Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:440/22.4BEBJA
Secção:CT
Data do Acordão:10/24/2024
Relator:VITAL LOPES
Descritores:CAU- ARTIGO 70º E 74º
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DE ACTO
VALOR ADUANEIRO
MÉTODO SUBSIDIÁRIO DE FIXAÇÃO DO VALOR ADUANEIROADUANEIRO
Sumário:I - A administração aduaneira, ao proferir as decisões está obrigada a respeitar o dever de fundamentação, para assegurar o direito de defesa do administrado e, dessa forma, assegurar a tutela jurisdicional efetiva.
II - Não está devidamente fundamentada a decisão proferida pela administração aduaneira, quando nessa decisão não resulta cabalmente explanada a motivação subjacente à existência de dúvidas fundadas, à não consideração dos elementos adicionais apresentados pelo administrado e ao motivo pelo qual foi tomada uma determinada opção em termos de método adotado, não sendo suficientes meras fórmulas conclusivas.
III - A falta de fundamentação só pode ser considerada como irregularidade não invalidante quando foi possível concluir, com a certeza exigível, que a decisão seria sempre a mesma, o que não ocorre quando nem se conseguem alcançar os pressupostos de base da atuação da administração.
a. Os critérios para fixar o valor aduaneiro de uma mercadoria (com vista à aplicação da pauta aduaneira comum), a que aludem os artigos 69º a 76º do CAU, tem entre si uma relação de subsidiariedade que importa respeitar, dando primazia ao método transacional com base no preço efetivamente pago (com ajustamentos positivos e/ou negativos), como imposto pelos artigos 70º a 74º do CAU.
IV - Mercê da relação de subsidiariedade, o valor não pode ser fixado com base numa disposição sem se justificar a impossibilidade, que tem de ser absoluta, de recurso à modalidade anterior. Assim, será ilícita a conduta da Autoridade Aduaneira quando utilize um método de último recurso sem justificar capazmente o abandono pelo método precedente, nomeadamente quando se apoie em estatísticas que considere fidedignas.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SUBSECÇÃO COMUM DA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL


I. RELATÓRIO

A Representação da Fazenda Pública, recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja que julgou procedente a impugnação judicial apresentada por Z… – COMÉRCIO E DISTRIBUIÇÃO, S.A., contra o acto de liquidação de direitos e outros encargos, no valor de EUR. 7.115,28 praticado pelo Sr. Chefe da Delegação Aduaneira de Sines no âmbito da declaração de importação n.º 2022PT00067060093296, de 06/01/2022.

Alega para tanto, conclusivamente, o seguinte:
«


















A Recorrida apresentou contra-alegações, que culmina com as seguintes conclusões:
«




















».

O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal emitiu mui douto parecer, rematando, em síntese conclusiva:
«
1) Na União Europeia predomina a regra da livre circulação de pessoas e mercadorias entre os países incluídos no espaço europeu. A liberdade e iniciativa individual, incluindo liberdade de comércio, é uma das regras básicas do mercado europeu. Por esse motivo, entre os países da EU foi eliminado o controlo fronteiriço e aduaneiro interno (no espaço europeu).

2) Todavia, a liberdade de comércio não é nem pode ser absoluta, especialmente no comércio externo, sob pena de causar graves distorções e perturbações no mercado interno, pois a atuação dos agentes económicos e financeiros encontram-se interligadas, como sabemos pelas experiências negativas das últimas crises económico-financeiras gerais e crises em setores particulares (calçado, têxteis, etc), facto que tem levado a frequentes intervenções do Estado para estabelecer princípio da equidade e evitar abusos e concorrência desleal.

3) Por esse motivo, quer a lei interna, quer as regras da União Europeia estabeleceram sistemas de vigilância de controle de entrada de mercadorias, vindas de países terceiros à Europa, no interesse de todos o espaço europeu, em especial na proteção das regras de concorrência do comércio e indústria interna, como no caso dos têxteis e vestuário (caso dos autos).

4) Dada à ausência de fronteiras no espaço europeu, houve necessidade de coordenação e adoção de regras comuns, com trocas de informações dos produtos entrados nos diversos postos aduaneiros com vista a uniformização de procedimentos e evitar dumping e outras perturbações no mercado (nomeadamente, protegendo a viabilidade económica dos produtores no espaço europeu, como o caso da importante indústria dos têxteis).

5) Conforme Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia proferido em 16.06.2016 no Processo C- 291/15 constitui fundamento para as dúvidas fundadas sempre que o preço se revele ser inferior a 50% do valor estatístico médio para a importação de mercadorias similares. No caso dos autos esse valor era de apenas a 39,60% do valor aduaneiro médio.

6) Ou seja, caso fosse permitido importar com total liberdade vestuário e têxteis a preços extremamente baixos (comparados com a média europeia), não há dúvida de que seria uma catástrofe económica e social para milhares de empresas e de famílias portuguesas, como acima vimos a importância deste setor económico social.

7) O sistema europeu AMT (com base nas trocas de informações de produtos e preços entre alfândegas da Europa) tem em vista, precisamente, detetar valores anormais das mercadorias e é usada para monitorizar os fluxos de comércio, relevantes para análises de inteligência e para identificar os alvos dos controles das autoridades aduaneiras dos Estados-Membros, melhorando a sua capacidade para detetar a subavaliação das mercadorias importadas.

8) Os códigos e números de referência dos produtos são adotadas por todos os países da UE, uniformizando, assim, a atuação das diversas alfândegas.

9) Não tendo possibilidade de recorrer a outros meios, no caso dos autos, foi através desse sistema AMT, que a AT detetou que os produtos apresentados pela impugnante estavam substancialmente subavaliados.

10) Nomeadamente, a recorrente AT identificou os valores AMT que se encontram expressamente indicados na referida informação, -“ valor declarado: 12 356,55€” e “valor proposto (base nos valores AMT): 31 200,00€, encontrando-se ainda indicadas, a taxa de direitos, a taxa de IVA, o montante dos direitos apurados pela “diferença” entre o valor declarado e o valor proposto, a base tributável do IVA e o montante de IVA calculado pela “diferença”.

11) No caso dos autos, a AT atuou em respeito pelas normas internas e europeias e a avaliação que efetuou está devidamente fundamentada (como acima dito, o valor declarado era de apenas 39,60% do valor médio AMT, o que justifica as “dúvidas fundadas”, conf Acórdão do TJUE de 16.06.2016 no Proc. C- 291/15).

12) Em consequência a douta sentença recorrida, ao descrever que a AT não fundamentou a liquidação, incorreu em erro de julgamento.

Pelo acima exposto, que descrevemos resumidamente, e pelos demais factos e fundamentos melhor descritos pormenorizadamente nas alegações e documentos juntos pela AT, com a qual concordamos, consideramos que o recurso deve ser julgado procedente, anulando-se a sentença recorrida, mantendo-se a liquidação da AT, nos seus precisos termos e com as consequências legais.».

Com dispensa dos vistos legais por simplicidade e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Assim, analisadas as conclusões das alegações do recurso, a questão que importa decidir reconduz-se a indagar se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento na apreciação que fez dos vícios formais e substantivos do acto impugnado.

***


III. FUNDAMENTAÇÃO
A) OS FACTOS

Na sentença recorrida deixou-se factualmente consignado:
«























































».

B.DE DIREITO

Sobre as questões colocadas presente no recurso e que se reconduz ao erro de julgamento da sentença quanto à falta de fundamentação e erro nos pressupostos da liquidação, já este Tribunal se pronunciou em inúmeros arestos, nomeadamente no ac. de 06/27/2024, tirado no proc.º 385/22.8BEBJA, em termos que não nos merecem qualquer reserva e passamos a transcrever, outrossim tendo em vista uma interpretação e aplicação uniformes do direito como preconizado no art.º 8.º, n.º 3 do Código Civil.

Como no citado aresto se deixou consignado, «Para a recorrente o ato posto em crise na impugnação está devidamente fundamentado, sob o ponto de vista formal e substancial (pressupostos de facto e legais), e é a partir daqui que ao longo das suas conclusões recursivas centra todo seu inconformismo com o decidido.

Para a recorrente o valor das mercadorias teria de ser calculado de acordo com o método subsidiário, tendo demonstrado os pressupostos para aplicação desse método subsidiário do valor transacional quanto ao cálculo do valor aduaneiro, face à impossibilidade de determinação do preço efectivamente pago.

A recorrente dissente da decisão recorrida quando entende que existe falta de fundamentação quer formal quer substancial, na medida em que também concluiu pelo erro nos pressupostos de facto

Distinguindo a dimensão formal e a dimensão substancial do dever de fundamentação, Vieira de Andrade explica que a diferença está “em que o dever formal se cumpre pela apresentação de pressupostos possíveis ou de motivos coerentes e credíveis; enquanto a fundamentação material exige a existência de pressupostos reais e de motivos correctos susceptíveis de suportarem uma decisão legítima quanto ao fundo”.
De facto, desde há vários anos, o Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a pronunciar-se no sentido de que
“[n]ão deve confundir-se a suficiência da fundamentação com a exatidão ou a validade substancial dos fundamentos invocados […]”, uma vez que “[a] fundamentação pode ser inexata e ser suficiente, por permitir entender quais os pressupostos de facto e de direito considerados pelo autor do ato” (v., designadamente, o Acórdão dos STA, de 11-11-2004, proc. n.º 1953/02) e, ainda assim, os fundamentos de base da decisão respaldarem-se em pressupostos de facto ou de direito incorrectos.

Ou seja, a falta de fundamentação substancial relaciona-se com o vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e legais, conforme avançamos.
O Tribunal
a quo entendeu que o ato padecia de falta de fundamentação e erro nos pressupostos de facto e direito, ou seja, falta de fundamentação formal e substancial/material.

O Tribunal andou bem ao decidir pela falta de fundamentação, o que é bastante para o recurso naufragar.

A questão colocada não é nova para este TCAS, tendo sido apreciada por este Tribunal em diversos acórdãos (de que são exemplo os Processos nºs 290/20.2BEBJA, 296/20.1BEBJA, 105/21.4BEBJA, 303/21 BEBJA, 323/21.5BEBJA, 404/21.5BEBJA, 87/22.5BEBJA) e decisões sumárias (vd., por exemplo, Processos nºs 237/20.6BEBJA, 240/20.5BEBJA, 298/20.8BEBJA, 302/20.0BEBJA, 312/20.7BEBJA), em situações como a trazida, na apreciação em toda a sua dimensão, da falta de fundamentação do ato como aquele que está em causa nestes autos, que opõe as mesmas partes.

Veja-se, a este respeito os acórdãos prolatados nos que sobre este assunto que, envolvendo as mesmas partes e a mesma questão, foi várias vezes chamado a dirimir.

Por aderirmos, sem reservas, à forma como vem sendo tratada esta questão, iremos seguir de perto a jurisprudência já aqui cristalizada.
Assim, louvando-nos do discurso fundamentador de um dos acórdãos recentemente proferidos por esta subseção, em tudo similar à situação trazida, designadamente o acórdão de 24.01.2024, proferido no proc. 303/21.0BEBJA, acima referido, diremos nós também, com as devidas adaptações o seguinte:
“(…) A questão controvertida respeita a direitos aduaneiros e IVA respetivo.
Como decorre do art.º 3.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária (LGT), ambos são tributos, sendo, por isso, aplicado este diploma legal ao respetivo procedimento, sem prejuízo, naturalmente, das especificidades que decorram do direito da União Europeia, nomeadamente do Código Aduaneiro da União [CAU – Regulamento (UE) n. ° 952/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de outubro de 2013] e respetivos atos delegados [cfr. designadamente o Regulamento Delegado (UE) 2015/2446 da Comissão, de 28 de julho de 2015] e de execução designadamente o Regulamento de Execução (UE) 2015/2447 da Comissão, de 24 de novembro de 2015] – cfr. art.º 1.º, n.º
1 da LGT.
Nos termos do art.º 1.º, n.º 1, do CAU, este “determina as normas e procedimentos gerais aplicáveis às mercadorias à entrada ou à retirada do território aduaneiro da União”, sendo, em termos de procedimento, aplicável a legislação nacional naquilo que não esteja especificamente regulamentado na legislação da União Europeia.
Do ponto de vista da fundamentação, não pode, pois, deixar de ser atentar nas exigências previstas no nosso ordenamento interno.
Assim, o dever de fundamentação dos atos administrativos em geral insere-se no princípio constitucionalmente consagrado, no art.º 268.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, nos termos do qual “os atos administrativos (…) carecem de fundamentação expressa e acessível quando afetem direitos ou interesses legalmente protegidos”.
Ao nível dos atos tributários, o dever de fundamentação formal encontra-se especificamente previsto no art.º 77.º da LGT, cujos n.ºs 1 e 2 determinam que:
“1 - A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.
2 - A fundamentação dos atos tributários pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”.
“A fundamentação deve consistir, no mínimo, numa sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito que motivaram a decisão…” para que o respetivo destinatário consiga perceber o iter cognoscitivo e para que, por outro lado, seja possível o controlo, quer administrativo, quer jurisdicional, do ato em causa. -cf. Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, 4.ª Edição, Encontro da Escrita, Lisboa, 2012, p. 676.
Deve ser, pois, clara, expressa, congruente e suficiente, de maneira a esclarecer inteiramente o seu destinatário, cumprindo, dessa forma, o desiderato constitucionalmente consagrado. Apliquemos estes conceitos ao caso dos autos.
Compulsada a factualidade assente, não impugnada [a menção ao erro de julgamento quanto à matéria de facto, constante de C) das conclusões, não configura qualquer impugnação da mesma, mas tão-só discordância face ao decidido pelo Tribunal a quo considerando os factos assentes], designadamente o primeiro pedido de informação adicional remetido à Impugnante, a informação proferida após o exercício do direito de audição e a notificação de cobrança, conclui-se que:

a) No documento referido em E) do probatório, é feita menção à existência de um valor estatístico médio da União Europeia para a importação de mercadorias similares, disponibilizado através de ferramenta de monitorização automática (descrita genericamente, na primeira das informações, como “tecnologia de informação que usa métodos estatísticos avançados, através de um algoritmo estatístico, para a deteção de padrões de fraude aduaneira”)

b) É indicada a existência de dúvidas fundadas que implicam a obtenção de informação adicional que justifique os valores transacionais extremamente baixos declarados;

c) São, nessa sequência, pedidos elementos adicionais para justificação de tal valor (provas adicionais)

d) Após a apresentação de elementos pela Impugnante, é proferida nova informação [cfr. facto G)], na qual a administração aduaneira refere que a documentação / informação apresentada não veio trazer qualquer esclarecimento adicional ou clarificar as dúvidas existentes, dado que os elementos apresentados não justificam o facto de o valor faturado das mercadorias importadas ser bastante baixo, em comparação com os valores de referência;

e) A administração concluiu que continuavam a persistir as dúvidas fundadas quanto ao valor aduaneiro declarado;

f) Nessa sequência, após uma menção meramente conclusiva a conceitos de direito (cfr. ponto 3.), é referido que “uma diferença de preço como a constatada parece ser suficiente para justificar as dúvidas da autoridade aduaneira e a rejeição por parte desta do valor aduaneiro declarado das mercadorias em causa”;

g) No ponto 7. da referida informação, a administração menciona que a informação facultada pela Impugnante não permite determinar o valor aduaneiro por aplicação das disposições relativas ao método do valor transacional e descreve os diversos métodos existentes, para, a final, afirmar que se aplica o método previsto no art.º 74.º, n.º 3, do CAU, como método de último recurso; h) Na sequência, e por referência ao concreto documento de importação, refere-se:
a. “Algumas das mercadoras importadas têm um preço de aquisição unitário por quilograma mais baixo, relativamente aos preços médios declarados para o mesmo tipo de mercadorias, no território nacional, nos últimos 6 meses”;
b. Não são exequíveis os métodos referidos nas als. a) a c) do n.º 2 do art.º 74.º do CAU, por inexistir possibilidade de aceder às caraterísticas das mercadorias importadas, referindo-se, ainda, que a descrição dos itens das faturas é demasiado genérica;
c. O método previsto no art.º 74.º, n.º 2, al. d), do CAU não pode ser utilizado, porque não há possibilidade de apurar os custos das matérias-primas e das operações de fabrico, utilizadas para produzir na China as mercadorias importadas;
d. Conclui com um projeto de liquidação e com o valor da garantia a prestar;
i) A Impugnante foi notificada para se pronunciar, o que fez;

j) Foi emitida a notificação de cobrança, na qual se refere que, face à informação complementar prestada pela Impugnante, se mantêm as fundadas dúvidas sobre o valor aduaneiro declarado, concluindo-se, como na informação precedente, pela aplicação do método previsto no art.º 74.º, n.º 3, do CAU e novamente reafirmando-se o valor de liquidação e de garantia.

Considera a Recorrente que, quanto ao valor anormalmente baixo, tal fundamentação foi dada a conhecer à Recorrida, como decorre dos ofícios e decisão proferida [cfr. factos E), G) e N) do probatório.

O Tribunal a quo entendeu que a mera remissão para a fonte dos dados é insuficiente, sendo um juízo meramente conclusivo.
E, de facto, assim é.

Com efeito, compulsados todos os elementos juntos aos autos, verifica-se que a administração aduaneira se limita a fazer reiteradamente uma menção a valores estatísticos médios, que nunca densifica se não em termos de valor final global, ficando por perceber quais os elementos concretos e específicos de confronto, a amostragem considerada (se é que foi feita alguma amostragem) e por que motivo conclui como concluiu. Não nos estamos a referir ao cálculo final, que está claramente efetuado, mas sim nas premissas que o sustentaram, carecendo, pois, de pertinência o referido nas conclusões J) e K).
Por outro lado, entende a Recorrente que se encontra devidamente explanada a motivação pela qual as explicações e os documentos apresentados pela Recorrida não foram suficientes para afastar as dúvidas.
Sem razão.

Com efeito, a posição da administração surge de forma que nos parece claramente conclusiva. Não se consegue perceber por que motivo as explicações e os documentos apresentados são insuficientes, na medida em que não está expressa qualquer análise dos mesmos.

O exercício do direito de audição, quando traz ao procedimento novos elementos de facto ou de direito, como in casu, carece necessariamente de ser apreciado, apartando-os ou acolhendo-os. Daí que o art.º 60.º, n.º 7, da LGT, aplicável in casu, que respeita ao dever de fundamentação, ainda que sistematicamente esteja inserido em disposição legal atinente ao princípio da participação, refira expressamente que “[o]s elementos novos suscitados na audição dos contribuintes são tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão”.

E, naturalmente, essa tomada em consideração dos elementos apresentados pelo administrado tem de estar vertida na fundamentação do ato.
Apenas dessa forma o dever de fundamentação se pode considerar cabalmente cumprido.

Este dever não é uma mera formalidade a se; é por respeito ao mesmo que se deve sustentar de forma cabal a posição da administração para, dessa forma, levar ao conhecimento do administrado os fundamentos de facto e de direito que a suportaram na sua decisão.

Apenas o cumprimento deste dever assegura o adequado exercício do direito de defesa [princípio geral do direito da União Europeia – cfr., v.g., os Acórdãos do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) de 18.12.2008, Sopropé, C-349/07, EU:C:2008:746, n.ºs 36 a 38, e de 09.11.2017, Ispas, C-298/16, EU:C:2017:843, n.º 26] por parte do administrado (incluindo o de impugnação judicial), sendo fundamental para assegurar a tutela jurisdicional efetiva, garantida pela nossa lei fundamental, no seu art.º 20.º.
Não se põe em causa que pudessem subsistir dúvidas fundadas à administração. No entanto, essa subsistência tem de estar fundamentada. Ora, tal não sucede nos autos, dado que a administração se quedou, como referido, por fórmulas conclusivas, vazias de contudo.

Assistia à administração o dever de esclarecer por que motivos os elementos juntos pela ora Recorrida não eram suficientes. E tal não ocorreu.

Entende ainda a Recorrente, quanto à questão do método secundário que veio a ser adotado, que está perfeitamente esclarecida a opção tomada, na medida em que é convocada a impossibilidade de aceder às caraterísticas das mercadorias e o facto de a descrição das faturas ser demasiado genérica. Ora, neste caso, a administração limita-se a elencar os diversos métodos e a concluir, sem o detalhe exigível, pela impossibilidade de não se aceder às caraterísticas das mercadorias e ao facto de haver uma descrição muito genérica das faturas, não explicando por que motivo os elementos apresentados pela Impugnante, designadamente as fichas técnicas das mercadorias importadas, não respondem ou não permitem ultrapassar as alegadas limitações.
Logo, a fundamentação usada não permite sustentar a rejeição do método do valor transacional.

Alega ainda a Recorrente que existem regras próprias em matéria de direito de audição.

Ora, in casu, tal não se põe em causa.
Com efeito, o art.º 22.º, n.º 6, do CAU (aplicável ex vi art.º 29.º do CAU) faz menção à obrigatoriedade de as autoridades aduaneiras ouvirem o requerente antes da decisão que pretendem tomar [cfr. igualmente o art.º 8.º do Regulamento de Execução (UE) 2015/2447 e o art.º 8.º do Regulamento Delegado (UE) 2015/2446, ambos já referidos supra].
Ora, a decisão recorrida não vai no sentido de não ter sido ouvido o administrado. Vai, sim, no sentido de tal exercício não ter sido minimamente analisado (ou pelo menos externada essa análise), razão pela qual é convocado o disposto no art.º 60.º, n.º 7, da LGT [cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 28-11-2019 - Processo: 9032/15.3BCLSB]. Aliás, veja-se que o próprio n.º 3 do art.º 8.º do Regulamento de Execução (UE) 2015/2447 da Comissão, de 24 de novembro de 2015, vai no sentido de ser registada a posição do administrado tomada na sequência da sua audição, sendo que, tratando-se de procedimento decisório, é para nós exigência consentânea com essa menção a explicação em torno do afastamento dos argumentos, de facto ou de direito, esgrimidos. Ou seja, a questão é que, como aliás já referido anteriormente, os elementos trazidos pelo administrado em sede de exercício de audição foram, ad limine, afastados, sem mais. Não há, como referimos, qualquer fundamentação a este respeito.
Finalmente, carece de razão a Recorrente, quanto ao referido nas conclusões X) a DD), onde, no fundo, se apela à teoria do aproveitamento do ato.
Sendo certo que a chamada teoria do aproveitamento do ato (há muito acolhida entre a doutrina e a jurisprudência) encontra consagração no art.º 163.º, n.º 5, do Código do Procedimento Administrativo, não se pode afirmar perentoriamente, in casu, que o conteúdo do ato não pudesse ser outro.
Ora, a inoperância da força invalidante do vício que inquina o ato, em virtude da preponderância do conteúdo sobre a forma, só ocorre se se puder afirmar inequivocamente que o ato só podia ter o conteúdo que teve em concreto. Assim, nestes casos, a invalidade não é operante, em virtude da conformidade substancial do ato praticado.
Neste sentido, aponta a jurisprudência do TJUE, segundo a qual a violação dos direitos de defesa, em particular do direito de ser ouvido, só implica a anulação da decisão tomada no termo do procedimento administrativo em causa se, na inexistência dessa irregularidade, o procedimento pudesse conduzir a um resultado diferente (cfr. os Acórdãos de 14.02.1990, França/Comissão, C-301/87, EU:C:1990:67; de 05.10.2000, Alemanha/Comissão, C-288/96, EU:C:2000:537, de 01.10.2009, Foshan Shunde Yongjian Housewares & Hardware/Conselho, C-141/08 P, EU:C:2009:598, de 10.09.2013, PPU - G. e R., C-383/13, EU:C:2013:553, de 03.07.2014, Kamino International Logistics e Datema Hellmann Worldwide Logistics, C-129/13 e C-130/13, EU:C:2014:94).
A verdade é que, in casu, não se consegue, na concreta circunstância da causa, concluir com a certeza exigível que a decisão seria sempre a mesma, justamente por nem se conseguir alcançar os pressupostos de base da atuação da administração, nos termos já expressos supra.
Como tal, não assiste razão à Recorrente. (…)”.

Também na situação trazida ocorre falta de fundamentação do ato, o que é bastante para com segurança se concluir pelo acerto do decidido em primeira instância que do mesmo modo entendeu quanto à falta de fundamentação.


Além disso, bem andou a decisão recorrida ao entender que andou mal a impugnada quando não conseguiu explicitar o recurso ao método subsidiário no cálculo do
valor aduaneiro o que inquina o ato nos seus pressupostos.

A este respeito disse-se em jeito conclusivo no acórdão deste TCAS de 07.06.2018, processo nº 2199/13.7BELRS, que:
b) A utilização do método do último recurso na determinação do valor aduaneiro das mercadorias em causa foi ilegal, quer por não ter sido demostrada e justificada a impossibilidade da sua determinação pelo valor transacional previsto no art.º 29.º do CAC, quer porque o abandono dos métodos sequenciais e substitutivos do n.º 2 do art.º 30.º, do mesmo diploma, se baseou numa mera impossibilidade abstrata sem apoio em factos que evidenciassem uma impossibilidade concreta de utilização de tais métodos”.

Explicitando aquele aresto que:
“d) Dada a sua natureza, os dados estatísticos obtidos a partir da AMT são imprestáveis para a determinação do valor aduaneiro de uma mercadoria, por a sua utilização estar impedida pelo disposto no artigo 31.º, n.º 2, al. g), do CAC.
e) Outros tipos de dados estatísticos podem ser utilizados na determinação do valor aduaneiro através do método do último recurso, desde que não seja possível fixá-lo através do valor transacional da mercadoria nem pelos métodos substitutivos e sequencias precedentes, sempre que este valor seja considerado desproporcionadamente baixo, mas só depois do importador não ter fornecido elementos de prova ou informações adicionais, quando solicitado para tal, que demonstrem a exatidão do valor transacional das mercadorias.”

Com efeito, os critérios para fixar o valor aduaneiro de uma mercadoria (com vista à aplicação da pauta aduaneira comum), a que aludem os artigos 69º a 76º do CAU, tem entre si uma relação de subsidiariedade que importa respeitar, dando primazia ao método transacional com base no preço efetivamente pago (com ajustamentos positivos e/ou negativos), como decorre dos artigos 70º a 74º do CAU.
Não sendo possível fixar-se o
valor nos termos anteriores, o CAU, no artigo 74º, estabelece métodos secundários ou de substituição que devem ser usados pela ordem a seguir elencada:

- Método do
valor transacional de mercadorias idênticas (nº 2 al. a))
- Método do
valor transacional de mercadorias similares (nº 2 al. b))
- Método do
valor baseado no preço unitário (nº 2 al. c))
- Método do
valor calculado (nº 2 al. d))

Mercê da relação de subsidiariedade, o
valor não pode ser fixado com base numa disposição sem se justificar a impossibilidade, que tem de ser absoluta, de recurso à modalidade anterior.

Deste modo, será ilícita a conduta da Autoridade Aduaneira quando utilize um método de último recurso sem justificar capazmente o abandono pelo método precedente, nomeadamente quando se apoie em estatísticas que considere fidedignas.

Na situação colocada apoiou-se a entidade recorrente num valor calculado, entendendo que o valor faturado das mercadorias importadas se encontrava bastante baixo em comparação com os valores estatísticos médios da União Europeia para as mercadorias em causa (valores THESEUS), sem esclarecer como afastou os métodos antecedentes, desviando-se do disposto nos artigos 70º a 74º do CAU, ao utilizar métodos estatísticos.

Volvidos aqui, vista a situação trazida à luz dos acórdãos citados, dada semelhança ao caso em apreço e por economia de meios, visando a interpretação e aplicação uniforme do direito (cf. art. 8.º n.º 3 do Código Civil), abrigando-nos na argumentação jurídica aduzida no acórdão deste Tribunal de 24.01.2024, proferido no proc. 303/21.0BEBJA, acima transcrita, também nós concluímos que, na situação colocada, pelo ali decidido e no mais que explanamos, não assiste razão o que determina a improcedência do recurso, mantendo-se a decisão recorrida».


Com a fundamentação indicada é, pois, de negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida, na improcedência dos vícios que lhe são assacados pela Recorrente.






IV. DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas a cargo da Recorrente.

Lisboa, 24 de Outubro de 2024


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Vital Lopes



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Margarida Reis



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Maria da Luz Cardoso