando analisado o artigo 112.º do RD da LPFP é possível vislumbrar, em abstrato, indícios do ilícito penal correspondente à injúria ou difamação. 10. Por outro lado, não se pode olvidar que o Recorrido F....... tem deveres concretos que tem de respeitar e que resultam de normas que não pode ignorar. 11. O Recorrido F....... tem, designadamente, o dever de "manter uma conduta conforme aos princípios desportivos de lealdade, probidade, verdade e retidão em tudo o que diga respeito às relações de natureza desportiva" (artigo 19.°, n.° 1, do RDLPFP19); e de manter comportamento de urbanidade e correção entre si, bem como para com os representantes da Liga Portugal e da FPF, os árbitros e árbitros assistentes.” (artigo 51.°, n.° 1 do Regulamento de Competições da LPFP). 12. Naturalmente que as sociedades desportivas, clubes e agentes desportivos não estão impedidos de exprimir publica e abertamente o que pensam e sentem. Contudo, os mesmos estão adstritos a deveres de respeito e correção que os próprios aceitaram determinar e acatar mediante aprovação do RD e RC da LPFP. 13. Quando uma pessoa (singular ou coletiva), qualquer que seja, aceita aderir a determinada associação ou grupo organizado, aceita também as suas regras, deontológicas, disciplinares, sancionatórias, etc.. 14. Com efeito, para que o Recorrido seja condenado pela prática do ilícito disciplinar previsto no artigo 112.°, n.° 1, do RD da LPFP é essencial indagar se as declarações respetivas violam, pelo menos, um dos bens jurídicos visados pela norma disciplinar: a honra e bom nome dos visados ou a verdade e a integridade da competição, particularmente evidenciados pela imparcialidade e isenção dos desempenhos dos elementos das equipas de arbitragem. 15. Ao contrário daquilo que parece entender o TAD, não estamos, obviamente, perante a prática de um ilícito disciplinar que pretende, exclusivamente, proteger a honra e o bom nome dos árbitros visados, nem muito menos perante uma questão que deva ser analisada da perspetiva do direito penal, sendo que, o Acórdão recorrido erra também ao analisar a questão sub judice sob a perspetiva do direito penal e não da perspetiva do direito disciplinar, peio que se impõe que o TCA proceda a uma correta aplicação do direito ao caso. 16. Ao contrário do que entendeu o TAD o conteúdo das declarações proferidas pelo Recorrido em órgão de comunicação social da propriedade da F…, 5AD, tem relevância disciplinar, porquanto quando o Recorrido afirma: "mas quando as críticas são de alguém do F…, vai logo queixa… logo queixa. Quando é do S…, quer o Conselho de Arbitragem, quer a APAF, ficam a ponderar. O Conselho de Arbitragem nem se sabe nada, mas a APAF disse que estava a ponderar. Isto só os envergonha a eles e só mostra como não são isentos nem imparciais” - está a levantar suspeição sobre a atuação do referido órgão, apenas se podendo considerar que tais declarações não configuram uma lesão da honra e reputação do referido órgão, se se abordar tal questão, como parece fazer o TAD, tendo por referência as normas penais que sancionam condutas típicas dos crimes de injúria ou difamação. 17. E é aí que reside, desde logo, o grande equívoco dos Exmos. Árbitros. Com efeito, a questão deve ser colocada, como acima se referiu, no âmbito da apreciação no campo disciplinar e não no campo do direito penal, autónomo e distinto deste. 18. Ao afirmar que “isto só os envergonha e só mostra como não são isentos nem imparciais”, deixa explícita a ideia de que o Conselho de Arbitragem pauta a sua atuação de forma parcial e não isenta, com o intuito de prejudicar a F…, Futebol SAD. 19. Não se verifica a existência de base factual que suporta a crítica, apenas pelo facto - não provado - de declarações de V......., Presidente da S…, Futebol SAD não terem sido objeto de participação disciplinar por parte do Conselho de Arbitragem; 20. Nesse sentido, andou mal o Tribunal a quo ao afirmar que existe base factual para o que afirmou o Recorrido, porquanto, com o devido respeito, ao colocar-se em causa a imparcialidade e isenção do órgão que tutela a arbitragem em Portugal, extravasamos o direito de crítica objetiva, uma vez que, na perceção do leitor/ouvinte médio tais afirmações fazem recair sobre aquele órgão concreto uma suspeita de parcialidade na atuação, porquanto lança dúvidas sobre a isenção e sobre a capacidade daquele órgão o se nortear pelos princípios da objetividade, da racionalidade e da isenção no desempenho da sua função, pondo, assim, em causa a imparcialidade objetiva do mesmo; 21. Ademais, ainda que tal correspondesse à verdade, nunca o Recorrido poderia inferir e afirmar que a atuação e decisões do Conselho de Arbitragem demonstravam a respetiva falta de isenção e imparcialidade, porquanto ao fazê-lo, abandona o domínio da crítica objetiva e entra no domínio da ofensa injuriosa, não admissível no âmbito disciplinar, não se verificando qualquer causa de exclusão da ilicitude; 22. Nesse sentido, quando o Recorrido afirma que "(…) mas quando as críticas são de alguém do F…, vai logo queixa… logo queixa. Quando é do S…, quero Conselho de Arbitragem, quer a APAF, ficam a ponderar. O Conselho de Arbitragem nem se sabe nada, mas a APAF disse que estava a ponderar. Isto só os envergonha a eles e só mostra como não são isentos nem imparciais", está a levantar suspeição sobre a atuação do Conselho de Arbitragem, sem qualquer base factual para o que afirma. 23. Em suma, afirmar o que afirmou o Recorrido, é remeter para uma postura volitiva do sujeito, no caso, o Conselho de Arbitragem, a quem é imputada uma conduta de tomar decisões de forma parcial e não isenta; 24. Conforme já deixámos bem patente na parte inicial deste recurso, o valor protegido pelo ilícito disciplinar em causa, à semelhança do que é previsto nos artigos. 180.° e 181.°, do Código Penal, é o direito "ao bom nome e reputação", cuja tutela é assegurada, desde logo, pelo artigo 26.° n.° 1 da Constituição da República Portuguesa, mas que visa em primeira linha, e ao mesmo tempo, a proteção das competições desportivas, da ética e do fair play. 25. A nível disciplinar, como é o caso, os valores protegidos com esta norma (artigo 112.° do RD da LPFP] é, em primeira linha, os princípios da ética, da defesa do espírito desportivo, da verdade desportiva, da lealdade e da probidade e, de forma mediata, o direito ao bom nome e reputação dos visados, mas sempre na perspetiva da defesa da competição desportiva em que se inserem. 26. Atenta a particular perigosidade do tipo de condutas em apreço, designadamente pela sua potencialidade de gerar um total desrespeito pela autoridade das instituições e entidades que regulamentam, dirigem, disciplinam e gerem o futebol em Portugal, o sancionamento dos comportamentos injuriosos, difamatórios ou grosseiros encontra fundamento na tarefa de prevenção da violência no desporto, enquanto fator de realização do valor da ética desportiva. 27. O Recorrido sabia ser o conteúdo da suas declarações adequado a prejudicar a honra e reputação devida aos demais agentes desportivos, na medida em que tais declarações indiciam uma atuação do Conselho de Arbitragem da Recorrente, a que não presidiram critérios de isenção, objetividade e imparcialidade, antes colocando assim e intencionalmente em causa o seu bom nome e reputação. 28. Com efeito ao contrário do que entendeu o Tribunal a quo e como supra se demonstra, as declarações do Recorrido não se limitam a fazer uma crítica objetiva à atuação do órgão que tutela a arbitragem em Portugal, referindo e deixando a entender claramente que tal atuação é parcial e não isenta, prejudicando premeditadamente o F…, Futebol SAD, e consequentemente, beneficiar outros competidores, o que é bem patente quanto o Recorrido afirma “ mas quando as críticas são de alguém do F…, vai logo queixa… logo queixa. Quando é do S…, quer o Conselho de Arbitragem, quer a APAF, ficam a ponderar”, 29. Para além de imputar a tal órgão a prática de atos ilegais, as expressões sub judice encerram em si um juízo de valor sobre o próprio órgão e sobre as pessoas que o integram que, face às exigências e visibilidade das funções que estes desempenham no jogo, colocam em causa a sua honra, pelo menos, aos olhos da comunidade desportiva. 30. Assim, não podemos deixar de considerar que se é legítimo o direito de crítica do Recorrido à atuação dos árbitros e/ou órgãos federativos, já a imputação desonrosa não o é, e aquelas expressões usaram esse tipo de imputação sem que se revele a respetiva necessidade e proporcionalidade para o fim visado. 31. Não se nega que expressões como a usada pelo Recorrido são corriqueiramente usadas no meio desporto em geral e do futebol em particular. 32. Porém, já não se pode concordar que por serem corriqueiramente usadas não são suscetíveis de afetar a honra e dignidade de quem quer que seja ou de afetar negativamente a competição, ademais quando nos referimos a uma suspeita de falta de isenção por parte de órgão federativo, uma vez que tais afirmações têm intrinsecamente a acusação ou pelo menos a insinuação de que tal atuação é parcial e não isenta. Deste modo, vão muito para além da crítica à atuação profissional do agente. 33. O facto de os visados serem figuras públicas, sob maior escrutínio não pode legitimar que tudo se diga, não os destituindo do direito à honra e consideração, sob pena de se negar a proteção da honra das figuras públicas, conforme sufragou já o Tribunal da Relação. 34. Não se tratará nesta sede do legítimo exercício do direito à liberdade de expressão, este deverá ser harmonizado com outro direito fundamental, o direito à honra e bom nome, devendo aquele primeiro direito - liberdade de expressão - conter-se, sempre nos limites de proporcionalidade, necessidade e adequação constitucionalmente impostos - artigo 18.° da CRP - de modo a salvaguardar o núcleo essencial do direito constitucional com que conflitua. 35. O ordenamento disciplinar desportivo - que resulta da expressão da autovinculação regulamentar, por parte dos próprios agentes desportivos, traduzida na adesão a um conjunto de deveres especiais que sobre si impendem e que comportam as necessárias restrições à sua liberdade de expressão em nome e na salvaguarda da ética e valores desportivos, bem como da credibilidade da competição - pelos princípios em que se estriba, ambiciona criar e conservar um espaço comunicacional de respeito nas relações desportivas, mesmo que isso implique, para os agentes desportivos, o dever de suportar constrangimentos à liberdade de expressão que, no campo do direito penal, isto é, enquanto cidadãos, não lhes seriam exigíveis. 36. Todo este entendimento, não é colocado em crise pelo disposto no artigo 10.° da CEDH, havendo que atentar no respetivo n.° 2, sendo que, ali se refere que certas pessoas ou grupos, pela natureza das suas funções e responsabilidades, poderão ver a sua liberdade de expressão limitada. 37. Ademais, não nos podemos olvidar que uma das funções essenciais do desporto é, precisamente, a função de arbitragem, sendo que, todos concordarão que, se não há desporto - e futebol - sem as leis de jogo -, também não haverá sem aquele órgão e agente desportivo que têm como função fazer cumprir as mesmas, em suma, não existirá futebol sem o vulgarmente designado “juiz da partida", permanecendo no âmago dessa função de arbitragem, o valor da imparcialidade, da isenção entre os competidores, valores colocados em crise pelas declarações subjudice. 38. O futebol não está numa redoma de vidro, dentro da qual tudo pode ser dito sem que haja qualquer consequência disciplinar, ao abrigo do famigerado direito à liberdade de expressão, muito menos se pode admitir que o facto de tal linguarejo ser comum torne impunes quem o utilize e que retire relevância disciplinar a tal conduta. 39. É aliás de salientar que as declarações dos agentes desportivos têm grande relevância e podem fomentar fenómenos de intolerância e violência no mundo do desporto em geral e no futebol em particular, sendo um assunto de grande relevância social e de grande importância na consciencialização dos diversos “atores" desportivos, sobre a sua acrescida responsabilidade junto das massas que notoriamente influenciam - designadamente quando se trata do Diretor de Comunicação de uma das maiores instituições desportivas nacionais. 40. O TAD apenas poderia alterar a sanção aplicada pelo Conselho de Disciplina da FPP se se demonstrasse a ocorrência de uma ilegalidade manifesta e grosseira - limites legais à discricionariedade da Administração Pública, neste caso, limite à atuação do Conselho de Disciplina da FPF. 41. A tese sufragada pelo Colégio de Árbitros e pelo Recorrido é um passo largo para fomentar situações de violência e insegurança no futebol e em concreto durante os espetáculos desportivos, porquanto diminuir-se-á acentuadamente o número de casos em que serão efetivamente aplicadas sanções, criando-se uma sensação de impunidade em quem pretende praticar factos semelhantes aos casos em apreço e ao invés - o que é mais preocupante -, criando na comunidade um sentimento de descrédito nas competições e nas autoridades que gerem o futebol português. 42. Face ao exposto, deve o acórdão proferido pelo Tribunal a quo ser revogado por errada subsunção dos factos provados ao direito e nessa medida, por erro de julgamento, designadamente interpretação e aplicação do disposto nos artigos 136.°, n.° 1 e 112.°, n.° 1, ambos do Regulamento Disciplinar da LPFP, e bem assim por não se verificar qualquer causa de exclusão da ilicitude. Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, Deverá o Tribunal Central Administrativo Sul dar provimento ao recurso e revogar o Acórdão Arbitral proferido, com as devidas consequências legais, ASSIM SE FAZENDO O QUE É DE LEI E DE JUSTIÇA. O Autor apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões, que igualmente se transcrevem: A. Inconformada com o acórdão proferido pelo Tribunal Arbitral em 14/02/2025, que julgou procedente o pedido de arbitragem apresentado aos autos pelo Demandante, absolvendo-o da prática de uma infracção disciplinar p. e p. pelo art. 136.° (ex vi art. 112.°) do RD, veio agora a Demandada interpor recurso dessa decisão, considerando, em suma, que a decisão que ora se impugna é passível de censura porquanto existe um erro de julgamento na interpretação e aplicação do direito invocado. B. Afigura-se, porém, que nenhuma razão assiste à Demandada, ora Recorrente, devendo improceder na íntegra o recurso apresentado aos autos, porquanto nenhum reparo ou censura merece o acórdão recorrido. -II- C. Discute-se no presente caso a censurabilidade disciplinar das declarações proferidas por F....... no programa “Universo Porto”, transmitido no Porto Canal em 20/12/2023.D. Como resulta dos factos dados como provados a págs. 18 a 21 do acórdão recorrido, no dia 10 de Dezembro o Presidente da S… SAD, V......., teceu publicamente duras críticas à arbitragem do jogo disputado no dia 9, entre a S… SAD e a V… SAD, realizada por J........ E. Entre o mais, afirmou o Presidente da S… SAD que “J....... tem sido um árbitro que tem tido muita infelicidade com o S…. Acho que hoje não há um sportinguista que não esteja traumatizado quando vê J........ (...) penso que se fosse avaliado apenas pelos jogos do S…se calhar seria despromovido. Penso que tem sido muitas vezes infeliz, o S… tem tido muitas vezes azar com ele e ontem foi mais um jogo.”; e, em especial, “é difícil quando, no caso de um árbitro com a categoria de J......., o erro contraria a teoria das probabilidades. É sempre para um determinado lado. Fica difícil” (cf. documentos juntos aos autos pela Demandada em 06/05/2024). F. Nos dias seguintes, e conforme melhor resulta dos artigos noticiosos juntos aos autos em sede administrativa, tais declarações foram amplamente noticiadas e reproduzidas nos principais meios de comunicação desportiva, chegando inclusive a ser manchete dos jornais desportivos de maior relevo. G. Não houve, ao menos até à data de transmissão do programa em apreço nos presentes autos, qualquer notícia da apresentação de queixa por parte da APAF ou do Conselho de Arbitragem da FPF contra o Presidente da S… SAD, nem, tampouco, notícia da abertura de procedimento disciplinar por parte dos organismos responsáveis. H. Tudo aquilo que havia sido publicitado (nos meios de comunicação social) foi que a APAF ponderava apresentar queixa, mas sem que houvesse qualquer confirmação da sua concretização. I. Só cerca de 14 dias depois da sua intervenção pública sobre o assunto, veio o aqui Recorrido a tomar conhecimento, através do contacto por parte de um elemento da FPF, de que o Conselho de Arbitragem havia efectivamente apresentado uma participação pelos factos ocorridos mas que o expediente havia sido “liminarmente” arquivado. J. Com efeito, e como resulta cristalino dos documentos juntos pela Demandada - ao contrário do que seria expectável e processualmente conforme (!) a participação do Conselho de Arbitragem da FPF remetida ao Conselho de Disciplina por e-mail datado de 11/12/2023, 18:06, foi arquivada através de deliberação proferida pelo Pleno da Secção Profissional logo no dia 12/12/2023, sem que tivesse havido sequer abertura de processo disciplinar. K. Ao contrário do que sucedeu no identificado caso, todas as participações apresentadas pela APAF e/ou pelo Conselho de Arbitragem contra o Recorrido ou outros elementos integrantes da estrutura da F... SAD — ao menos aquelas de que o Recorrido tem conhecimento - culminaram, invariavelmente, com a abertura de processo disciplinar por parte do Conselho de Disciplina. L. Como, aliás, evidenciam os múltiplos processos que vêm correndo termos quer na Federação Portuguesa de Futebol, quer no Tribunal Arbitral (veja-se, a título de exemplo, num passado recente, os processos disciplinares n.° 25-22/23, 80-22/23, 96-22/23, 97-22/23 e 22-23/24), quer mesmo neste Venerando Tribunal. M. Por seu turno, segundo a apertada bitola que vem sendo adoptada pelo Conselho de Disciplina no que concerne à ilicitude de declarações sobre questões de arbitragem, resulta indubitável que as declarações do Presidente da S… SAD são tão (ou mais) aptas a violar os princípios da probidade e rectidão quanto as afirmações propaladas noutras ocasiões por F....... (e que motivaram não só a abertura de processos disciplinares mas, inclusive, a sua condenação por parte daquele órgão disciplinar). N. Paradigmático do que vem de se dizer é, aliás, o presente processo! O. Com efeito, a abertura do presente processo disciplinar — justamente motivada pela participação disciplinar apresentada pelo Conselho de Arbitragem da Federação Portuguesa de Futebol no dia 20 de dezembro de 2023 (sublinhe-se, no próprio dia em que as declarações em apreço foram proferidas!) e consequente acusação, é a maior evidência do acerto daquilo que foi afirmado pelo Recorrido. P. Tudo isto são factos públicos, objectivos e verdadeiros, que reforçaram (e reforçam) a convicção do Recorrido quanto à existência de uma dualidade de critérios / diferença de tratamento que vem sendo levada a cabo por parte das identificadas instituições desportivas. Q. Por ser assim, e com base naqueles factos (repita-se, reais e objectivos), limitou-se o Recorrido a fazer uma comparação entre a postura adotada pela APAF e pelo Conselho de Arbitragem naquele caso e o tratamento a que ele próprio (enquanto elemento afecto à F... SAD) vem sendo sujeito em situações em tudo semelhantes. R. Tratamento esse que se revela manifestamente distinto e que, por essa via, não pode deixar de ser entendido pelo Recorrido como discriminatório! S. O que - à falta de melhor explicação por parte das entidades visadas! - legitima a conclusão de que “Isto só os envergonha a eles e só mostra como não são isentos nem imparciais”! T. Afinal, se, a título de exemplo, na sequência de uma participação do Conselho de Arbitragem da FPF, o Recorrido foi alvo de uma condenação por ter afirmado que “O jogo do título vai ser arbitrado por R........ e terá como VAR T......... A mesma dupla que dirigiu o F…-G…, que terá decidido o campeonato.” (cf. PD n.° 96-22/23, ora a correr termos neste Tribunal Arbitral sob o n.° 55/2023) - tendo o Conselho de Disciplina entendido que se tratava de uma imputação de parcialidade sendo como tal ilícita -, U. pergunta-se a que título se poderão considerar inócuas, em termos disciplinares, as afirmações propaladas por V....... no dia 10/12/2023?! V. O que o Recorrido fez - ao abrigo de um direito que constitucionalmente lhe assiste! - foi tão somente realçar uma situação de dualidade de critérios / diferença de tratamento que se revela objectiva, tendo, para tanto, apontado situações concretas e factuais nas quais escora os juízos de valor/ opinião que, em jeito de conclusão, formulou. W. Efectivamente, se, ao contrário daquilo que aconteceu com o Presidente da SCB SAD - cujas declarações foram consideradas irrelevantes para efeitos disciplinares (!!) -, o Recorrido vem sendo sucessivamente confrontado com processos disciplinares sempre que o tema abordado é a arbitragem e/ou o modo de funcionamento do Conselho de Arbitragem da Federação Portuguesa de Futebol, não pode o mesmo deixar de questionar, com toda a legitimidade, qual o critério que preside às decisões tomadas pelo Conselho de Disciplina. X. Como não pode deixar de questionar qual a motivação subjacente às decisões tomadas pela APAF e pelo Conselho de Arbitragem da FPF no que toca à apresentação de participações disciplinares contra dirigentes desportivos por declarações publicamente propaladas sobre a arbitragem. Y. Aliás, qualquer cidadão médio que olhe para os casos concretamente apontados não pode deixar de colocar em dúvida a imparcialidade dos organismos envolvidos, desde logo porque não se compreende (nem as entidades envolvidas lograram esclarecer) o porquê desta diferença de tratamento. Z. Tudo o que levou a que o Recorrido concluísse (com alguma causticidade e ironia, é certo) haver um “problema de sotaque”, questionando a imparcialidade daquele órgão. Conclusão que, face ao concreto circunstancialismo contextual, se tem ainda assim por perfeitamente válida e legitima, e que se atém dentro dos limites daqueles que são os padrões deontologicamente aceitáveis no âmbito desportivo e as balizas da liberdade de expressão. AA. Certo é que, as declarações do Recorrido mais não traduzem do que uma opinião pessoal - de carácter subjectivo, é certo - mas ancorada em factos públicos, objectivos e verdadeiros que a fundamentam e legitimam, assim lhe retirando qualquer ilicitude disciplinar. BB. Classificar como vergonhosa ou parcial a actuação dos órgãos e instituições desportivas ligados à arbitragem desde que estribada em concretos factos que a sustentam e legitimam - como efectivamente acontece in casu! - não pode considerar-se uma opinião excessiva nem censurável. CC. Como não pode considerar-se desrespeitoso ou desonroso o apelo à transparência no futebol no que toca às decisões das instâncias visadas e suas consequências! DD. Em suma, a conduta do Recorrido não consubstanciou a prática de qualquer infracção disciplinar, seja porque nem sequer assumiu relevo típico, seja porque (embora típica) não chegou a ser ilícita, uma vez que realizada no exercício legítimo do direito fundamental à liberdade de expressão. EE. Por nenhuma responsabilidade disciplinar poder ser assacada ao aqui Recorrido, impõe-se, assim, julgar totalmente improcedente o recurso interposto pela Demandada, e, consequentemente, manter na íntegra o teor e sentido do decidido no acórdão recorrido. FF. Subsidiariamente, e caso este Tribunal ad quem entenda julgar procedente o recurso apresentado pela FPF, sempre se diga que a interpretação da norma prevista no art. 112.°-1 do Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional no sentido de que constitui uma lesão intolerável do direito à honra do visado a propalação de afirmações (escritas ou verbais) que contendam com as suas qualidades morais e pessoais, mesmo quando haja base factual suficiente que sustente tais imputações, é manifestamente inconstitucional por violação do conteúdo essencial do direito fundamental à liberdade de expressão da Recorrente (art. 37.° e 18.°, n.°s 2 e 3, da CRP). GG. Com efeito, o entendimento / interpretação do art. 112.°, n.° 1, do RDLPFP no sentido de que na verificação da comissão da infracção de “Lesão da honra e da reputação dos órgãos da estrutura desportiva e dos seus membros”, prevista naquele preceito, não interessará saber se existe ou não uma base factual que possa suportar ou justificar o uso de expressões difamatórias para com árbitros e outros agentes desportivos, devendo a eventual existência dessa base factual ser desconsiderada, configura uma compressão do núcleo essencial do direito à liberdade de expressão, proibida pelo art. 18.°, n.° 3, da Constituição, e representa assim uma restrição inconstitucional desse direito fundamental, violadora do artigo 37.°, n.° 1, da CRP. Termos em que se requer a V. Exas. se dignem negar provimento ao recurso interposto, mantendo-se na íntegra o acórdão absolutório recorrido, tudo com as devidas legais consequências, assim fazendo Vossas Excelências como sempre inteira e sã JUSTIÇA! * Notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º/1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, o Ministério Público emitiu parecer no sentido da procedência do recurso. * Com dispensa de vistos, atenta a sua natureza urgente, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos Juízes Desembargadores adjuntos, vem o processo à conferência para julgamento. II Sabendo-se que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do apelante, as questões que se encontram submetidas à apreciação deste tribunal de apelação consistem em determinar se o acórdão arbitral recorrido errou ao considerar que: a) O Recorrido agiu sem culpa; b) As declarações do Recorrido foram proferidas no âmbito do exercício legítimo da liberdade de expressão. III O acórdão recorrido deu como provados os seguintes factos: 1. No programa Universo Porto - da Bancada de dia 20/12/2023 - onde este assume as vestes de comentador desportivo, o Demandante declarou: “Há aqui um problema, certamente, de sotaque. Se alguém com o sotaque, que eu tenho, mais nortenho, que nós aqui temos, ousar dizer alguma coisa sobre arbitragem, há logo uma queixa da APAF e do Conselho de Arbitragem. Mas se, quem proferir críticas à arbitragem, tiver o sotaque de Lisboa, isso aí já não motiva, (...) V....... criticou severamente a arbitragem do árbitro J......., sem razão absolutamente nenhuma, ainda por cima, mas as críticas tem todo o direito a fazer as críticas que muito bem entende. E desta vez, nem a APAF nem o Conselho de Arbitragem apresentaram queixa. E o presidente da APAF...reparem neste título: APAF pede contenção a V........ e pondera apresentar queixa ao Conselho de Arbitragem...de Disciplina. Portanto, a APAF está naquele processo de ponderar se apresenta queixa...não sabemos quanto tempo demora esta ponderação da APAF. Se as coisas forem iguais para toda a gente, a APAF já devia ter apresentado a queixa. Não apresentou, já não estão a ser iguais para toda a gente. Não é que a mim me surpreenda... L........ há muito tempo que devia ter sido afastado da APAF, não nos podemos esquecer que ele está envolvido...ele é o protagonista de um escândalo de pedir bilhetes ao B…. Não nos podemos esquecer disso. Mas pelos vistos isso não é uma coisa muito importante para o tornar inelegível para representar os árbitros de futebol. Mas quando as críticas são de alguém do F…, vai logo queixa...logo queixa. Quando é do S…, quer o Conselho de Arbitragem, quer a APAF, ficam a ponderar. O Conselho de Arbitragem nem se sabe nada, mas a APAF disse que estava a ponderar. Isto só os envergonha a eles e só mostra como não são isentos nem imparciais”. 2. No dia 10 de Dezembro o Presidente da S… SAD, V......., teceu publicamente duras críticas à arbitragem do jogo disputado no dia 9, entre a S… SAD e a V… SAD, realizada por J........ 3. Entre o mais, afirmou o Presidente da S… SAD que "(...) J....... tem sido um árbitro que tem tido muita infelicidade com o S…Acho que hoje não há um sportinguista que não esteja traumatizado quando o vê. (...) Se fosse avaliado apenas pelos jogos do s… talvez fosse despromovido. Penso que tem sido muitas vezes infeliz... o s…tem tido muitas vezes azar com ele." 4. Tais declarações foram amplamente noticiadas e reproduzidas nos principais meios de comunicação desportiva, chegando inclusive a ser manchete dos jornais desportivos de maior relevo. 5. A título de exemplo, no jornal Record "(...) Insistindo neste ponto, o presidente dos leões sublinha que o H........ esteve, por isso, "condicionado” em Guimarães (...) acrescenta antes de acusar J....... de impedir o S… de ir para a ronda 14 numa posição confortável (...)”, cfr. doc.1 de fls.; 6. Não houve, ao menos até à data de transmissão do programa em apreço - dia 20.12.2023 -, qualquer notícia da apresentação de queixa por parte da APAF contra o Presidente da S…SAD ou, tampouco, notícia da abertura de procedimento disciplinar por parte dos organismos responsáveis. 7. O Demandante só tomou conhecimento de que o Conselho de Arbitragem da FPF havia afinal avançado com uma participação disciplinar visando tais factos cerca de 14 dias depois de comentar o assunto - sendo certo que, assim que tomou conhecimento o arguido postou na rede social tweet uma publicação dando conta disso mesmo. 8. A participação apresentada pelo CA acabou por ser arquivada através de deliberação proferida pelo Conselho de Disciplina, sem que tivesse havido sequer abertura de processo disciplinar. 9. As declarações do Presidente da S… SAD foram consideradas irrelevantes para efeitos disciplinares. IX.A - Dos factos dados como não provados: Os demais factos não resultaram provados, seja pelo que resulta do confronto com as declarações de fls., acervo documental e regras de experiência comum, e bem assim por se tratarem de meras alegações de direito ou conclusões, e assim sem qualquer relevo para o apuro meritório dos presentes autos. IV 1. Através da decisão de 24.1.2024 a Secção Profissional do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol aplicou ao ora Recorrido a sanção de suspensão de 50 dias e, acessoriamente, a sanção de multa no montante de € 8.160,00, pela prática de uma infração disciplinar p. e p. no artigo 136.º/1 e 3 do Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portugal, por referência ao disposto no artigo 112.º/1 do mesmo Regulamento, normas estas que têm o seguinte teor: «Artigo 112.º Lesão da honra e da reputação dos órgãos da estrutura desportiva e dos seus membros 1. O clube que use de expressões, desenhos, escritos ou gestos injuriosos, difamatórios ou grosseiros para com órgãos da Liga Portugal ou da FPF e respetivos membros, árbitros, dirigentes, clubes e demais agentes desportivos, nomeadamente em virtude do exercício das suas funções desportivas, assim como incite à prática de atos violentos, conflituosos ou de indisciplina, é punido com a sanção de multa de montante a fixar entre o mínimo de 75 UC e o máximo de 350 UC. (…) Artigo 136.º Lesão da honra e da reputação e denúncia caluniosa 1. Os dirigentes que pratiquem os factos previstos no n.º 1 do artigo 112.º contra órgãos da Liga Portugal ou da FPF respetivos membros, elementos da equipa de arbitragem, clubes, dirigentes, jogadores, demais agentes desportivos ou espectadores, são punidos com a sanção de suspensão a fixar entre o mínimo de um mês e o máximo de dois anos e, acessoriamente, com a sanção de multa de montante a fixar entre o mínimo de 50 UC e o máximo de 300 UC. (…) 3. Em caso de reincidência, os limites mínimo e máximo das sanções previstas nos números anteriores são elevados para o dobro. (…)». 2. A punição decidida pela Secção Profissional do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol decorreu de declarações prestadas pelo Recorrido e que no probatório são dadas a conhecer do seguinte modo: «1. No programa Universo Porto - da Bancada de dia 20/12/2023 - onde este assume as vestes de comentador desportivo, o Demandante declarou: “Há aqui um problema, certamente, de sotaque. Se alguém com o sotaque, que eu tenho, mais nortenho, que nós aqui temos, ousar dizer alguma coisa sobre arbitragem, há logo uma queixa da APAF e do Conselho de Arbitragem. Mas se, quem proferir críticas à arbitragem, tiver o sotaque de Lisboa, isso aí já não motiva, (...) V....... criticou severamente a arbitragem do árbitro J......., sem razão absolutamente nenhuma, ainda por cima, mas as críticas tem todo o direito a fazer as críticas que muito bem entende. E desta vez, nem a APAF nem o Conselho de Arbitragem apresentaram queixa. E o presidente da APAF...reparem neste título: APAF pede contenção a V........ e pondera apresentar queixa ao Conselho de Arbitragem...de Disciplina. Portanto, a APAF está naquele processo de ponderar se apresenta queixa...não sabemos quanto tempo demora esta ponderação da APAF. Se as coisas forem iguais para toda a gente, a APAF já devia ter apresentado a queixa. Não apresentou, já não estão a ser iguais para toda a gente. Não é que a mim me surpreenda... L........ há muito tempo que devia ter sido afastado da APAF, não nos podemos esquecer que ele está envolvido...ele é o protagonista de um escândalo de pedir bilhetes ao B…. Não nos podemos esquecer disso. Mas pelos vistos isso não é uma coisa muito importante para o tornar inelegível para representar os árbitros de futebol. Mas quando as críticas são de alguém do F…, vai logo queixa...logo queixa. Quando é do S…, quer o Conselho de Arbitragem, quer a APAF, ficam a ponderar. O Conselho de Arbitragem nem se sabe nada, mas a APAF disse que estava a ponderar. Isto só os envergonha a eles e só mostra como não são isentos nem imparciais”. 3. Apreciando-as, o acórdão arbitral considerou-as legítimas e por isso revogou a decisão disciplinar. Para assim decidir o tribunal arbitral teve em conta, ao nível da factualidade, e em especial, que «[n]o dia 10 de Dezembro o Presidente da S… SAD, V......., teceu publicamente duras críticas à arbitragem do jogo disputado no dia 9, entre a S… SAD e a V… SAD, realizada por J.......», tendo afirmado, entre o mais, que «(...) J....... tem sido um árbitro que tem tido muita infelicidade com o S…. Acho que hoje não há um sportinguista que não esteja traumatizado quando o vê. (...) Se fosse avaliado apenas pelos jogos do s…talvez fosse despromovido. Penso que tem sido muitas vezes infeliz... o s… tem tido muitas vezes azar com ele». Por outro lado, «[n]ão houve, ao menos até à data de transmissão do programa em apreço - dia 20.12.2023 -, qualquer notícia da apresentação de queixa por parte da APAF contra o Presidente da S… SAD ou, tampouco, notícia da abertura de procedimento disciplinar por parte dos organismos responsáveis», sendo que o ora Recorrido «só tomou conhecimento de que o Conselho de Arbitragem da FPF havia afinal avançado com uma participação disciplinar visando tais factos cerca de 14 dias depois de comentar o assunto - sendo certo que, assim que tomou conhecimento o arguido postou na rede social tweet uma publicação dando conta disso mesmo». Por fim, o tribunal arbitral teve ainda presente que «[a] participação apresentada pelo CA acabou por ser arquivada através de deliberação proferida pelo Conselho de Disciplina, sem que tivesse havido sequer abertura de processo disciplinar», na medida em que «[a]s declarações do Presidente da S… SAD foram consideradas irrelevantes para efeitos disciplinares». 4. Com esses pressupostos factuais o acórdão arbitral concluiu que o Recorrido «não agiu com a culpa exigida pelo tipo e, por outro, que se verifica uma duplicidade de critérios na atuação do órgão disciplinar que se afigura, pelo menos, excludente da ilicitude da atuação do Demandante uma vez que inculcou no mesmo a ideia de que as suas afirmações não seriam disciplinarmente censuráveis». Por outro lado, entendeu que, em relação ao Conselho de Arbitragem da Federação Portuguesa de Futebol – é o que está efetivamente em causa -, «é mister concluir que face ao concreto circunstancialismo em que foi assumida se tem por perfeitamente válida e legítima a mesma». 5. Relativamente ao primeiro fundamento, determinante da exclusão da ilicitude, não se acompanha o acórdão arbitral. No campo em apreciação um dirigente desportivo formará a sua consciência – a par de outros fatores, evidentemente – a partir da apreciação de um conjunto alargado de factos e das correspondentes decisões tomadas pelos órgãos competentes. Será esse binómio – referenciado a um período temporalmente significativo – que ajudará a formar a sua perceção do fenómeno futebolístico, no campo das valorações disciplinares mais fluidas. 6. Portanto, quando um agente desportivo – apreciado objetivamente à luz da posição do Recorrido – é confrontado com as declarações do Presidente de um clube adversário e a reação que pensou ter sido adotada pelo Conselho de Arbitragem da Federação Portuguesa de Futebol, não as toma como elementos da formação da sua consciência sobre a licitude ou ilicitude dos comportamentos que possa adotar. Ao invés, aprecia os factos novos à luz dos critérios que a sua consciência já formou em função de factos anteriores. 7. Portanto, os factos relativos às declarações do Presidente da S…, SAD, nada determinaram sobre a consciência da ilicitude por parte do Recorrido. Acionaram, sim, e apenas, o seu critério de justiça, numa perspetiva de necessidade de tratar igual o que merece tratamento igual. 8. No entanto, haverá ainda que determinar se as declarações do Recorrido devem integrar a prática do ilícito disciplinar pelo qual foi sancionado ou se, pelo contrário, devem considerar-se abrangidas pelo círculo protegido pela liberdade de expressão. 9. A liberdade de expressão mostra-se consagrada no artigo 37.º da Constituição da República Portuguesa, do qual resulta que todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, sem impedimentos nem discriminações. 10. Integrante do grupo dos direitos, liberdades e garantias, o direito à liberdade de expressão beneficia do regime do artigo 18.º, nos termos do qual «[o]s preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas». O que «significa que as normas de direitos, liberdades e garantias se aplicam “sem lei, contra a lei e em vez da lei”» (Jónatas Machado, Liberdade de Expressão, Interesse Público e Figuras Públicas e Equiparadas, Boletim da Faculdade de Direito, vol. LXXXV, 2009, p. 77). 11. A relevância da liberdade de expressão, enquanto pilar essencial das sociedades democráticas, é reconhecida internacionalmente, motivo pelo qual assume posição de destaque em diversos documentos internacionais. Exemplos disso são a Declaração Universal dos Direitos Humanos (artigo 19.º), a Convenção Europeia dos Direitos do Homem (artigo 10.º) e a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (artigo 11.º). 12. Não obstante a natureza de direito fundamental, a liberdade de expressão não se assume, evidentemente, como direito absoluto. Encontra-se, pois, submetida «à ideia básica (…) de que a protecção constitucional não abrange todas as situações, formas ou modos de exercício pensáveis de um direito, designadamente dos direitos de liberdade» (Vieira de Andrade, Liberdade de expressão e direitos das pessoas, O Direito e a Cooperação Ibérica, 2006, p. 143), exigindo-se, portanto, «[a] concordância prática com outros direitos, designadamente com os direitos pessoais» (Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição da República Portuguesa Anotada, tomo I, Coimbra Editora, p. 430), como é o caso do direito ao bom nome e reputação (cf. o artigo 26.º/1 da Constituição da República Portuguesa). Ao nível da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, «a questão parece pacificada, no sentido da liberdade de expressão não ser um valor preponderante face ao direito ao bom nome e à reputação» (Sofia David, Da liberdade de expressão dos agentes desportivos, à falta dela, Revista Eletrónica de Direito Público, vol. 8, n.º 1, abril de 2021, p. 175), pelo que, «ao adoptar tal perspectiva o STA afasta-se da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (…) sobre a liberdade de expressão» (loc. cit.). Ou seja, «[e]m casos de colisão entre a liberdade de expressão e o direito ao bom nome e à reputação, o TEDH tende a dar prevalência à liberdade de expressão» (op. cit., p. 194), embora essa prevalência seja afastada, nomeadamente, quando estão em causa atos de incitamento e relativos à prática de atos de violência, de racismo, de ódio, de xenofobia e de intolerância. 13. No âmbito das competições de futebol organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional a liberdade de expressão é convocada na medida em que, amiúde, é com ela que é efetuado o diálogo com determinados tipos de infração disciplinar. Ou seja, o preenchimento destes dependerá, nomeadamente, de se ter traçado o limite do exercício da liberdade de expressão aquém do que permitiria abranger a factualidade em causa. Identifica-se, por um isso, um balanceamento entre a liberdade de expressão e, nomeadamente, o direito à honra e à reputação, a que aludem as normas acionadas na decisão punitiva na origem do presente recurso. E esse balanceamento, ao nível da interpretação das normas disciplinares, terá de ser feito conforme à Constituição, como não poderia deixar de ser. E a montante também se assinala «a necessidade de se sintonizar a interpretação das normas constitucionais pelos tribunais nacionais de acordo com a jurisprudência europeia de direitos humanos (…) porque quer a CEDH quer o TEDH se colocam num plano materialmente constitucional, se não mesmo supra-constitucional» (Jónatas Machado, op. cit., p. 80). 14. A Recorrente, depois de lembrar que «[d]a leitura do tipo disciplinar subjudice, pelo qual o Recorrido foi condenado pelo Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol, é possível inferir, desde logo, que um dos bens jurídicos protegidos pelo mesmo é o direito “ao bom nome e reputação”», evidenciou que «para além da honra e do bom nome, este tipo disciplinar pretende salvaguardar, sobretudo, sublinhe-se, o bom e regular funcionamento da competição, procurando assegurar que os valores de respeito entre os adversários imperem e que, dessa forma, a credibilidade da competição, dos competidores e dos cargos desportivos não seja abalada por afirmações e declarações, insinuações ou juízos lesivos desses valores». 15. Concorda-se. Como assinala Sofia David (op. cit., p. 186), «devem ser penalizados os comportamentos relativamente aos quais as federações desportivas não podem ficar indiferentes, por tais comportamentos colidirem com as atribuições que lhes foram cometidas. Incluem-se nesta ideia todas as penalizações que se mostrem claramente essenciais para a garantia do respeito que é devido entre os agentes desportivos e entre estes e terceiros, ou que visem evitar e reprimir actos que ponham em causa os elementos essenciais e imprescindíveis para bom funcionamento das instituições desportivas». 16. Ao invés, já não se acompanha a Recorrente quando considera que «[a] interpretação literal das declarações proferidas, bem como o contexto em que as mesmas foram proferidas não deixam margem para dúvidas de que foram ultrapassados os limites da liberdade de expressão». Note-se, desde já, o seguinte: para a Recorrente «[a]s declarações sub judice não se limitam a propalar críticas objetivas à atuação do Conselho de Arbitragem da Recorrente, antes incute a ideia de que este atuou ao arrepio de critérios de objetividade e isenção (…)». Exatamente. E não pode? O Recorrido deu os factos e sobre eles fez incidir uma conclusão. 17. Lembrou bem o Recorrente as palavras de José Faria da Costa, segundo o qual «a imputação de factos ou a formulação de juízos desonrosos podem ser inequívocas, não apresentarem a mínima dúvida, ou podem estar encobertas pelo manto perverso e acutilante da suspeita. Ninguém desconhece que as formas mais destruidoras da honra e da consideração de outrem não são as que exprimem, de modo directo, factos ou juízos atentatórios da honra e da consideração. Qualquer aprendiz de maledicência e muito particularmente o senso comum sabem que a insinuação, as meias verdades, a suspeita, o inconclusivo são a maneira mais conseguida de ofender quem quer que seja», sendo que «mesmo que a insinuação se cubra de ironia isso não a torna imune ao preenchimento do tipo». No entanto, e ao contrário do que refere a Recorrente, o Recorrido não lançou «suspeitas de que a atuação dos agentes de arbitragem ou do Conselho de Arbitragem não é pautada ao abrigo dos valores da imparcialidade e da isenção». Fez mais do que isso: afirmou essa falta de imparcialidade e isenção. 18. Como refere João Tornada, in Liberdade de expressão ou “liberdade de ofender”? – o conflito entre a liberdade de expressão e de informação e o direito à honra e ao bom nome, O Direito, Ano 150.º (2018), I, p. 126, «a liberdade de expressão não protege apenas a veiculação (…) de opiniões sensatas. Os valores democráticos do pluralismo e da tolerância em relação à diversidade de personalidades dos cidadãos e, em alguns casos, à espontaneidade associada às suas ações, exigem que o Direito proteja tanto os estilos de comunicação mais racionais ou ponderados como os mais metafóricos e exacerbados». Portanto, o que se exige é apenas uma base factual mínima (ou suficiente) - recuperando terminologia que encontramos quer na jurisprudência nacional, quer na jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos - em que assente o juízo efetuado pelo declarante. Nesse caso o juízo – de natureza conclusivo – é formulado no âmbito do legítimo exercício do direito à crítica, que a liberdade de expressão protege. 19. E o Conselho de Arbitragem da Recorrente não estará, seguramente, a salvo desse direito à crítica. Aliás, a própria Recorrente reconhece que «[n]aturalmente que os agentes desportivos e os clubes por intermédio dos seus canais de comunicação, não estão impedidos de exprimir pública e abertamente o que pensam e sentem. Contudo, os mesmos estão adstritos a deveres de respeito e correção que os próprios aceitaram determinar e acatar mediante aprovação do RD e RC e do RPV da LPFP». E ainda: «Os agentes de arbitragem e os órgãos federativos não estão imunes à crítica, desde que a mesma seja objetiva e tenha uma base factual». 20. E não foi esse o caso? O Recorrido deu nota da situação relativa ao Presidente da S…, SAD, e da inércia que apontou a duas entidades que, na sua opinião, deveriam ter agido. Considerou, em paralelo, que tais entidades teriam atuado em situações relativas ao seu clube, face ao passado que invocou. Daí concluiu ter existido haver falta de isenção e imparcialidade. Como se disse, nem levantou qualquer suspeita. Factos e conclusões ficaram totalmente abrangidas no perímetro das declarações. Não se mostra, por isso, correto que a Recorrente afirme que «sem qualquer base factual concreta e real, ao proferir as declarações em crise, formulou juízos de valor lesivos da honra e reputação do Conselho de Arbitragem». 21. Por outro lado, nem se compreende o alcance da afirmação da Recorrente nos termos da qual «uma coisa é criticar o desempenho de um órgão, outra coisa é criticar as pessoas, designadamente o facto de aquela não cuidar de tomar as decisões, por forma a que presidam às mesmas critérios de imparcialidade e isenção. E declarações de tal índole não são já admissíveis, porquanto ultrapassam o mero exercício do direito à liberdade de [expressão], entrando no plano da ofensa à honra dos visados». Que pessoas? Que visados? O Recorrido criticou a atuação versus inércia da APAF – Associação Portuguesa de Árbitros de Futebol e do Conselho de Arbitragem da Recorrente. Não se vê, portanto, o relevo da dicotomia chamada à colação pela Recorrente, pois não será possível criticar a atuação de um órgão deixando imunes as pessoas que o integram, cuja vontade é elemento constitutivo da vontade do órgão. 22. De resto, nem se identifica, nas declarações do Recorrido, o motivo que possa justificar a alegação da Recorrente no sentido de que aquele «us[ou] de expressões manifesta e objetivamente grosseiras e ofensivas da honra e consideração, pois atingem a personalidade, experiência, idoneidade e seriedade dos visados, que integrem o Conselho de Arbitragem da FPF afetando igualmente a imagem e credibilidade das competições e aptas a fomentar fenómenos de violência desportiva». 23. A imparcialidade e a isenção da APAF – Associação Portuguesa de Árbitros de Futebol e do Conselho de Arbitragem da Recorrente não são qualidades congénitas. Exige-se que existam, mas carecem de ser demonstradas. E bem sabemos – todos – que onde estiver o homem estará, potencialmente, o infrator. Portanto, não tornemos inatas as virtudes daqueles ou de quaisquer outros órgãos. 24. Aceitemos, por isso, a crítica efetuada pelo Recorrido. Admitamos, fazendo uso das expressões da Recorrente, que o Recorrido coloque «em causa a imparcialidade do Conselho de Arbitragem da FPF, que atacam a sua equidistância, a sua neutralidade e a sua isenção». Desde que o faça, como fez, a partir, e como já se disse, de uma base factual mínima que permita compreender, objetivamente, o raciocínio, ainda que possamos não acompanhar a conclusão. Recorde-se, a propósito, que consta da matéria provada que «[n]ão houve, ao menos até à data de transmissão do programa em apreço - dia 20.12.2023 -, qualquer notícia da apresentação de queixa por parte da APAF contra o Presidente da S… SAD ou, tampouco, notícia da abertura de procedimento disciplinar por parte dos organismos responsáveis», e que o Recorrido «só tomou conhecimento de que o Conselho de Arbitragem da FPF havia afinal avançado com uma participação disciplinar visando tais factos cerca de 14 dias depois de comentar o assunto - sendo certo que, assim que tomou conhecimento o arguido postou na rede social tweet uma publicação dando conta disso mesmo». Existiu um erro, portanto, por parte do Recorrido. Mas «[d]o ponto de vista constitucional importa preservar uma margem razoável, inclusivamente, para a existência de erros honestos e de boa fé» (Jónatas Machado, op. cit., p. 95). 25. Em suma, julga-se que o Recorrido não formulou juízos de valor gratuitos. Moveu-se no âmbito do exercício legítimo do direito à crítica, enquanto manifestação do direito constitucional à liberdade de expressão. Ou seja, acompanha-se o Recorrido quando defende que «perante situações que tem por injustificáveis, o Recorrido possa pôr em causa o estrito cumprimento dos deveres de isenção e imparcialidade que sobre estes órgãos desportivos recaem». Independentemente de lhe assistir razão. 26. Finalmente, cabe referir que não se compreende a crítica que a Recorrente aponta ao acórdão arbitral, ao alegar que «o TAD apenas poderia alterar a sanção aplicada pelo Conselho de Disciplina da FPF se se demonstrasse a ocorrência de uma ilegalidade manifesta e grosseira - limites legais à discricionariedade da Administração Pública, neste caso, limite à atuação do Conselho de Disciplina da FPF. Não existindo tal violação da lei, o TAD não podia entrar em matéria reservada à Administração, julgando da conveniência ou oportunidade da sua decisão». 27. Na verdade, o acórdão arbitral considerou existir violação de lei, nada apreciando, evidentemente – por desnecessário -, quanto à graduação da pena. Não estavam em causa aspetos discricionários da decisão punitiva, o que torna injustificada a alegação da Recorrente de que «[e]m concreto não existia nenhuma violação manifesta e grosseira da lei que levasse à anulação da decisão por parte do TAD». V Em face do exposto, acordam os Juízes da Subsecção Social do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar o acórdão arbitral recorrido, com a fundamentação precedente. Custas pela Recorrente (artigo 527.º/1 e 2 do Código de Processo Civil). Lisboa, 15 de maio de 2025. Luís Borges Freitas (relator) Teresa Caiado Maria Helena Filipe |