Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:221/09.0BECTB
Secção:CT
Data do Acordão:09/18/2025
Relator:CRISTINA COELHO DA SILVA
Descritores:NULIDADE SENTENÇA - ERRO DE JULGAMENTO - MÉTODOS INDIRECTOS
Sumário:I – Ocorre nulidade da sentença por excesso de pronúncia quando o Tribunal a quo se pronuncia sobre questões/vícios que não foram suscitados pelas partes (art.125º do CPPT).

II - Recorrendo a AT a métodos indiretos para determinar o lucro tributável do contribuinte, compete-lhe fundamentar essa necessidade e demonstrar que se encontram verificados os pressupostos legais que permitem a tributação com recurso a tais métodos. Só após efetuada essa prova, recai sobre o contribuinte o ónus de demonstrar que houve erro ou manifesto excesso na quantificação (art. 74.º n.º 3 da LGT).

III – A demonstração do excesso na quantificação da matéria tributável está a cargo do Impugnante e acarreta a anulação da liquidação, salvo em situações especiais.

Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Subsecção de Contencioso Tributário Comum do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO

M ……………….., com demais sinais nos autos, deduziu impugnação judicial contra as liquidações de IRS e IVA dos exercícios de 2004 a 2007.

*
O Tribunal Tributário de Castelo Branco, por sentença proferida em 27 de Janeiro de 2017, julgou totalmente procedente a ação.

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A Recorrente, Fazenda Pública, não se conformando com o decidido veio interpor recurso, tendo formulado as seguintes conclusões:

“CONCLUSÕES

Assim, nos termos dos artigos 639° do Código de Processo Civil:

a) A douta sentença incorreu em erro de julgamento, por violação do art° 74° da LGT e 100 e 117° do CPPT. Por outro lado, padece de vício de excesso de pronúncia, o que conduz à sua nulidade, nos termos do art° 125° do CPPT. Acresce ainda que a douta decisão faz uma incorreta interpretação da lei fiscal e da matéria que considera como provada.

b) No tocante à caducidade das liquidações de 2004, a recorrente concede e não impugna este segmento decisório, conformando-se com a decisão judicial, em face dos fundamentos apresentados e dos documentos constantes dos autos.

c) A Mma Juiz a quo baseia a sua convicção no depoimento de uma testemunha, in casu, a testemunha A ……………., pai da impugnante.
d) Tal como consta do relatório de inspeção, está demonstrado por documentos e corroborado pela testemunha L ……………….., inspetor responsável pelo procedimento inspetivo, no que toca à farinha é o seguinte:
• Um dos pontos em que a AF se apoia para calcular o volume de negócios é a compra da farinha para o Bolo Rei apenas nos meses de Novembro e Dezembro de cada ano, altura em que, na sua perspectiva, mais se fabrica o Bolo Rei.
• Ora, conforme se infere dos documentos, juntos aos autos, e que consistem em cópias de facturas, emitidas pelo fornecedor C………….., Moagens, os tipos de farinha facturados são distintos. E a farinha para bolo-Rei aparece assim designada “Far. Tr. T55 MF E3 B.Rei” - cfr. Doc. n° 6, 12 e 17 - distinguindo-se das outras farinhas com a denominação “Far.Trigo T55 Força El” ou “Far. Trigo T55 M.Força El”. Aliás, facto que foi reconhecido e explicado pelo técnico responsável pela inspeção tributária
• Não pode dar-se credibilidade ao depoimento da testemunha, quando afirma que a farinha é a mesma ou tem uma utilização indiferenciada quanto, por documentos juntos pela impugnante, não só as denominações como os preços da comercialização das farinhas são distintos.
• Para os outros bolos, era utilizada outra farinha, facto bem demonstrado pelas facturas juntas aos autos pela impugnante. Afirma ainda que, ao dizer-se que esta farinha era utilizada na outra produção, então as vendas dos pastéis que assumiu como corretas não o poderiam estar. Isto é, se a farinha não era para o Bolo-Rei e era para os outros bolos, então as vendas desse lado não estariam corretas. Se a farinha foi consumida, teria que haver vendas correspondentes. Se não era no bolo-rei, era nos pastéis. No entanto, pelo tipo de farinha - farinha para bolo rei - pelas datas de aquisição e pela proximidade das vendas deste tipo de bolo, tudo indicava que as vendas omitidas seriam precisamente de bolo-rei. As vendas de bolos-Rei não foram presumidas com base no número de caixas adquiridas, uma vez que o modo de embalagem dos bolos não era em caixa, mas embrulhados em papel “celofane ”,
e) A componente do depoimento a que se atribuiu credibilidade - quanto à compra de 3.000 rótulos de bolo-rei ou aos enfeites de bolos, o que porém não foi selecionado para a matéria de facto por ser em concreto irrelevante, uma vez que a AT não se fundou nesses elementos, mas foi suficiente para fazer revestir o seu depoimento de credibilidade - constitui, salvo melhor apreciação, um argumento favorável à posição da administração
f) Os 3000 rótulos foram adquiridos no ano de 2005 e não existiu qualquer outra compra, nos exercícios em análise, pelo que, forçosamente terá que se concluir que foram utilizados nestes exercícios
g) A quantificação do bolo-rei foi feita com base no estudo da Direcção de Finanças de Coimbra, para o sector da panificação e pastelaria, que cita as quantidades necessárias para o fabrico do Bolo-Rei e qual o peso que perde ao cozer. Foram ainda consultadas outras receitas de bolo-rei que vinham confirmar o estudo realizado pela DF de Coimbra, estudo esse que foi avalizado pelo respectivo sector.
h) As farinhas usadas nos dois tipos de pastelaria - bolos-rei e pastéis - eram diferentes, não se evidenciando divergências no consumo das outras farinhas e a produção dos pastéis ou bolos pequenos. Como tal, no bom rigor dos princípios de auditoria, se não se evidenciando divergências, não se efetuam testes de coerência, por serem inúteis ou desnecessários.
i) Pelo que, a consideração deste facto no probatório, isto é, que a farinha “T 55 Bolo Rei” adquirida em Novembro e Dezembro dos anos em causa era utilizada na confecção de outros produtos - cfr. al. u) do probatório - carece de fundamentação documental, uma vez que as faturas do fornecedor contrariam esta asserção, bem como, carece de razoabilidade, uma vez que os outros bolos são fabricados durante o ano, com caráter regular e habitual, pelo que, mal se compreendia que a farinha em causa fosse adquirida nos últimos dois meses do ano.
j) Quanto ao desperdício na farinha, considerou-se uma percentagem de 15% de desperdício de farinha - com l Kg de farinha se fazem 3,5Kg de massa para Bolo Rei. Esta, ao cozer, perde 15% do seu peso, ficando com 2,975 Kg, pelo que podemos assumir que com cada quito de farinha utilizado na massa de Bolo Rei, obtemos depois de cozido 2,9 Kg. Foram calculadas sobras em percentagem que ascendeu a 10%.
k) Aceitaram-se as compras declaradas como valor de consumo, porque não foram disponibilizados os inventários das existências, com exceção do inventário final de 2007. Não existindo inventários dos exercícios anteriores a 2007, não se podiam conhecer, com rigor, as quantidades de matérias-primas consumidas no processo produtivo. Pelo que, o critério mais seguro para aferir das matérias consumidas e incorporadas na produção era atendendo às compras, considerando que não existiam indícios de terem existido omissões de compras (como por exemplo, pagamentos a fornecedores não contabilizadas ou faturas de fornecedores sem relevação contabilística). A 31/12/2007, apenas constavam 18 kg de frutos, o que significa que as outras matérias primas foram consumidas.
k) Desde já se afirma que os cálculos efetuados em sede de procedimento de revisão da matéria tributável não serviram de base à fundamentação dos atos tributários. Foram elaborados no âmbito de um procedimento muito específico que visa, com recurso a critérios de equidade, a uma justa composição dos interesses antagónicos das partes, pelo que, é nessa perspetiva que deve ser encarado e não valorado negativamente contra a Administração Tributária.
1) Os pressupostos do recurso a métodos indiretos foram reconhecidos no procedimento de revisão da matéria tributável.
m) A douta sentença padece de excesso de pronúncia porquanto conheceu de questão que não devia conhecer, com argumentação que não foi expendida pela impugnante, substituindo-se a esta nos cálculos de quantificação, o que, salvo melhor opinião, lhe está vedado, considerando que as balizas do inquisitório correspondem ao pedido do autor.
n) Não foram utilizados os rótulos e as caixas de cartão para a quantificação da matéria colectável. Até porque, se a matéria tivesse sido quantificada com base nos rótulos, confiando nos cálculos apresentados pela impugnante no art° 44° da sua p.i., os 2.700 Kgs de bolo-rei que daí resultariam seriam superiores aos 1.685 Kgs assumidos pela A.F., conforme Does 48 e 49, juntos aos autos com a douta p.i.. A única compra de rótulos contabilizada ocorreu no ano de 2005. Considerando que não foi disponibilizado o inventário, pode presumir-se que ou os rótulos foram todos consumidos naquele exercício ou nos posteriores, uma vez que não figuravam rótulos em 2007. Os quilos produzidos de 2005 a 2007 ascendem a 6960 Kgs, conforme quantificação do relatório de inspeção. Em lado nenhum se afirmou que os bolos rei tinham cerca de 1 Kg cada um, que a média daqueles anos seria de 5.000 unidades de bolo rei, que cada bolo rei teria obrigatoriamente que conter um rótulo...Fica por explicar a necessidade de aquisição de 3000 rótulos em 2005, quando a impugnante declara ter produzido cerca de 560 quilos de bolo-rei nos quatro anos e, utilizando o critério da douta sentença - cerca de 1 kg/bolo - chegaríamos a um resultado de cerca de 500 unidades. Sobravam, grosseiramente, 2.500 rótulos.
o) Pelo que, neste aspeto, o tribunal recorrido substituiu-se, na alegação, à própria impugnante, efetuando cálculos, com recurso a premissas que não foram invocadas nem sequer demonstradas pelas partes.
Sem prescindir, subsidiariamente
p) O ato tributário é divisível, logo, suscetível de anulação parcial. Era possível determinar o peso proporcional que as correções atinentes aos bolos-rei tinham na totalidade da matéria tributável, determinando-se uma anulação percentual, que, corresponderia ao decaimento da Fazenda Pública.
Pelo que, com o mais que Vossas Excelências se dignarão suprir, deve ser dado provimento ao recurso e em consequência ser revogada a decisão recorrida.”

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A Recorrida, devidamente notificada, apresentou contra-alegações nas quais formulou as seguintes conclusões:
CONCLUSÕES:
1ª Da extemporaneidade do recurso:
A presente impugnação foi intentada pela ora recorrida em abril do ano de 2009 , reportandose a factos ocorridos entre os longínquos anos de 2004 a 2007. Decorreram quase 8 anos!
2ª O presente recurso é extemporâneo e como tal ilegal pela continuação da demora na solução do processo, desprotegendo intoleravelmente os interesses legalmente protegidos da recorrida, violando quer a Constituição da República Portuguesa quer a Lei Geral Tributária e o CPPT, o que a Recorrente não poderia ignorar ao decidir recorrer da douta sentença proferida. Com efeito,
A CRP assegura no seu art.º 266.º:
N.º 1: A Administração Pública visa a prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos. N.º 2: Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem atuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé.
E o n.º 6 assegura o seguinte: Para efeitos dos n.ºs 1 e 2, a lei fixará um prazo máximo de resposta por parte da Administração (negrito nosso).
4ª O Código de Processo e Procedimento Tributário refere expressamente que o processo judicial tributário não deve ter duração acumulada superior a 2 anos contados entre a data da respetiva instauração e a da decisão proferida em primeira instância que lhe ponha termo (n.º 2 do art.º 96.º). (sublinhado nosso).
5ª A falta de meios da Administração do Estado não pode redundar em prejuízo do contribuinte ou do cidadão por violar os seus direitos, liberdades e garantias constitucionalmente protegidos, conforme n.º 1 do art.º 52º ex vi art.º 17.º. ambos da CRP, que desde já se invocam para todos os efeitos legais.
6ª A reforma do contencioso administrativo é hoje um verdadeiro processo de Partes. A reforma é encarada como indispensável à consolidação do Estado de Direito democrático em Portugal e à defesa das garantias dos direitos fundamentais dos cidadãos perante o Estado e, em especial, perante a Administração Pública. (in: Introdução- Coletânea de Legislação da Reforma do Contencioso Administrativo, pág. 7).
7ª A LGT – garante nas normas dos seus art.ºs: 4.º, (Pressupostos dos Tributos) n.º 1 e 5.º (Fins da Tributação) e 6º (Características da tributação e situação familiar), com interesse para o presente caso, o seguinte: Os impostos assentam essencialmente na capacidade contributiva revelada, nos termos da lei, através do rendimento ou da sua utilização e do património; e ainda: (5.º, n.º 1): A tributação visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas e promove a justiça social (…) e (5.º n.º 6): A tributação respeita os princípios da generalidade, da igualdade, da legalidade e da justiça material .. . Art.º 6.º, n.º 1: A tributação direta tem em conta: a) A necessidade de a pessoa singular e o agregado familiar a que pertença disporem de rendimentos e bens necessários a uma existência digna; b) A situação patrimonial, incluindo os legítimos encargos, do agregado familiar; c) A doença, velhice ou outros casos de redução da capacidade contributiva do sujeito passivo. (negritos nossos).
8ª A Recorrida sustentava-se, e ao seu agregado familiar composto por si e por seus pais, desenvolvendo um pequeno e artesanal estabelecimento de pastelaria na pequena aldeia de Lageosa do Mondego, concelho de Celorico da Beira, distrito da Guarda, a qual tinha como população residente 782 HM, em 267 Famílias (in: www.cm-celoricodabeira.pt) segundo os Censos de 2001.
9ª Por razões sérias de saúde (infelizmente a Recorrida contraiu doença oncológica que lhe impôs tratamentos médicos inconciliáveis com qualquer atividade profissional durante alguns anos!) viu-se obrigada a encerrar o estabelecimento no fim do ano de 2007.
10ª Todavia, desde 2012/2013 a Recorrida melhorou a sua saúde e poderia já ter reaberto o estabelecimento não fora a atuação da Recorrente ao impor-lhe as correções à matéria coletável que aqui se discutem e que importam para si impostos incomportáveis que ascendem ao montante do valor da presente ação, i é., de € 24.037,74!
11ª A recorrida é jovem demais para se reformar e “velha” para conseguir qualquer trabalho por conta d’ outrem. O seu futuro está suspenso do resultado deste processo pois não dispõe de condições para reativar a sua atividade.
12ª O que a coage a viver num constante afogo monetário e humilhantemente das modestíssimas reformas mínimas de velhice auferidas por seus pais!
13ª Afogo que lhe foi e é imposto pela atuação da Recorrente que, aliás, “matou a galinha dos ovos de ouro” pois a atividade da Recorrida, embora modestamente, contribuía com impostos para o erário público.
14ª O montante em causa nestes autos é, pois, crucial para a vida da Recorrida.
15.ª O presente recurso poderia não ter sido interposto pela recorrente que não deveria ignorar as normas supra citadas às quais poderia ter estado atenta e não esteve. Violou as supra citadas normas legais; violação que desde já se invoca para todos os efeitos legais tendo como consequência a recusa de apreciação do presente recurso face à alegada extemporaneidade.
SEM PRESCIDIR SEM PRESCIDIR SEM PRESCIDIR SEM PRESCIDIR, mas por mera cautela de patrocínio quando assim não se entenda, dir-se-á:
16.º As alegadas nulidades da sentença que sustentam o recurso não se verificaram nem, tampouco, são concretamente esclarecidas. Não se demonstra o excesso de pronúncia. Não se verifica qualquer erro de julgamento mas antes a livre apreciação da prova pelo douto tribunal.
17ª A meritíssima juiz a quo, no pleno exercício dos seus poderes-deveres, deu razão à ora Recorrida julgando provado o alegado excesso na quantificação da matéria coletável e decidiu em conformidade.
18ª Os atuais poderes de cognição dos Tribunais afirmam-se hoje como: Inovação de relevo reside no alargamento assinalável dos poderes jurisdicionais de cognição e de condenação da Administração pelos tribunais, (…) verifica-se que o tribunal passa a dispor do poder-dever de se pronunciar sobre todas as concretas causas de invalidade de que enferma o ato impugnado, mesmo que estas não tenham sido expressamente invocadas pelo autor (n.º 2 do artigo 95.º do CPTA). In: (Introdução- Coletânea de Legislação da Reforma do Contencioso Administrativo, f) Poderes dos tribunais - pág.25).
19ª A Decisão da meritíssima juiz a quo deve ser integralmente mantida pela justeza das suas conclusões, pela análise crítica das provas que efetuou e pela clarividência que soube alcançar.
Termos em que:
Não nos cabendo dizer mais nem melhor, sustentamo-nos, com a maior honra, na própria argumentação e fundamentação da douta sentença do tribunal recorrido.
A Decisão da meritíssima juiz a quo deve ser integralmente mantida e, Mantendo-a, farão Vossas Excelências a costumada JUSTIÇA!

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O Exmo. Procurador-Geral Adjunto do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo, ofereceu aos autos o seu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Foram colhidos os vistos legais.

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Delimitação do objeto do recurso

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, em consonância com o disposto no art. 639º do CPC e art. 282º do CPPT, são as conclusões apresentadas pelo recorrente nas suas alegações de recurso, a partir da respetiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objeto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer, ficando, deste modo, delimitado o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem.

No caso que aqui nos ocupa, as questões a decidir consistem em saber:

(i) Se o presente recurso é tempestivo;

(ii) Se a sentença padece de nulidade por excesso de pronúncia porquanto conheceu de questão que não devia conhecer, com argumentação que não foi expendida pela impugnante, substituindo-se a esta nos cálculos de quantificação, lhe está vedado, considerando que as balizas do inquisitório correspondem ao pedido do autor;

(iii) Padece de erro de julgamento de facto por errada apreciação da prova;

(iv) Erro de julgamento de Direito por ter sido violado o artigo 74º da LGT e os artigos 100º e 117º, ambos do CPPT;

(v) Saber se sendo o ato tributário divisível a sentença apenas deveria ter anulado a parte que considerou calculada em excesso e não a totalidade da liquidação.


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II – FUNDAMENTAÇÃO
- De facto
A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:
“Com interesse para a decisão da causa, mostram-se provados os seguintes factos:
a) A impugnante foi alvo de inspecção externa que incidiu sobre os exercícios 2004 a 2007 (cfr. ponto II do relatório de inspecção, de fls. 75 e ss. do PET);
b) A acção inspectiva teve início a 16/04/2008 (cfr. relatório de inspecção, de fls.74 e ss. do PAT);
c) A 28/10/2008 a impugnante foi notificada pessoalmente do relatório de inspecção (cfr. assinatura aposta a fls. 70 do PAT);
d) Da acção de inspecção concluiu a AT pelas seguintes correcções à matéria tributável de IRS e IVA, com recurso a métodos indirectos (cfr. mapa resumo das correcções resultantes da acção de inspecção):

e) A 15/12/2008 teve lugar a reunião dos peritos, a que se reporta o artigo 91.º da LGT, não tendo os peritos chegado a acordo (cfr. acta n.º2, de fls. 48 do PAT);
f) Lê-se do relatório de inspecção, além do mais (cfr. relatório de inspecção de fls. 74 e ss. do PAT):
«Imagem e texto no original»

g) Anexo ao relatório de inspeção encontra-se um “estudo para Tributários- Sector Industrial e Panificação”, onde se lê:

«Imagem e texto no original»

h) Foi elaborado parecer do perito da AT, no âmbito do procedimento de revisão, onde, além do mais se lê (cfr. documento n.º86 junto pela impugnante):
«Imagem e texto no original»

j) A 19/12/2008 foi proferido despacho no âmbito do procedimento de revisão da matéria colectável, onde além do mais se lê (cfr. despacho de fls. 44 dos autos): M………………… veio apresentar pedido de revisão, nos termos do art°. 91°. da Lei Geral Tributária contra as fixações dos lucros tributáveis dos anos de 2004, 2005, 2006 E 2007 e Imposto sobre o Valor Acrescentado igualmente fixado para os mesmos períodos, em sequência de acção inspectiva, de cujo resultado foi notificada pessoalmente em 28 de Outubro de 2008, com os fundamentos constantes do respectivo pedido, enviado por e-mail de 29 de Novembro findo, com entrada em 2 de Dezembro último, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
A reunião - debate contraditório - ocorreu nos dias 11 e 15 de Dezembro em curso, tendo sido lavradas as actas nºs. 1 e 2, processo de revisão n". 5/2008, aqui dadas por reproduzidas.
De acordo com as mencionadas actas, os peritos, nomeados pela contribuinte e pela administração tributária, não chegaram a acordo, razão pela qual, cada um deles, elaborou o respectivo laudo.
Os laudos dos peritos nomeados pela Administração Tributária e pela contribuinte encontram-se anexos à acta n°. 2 citada, e dão-se aqui integralmente reproduzidos.
O perito nomeado pela contribuinte conclui que "parece-nos, desta forma, ficar evidenciado, também de uma forma inequívoca, que os pressupostos e consequentes valores propostos pela AF são manifestamente exagerados mesmo com todas as correcções efectuadas não sendo suportados nem documentalmente nem em termos de coerência dos valores, contrariamente ao que acontece com os elementos propostos pelo contribuinte. Foram também propostas correcções verificadas no Relatório de Inspecção Tributária a determinados valores incorrectos nomeadamente ao menor preço de venda utilizado no cálculo dos valores de venda, e de alguns documentos de venda que não foram tidos em conta na análise e respectivos cálculos pela AF, mas nenhumas das correcções foram aceites pela AF, tendo sido invocado que as correcções não estariam no âmbito desta comissão. Assim sendo, e como os valores apresentados pelo contribuinte e os apresentados pela AF se distanciam significativamente, não foi possível chegar a um acordo"
A perita nomeada pela Administração Tributária propõe que o rendimento líquido para os anos de 2004 a 2007 sejam alterados para os valores do quadro infra:

Concluindo que "face ao exposto, sou de opinião que não foram apresentados pelo perito do contribuintes elementos nem argumentos que contrariem os factos apresentados, e que os fundamentos que serviram de base às correcções são pertinentes e justificam os métodos usados para a determinação do rendimento líquido de IRS e da fixação de IVA por métodos indirectos. Também considero que as propostas de correcção no âmbito da comissão de revisão, ao ter em conta a fruta existente estão correctamente efectuados e suportados, não tendo o perito do contribuinte provado por qualquer outro método, o excesso da sua quantificação como lhe é exigido nos termos do nº. 3 do artigo 74°. da LGT”
De acordo com a acta nº. 1 “ambos os peritos estão de acordo no que respeita aos pressupostos da aplicação de métodos indirectos, centrando-se a discussão na quantificação, e no que diz respeito ao apuramento das vendas de bolo rei. Consideram que poderá ter havido excesso nos cálculos das vendas desse produto, aceitando no entanto o método utilizado (estudo anexo ao relatório). Já em relação às correcções dos restantes "bolos”, considera o perito do "contribuinte que o seu. valor tem pouca expressão, aceitando esses valores desde que as vendas do bolo rei sejam corrigidas"
Na acta nº. 2 consta que “…o perito do contribuinte ainda que inicialmente estivesse de acordo com essa proposta, continuou a levantar questões relacionadas com preço, consumos de farinha, inventário final 2007, acabando por referir que só aceita se o total das correcções dos exercícios em análise do valor das vendas omitidas de bolo rei se situasse entre 10.000,00 e 20.000,00 euros." Analisando o laudo do perito da contribuinte e a mencionada acta nº. 2, conclui-se que a única referência quantitativa da posição deste perito é a referência feita no excerto da acta, transcrito. Por sua vez, os cálculos efectuados pela perita da Administração Tributária encontram-se explanados no respectivo laudo e encontram-se apoiados em mapas demonstrativos da quantificação e iter cognoscitivo efectuado. Nestes termos, considerado todos os elementos juntos aos autos e tendo presente o disposto no n°. 6 do artigo 92°. da LGT, fixo os resultados líquidos de IRS e o IVA, para cada um dos anos em causa, nos valores constantes do mapa atrás transcrito e que resultam do parecer do perito da Administração Tributária.”
k) A 20/12/2008 foram emitidas as liquidações adicionais de IVA, e respectivos juros compensatórios, relativas aos períodos 0403T, 0406T, 0409T, 0212T (cfr. documento de fls. 4 e 5 do PAT);
l) A 26/12/2008 foi emitida a liquidação de IRS n.º…………….142, relativa ao exercício de 2004, no valor de 3.331,86€ (cfr. documento de fls. 36 do PAT);
m) A 31/12/2008 foi remetida por correio registado a liquidação de IRS relativa ao exercício de 2004 (cfr. documento de fls. 36 do PAT);
n) A 31/12/2008 foi emitida a liquidação de IRS n.º……………601, relativa ao exercício de 2005, no valor de 1.252,95€ (cfr. documento de fls. 37 do PAT);
o) A 31/12/2008 foi emitida a liquidação de IRS n.º ……..711, relativa ao exercício de 2006 (cfr. documento de fls. 38 do PAT);
p) A 31/12/2008 foi emitida a liquidação de IRS n.º …………….006, relativa ao exercício de 2007, no valor a pagar de 2.530,64 (cfr. documento de fls. 39 do PAT);
q) A 02/01/2009 foi a impugnante notificada das liquidações de IVA e juros compensatórios, dos períodos relativos a 2004 (cfr. documentos de fls. 14 e ss. do PAT);
r) A 02/01/2009 foi a impugnante notificada das liquidações de IVA e juros compensatórios, dos períodos relativos a 2005, 2006 e 2007 (cfr. documentos de fls. 14 e ss. do PAT);
s) A 06/01/2009 foram remetidas por correio registado as liquidações de IRS relativa aos exercícios de 2005, 2006 e 2007 (cfr. documento de fls. 37 a 39 do PAT);
t) A 24/01/2009 foram emitidas as liquidações adicionais de IVA, e respectivos juros compensatórios, relativas aos períodos 0703T, 0706T, 0709T, 0712T, 0603T, 0606T, 0609T, 0612T, 0503T, 0506T, 0509T, 0512T (cfr. documento de fls. 1, 2, 3 do PAT);
u) A farinha T55 com a designação bolo-rei adquirida em Novembro e Dezembro dos anos em causa era utilizada na confecção de outros produtos (cfr. depoimento da primeira testemunha e documento 1, junto pela impugnante, a 4/05/2009);
v) A impugnante dedicava-se a fazer pastéis do dia, como caracóis, pastéis de nata, bolas de berlim, delícias, entre outros (cfr. depoimento da primeira testemunha);
w) As caixas de bolos de cartão ou cartolina serviam para transportar bolos, pão-de-ló, tartes, mas também os bolos pequenos como bolas de berlim, caracóis e outra pastelaria pequena (cfr. depoimento da primeira testemunha);
x) Um bolo-rei comercializado pela impugnante tinha cerca de um quilo (cfr. depoimento da primeira testemunha);
y) A farinha é utilizada para tender as massas de bolo e polvilhar os tabuleiros antes de irem ao forno e para fazer levedura (cfr. depoimento da primeira testemunha);
z) Há perdas de farinha no processo produtivo (cfr. depoimento da primeira testemunha);
aa) A actividade da impugnante era desenvolvida por si e seu pai (cfr. depoimento da primeira testemunha);
bb) Era a impugnante que distribuía os produtos produzidos (cfr. depoimento da primeira testemunha);
cc) A impugnante comprou farinha “Far. Trigo T55 Force E1” em 30/05/2005, 15/09/2005, 28/10/2005, 01/03/2006, 26/05/2006, 30/08/2006, 15/03/2007, 28/06/2007, 27/09/2007 e em 09/10/2007 (cfr. cópias das facturas, documentos 1 a 17, juntos aos autos por requerimento de 04/05/2009);”

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A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte:
“Não há factos não provados com interesse para a decisão da causa.”

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A decisão da matéria de facto fundou-se no seguinte:
“Os factos provados assentam na análise crítica dos documentos juntos aos autos e não impugnados, e do depoimento das testemunhas, conforme se indica em cada alínea do probatório.
No que respeita à prova testemunhal apenas a primeira testemunha contribuiu para a descoberta de verdade, as demais testemunhas não relevaram para a fixação de factos provados nos termos seguintes – a segunda testemunha, a mãe da impugnante, não demonstrou conhecer directamente os factos sobre os quais depôs, demonstrando que a sua razão de ciência era indirecta; no que respeita à testemunha Nuno Encarnação este não demonstrou conhecimento directo sobre factos alegados e controvertidos, sendo que a sua intervenção no procedimento de revisão está documentada nos autos; as testemunhas da FP depuseram essencialmente sobre os procedimentos em que intervieram, relativamente aos quais, produziram documentos.
No que respeita à primeira testemunha importa referir que a testemunha apesar de ser pai da impugnante e por isso impor ao Tribunal um maior escrutínio da verdade do seu depoimento, conseguiu convencer, com a espontaneidade do que disse, a clareza e coerência, ter falado verdade nomeadamente quanto à utilização das farinhas T55 designação bolo-rei para a confecção de outros produtos de pastelaria, assim como quanto à utilização das caixas de bolos.
O que resulta deste depoimento, quanto ao consumo de farinha, é aliás consentâneo com um documento junto aos autos, emitido pelo fornecedor da impugnante,. e com o parecer para efeitos tributários da fazenda pública que indica a tipologia de farinha utilizada para fazer bolo-rei como a farinha T55, nada mais especificando.
De resto o seu depoimento foi conforme com o que resulta também do senso comum, nomeadamente também quanto à compra de 3.000 rótulos de bolo-rei ou aos enfeites de bolos, o que porém não foi seleccionado para a matéria de facto por ser em concreto irrelevante, uma vez que a AT não se fundou nesses elementos, mas foi suficiente para fazer revestir o seu depoimento de credibilidade.
Releva ainda referir que a testemunha conhecia directamente os factos sobre os quais depôs em virtude de trabalhar com a sua filha na sua actividade, sendo que do depoimento resultou ainda de forma clara que era este que tinha o know-how e dominava o processo produtivo.”

***

- De Direito

Nos presentes autos a matéria tributável doi apurada com recurso a métodos indiretos de tributação, sendo que, nesta sede, não se discute a questão de saber se os pressupostos da sua aplicação se encontravam reunidos, mas, tão só, a existência ou não de excesso de quantificação na aplicação de métodos indirectos aos exercícios de 2005 a 2007, uma vez que relativamente ao exercício de 2004, foi julgada e não objeto de recurso, a caducidade do direito à liquidação.
A primeira questão que urge dirimir prende-se com a alegada intempestividade do presente recurso, suscitada pela Recorrida nas suas contra-alegações.
Lidas as aludidas contra-alegações, mais concretamente as suas conclusões, verificamos que, verdadeiramente, não é colocada em causa pela Recorrida a tempestividade do recurso, mas apenas e só a circunstância da antiguidade dos presentes autos, bem como a circunstância de, ainda assim, a Fazenda Pública recorrer da sentença favorável à Recorrida.
Ou seja, não estamos perante uma verdadeira invocação da intempestividade do presente recurso, pelo que nada há a decidir quanto a tal.
Avançando.
O Tribunal a quo julgou absolutamente procedente a presente impugnação por ter considerado que, muito embora se encontrassem reunidos os pressupostos para a aplicação de métodos indirectos de tributação, existia um claro excesso na sua quantificação que justificava a anulação dos atos de liquidação impugnados, quer em sede de IVA, quer em sede de IRS.
A Recorrente insurge-se contra o julgado por entender que não ficou provado o excesso de quantificação, bem como que houve excesso de pronúncia por parte do Tribunal a quo.
Argui ainda a sua discordância com a conclusão retirada na decisão aqui sob escrutínio de que existe excesso de quantificação, atacando a matéria de facto assente, colocando em causa a apreciação da prova efetuada pelo Tribunal a quo, advogando que a mesma foi incorretamente apreciada.
Vejamos então.
Consagra o art. 607º, nº 5 do CPC que o “juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”, de forma consentânea com o disposto o determinado no Código Civil, mais concretamente nos seus preceitos 389º e seguintes. Não obstante, a livre apreciação da prova não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.
Por outro lado, estabelece o artigo 662º do CPC, que o Tribunal da Relação (leia-se Tribunais Centrais) “deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”, donde, quando os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insuscetível de ser destruída por quaisquer outras provas, a dita modificação da matéria de facto - que a ela conduza - constitui um dever do Tribunal de Recurso, e não uma faculdade do mesmo.
Como nos ensina Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, p. 225-227, “O atual art. 662º representa uma clara evolução [face ao art. 712º do anterior C.P.C.] no sentido que já antes se anunciava. Através dos nºs 1 e 2, als. a) e b), fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e fundar a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis.
(…) Afinal, nestes casos, as circunstâncias em que se inscreve a sua atuação são praticamente idênticas às que existiam quando o tribunal de 1ª instância proferiu a decisão impugnada, apenas cedendo nos fatores de imediação e da oralidade. Fazendo incidir sobre tais meios probatórios os deveres e os poderes legalmente consagrados e que designadamente emanam dos princípios da livre apreciação (art. 607º, nº 5) ou da aquisição processual (art. 413º), deve reponderar a questão de facto em discussão e expressar de modo autónomo o seu resultado: confirmar a decisão,
decidir em sentido oposto ou, num plano intermédio, alterar a decisão num sentido restritivo ou explicativo”.
Contudo, reconhecendo o legislador que a garantia do duplo grau de jurisdição, em sede de matéria de facto, tal apenas poderá acontecer se o Recorrente cumprir os ónus que sobre si impendem e que decorrem do artigo 640º do CPC, delimitando, por um lado, o âmbito do recurso e, por outro lado, conferindo o verdadeiro e efetivo contraditório à parte contrária.
Vejamos, então, quais são os ónus que impendem sobre a apelante e que se encontram elencados no artigo 640º do CPC:
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”
Quando em causa esteja a prova gravada “(…) incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes” (nº 2, al. a) do mencionado preceito).
Já quando o recorrido pretenda refutar o alegado pelo Recorrente, deve proceder de igual modo, mencionando os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. (al. b) do nº 2 do artigo 640º do CPC).
Decorre, assim, do preceito aludido que cabe ao apelante especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão diversa da adotada pela decisão recorrida sobre os pontos da matéria de facto impugnados, sendo que quando em causa esteja prova testemunhal produzida junto do Tribunal a quo, o Recorrente tem de indicar as passagens concretas das gravações das quais pretende retirar os factos por si pretendidos aditar ou que considera incorretamente julgados.
Significa isto que não basta ao Recorrente manifestar, de forma não concretizada, a sua discordância com a decisão da matéria de facto efetuada pelo Tribunal a quo, impondo-se-lhe os ónus supra mencionados.
Por outro lado, cumpre ainda referir que nem todos os factos alegados pelas partes, ainda que provados, carecem de integrar a decisão atinente à matéria de facto, porquanto apenas são de considerar os factos cuja prova (ou não prova) seja relevante face às várias soluções plausíveis de Direito.
Finalmente, importa distinguir entre factos provados e meios de prova, sendo que uns não se confundem com os outros.
Exposto o quadro jurídico em que se move a questão do erro de julgamento de facto, detenhamos-mos agora sobre a questão de saber se, in casu, a Recorrente cumpriu os ónus que sobre si impendiam.
Sendo certo que a Recorrente indicou o facto concreto que considera incorretamente julgado, designadamente por ter ocorrido uma errada apreciação da prova produzida, resulta evidente que cumpriu os ónus que sobre si impendiam, pelo se impõe que este Tribunal aprecie cada um deles.
No caso em apreço, a apelante pretende que seja excluída do probatório a sua alínea U) onde se afirma que “A farinha T55 com a designação bolo-rei adquirida em Novembro e Dezembro dos anos em causa era utilizada na confecção de outros produtos” e a qual foi justificada não apenas com o depoimento da primeira testemunha ouvida, mas, também, tendo por base um documento junto aos autos pela Recorrida que não foi objeto de impugnação por parte da aqui apelante.
Advoga que não pode ser dada credibilidade ao depoimento daquela testemunha, uma vez que quer os preços das farinhas utilizadas, quer as suas denominações, são distintas.
Como bem sabemos, o juiz, nos termos do disposto no artigo 123º do CPPT, tem de fundamentar a matéria de facto fixada, aduzindo as razões que o levaram a dar por assentes tais factos, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção.
Em consequência, na fundamentação da matéria de facto, o juiz tem de deixar claro o processo lógico-racional da sua convicção, de modo que a mesma possa ser entendida pelos destinatários, pela comunidade em geral e, também, para que a decisão possa ser sindicada em sede de recurso.
Já o exame critico da prova conjugado com a fundamentação da decisão da matéria de facto, implica a ponderação e aplicação de critérios de natureza prudencial que permitam avaliar e decidir se as razões de uma decisão sobre os factos e o processo cognitivo de que se socorreu, são compatíveis com as regras da experiência da vida e das coisas e com a razoabilidade das congruências dos factos e dos comportamentos.
Assim, para que se considere ter ocorrido uma deficiente avaliação critica da prova é necessário que no texto da decisão recorrida se dá por provado, ou não provado, um facto que contraria com toda a evidência, segundo o ponto de vista de um homem de formação média, na lógica mais elementar e segundo as regras da experiência comum.
Posto isto, baixemos ao caso sub judice.
Como já tivemos oportunidade de mencionar a fundamentação da alínea u) do probatório não resulta apenas da prova testemunhal produzida em juízo, mas também da prova documental junta aos autos.
No que respeita à prova testemunhal, o Tribunal a quo ancorou a sua decisão, no que respeita concretamente ao depoimento da testemunha, afirmando o seguinte: “No que respeita à primeira testemunha importa referir que a testemunha apesar de ser pai da impugnante e por isso impor ao Tribunal um maior escrutínio da verdade do seu depoimento, conseguiu convencer, com a espontaneidade do que disse, a clareza e coerência, ter falado verdade nomeadamente quanto à utilização das farinhas T55 designação bolo-rei para a confecção de outros produtos de pastelaria, assim como quanto à utilização das caixas de bolos.
O que resulta deste depoimento, quanto ao consumo de farinha, é aliás consentâneo com um documento junto aos autos, emitido pelo fornecedor da impugnante,. e com o parecer para efeitos tributários da fazenda pública que indica a tipologia de farinha utilizada para fazer bolo-rei como a farinha T55, nada mais especificando.
De resto o seu depoimento foi conforme com o que resulta também do senso comum, nomeadamente também quanto à compra de 3.000 rótulos de bolo-rei ou aos enfeites de bolos, o que porém não foi seleccionado para a matéria de facto por ser em concreto irrelevante, uma vez que a AT não se fundou nesses elementos, mas foi suficiente para fazer revestir o seu depoimento de credibilidade.
Releva ainda referir que a testemunha conhecia directamente os factos sobre os quais depôs em virtude de trabalhar com a sua filha na sua actividade, sendo que do depoimento resultou ainda de forma clara que era este que tinha o know-how e dominava o processo produtivo.”
Já no que tange à prova documental junta aos autos, é afirmado na decisão recorrida que “Os factos provados assentam na análise crítica dos documentos juntos aos autos e não impugnados, (…), conforme se indica em cada alínea do probatório.”
O que dizer?
Relativamente ao depoimento prestado pela primeira testemunha, tendo este Tribunal ad quem ouvido na integra a audiência de julgamento, na da há a apontar ao facto dela retirado. Na verdade, nada no depoimento daquela testemunha, ou da forma como prestou o seu depoimento, pode levar a concluir que o mesmo não foi seguro e verdadeiro.
Por outro lado, mesmo quando em confronto com o depoimento da testemunha da Fazenda Pública nada se pode retirar do mesmo no sentido de desvalorizar o depoimento prestado. O depoimento foi seguro, coerente e a testemunha demonstrou ter um exato conhecimento dos factos a que depôs pelo que nenhuma critica merece a decisão recorrida quando valorou o aludido depoimento.
Acresce ainda que a fixação de tal facto não resulta apenas do aludido depoimento, mas também de documento junto com a p.i., sob o nº 1, emitido pela fornecedora da Recorrida, no qual é afirmado expressamente que a farinha em questão pode ser utilizada não apenas para a confecção do Bolo-Rei, mas também de outros artigos de pastelaria ou mesmo panificação.
Podemos, assim, concluir que atentando na aludida motivação da matéria de facto, verifica-se que o Tribunal a quo, de forma cuidada e bem fundamentada, convoca as razões que lhe permitem decidir nesse sentido, ponderando a prova testemunhal, particularizando os depoimentos, a forma como foram prestados e explicitando por que motivo relevaram para efeitos da prova pretendida pela Recorrida e, bem assim, as casuísticas razões que apontaram para a credibilidade dos demais, o mesmo sucedendo no atinente à prova documental.
Em consequência, não pode proceder o alegado erro de julgamento de facto, nem qualquer erro na apreciação e análise critica da prova produzida nestes autos, motivo pelo qual se rejeita o recurso nesta parte.
Avançando.
Advoga também a Recorrente que a decisão recorrida padece de nulidade por excesso de pronúncia.
Se bem entendemos as alegações apresentadas, pretende a apelante que ao Tribunal estaria vedado efetuar cálculos para concluir pela existência de excesso na quantificação, tanto mais que os mesmos não foram alegados pela Recorrida. Mais argui que não tendo as quantidades de frutas e de caixas servido de fundamento para a correção, também não poderia o Tribunal a quo lançado mão das mesmas para sustentar a sua decisão de procedência da impugnação.
Apreciando.
As causas de nulidade da sentença que, como vimos, se encontram elencadas no artigo 125º mencionado, não incluem o erro de julgamento, seja ele de facto ou de Direito (neste sentido, entre muitos outros, o acórdão STJ, de 9.4.2019, Procº nº 4148/16.1T8BRG.G1.S1., in www.dgsi.pt). Deste modo, podemos afirmar que as nulidades das sentenças mais não são do que vícios formais decorrentes de erro de atividade ou de procedimento (error in procedendo) respeitante à disciplina legal. Estamos perante vícios de formação ou atividade que afetam a regularidade do silogismo judiciário da própria decisão e que se mostram obstativos de qualquer pronunciamento de mérito. Já, pelo contrário, o erro de julgamento (error in judicando) que resulta duma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error júris), de forma que o decidido esteja em desconformidade com a lei.
Como ensinava o Prof. José Alberto Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 1981, Vol. V, págs. 124, 125, embora no âmbito de outro compêndio, mas que é totalmente transponível para o Código de Procedimento e Processo Tributário, o magistrado comete erro de juízo ou de julgamento quando decide mal a questão que lhe é submetida, ou porque interpreta e aplica erradamente a lei, ou porque aprecia erradamente os factos. Já quando na elaboração da sentença, infringe as regras que disciplinam o exercício do seu poder jurisdicional comete um erro de atividade. Os erros da primeira categoria são de carácter substancial: afetam o fundo ou o efeito da decisão; os segundos são de carácter formal: respeitam à forma ou ao modo como o juiz exerceu a sua atividade.
Podemos, deste modo, afirmar que as causas de nulidade da decisão elencadas no artigo 125º aludido visam o erro na construção do silogismo judiciário, nunca estando subjacente às mesmas quaisquer razões de fundo, essas sim, que conduziriam a erro de julgamento.
Concluindo, o erro de julgamento, a injustiça da decisão e a não conformidade da mesma com o direito aplicável, não constituem nulidades da sentença, mas sim erros de julgamento (neste sentido podemos ver Antunes Varela, in Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª edição, 1985, pág. 686).
Em consequência, as nulidades das sentenças ditam a sua anulação, já as suas ilegalidades conduzem à revogação das mesmas (ex vi acórdão STJ de 17/10/2017, tirado no procº nº 1204/12.9TVLSB.L1.S1.).
Ocorrerá uma nulidade por excesso de pronúncia sempre que o Tribunal emita decisão sobre factos ou vícios que não tenham sido objeto de alegação pelas partes.
Posto isto, cumpre verificar se a decisão recorrida enferma da alegada nulidade por excesso de pronúncia com advoga a Recorrente.
Para tanto, comecemos por verificar o que foi alegado pela aqui Recorrida em sede impugnatória.
No seu libelo inicial a Recorrida invoca factos, designadamente nos artigos 39º a 54º, procurando sustentar que os valores de presunção de venda a que chegou a AT no seu relatório inspetivo, não correspondiam a valor próximos dos reais. Significa isto que embora não o invoque de forma expressa, a verdade é que com o alegado nos aludidos artigos da sua petição inicial, resulta claro que ela procura provar o excesso de quantificação, pelo que não ocorre qualquer excesso de pronúncia do Tribunal recorrido no que a esta questão respeita. O Tribunal a quo limitou-se a qualificar juridicamente o advogado pela Recorrida, dado que na sua peça inicial esta demonstrou alguma inépcia nessa qualificação.
Assim sendo, somos forçados a concluir que a decisão recorrida não enferma da nulidade que lhe é assacada pela Recorrente, motivo pelo qual o presente salvatério terá de improceder.
Avançando.
Sustenta ainda a Recorrente que o Tribunal a quo não deveria ter efetuado cálculos para considerar que existia excesso de quantificação, bem como não se verifica qualquer excesso de quantificação motivo pelo qual a decisão enferma de erro julgamento.
Vejamos como se encontra sustentada a decisão aqui escrutinada:
“- Excesso na quantificação.
Vem a impugnante defender o excesso de quantificação, apresentando para tal os seguintes argumentos:
1. A farinha adquirida com a indicação como sendo para bolo-rei, em cada ano, era utilizada para fazer bolo-rei mas também nos demais produtos;
2. As frutas adquiridas e contabilizadas não eram suficientes para produzir os quilos de bolo-rei que a AT afirma terem sido produzidos;
3. As caixas eram utilizadas para bolos, mas também para os pastéis.
Tal como invocado, a AT apenas efectuou correcções aos produtos bolo-rei, bolos tartes e tortas, nada corrigindo quanto aos produtos que maior expressão tiveram nos anos em causa na produção e facturação da impugnante – os denominados pastéis, que na verdade eram bolos pequenos.
Ora desde já se diga que se por um lado se considerou que a contabilidade era credível e se aceitaram as compras, da falta de apresentação de inventários, depreendeu a AT o consumo das matérias-primas compradas em cada exercício, em face da inexistência desses mesmos inventários.
E foi desta forma que se efectuou a quantificação da matéria colectável, partindo de todo o consumo das matérias-primas ou subsidiárias, com excepção de 18kg de frutas que se encontram num inventário apresentado quanto ao último exercício analisado.
Por outro lado, ficou provado que a farinha era utilizada para a produção de outros produtos que não apenas o bolo-rei, e apesar da AT ter considerado na análise aos argumentos expendidos em sede de audiência prévia, que a ser verdade sempre teriam de ser corrigidos os valores das vendas dos pastéis, tal não resulta dos autos ou do relatório de inspecção, pois a conclusão relativa à aceitação dos valores das vendas de pastéis não resultou da análise do confronto entre as compras e as vendas, nem da análise dos processos produtivos, mas antes por a AT ter considerado que os valores declarados eram coerentes, o que resulta do final do ponto IV. 2 – Indícios de omissões contabilística.
Na verdade quanto aos pastéis a AT nada indagou e se assim é, é também verdade que nada indicou quanto ao consumo das farinhas respectivas. Para que a conclusão da AT fosse verdadeira havia que ter sido verificada a compatibilidade do peso da farinha comprada com a produção dos produtos denominados pela AT como pastéis, mas também para produzir os demais produtos, que a tinham a farinha como matéria-prima, como os bolos, pães-de-ló, tortas e tartes.
É que como invocou a impugnante, para que a conclusão da AT se sustentasse, havia que ser possível concluir pela produção nos termos da correcção efectuada aos bolos-rei, pela análise das demais matérias-primas necessárias para produzir o bolo-rei, como é disso exemplo o consumo das frutas cristalizadas.
E neste ponto importa lançar mão do relatório da perito da AT em sede do procedimento de revisão, que aceitando este raciocínio no sentido de que o consumo de frutas tinha de ser também avaliado nas conclusões relativas ao bolo-rei, acabou por defender a redução dos valores corrigidos, o que fez defendendo que em cada ano, em função das compras de frutas cristalizadas, que foram consideradas consumidas na totalidade na produção do bolo rei, a impugnante utilizou para a produção de bolo rei uma proporção totalmente diferente de frutas, por quilo de farinha, defendendo que em 2004, para um consumo de 1.250 quilos de farinha, a impugnante usou 220,5 quilos de fruta, sendo que em 2005, a perita da FP já defende que para 650 quilos de farinha a impugnante usou 270 quilos de frutas, ao passo que em 2006 o consumo de farinha foi de 1.000 quilos de farinha, e de 325 quilos de frutas, e por fim, no ano de 2007 o consumo de farinha terá sido de 750 quilos de farinha e de 214,5 quilos de fruta.
Temos assim que a percentagem de consumo de fruta por quilo de farinha foi de 17,64%, passando para 41%, depois para 32,5% e por fim para 28,6%. Ora não é defensável, entendemos, que a receita de bolo-rei permitisse tamanhas variações na percentagem de frutas por quilo de farinha utilizada.
Na verdade tal só é defensável para a AT porque esta pretende manter a sua premissa no sentido de toda a farinha comprada com a designação “T 55 Bolo Rei” ter sido utilizada apenas para o fabrico de bolo-rei, e nos autos ficou provado o contrário.
E neste ponto importa também dizer que a impugnante tem razão quando afirma que o tipo de farinha a que a FP se refere era na verdade comprada todo o ano, visto que é farinha T55, e essa era utlizada todo o ano para a confecção dos vários bolos e pastéis, nada sendo possível concluir quanto à utilização que a impugnante dava à farinha pela sua designação comercial “T55 MF(…) b. rei”, que não dependia da impugnante, mas era escolhida pelo seu fornecedor.
Mais se diga que no estudo a que a AT lança mão se determina como ingredientes do bolo-rei “farinha T55” sem qualquer especificidade, pelo que o invocado pela impugnante é conforme com o estudo da própria AT.
Relevante é também chamar à colação o desperdício da farinha, que pela sua própria natureza sempre acontece, e também a sua utilização subsidiária no processo de fabrico de bolos, como alegado e ficou provado. Ora o certo é que a FP não considerou qualquer perda nos quilos de farinha adquirida com a designação “T55 (...) b.rei” apenas considerando quebras relativamente aos bolos depois de confeccionados. E esta desconsideração de perdas de farinha é manifestamente contra o senso comum, contra o que ficou provado e também por isso não pode proceder a quantificação a que a AT chegou.
Diga-se ainda que as conclusões da AT não são compatíveis com a única compra de 3.000 rótulos de bolo-rei, em 2005 e que manifestamente não seriam suficientes para a produção que a AT defende ter sido efectuada nos anos aqui em causa e que totalizam, nos anos de 2005 a 2007, os 6.264 quilos, e que, tendo em conta que os bolos-rei rondam um quilo cada, equivaleria a mais de 5.000 unidades de bolo-rei.
Ora da combinação do facto relativo à utilização da farinha tipo “bolo-rei” – farinha T55 - utilizada noutros bolos, da aceitação dos valores das compras pela AT, e bem assim também das frutas, e da insuficiência da compra de frutas cristalizadas para a produção dos quilos de bolo-rei que a AT imputa ao contribuinte, nos termos já invocados, assim como a desconsideração dos desperdícios de farinha e a sua utilização no processo produtivo, é possível concluir pelo manifesto excesso de quantificação, no que respeita ao bolo-rei.
No que respeita às correcções dos demais bolos, a correcção foi efectuada a partir das compras de caixas, sendo também concluindo pela AT que todas as caixas foram consumidas, em face de inexistirem caixas registadas em inventário.
Ora resultou provado nos autos que as vendas dos denominados pastéis, eram distribuídos utilizando as caixas de cartão ou cartolina, pelo que o consumo das caixas não se destinou unicamente à distribuição dos pães-de-ló, bolos tortas e tartes. Assim sendo não pode proceder o entendimento da FP no sentido de que o argumento relativo à utilização das caixas para distribuir mais do que um bolo tal não implicará a duplicação das correcções, visto que bolos eram, na verdade a designação de todos os produtos da impugnante, com excepção das tartes e tortas, e assim também aos produtos que a AT designou por pastéis e que resultou provado serem bolos do dia, como caracóis, bolas de berlim, e outros.
Para a manutenção dos actos impugnados escuda-se a FP numa intenção expressa pelo perito da impugnante, na comissão de revisão, relativa à sua não oposição quanto às correcções efectuadas aos bolos que não bolos-reis, mas tal é absolutamente irrelevante, já que tal posição foi tomada com vista à aceitação pela AT de alterações de maior monta quanto às correcções de bolo-rei.
Assim e de todo o exposto conclui o Tribunal ter resultado provado o excesso na quantificação da matéria colectável, impondo-se por isso a anulação total do acto,(…)”
Nenhuma razão encontramos para criticar a decisão aqui escrutinada.
Senão vejamos.
Por força do Princípio da Tributação pelo Lucro Real plasmado no art. 104º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa (doravante CRP), a tributação das entidades sujeitas a IRC deve incidir, fundamentalmente, sobre o seu lucro real.
Já o Princípio da Capacidade Contributiva, decorrência do Princípio da Igualdade, genericamente consagrado no art. 13º da CRP, em matéria fiscal encontra reflexo nos nºs 1 e 2 do já mencionado art. 104º da CRP, constitui um limite e um fundamento da tributação, constituindo-se como seu pressuposto e critério. Dele decorre que devem ocorrer situações de isenção fiscal para o mínimo de subsistência, bem como a proibição de situações de confisco. Por outro lado, impõe que o imposto seja construído, no patamar infraconstitucional, tendo em consideração indicadores efetivos de aptidão para suportar a prestação tributária. Por força ainda deste princípio, a lei fiscal deve tratar de forma igual e uniforme os factos que revelam ou exprimem a mesma capacidade contributiva (vertente positiva do Princípio da Igualdade) e tratar de forma diferenciada aqueles que revelam uma capacidade contributiva distinta (vertente negativa), assegurando que tal suceda na medida da respectiva diferença.
A propósito destes dois princípios, tem o Tribunal Constitucional entendido, em sede de tributação das empresas, designadamente no seu Acórdão nº 127/2004, de 03/03/2004 que “(…) o rendimento real fiscalmente relevante não é, em si próprio, uma realidade de valor fisicamente apreensível, mas antes um conceito normativamente modelado e contabilisticamente mensurável, sendo constituído, simpliciter, “pela soma algébrica do resultado líquido do exercício e das variações patrimoniais positivas e negativas [previstas na lei e] verificadas no mesmo período” (…) - o saldo entre os proveitos ou ganhos provenientes das mais diversas fontes, como vendas, bónus, comissões, rendimentos de imóveis, rendimentos de carácter financeiro, prestações de serviços, mais-valias realizadas, subsídios, etc., menos os custos ou perdas, como os encargos relativos à produção, distribuição e venda, encargos de natureza financeira e de natureza administrativa, encargos fiscais e parafiscais, reintegrações e amortizações, etc., acrescido das variações patrimoniais positivas ou diminuído das variações patrimoniais negativas, previstas na lei”.
No entanto, o princípio da Tributação pelo Lucro Real não é um princípio absoluto, desde logo, porquanto na redação do preceito constitucional foi utilizado o advérbio “fundamentalmente”, o que significa que podem existir exceções, sempre que as mesmas se encontrem devidamente fundamentadas e justificadas (neste sentido podemos ver, entre muitos outros, os Acórdãos do Tribunal Constitucional nº 55/2022, de 22/01/2022 e 680/2022, de 20/10/2022).
De entre as exceções ao Princípio da Tributação pelo Lucro Real, encontramos aquelas situações em que, quando a contabilidade dos sujeitos passivos apresentar deficiências, omissões ou incorreções que impedem o apuramento do lucro real, a AT deve de lançar mão de métodos indiretos de tributação.
Realça-se, no entanto, que por força do disposto no art. 75º, nº 1 da LGT e como decorrência clara deste princípio da Tributação pelo Lucro Real, as declarações dos contribuintes, bem como os dados e apuramentos inscritos na contabilidade dos mesmos, se presumem-se verdadeiras e de boa-fé, desde que estejam organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal.
Todo este regime de aplicação de métodos indiretos de tributação possui, deste modo, carácter subsidiário. Em consequência, e porque constitui uma situação de exceção, nomeadamente por força dos princípios constitucionais que já mencionámos, o seu regime foi rigorosamente desenhado pelo legislador fiscal, não apenas determinando em que condições pode ser aplicado, quais os meios graciosos e judiciais ao dispor dos contribuintes para os discutir, bem como fixando as regras de repartição do ónus da prova.
Assim, começa o art. 81º da Lei Geral Tributária (doravante LGT), por afirmar o carácter subsidiário dos métodos indiretos de tributação, estabelecendo o nº 1 deste preceito que:
1 - A matéria tributável é avaliada ou calculada directamente segundo os critérios próprios de cada tributo, só podendo a administração tributária proceder a avaliação indirecta nos casos e condições expressamente previstos na lei.”
Por outro lado, e por forma a estabelecer os fins visados quer pela avaliação directa, quer pela avaliação indirecta, o art. 83º do mesmo diploma legal, determina o seguinte:´
1 - A avaliação directa visa a determinação do valor real dos rendimentos ou bens sujeitos a tributação.
2 - A avaliação indirecta visa a determinação do valor dos rendimentos ou bens tributáveis a partir de indícios, presunções ou outros elementos de que a administração tributária disponha.”
Podemos, deste modo, afirmar que enquanto a avaliação direta tem como ponto de partida as declarações dos contribuintes e/ou os dados apurados na sua contabilidade, que se presumem verdadeiros, e com ele se apura o lucro real das entidades sujeitas a imposto, já a avaliação indireta visa apurar os rendimentos obtidos pelos contribuintes a partir de indícios de que a AT disponha ou presunções que faça. Significa isto que quando se aplicam métodos indiretos de tributação o legislador sabe que não vai apurar o lucro real das entidades a que se reporta o imposto, mas o valor mais aproximado possível daquele que seria o seu valor real.
Exatamente porque com a aplicação de métodos indiretos de tributação não se consegue apurar o lucro real e efetivo dos sujeitos passivos, mas porque há que respeitar os princípios constitucionais supra aludidos, o legislador não concedeu à AT nenhum poder discricionário, tendo estabelecido regras muito precisas, também, quanto às situações em que a presunção de veracidade pode cessar e as regras de repartição do ónus da prova, bem como que quando ocorra um excesso na quantificação o mesmo possa ser alegado com vista à anulação do ato.
Deste modo, na al. a) do nº 2 do art. 75º da LGT, estabelece ser necessário que as declarações, a contabilidade ou escrita revelem “… omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo”, o que significa que não são quaisquer erros ou omissões que fazem cessar a presunção de veracidade plasmada no nº 1 do preceito; é necessário que essas omissões, erros, inexatidões sejam de molde a impedir o conhecimento direto da matéria tributável real dos contribuintes, ou que existam indícios fundados de que a mesma (contabilidade) não reflete a matéria tributária real.
Em sede de IRS, e conformando-se com tudo o acima mencionado, estabelecia, à data dos factos, o artigo 39º do CIRS, o seguinte:
1 - A determinação do rendimento por métodos indirectos verifica-se nos casos e condições previstos nos artigos 87.º a 89.º da lei geral tributária e segue os termos do artigo 90.º da referida lei e do artigo 54.º do Código do IRC, com as adaptações necessárias.
2 - O atraso na execução da contabilidade ou na escrituração dos livros de registo, bem como a não exibição imediata daquela ou destes, só determinam a aplicação dos métodos indirectos após o decurso do prazo fixado para regularização ou apresentação, sem que se mostre cumprida a obrigação.
3 - O prazo a que se refere o número anterior não deve ser inferior a 5 nem superior a 30 dias e não prejudica a sanção a aplicar pela eventual infracção praticada.
Importa, por isso, trazer à colação os artigos 87º a 89º da Lei Geral Tributária.
O artigo 87º da LGT, elenca, de forma taxativa, as várias situações em que é possível lançar mão destes métodos indiretos de tributação, estabelecendo no seu nº 1, na parte relevante para os presentes autos, o seguinte:
1 - A avaliação indirecta só pode efectuar-se em caso de:
(…)
b) Impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável de qualquer imposto;
c) A matéria tributável do sujeito passivo se afastar, sem razão justificada, mais de 30% para menos ou, durante três anos seguidos, mais de 15% para menos, da que resultaria da aplicação dos indicadores objectivos da actividade de base técnico-científica referidos na presente lei.
d) Os rendimentos declarados em sede de IRS se afastarem significativamente para menos, sem razão justificada, dos padrões de rendimento que razoavelmente possam permitir as manifestações de fortuna evidenciadas pelo sujeito passivo nos termos do artigo 89.º-A;
e) Os sujeitos passivos apresentarem, sem razão justificada, resultados tributáveis nulos ou prejuízos fiscais durante três anos consecutivos, salvo nos casos de início de actividade, em que a contagem deste prazo se faz do termo do terceiro ano, ou em três anos durante um período de cinco.
f) Existência de uma divergência não justificada de, pelo menos, um terço entre os rendimentos declarados e o acréscimo de património ou o consumo evidenciados pelo sujeito passivo no mesmo período de tributação.
Mais, o art. 88º do diploma a que nos temos vindo a reportar, esclarece ainda quais são as situações concretas a que se refere a al. b) do nº 1 do preceito anteriormente mencionado, determinando que estamos perante situações enquadráveis na referida alínea sempre que ocorra uma das seguintes situações:
“(…)
a) Inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração, falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução quando não supridas no prazo legal, mesmo quando a ausência desses elementos se deva a razões acidentais;
b) Recusa de exibição da contabilidade e demais documentos legalmente exigidos, bem como a sua ocultação, destruição, inutilização, falsificação ou viciação;
c) Existência de diversas contabilidades ou grupos de livros com o propósito de simulação da realidade perante a administração tributária e erros e inexactidões na contabilidade das operações não supridos no prazo legal.
d) Existência de manifesta discrepância entre o valor declarado e o valor de mercado de bens ou serviços, bem como de factos concretamente identificados através dos quais seja patenteada uma capacidade contributiva significativamente maior do que a declarada.”
Por fim, chama-se ainda à colação o disposto no artigo 90º preceito onde estão elencados os elementos que a AT deverá ter em consideração para determinar a matéria tributável com base nestes métodos indiretos, e que estabelece o seguinte:
1 - Em caso de impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável, a determinação da matéria tributável por métodos indirectos poderá ter em conta os seguintes elementos:
a) As margens médias do lucro líquido sobre as vendas e prestações de serviços ou compras e fornecimentos de serviços de terceiros;
b) As taxas médias de rentabilidade de capital investido;
c) O coeficiente técnico de consumos ou utilização de matérias-primas e outros custos directos;
d) Os elementos e informações declaradas à administração tributária, incluindo os relativos a outros impostos e, bem assim, os relativos a empresas ou entidades que tenham relações económicas com o contribuinte;
e) A localização e dimensão da actividade exercida;
f) Os custos presumidos em função das condições concretas do exercício da actividade;
g) A matéria tributável do ano ou anos mais próximos que se encontre determinada pela administração tributária.
h) O valor de mercado dos bens ou serviços tributados;
i) Uma relação congruente e justificada entre os factos apurados e a situação concreta do contribuinte.”
De todo o regime supra aludido, retiramos que o legislador fiscal, em obediência ao comando constitucional de que a tributação deve ser efetuada pelo lucro real, em regra, espartilhou os poderes da AT por forma a que esta apenas possa deitar mão a estes métodos indiretos de tributação em situações muito concretas e obedecendo a critérios bem definidos e que calcule o lucro tributável do modo mais próximo possível àquele que foi o lucro real da entidade.
Também em sede de ónus da prova, o legislador, criou regras muito claras.
Assim, e por força do art. 74º da LGT, nestas situações compete à AT demonstrar a verificação dos pressupostos legais que lhe permitem a tributação por este método, demonstrando de forma absolutamente clara e inequívoca que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelos contribuintes ou que decorrem da sua contabilidade, sendo que o método indireto é o único que torna possível o apuramento do imposto. Após esta demonstração, cabe ao contribuinte o ónus de demonstrar que aqueles pressupostos não ocorrem ou que ainda que ocorram, existiu um erro ou excesso manifesto na quantificação da matéria coletável.
Neste sentido podemos ver inúmeros Acórdãos, entre os quais realçamos o Acórdão do TCA Norte proferido no Processo nº 00181/04.4BEVIS e datado de 26/10/2017, onde é afirmado o seguinte:
I. Face às regras do ónus da prova (arts. 324º do Código Civil e 74º da LGT) compete à administração tributária, quando pretende utilizar o mecanismo dos métodos indiretos, demonstrar a verificação dos pressupostos legais que permitem a tributação por esse método, mostrando, de forma clara e inequívoca que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àquele método se tomou a única forma de calcular o imposto, externando os elementos que a levaram a concluir nesse sentido.
II - Após que recai sobre o contribuinte o ónus de demonstrar que aqueles pressupostos não se verificam ou que, verificando-se, houve erro ou manifesto excesso na quantificação
Na mesma senda, o Acórdão do TCA Sul proferido no Processo nº 04785/11 e datado de 20/12/2012, esclarece que:
“1. Encontram-se preenchidos os pressupostos para o lucro tributável ser apurado por métodos indirectos quando através da contabilidade da contribuinte, mercê das suas omissões, deficiências ou irregularidades, não é possível apurar os reais custos e nem os reais proveitos;
2. Em sede de impugnação judicial, actualmente, no âmbito da vigência da LGT e do CPPT; cabe à Administração Fiscal assentar os pressupostos que levaram à tributação, em juízos de probabilidade, necessariamente elevada, e ao contribuinte, que alegue e prove factos (através de prova concludente) que ponham em dúvida (fundada) os pressupostos em que assentou o juízo de probabilidade elevado feito pela Administração para prova da existência do facto tributário,'
3. Não tendo a impugnante, em sede de contra alegações, quanto ao fundamento em que decaiu na 1.ª Instância, vindo esgrimir as concretas razões por que se mostram errados os fundamentos que o estearam, não pode o mesmo deixar de improceder, na falta também, de qualquer fundamento de conhecimento oficioso que outra solução ditasse;
4. Não tendo a impugnante vindo fazer qualquer prova da desadequação do critério utilizado pela AT para a determinação da quantificação da matéria tributável alcançada e nem que esta possa padecer de qualquer erro ou excesso, não pode a mesma deixar de se inverter, por tal ónus probatório, neste caso, lhe cabe.”
De tudo o acima referido, podemos concluir que impede sobre a AT, no seu relatório inspetivo, invocar, concretizar, indicar os motivos concretos que a levam a desconsiderar a contabilidade dos sujeitos passivos inspecionados, por forma a afastar a presunção de veracidade de que a mesma beneficia, ao amparo do disposto no artigo 75º da LGT, e a obrigam a lançar mão deste método subsidiário de apuramento do lucro tributável dos contribuintes, indicando também qual o método que utilizaram para proceder ao aludido apuramento e dos elementos de que se socorreram para tal.
Na verdade, embora a avaliação indireta visa a determinação do valor dos rendimentos ou bens tributáveis a partir de indícios, presunções, necessário se torna que esses indícios se encontrem provados, impendendo essa prova sobre a AT.
Após a demonstração da necessidade de recurso a métodos indiretos de tributação, impenderá sobre o contribuinte demonstrar o excesso da quantificação alcançada pela AT, designadamente pela utilização de métodos ou elementos credíveis.
Dizer ainda que muito embora com a aplicação de métodos indiretos de tributação nunca se consiga chegar ao verdadeiro lucro tributável dos sujeitos passivos, tal situação não pode acarretar um excesso na quantificação do lucro apurado com este método.
Efetuado este breve enquadramento da questão e não se encontrando aqui em causa saber se se encontravam reunidos ou não os pressupostos para aplicação de métodos indiretos de tributação, mas tão só a questão de saber se ocorreu ou não excesso na quantificação, cumpre baixar ao caso dos autos para aquilatar do bem decidido pelo Tribunal a quo no que tange ao excesso de quantificação.
Como vimos acima, o Tribunal a quo considerou ter existido excesso de quantificação não apenas porque a AT não curou de saber se a farinha para Bolo-Rei apenas possuía aquela utilização, mas também por não terem sido consideradas outras perdas decorrentes do processo de fabrico e não ter atribuído qualquer relevância à compra de frutas cristalizadas, embora a elas se tenha referido, no fabrico do bolo-rei.
Vejamos então.
A primeira observação vai para o facto de a única conta que se revela efetuada pelo Tribunal a quo prende-se com a proporção das frutas utilizadas na confeção, não tendo sido apenas este o elemento único ou fundamental para decidir como decidiu.
Mais se refira que este elemento consta do relatório inspetivo, bem como da decisão que recaiu sobre o pedido de revisão [vide pontos f), h) e j) do probatório].
O fundamento fulcral da AT para efetuar a correção como efetuou, foi a compra dum determinado tipo de farinha numa determinada quantidade, em dois meses em cada um dos anos, a relação entre o peso de farinha e o peso de bolo produzido com a mesma, sem ter, por um lado, curar de indagar se essa farinha era também comprada noutras alturas do ano e, por outro lado, se a mesma era utilizada no fabrico doutro tipo de bolo que não apenas o bolo-rei. A AT, quer no relatório inspetivo, quer no ato que decidiu a reclamação para a Comissão de Revisão, limitou-se a considerar que aquele tipo de farinha apenas poderia ser utilizado naquele tipo de produto e apenas era comprada naqueles dois meses específicos do ano.
Por outro lado, desconsiderou a existência de quais quer perdas decorrentes do produto de fabrico que, pelas regras da experiência comum, ocorrem aquando do manuseamento da farinha, sendo certo, também que a mesma não é apenas utilizada no bolo-rei, mas também em outras fases da produção. As únicas perdas que a AT considerou no seu relatório inspetivo estão relacionadas com devoluções e sobras, descurando por completo as quebras normais e decorrente do próprio processo de fabrico dos bolos.
Mais, desconsiderou em absoluto até um próprio estudo que invoca para efetuar a correção, da Direção de Finanças de Coimbra, que se prende com a utilização de frutas e das quantidades das mesmas que são, normalmente, utilizadas na confeção daquele tipo de produto de pastelaria e o relevo das mesmas na proporção de peso de farinha utilizada versus peso final do produto.
Efetivamente, diga-se que não é apenas um determinado peso de farinha que propicia a produção dum determinado peso de bolo-rei. A utilização de frutas numa determinada quantidade determina necessariamente o aumento do peso do produto final e a utilização de uma menor quantidade de frutas, pelas regras básicas da lógica, acarretaria um peso menor e uma menor relação entre o peso da farinha utilizada versus peso de bolo-rei produzido. Ou seja, se para um kg de farinha for utilizado um kg de frutas, acrescidas dos outros produtos necessários à confeção do referido produto se consegue 2,9kg de bolo-rei, se for utilizada uma menor quantidade de fruta, naturalmente que será conseguida uma menor quantidade de bolo expressa em kg, tanto mais que é afirmado pela própria AT que as frutas não reduzem de peso no processo de confeção.
Dito isto, e sendo certo que de acordo com o próprio relatório inspetivo apenas foram utilizados 1030kg de fruta, o peso do produto final não pode nunca corresponder a 2,9kg por cada kilo de farinha utilizado.
Ademais, nunca no relatório inspetivo é apurado se, no período em referência e relativamente às outras farinhas adquiridas, as mesmas seriam suficientes para a produção dos demais produtos fabricados pela Recorrida ou se, pelo contrário, teria de ser utilizada também farinha distinta daquela que a AT admite como passível de ser utilizada na produção dos demais produtos.
Acresce ainda que resultou provado nestes autos que a farinha em questão poderia ser utilizada para a confeção de produtos distintos do bolo-rei, pelo que não se pode, também por aqui concluir que toda a farinha adquirida pela Recorrida com aquela designação, apenas possa ter aquela utilização.
Se, por hipótese, se considerasse que todos estes elementos não fossem, como bem realça a sentença recorrida, suficientes para considerar que existiu um excesso na quantificação, existe ainda um outro elemento cuja desconsideração seria, também, essencial no cálculo das mercadorias vendidas, pelo menos no exercício de 2007.
De acordo com o relatório inspetivo, para o exercício de 2007 foi pela Recorrida apresentado um inventário final de existências. No entanto, a AT considera que não deve dar relevância a eventuais existências finais, especialmente relevantes caso delas constassem a farinha para bolo-rei, com um fundamento que, na verdade, é absolutamente desprovido de razoabilidade. Sustenta a AT que a circunstância de não terem sido apresentados outros inventários não deveria considerar aquele porque “como estamos a analisar 4 anos e as existências finais de um ano seriam as existências iniciais do ano seguinte, tal facto, não vai ter qualquer relevância no resultado final.” Ora, admitindo-se que tal seria verdade nos anos antecedentes uma vez que não se sabia quais as quantidades de produtos que haviam transitados duns exercícios para os seguintes, já no que respeita ao exercício de 2007, a sua consideração assumiria muita relevância pois uma menor quantidade de farinha utilizada significaria, necessariamente, uma menor quantidade de produtos produzidos e, consequentemente, vendidos.
Ora, é exatamente tendo em vista este conjunto de erros no cálculo do quantum do lucro tributável da Recorrida que a sentença sob escrutínio considerou, e bem, que existia excesso de quantificação.
Consequentemente, improcedente terá de ter também de ser considerado o presente recurso.
Advoga ainda a Recorrente, se bem entendemos o seu argumentário, que tendo-se concluído pelo excesso de quantificação, o Tribunal a quo deveria ter considerado, em face das contas por si efetuadas, que o ato apenas seria parcialmente anulado.
Também aqui não conseguimos acompanhar a posição da apelante.
Sobre esta questão concreta já se pronunciou o Pleno da Sessão de Contencioso Tributário de 10/04/2013, tirado no processo nº 0298/12, onde aquele Supremo Tribunal sumaria o seguinte:
I - O acto tributário, enquanto acto divisível, tanto por natureza como por definição legal, é susceptível de anulação parcial.
II - O critério para determinar se o acto deve ser total ou parcialmente anulado passa por determinar se a ilegalidade afecta o acto tributário no seu todo, caso em que o acto deve ser integralmente anulado ou apenas em parte, caso em que se justifica a anulação parcial.
III - Sendo legal o recurso ao método indirecto previsto no n.º 4 do artigo 89.º-A e verificando-se que a ilegalidade da quantificação operada pela Administração tributária se circunscreve à desconsideração da justificação parcial da manifestação de fortuna no cálculo do rendimento padrão - ilegalidade esta que se verifica apenas na medida da não justificação, que não no demais, e corrigível mediante mera operação aritmética que, em cumprimento do decidido, expurgue do valor da matéria colectável fixada o valor justificado -, haverá lugar à anulação apenas parcial do acto sindicado, que não à sua anulação total.
Acontece, porém, que no caso dos autos a ilegalidade cometida na quantificação não se circunscreve a um único elemento, mas a um conjunto de elementos que não permitem que o Tribunal, por desconhecimento de todos os elementos que não constam nem do relatório inspetivo, nem dos autos, quantificar o lucro tributável. Na verdade, neste nosso caso, foram desconsiderados pela AT um conjunto de elementos relevantes para o apuramento do lucro tributável que não permitem que se possa afirmar que que a ilegalidade se circunscreve a uma determinada parte do ato.
Assim sendo, improcedente terá de ser também julgado o presente recurso nesta parte.
Finalmente, argui também a Recorrente que foi violado, pelo Tribunal a quo, o disposto no artigo 74º da LGT e os artigos 100º e 117º, ambos do CPPT.
Se bem entendemos as alegações da apelante, tal deve-se ao facto de não ter a Recorrida logrado provar o excesso de quantificação.
Ora, por tudo o já acima afirmado aquando da apreciação do erro de julgamento quer de facto, quer de Direito, não assiste qualquer razão à Recorrente.
Por um lado, de nenhum erro de julgamento de facto enferma a decisão recorrida, especialmente quando deu por assente que a farinha para bolo-rei pode ser utilizada na confeção doutros bolos.
Por outro lado, e relativamente ao excesso de quantificação ficou demonstrado à exaustão que o mesmo ocorreu, desde logo, porque a AT não respeitou não apenas orientações por ela mesma elaboradas, mas também porque não teve em consideração todos os elementos necessários para um apuramento do lucro tributário o mais próximo da realidade quanto possível.
Concluímos, deste modo, pela improcedência total do presente salvatério.

*
CUSTAS
No que diz respeito à responsabilidade pelas custas, atendendo ao total decaimento da Recorrente, a mesma é responsável pelas mesmas, em ambas as instâncias [cfr. art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT].
***
III- Decisão

Face ao exposto, acordam em conferência os Juízes da Subsecção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.


Custas pela Recorrente.

Lisboa, 18 de Setembro de 2025
Cristina Coelho da Silva - Relatora
Isabel Silva (em substituição)
Sara Loureiro