Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:233/15.5BEBJA
Secção:CA
Data do Acordão:09/22/2022
Relator:ALDA NUNES
Descritores:EXECUÇÃO PARA PAGAMENTO DE QUANTIA CERTA
TÍTULO EXECUTIVO
MÁ FÉ
Sumário:I - o documento dado à execução consiste num termo de transação extrajudicial em que o devedor reconhece a dívida, aceita pagá-la e assina o documento, conferindo-lhe exequibilidade nos termos do art 46º, nº 1, al c) do CPC de 1961, na redação dada pelo DL nº 329-A/95, de 12.12.
II - a certeza, a exigibilidade e a liquidez resultam do título executivo, não podendo o recorrente discutir na execução a relação jurídica de direito material.
III - a oposição do executado alicerçada no desconhecimento do exequente, da obra e da dívida é ostensivamente improcedente e atentória dos deveres de boa-fé porque se deve pautar a sua conduta.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

Relatório
Município do Alandroal recorre da sentença proferida pelo TAF de Beja que decidiu pela procedência da ação executiva para pagamento de quantia certa, que lhe foi movida pela E… – Sociedade de Construção Civil e Obras Públicas, Lda, condenando-o no pagamento à exequente do montante de €: 40.000,00, acrescido de juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal aplicável e ainda, como litigante de má fé, em multa que fixou em 2UC.
O recorrente concluiu as respetivas alegações de recurso do modo seguinte:
1.ª O presente recurso vem interposto do douto Acórdão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, de 7 de dezembro de 2016, que condenou o Executado no pagamento do montante de € 40.000,00, acrescido de juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal aplicável (…) e como litigante de má fé, condenando-o em multa que se fixa em 2UC.
2.ª É esta a Decisão com a qual o Recorrente não se pode conformar.
3.ª Considerou o douto tribunal a quo (vide fls. 15) que “as partes visaram, efetivamente, celebrar um contrato de transação extrajudicial, o qual não deixa de produzir os seus efeitos por não ter sido homologado”.
4.ª O douto Tribunal a quo não podia decidir desta forma, pois a «transação» ocorreu no âmbito de um procedimento de injunção (vide o cabeçalho «Termo de Transação – Injunção n.º 330475/09.7YIPRT» e que o tribunal oculta nos factos provados !!!).
5.ª Injunção na qual foi aposta fórmula executória que culminou num processo executivo intentado pelo Exequente junto do Tribunal Judicial de Redondo e no qual o aqui recorrente foi absolvido, e em consequência, foi tal ação executiva arquivada.
6.ª Para tanto, ao contrário do que o douto Tribunal a quo sentenciou, se as partes tivessem pretendido a celebração de um acordo de pagamento extrajudicial ou preventivo, claro está que jamais o Exequente teria executado uma injunção ao invés do tal acordo de pagamento.
7.ª Jamais a decisão condenatória do douto Tribunal a quo pode proceder, pois como pode o tribunal decidir por algo que nunca foi acordado.
8.ª Como pode também o tribunal a quo abstrair-se do facto do aqui Recorrente ter dado sem efeito, por resolução unilateral, o «termo de transação» e todas as suas vicissitudes, como sejam a falta de assinatura de uma das partes (Exequente) e a falta de aceitação e recebimento de tal documento por parte do Executado!!!
9.ª Jamais o documento apresentado pelo Exequente nos presentes autos pode ser considerado um título executivo.
10.ª O Exequente nunca poderia recorrer ao presente processo executivo, pois o documento apresentado a juízo – «Termo de Transação» - é inexistente, inexigível e inexequível.
11.ª É inequívoco que andou mal o douto tribunal a quo na sua decisão, pois inequivocamente o «termo de transação» apresentado a juízo não é um título executivo, não tem força executiva, sendo portanto, inexistente, inexigível, inexequível, inválido e ineficaz.
12.ª Os presentes autos são um verdadeiro compêndio de tudo o que não produz efeitos e não pode ser considerado no direito administrativo, mormente no âmbito do direito público – autarquias locais.
13.ª Só o douto Tribunal a quo o entende ao contrário, pois decidiu e mal, que a dívida nos presentes autos é líquida, certa e exigível e estaria sustentada num título executivo!
14.ª Jamais, o Executado reconheceu o valor em divida ao Exequente, tal como o admite o douto Tribunal a quo (vide pg. 19).
15.ª O Executado sempre alegou e demonstrou nos presentes autos que nenhum serviço lhe foi prestado pelo Exequente no âmbito da sua atividade pública ou administrativa.
16.ª Nenhuma obra referente ao “Loteamento Habitacional na Tapada do Cochicho” foi contratualizada com a Exequente, consignada e/ou recebida.
17.ª É inexigível ao Executado a obrigação exequenda, por inexistente, que o Exequente pretende ver cumprida.
18.ª O Executado sempre referiu que, no POCAL (Plano Oficial de Contabilidade das Autarquias Locais) e na Seção Administrativa de Registo de Expediente, nunca existiu qualquer registo de faturas da Exequente, que pudessem substanciar uma dívida, quanto mais um processo executivo.
19.ª Nem nunca poderiam existir, pois para além de também o Exequente não se encontrar sequer registado em qualquer serviço e/ou plano oficial do Executado, a verdade é que, também não existiu qualquer procedimento concursal para a contratação dos serviços a prestar na obra em causa, que o Exequente diz ter realizado.
20.ª Ao contrário do decidido pelo douto Tribunal a quo, além da inexistência do título, também a obra em causa é completamente desconhecida, por inexistente, pelo Executado, nunca tendo sido contratualizada, caucionada, consignada, acompanhada, fiscalizada, vistoriada e recebida pelo Executado.
21.ª Inclusivamente, até a Exequente – enquanto entidade adjudicatária - é completamente desconhecida do Executado, pois que nenhum procedimento concursal previsto no Decreto-Lei n.º 197/99, de 8 de junho (estabelece o regime de realização de despesas públicas com locação e aquisição de bens e serviços) ocorreu.
22.ª Não poderia o douto Tribunal a quo decidir como decidiu, em sentido contrário a toda a legislação vigente concernente ao direito administrativo público.
23.ª Assiste pois ao Executado o direito de não se conformar com o douto acórdão e recusar o pagamento da quantia exequenda, pois não existe qualquer tipo de obrigação certa, líquida e exigível que lhe possa ser exigida.
24.ª Da prova carreada para os autos e da prova produzida não podia o douto Tribunal a quo alicerçar a sua convicção e motivação da forma que concluiu, pois a dívida exequenda, bem como, o título que supostamente a sustenta, é também inexistente, inexigível, inexequível, inválido e ineficaz.
25.ª E por isso entendemos que o douto acórdão recorrido tem pois que ser revogado por ter sido incorretamente julgado.
26.ª Como também demonstrado, o Recorrente não agiu de má-fé nos presentes autos.
27.ª O Recorrente nunca aceitou, e por isso, o resolveu, o documento «Termo de Transação», que nenhum valor ou eficácia lhe atribuiu, tendo-o comunicado ao Exequente.
28.ª No caso “sub judicie” o douto Tribunal a quo ignora uma decisão judicial transitada em julgado e condenou o Executado/Recorrente no pagamento de uma dívida inexistente, sem fundamento legal e carenciada de título executivo válido.
29.ª Pelo exposto, e em conclusão, resulta claro que dos presentes autos advêm graves prejuízos para o Executado e que o mesmo, em defesa dos interesses dos seus munícipes e do interesse público, jamais pode aceitar uma decisão condenatória nos presentes autos.
30.ª E por tudo isto, entendemos que o douto acórdão recorrido tem pois que ser revogado, e em consequência, absolvido o aqui recorrente.
Nestes termos … deve o Acórdão Recorrido ser revogado, e em consequência, ser o Recorrente, absolvido do pagamento do montante de € 40.000,00, acrescido de juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal aplicável e do pagamento da multa de 2UC como litigante de má-fé, com todas as demais consequências legais

A exequente contra-alegou o recurso e concluiu:
A) Bem andou a sentença recorrida ao condenar o Recorrente no pagamento do montante de € 40.000,00, acrescido de juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal aplicável e como litigante de má-fé, condenando-o em multa que se fixa em 2 UC;
B) A defesa do Recorrente esbarra frontalmente com o facto de o termo de transação que serve de título executivo nos presentes autos se encontrar assinado pelo legal representante do Recorrente à data dos factos;
C) O Recorrente não impugna a assinatura aposta ao termo de transação que aqui serve de título executivo, não nega que a mesma tenha provindo do seu então Presidente da Câmara Municipal nem sequer alega que tal termo de transação esteja ferido por qualquer vício da vontade ou da declaração ou de qualquer outra ilegalidade;
D) Tão-pouco alega o Recorrente que o seu Presidente da Câmara Municipal à data dos factos não tivesse poderes para assinar tal termo de transação, alegação que, em todo o caso, seria manifestamente improcedente por estarem em causa trabalhos de valor inferior a € 50.000,00, para os quais não era necessária contratação por forma escrita (cfr. al. a) do nº 1 do artigo 4º e da al. a) do nº 1 do artigo 59º do Decreto-Lei nº 197/99, de 8 de junho, vigentes à data) e por a competência para este efeito ser do presidente da câmara, nos termos da al g) do nº 2 do artigo 68º da Lei nº 169/99, de 18 de setembro, vigente à data;
E) Não obstante tudo o referido, o Recorrente tem o desplante de afirmar que nunca deu o seu acordo ao termo de transação em causa, perpetuando aqui a atitude de total desresponsabilização — e, porque não dizê-lo, de verdadeira indecência — que gerou o presente litígio e, já nele, motivou a condenação do Recorrente como litigante de má-fé;
F) A Recorrida, de sua parte, não só executou nos presentes autos o termo de transação como ainda, não obstante não tivesse de o fazer, não se coibiu, na réplica, de juntar o comprovativo da realização dos trabalhos que constituem causa do termo de transação assinado, que realizou em 2008 (há quase 10 anos) e nunca foram pagos pelo Recorrente;
G) Como decidiu, e bem, o Tribunal a quo, o título executivo é um termo de transação extrajudicial, porque foi celebrado fora de um qualquer processo judicial e porque visou conformar a relação jurídica material entre as partes e não extinguir qualquer processo judicial específico;
H) O facto de tal termo de transação ter sido celebrado na sequência de um requerimento de injunção ao qual foi aposta 'fórmula executória não põe em causa a sua natureza extrajudicial, não só porque o processo de injunção estava findo, mas também porque, como é reconhecido na jurisprudência, tal processo só assume natureza judicial após a dedução de oposição pelo devedor, o que neste caso nem sequer aconteceu;
I) O termo de transação foi de igual modo celebrado fora do processo executivo do requerimento de injunção ao qual foi aposta fórmula executória, para o qual o Recorrente nessa data nem sequer tinha sido citado à data de outorga do termo de transação e que nem vem mencionado no termo, para além de que, visando o termo de transação produzir um efeito declarativo, conformando a relação jurídica entre as partes, pouco sentido faria que visasse pôr termo a uma ação executiva;
J) Em todo o caso, falha-se em perceber a insistência do Recorrente neste ponto, pois a hipotética qualificação da transação como judicial não poria em causa a validade e a exequibilidade do acordo assinado, pois um acordo transacional é um contrato que produz efeitos imediatos quanto à composição do litígio entre as partes, confinando-se a subsequente intervenção do juiz a um mero controlo da validade extrínseca do negócio;
K) Pelo que o acordo em causa seria sempre válido e exequível por si mesmo, para além de que o Recorrente poderia invocar nos presentes autos os mesmíssimos fundamentos que permitiriam pugnar por uma não homologação do acordo transacional pelo tribunal no próprio processo, designadamente pondo em causa a sua validade, o que aqui não logra fazer;
L) É, da mesma forma, absolutamente irrelevante para aferir da validade do título executivo o facto de o processo executivo intentado na sequência da aposição de fórmula executória ao requerimento de injunção ter sido extinto por incompetência material, dado que, para além de tal decisão produzir mero caso julgado formal, não tendo efeitos fora do processo em que foi proferida, é entendimento unânime da jurisprudência administrativa que é possível o recurso à injunção para a cobrança de dívidas de entidades públicas, pelo que o acordo de transação em apreço nunca estaria beliscado no que toca à validade do processo que o precedeu (o de injunção);
M) É outrossim irrelevante a putativa não entrega pela Recorrida do termo de transação assinado (facto que, em todo o caso, se impugnou), porque o termo de transação foi assinado pelas duas partes — e primeiro pelo Recorrente — e consubstanciou um documento cristalizador ou confirmativo do acordo alcançado pelas partes, como facilmente se lobriga pelo seu texto;
N) Para além de que, como afirmou o Tribunal a quo, tal facto nunca seria fundamento para retirar a validade e exequibilidade do título executivo, posto que a alínea c) do nº 1 do artigo 46º do CPC vigente à data dos factos exige — tão-só e apenas — a assinatura do devedor e não do credor;
O) Por outro lado, como reconheceu o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA) de 25.03.2015 (proc. Nº 0374/14), … proferido em sede de recurso de revista excecional, não existe qualquer prazo de caducidade para o acionamento de títulos executivos que não sejam sentenças, não sendo, designadamente, aplicável o prazo de 6 meses previsto no nº 2 do artigo 170º do CPTA para a execução de sentenças;
P) A comunicação do Recorrente de que o acordo de pagamento ficava "sem efeito" jamais poderia produzir um efeito destrutivo do termo de transação nessa data já celebrado, válido e eficaz, quanto mais não seja porque, como assinalou a sentença recorrida, daí não se poderia nunca inferir uma resolução unilateral do acordo, por o Recorrente não invocar qualquer fundamento de interesse público ou incumprimento do cocontratante que justificasse uma tal resolução, que não é outrossim declarada;
Q) Não procede, por fim, a invocação que de a dívida em causa não foi inscrita no plano oficial ou documento contabilístico do Recorrente, sabendo-se que o Plano Oficial de Contabilidade das Autarquias Locais (POCAL) é um plano dirigido às autarquias locais, que rege a sua contabilidade interna e não produz efeitos nas relações jurídicas com terceiros;
R) De resto, seria absolutamente contraditório que o Recorrente se pudesse desresponsabilizar pela omissão de um ato que deveria praticar, qual fosse o registo de uma despesa por si assumida (sendo certo que não é aplicável ao caso dos autos, dada a data do termo de transação, a lei dos compromissos);
S) O título executivo é assim, plenamente válido e exequível, e a dívida exequenda exigível, sendo o recurso manifestamente improcedente;
T) Pelo acima exposto, a única decisão possível, em consonância com a lei, será a de considerar improcedente o presente recurso, e por conseguinte manter a douta sentença de que se recorre.
NESTES TERMOS … deve o presente recurso ser julgado improcedente, por não provado, e mantida a decisão recorrida.

O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste TCAS, notificado nos termos e para efeitos do art 146º, nº 1 do CTA, não emitiu parecer.

Com dispensa dos vistos, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à conferência para julgamento.

Objeto do processo:
As questões suscitadas pelo recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respetivas conclusões, traduzem-se em saber e decidir se a sentença recorrida padece de:
i) Erro de julgamento de direito, sobre a existência e exequibilidade do título executivo,
ii) Erro de julgamento de direito na condenação do recorrente como litigante de má fé.

Fundamentação de Facto:
A sentença recorrida deu como provada a seguinte factualidade

A) A Exequente emitiu em nome do Município Executado as seguintes faturas:

(i) Fatura n.º 0091, datada de 03/01/2008, referente ao loteamento habitacional “Tapada do C…”, conforme auto de medição n.º 1, no valor de € 4.932,90;

(ii) Fatura n.º 0092, datada de 07/01/2008, referente ao loteamento habitacional “Tapada do C…”, conforme auto de medição n.º 2, no valor de € 4.986,45;

(iii) Fatura n.º 0093, datada de 11/01/2008, referente ao loteamento habitacional “Tapada do C…”, conforme auto de medição n.º 3, no valor de € 4.992,75;

(iv) Fatura n.º 0094, datada de 14/01/2008, referente ao loteamento habitacional “Tapada do C…”, conforme auto de medição n.º 4, no valor de € 4.996,69;

(v) Fatura n.º 0095, datada de 16/01/2008, referente ao loteamento habitacional “Tapada do C…”, conforme auto de medição n.º 5, no valor de € 4.992,75;

vi) Fatura n.º 0096, datada de 17/01/2008, referente ao loteamento habitacional “Tapada do C…”, conforme auto de medição n.º 6, no valor de € 4.992,75 (doc. n.º 1junto com o requerimento de fls. 67 a 92 dos autos);

B) Em 23/11/2009, foi aposta força executiva no requerimento de injunção n.º 330475/09.7YIPRT, no qual a EXEQUENTE solicitava o pagamento da quantia de € 35.220,73 ao Município Executado (cfr. doc. n.º 1 junto com a oposição);

C) Com data de 02/07/2010, a EXEQUENTE e o MUNICÍPIO EXECUTADO assinaram o documento denominado “Termo de Transação”, de cujo teor resulta o seguinte:


«Imagem texto no original»


(cfr. doc. n.º 1 junto com a petição inicial (PI));

D) Nenhuma das prestações referidas no documento melhor identificado na alínea que antecede foi paga pelo MUNICÍPIO EXECUTADO (acordo das partes);

E) Em 20/07/2010, o MUNICÍPIO EXECUTADO remeteu à EXEQUENTE o ofício com a referência n.º 5681, na qual dá sem efeito o acordo de pagamento referido na alínea C) supra (cfr. doc. n.º 3 junto com a oposição);

F) Em 03/03/2011, a EXEQUENTE apresentou junto do Tribunal Judicial do Redondo REQUERIMENTO EXECUTIVO, no qual peticiona o pagamento do montante global de € 36.495,78 (cfr. doc. n.º 1 junto com a oposição);

G) Em 14/04/2011, no âmbito do processo n.º 58/10.4TBRDD-A (oposição à execução comum – artigo 813.º do CPC), que correu termos na Secção Única do Tribunal Judicial do Redondo, foi proferida sentença na qual este Tribunal julgou procedente a exceção de incompetência absoluta em razão da matéria e absolveu o MUNICÍPIO EXECUTADO da instância, mais determinando o arquivamento da ação executiva (cfr. doc. n.º 2 junto com a oposição);

H) Em 13/10/2014, a EXEQUENTE requereu ao MUNICÍPIO DO ALANDROAL o pagamento do montante em dívida (cfr. doc. n.º 4 junto com a oposição);

I) Com data de 24/10/2014, o MUNICÍPIO EXECUTADO dirigiu à EXEQUENTE o ofício com a referência 6501, no qual informa que o montante de € 40.000,00 cujo pagamento é solicitado não é devido (cfr. doc. n.º 5 junto com a oposição);

J) Em 24/06/2015, foi apresentada, via SITAF, a petição inicial que deu origem aos presentes autos (cfr. fls. 1 dos autos).

*

Nada mais resultou provado com interesse para a decisão da causa.

*

A decisão da matéria de facto atentou na matéria alegada pelas partes e que se deve admitir por acordo, na análise crítica dos documentos, não impugnados, constantes dos autos, conforme referido a propósito de cada alínea do probatório e cujo teor se dá por integralmente reproduzido».

O Direito:
Erro de julgamento de direito.
O executado, ora recorrente, sustenta que o termo de transação não é um título executivo, não tem força executiva, sendo inexistente, inexigível, inexequível, inválido e ineficaz.
A sentença recorrida, acolhendo o entendimento da exequente, aqui recorrida, considerou o documento denominado termo de transação como título executivo, ao abrigo do disposto no art 46º, nº 1, al a) do CPC/1961, na redação dada pelo DL nº 329-A/95, de 12.12 (CPC/95), aplicável por força do disposto no art 157º, nº 3 do CPTA, ou seja, por conter os requisitos da exequibilidade - certeza, liquidez e consequente exigibilidade.
Vejamos.
Inexistência e inexequibilidade do título
Como ponto de partida importa deixar estabelecido que o recorrente não vem impugnar o julgamento da matéria de facto, não dirigindo qualquer erro de facto à sentença recorrida, pelo que, o objeto do recurso terá de assentar na concreta factualidade apurada pelo Tribunal a quo, designadamente no que ao teor do termo de transação respeita – facto provado em C) – documento que está assinado pelo devedor.
Toda a execução tem por base um título – art 45º, nº 1 do CPC/95, art 10º, nº 5 do CPC/ 2013 – pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva.
O título executivo é um documento donde resulta a exequibilidade de uma pretensão e, portanto, a possibilidade de realização coativa da correspondente prestação através de uma ação executiva, conforme previsto nos artigos 817º e 818º do Código Civil – Prof. Miguel Teixeira de Sousa, em «Ação Executiva Singular», edição LEX, 1998, pág. 63 e segs.
A al c) do nº 1 do art 46º do CPC/95 (CPC vigente à data da emissão do documento termo de transação dos autos, isto é, em 2.7.2010) conferia exequibilidade aos documentos particulares assinados pelo devedor.
Mas o recorrente reitera no presente recurso o que já antes havia alegado na oposição à execução. O recorrente argui a inexistência de título executivo, porque:
i) a transação ocorreu no âmbito de um procedimento de injunção, a que foi aposta fórmula executória que culminou num processo executivo no qual o aqui recorrente foi absolvido e a execução arquivada;
ii) falta a assinatura da exequente;
iii) falta de aceitação e recebimento pelo executado.
Ora, dizia a norma do art 46º, nº 1, al c) do CPC/95 que: À execução apenas podem servir de base: … os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes, ou de obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto.
O documento dado à execução consiste num acordo de transação, denominado termo de transação, celebrado entre as partes, no dia 20.7.2010, assinado pelo Município, mediante o qual este reconheceu dever à E… – Sociedade de Construção Civil e Obras Públicas, Lda a quantia de €: 40.000,00 e aceitou liquidar esse valor em 4 prestações mensais e sucessivas, que sabemos não pagou (cfr als C) e D) dos factos provados).
Como refere a recorrida, nas conclusões C) e D) das contra-alegações, o recorrente não impugnou nem impugna a assinatura aposta pelo Presidente da Câmara Municipal do Alandroal (à data de 2 de julho de 2010) no documento termo de transação, nem aponta a tal documento vício da vontade ou da declaração ou qualquer outra ilegalidade. Também não questiona os poderes do Presidente da CM do Alandroal para assinar o termo de transação, o valor em dívida por execução de trabalhos em obra é inferior ao montante legal de €: 50.000,00 exigível para a contratação por forma escrita (cfr arts 4º, nº 1, al a) e 59º, nº 1, al a) do DL nº 197/99, de 8.7, portanto, anterior à entrada em vigor do DL nº 18/2008, de 29/01, que aprovou o Código dos Contratos Públicos).
Acresce que o documento em causa foi celebrado, em 2.7.2010, na sequência de um requerimento de injunção a que foi aposta a força executiva, em 23.11.2009, mas antes de ter sido apresentado requerimento executivo, no qual o exequente peticionou o pagamento do montante global de €: 36.495,78, em 3.3.2011, e o executado deduziu oposição.
Por conseguinte, e bem, o tribunal recorrido qualificou o documento, denominado (pelos outorgantes) termo de transação, como um contrato de transação extrajudicial. Com efeito, a 2.7.2010, apenas, existia o requerimento de injunção ao qual foi aposta fórmula executória, por falta de oposição, e o termo de transação não foi feito no processo de injunção nem homologado pelo juiz. Vindo o requerimento executivo a ser apresentado em juízo a 3.3.2011 e só a 14.4.2011 foi proferida sentença, pelo Tribunal Judicial da Comarca do Redondo, que absolveu o Município da instância com fundamento em incompetência material do tribunal da jurisdição comum para conhecer da causa, com arquivamento da ação executiva. Esta decisão judicial não conheceu do mérito da pretensão executiva e, deste modo, produziu mero caso julgado formal, o mesmo é dizer, dentro do processo onde foi proferida.
E por assim ser decidiu a sentença recorrida, corretamente, que o contrato de transação extrajudicial, celebrado a 2.7.2010, produz os seus efeitos entre as partes, tendo sido celebrado por quem tem legitimidade para o efeito e tendo por objeto o pagamento da dívida melhor identificada na injunção para a qual remete (alínea B) do probatório).
Não há dúvidas, portanto, que a dívida reconhecida pelo MUNICÍPIO EXECUTADO se reporta à situação objeto do processo de injunção identificado no documento sob análise. E também é certo que as partes pretenderam, através daquele documento, acordar o pagamento da dívida e agora, fora do processo executivo, pretende o exequente, executar o acordo de pagamento extrajudicial ou preventivo celebrado entre as partes.
Por último, a validade do termo de transação não é colocada em crise por estar assinado (apenas) pelo devedor, dado essa realidade corresponder à previsão legal do art 46º, nº 1, al c) do CPC/95.
A comunicação de 20.7.2010, ao exequente, de que o Município do Alandroal deu sem efeito o acordo de pagamento de 2.7.2010, não configura ato de resolução unilateral do contrato de transação extrajudicial, porque, como vem decidido, não invoca qualquer fundamento ou razão de interesse público, nem qualquer incumprimento por parte do exequente, nos termos e para efeitos dos arts 333º a 335º do CCP.
Pelos motivos invocados, o termo de transação celebrado existe e constitui um título executivo negocial.
Razão pela qual improcedem as conclusões 3ª a 11ª do recurso.

Inexequibilidade da prestação.
Nos termos do artigo 713º do CPC/2013, a execução principia com as diligências, requeridas pelo exequente, que se tornem necessárias e se destinem a tornar a obrigação certa, líquida e exigível caso não o seja em face do título executivo.
Em termos gerais, estes três requisitos constituem pressupostos materiais da ação executiva, por contraponto ao pressuposto de caráter formal que é o título executivo.
Certeza, exigibilidade e liquidez condicionam a exequibilidade do direito exequendo, entendendo Lebre de Freitas, em «A Ação Executiva», 2ª edição, 1997, pág 26, que «embora também como pressupostos apareçam, entre nós, qualificadas, dir-se-ia que melhor lhes cabe a qualificação de condições da ação executiva, enquanto caraterísticas conformadoras do conteúdo duma relação jurídica de direito material. Mas a certeza, a exigibilidade e a liquidez só constituem requisitos autónomos da ação executiva quando não resultem já do título executivo; caso contrário, diluem-se no âmbito das restantes características da obrigação e a sua verificação é, tal como elas, presumida pelo título, sem exigências de complemento do título executivo, que acabam por exercer uma função processual paralela à deste».
Aqui as partes celebraram termo de transação extrajudicial, com concessões recíprocas e que tem por base a dívida, no montante de €: 40.000,00, pela execução de trabalhos no loteamento habitacional «Tapada do C…».
No termo de transação, o Município reconheceu a dívida e aceitou pagá-la em 4 prestações mensais e sucessivas.
Nenhuma das (quatro) prestações foi paga.
Não sendo a obrigação voluntariamente cumprida, tem o credor o direito de exigir judicialmente o seu cumprimento e de executar o património do devedor, nos termos declarados neste código e nas leis de processo (cfr art 817º do CC).
Estando a obrigação vencida torna-se exigível, podendo o credor pedir o cumprimento.
Se o devedor se recusa a cumprir, pode o credor promover a execução para obter o equivalente do cumprimento voluntário: a satisfação coativa.
No que ao caso interessa, a dívida é certa, líquida e exigível, não podendo o recorrente discutir a relação jurídica de direito material, por alegada falta de procedimento pré-contratual da empreitada, na ação executiva. Pois, a certeza, a exigibilidade e a liquidez resultam já do título executivo – termo de transação extrajudicial, de 2.7.2010, no qual o Município reconheceu a dívida e o valor da mesma pela execução da obra referente ao loteamento habitacional na Tapada do C….
De todo o modo, como decidiu a sentença recorrida e alega a recorrida, os contratos de valor inferior a €: 50.000,00, celebrados ao abrigo do DL nº 197/99, de 8.6, não careciam de forma escrita, podendo ser celebrados por ajuste direto.
E a alegada falta de inscrição das faturas emitidas pela exequente em nome do Município – cfr al A) dos factos provados – no Plano Oficial de Contabilidade das Autarquias Locais e na Secção de Registo de Expediente não produz efeitos nas relações com a exequente, por se tratar de norma que rege a contabilidade interna do Município.
A dívida exequenda é, portanto, exigível.
Improcedendo também este fundamento do recurso e as conclusões 12ª a 23ª.

Litigância de má fé do executado/ recorrente – conclusões 26ª a 29ª.
O recorrente insiste que não agiu nesta ação executiva de má fé, na medida em que fundamentou a sua oposição à execução na inexistência e inexequibilidade do título executivo e na inexigibilidade da obrigação exequenda.
Compulsada a oposição à execução não é isso que resulta do articulado.
Com efeito, na oposição o executado afirmou, no art 22º, que a obra em causa é completamente desconhecida, por inexistente, pelo executado, no art 23º, que a obra nunca foi acompanhada, fiscalizada, vistoriada e recebida pelo executado, no art 24º, que inclusive, até a exequente, enquanto entidade adjudicatária, lhe é completamente desconhecida.
Como bem decidiu a sentença em apreço, tal defesa é ostensivamente improcedente, posto que foi celebrado, entre as partes, um contrato de transação, no qual o Município executado … aceitou proceder ao pagamento do montante em dívida em quatro prestações mensais, como contrapartida da inutilidade superveniente da lide.
Aliás, mesmo o ofício remetido à exequente em 20/07/2010 menciona expressamente «o acordo de pagamento no processo supra para pagamento da quantia em dívida [à] (…) E…, Sociedade de Construção Civil e Obras Públicas, Lda.» (sublinhado nosso).
Destarte, a defesa do Município executado é cabalmente contraditada pelos documentos juntos aos autos, assinados pelo seu legal representante, o que em nenhum momento foi questionado.
Assim sendo, considera-se que a oposição do Município executado assenta, pelo menos em parte, na invocação de uma realidade que não se coaduna com os factos provados nos presentes autos e cuja desconformidade com estes não pode deixar de conhecer, o que faz de forma consciente e atentatória dos deveres de boa-fé porque se deve pautar a sua conduta.
A conduta do Município integra sem dúvida a previsão legal do art 542º, nº 2, als a) e b) do CPC.
Confirmando-se assim a sentença recorrida também quanto à condenação do executado, ora recorrente, como litigante de má fé.

Decisão
Pelo exposto, acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente.
Registe e notifique.
Lisboa, 2022-09-22,
(Alda Nunes)
(Lina Costa)
(Catarina Vasconcelos).