Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:845/05.5BELSB
Secção:CT
Data do Acordão:06/22/2023
Relator:VITAL LOPES
Descritores:IVA
PEDIDO DE REEMBOLSO
REACÇÃO CONTRA ACTO QUE DENEGA O REEMBOLSO DE IVA
PRAZO
Sumário:I - O pedido de reembolso de IVA, formulado nos termos do disposto no art.º 22º do CIVA, tem uma tramitação própria tendente à prolação de um acto final que procederá à definição do concreto quantum a ser reembolsado, estando previsto um modo de impugnação próprio definido nos termos do art.º 87º-A (Redacção então em vigor, actual 93º.) do CIVA, quanto aos prazos e às competências.
II - Assim, se o sujeito passivo é notificado da decisão de indeferimento do pedido de reembolso em 27/10/2003 e só vem a deduzir impugnação judicial em 31/03/2005 no seguimento de notificação da liquidação do IVA, com data limite de pagamento em 31/12/2004, o tribunal não pode conhecer, por intempestividade, do mérito da denegação do reembolso, configurada como causa de pedir – e única - da impugnação da liquidação.
Votação:Unanimidade
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I. RELATÓRIO



A Exma. Representante da Fazenda Pública, recorre da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a impugnação judicial apresentada por T… – ILUMINAÇÃO E DECORAÇÃO, LDA., contra as liquidações de IVA e Juros Compensatórios referenciadas ao 2.º T/2003, nos montantes respectivos de 6.435,73€ e 232,03€, alegando para tanto e conclusivamente, o seguinte:
«
A) Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou procedente a impugnação judicial à margem identificada, deduzida por “T… & M … – Iluminação e Decoração, Lda. ”, contra as liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios do ano de 2003, com os n.ºs 04342612M e 04342613M, no valor, respetivamente, de €6.435,73 e €232,03;
B) Entendeu o Tribunal a quo assistir razão à Recorrida, impugnante, concluindo que esta podia “deduzir as despesas ocasionadas com a atividade que se propunha vir a exercer, e qua há um nexo de direito e imediato entre as operações a montante e as operações a jusante com o direito à dedução.(…)”;
C) Conforme resulta dos factos assentes descritos na sentença ora recorrida, a Recorrida, Impugnante, iniciou a sua atividade em 09/06/2000, tendo cessado a mesma em 31/05/2001 - als. B) e C) dos factos provados;
D) Também conforme resulta dos factos considerados como assentes pelo Tribunal recorrido, a Recorrida, Impugnante, solicitou, na declaração periódica relativa ao 2º trimestre de 2001, o reembolso de crédito de IVA, nos termos do n.º 6 do art. 22º do CIVA, no valor de €6.435,73
E) Tendo o mesmo reembolso sido indeferido na sequência da analise interna efetuada à Recorrida, Impugnante, porquanto, “(…) entregou declarações periódicas de IVA onde evidencia (…) deduções de IVA respeitante ao imobilizado, existências e outros bens e serviços, não evidenciando as mesmas quaisquer operações activas (…)”;
F) Ou seja, o reembolso solicitado foi indeferido pelo facto de, no período em causa (09/06/2000 e 31/05/2001), a Recorrida, Impugnante, não ter realizado quaisquer operações tributáveis - al. F) dos factos assentes;
G) Do indeferimento proferido foi a Recorrida, Impugnante, tendo-se conformado com tal decisão;
H) A própria Recorrida, Impugnante, admite que naquele período não realizou qualquer operação tributável, tal como confessa no art. 24º da sua PI, bem como que não exerceu, sequer, qualquer atividade;
I) Incorre, assim, desde logo, a sentença em erro de julgamento de facto, porquanto deveria ter considerado tais factos como assentes no seu probatório, o que, no entender da Recorrente, Fazenda Pública, levaria, desde logo, à tomada de decisão diferente da recorrida, como segue: “- A Impugnante não praticou qualquer operação tributável entre o inicio da sua atividade, 09/06/2000 e a data em que cessou a mesma, 31/05/2001;
- Notificada do indeferimento do reembolso do crédito de IVA solicitado, a Impugnante conformou-se com o mesmo.”;
J) O procedimento de reembolso, como qualquer outro procedimento administrativo em matéria tributária, é composto por uma sequência de atos tendentes à obtenção de um resultado, o peticionado reembolso de imposto, sendo que, o sujeito passivo ao ver indeferida a sua pretensão pode sindicar tal ato, recorrendo à via graciosa ou judicial;
K) No caso vertente, conformou-se com tal ato, consolidando-se o mesmo na ordem jurídica, pelo que, tendo a Recorrida, Impugnante, direito ao reembolso de crédito de IVA solicitado e com referência ao período compreendido entre a data de início da sua atividade e a data de cessação da mesma (09/06/2000 e 31/05/2001), não poderia voltar a incluí-lo, como fez, na declaração periódica do 2º semestre de 2003, quando reiniciou a sua atividade, única e exclusivamente, para efeitos de liquidação e dissolução;
L) Em 09/06/2003, a Recorrida, Impugnante, reiniciou a sua atividade, única e exclusivamente para efeitos de liquidação e dissolução e procedeu à sua cessação definitiva em 30/06/2003;
M) Não poderia a Recorrida, Impugnante, utilizar o crédito de reembolso anteriormente indeferido e não contestado por qualquer meio, inscrevendo-o no campo 61 da declaração periódica relativa ao ano de 2003;
N) Independentemente da boa fé pela qual agiu a Recorrida, Impugnante, referida na sentença recorrida, o que a Recorrente, Fazenda Pública, nunca pôs em dúvida, para efeitos de reembolso de IVA e uma vez que o mesmo excedia o valor de €1.000,00, sempre teria aquela de prestar garantia, nos ternos termos do n.º 7 do art. 22º do CIVA, na redação à data em vigor, não significando, assim, a solicitação da prestação da garantia que o reembolso iria ser aceite;
O) Após a verificação da utilização do excesso a reportar indevido, no campo 61, decorrente da análise efetuada à conta corrente da Recorrida, Impugnante, a Direção de Serviços do IVA notificou-a do novo indeferimento, tendo esta, uma vez mais, se conformado, do mesmo não tendo recorrido hierarquicamente, reclamado ou impugnado, facto esse que deveria ter sido considerado pelo Tribunal recorrido: “Da notificação referida em N) foi a Impugnante informada que poderia, daquela decisão, recorrer hierarquicamente reclamar ou impugnar, o que não fez.”;
P) O reembolso do IVA consiste na devolução ao sujeito passivo do imposto por ele suportado em excesso durante determinado período temporal;
Q) Por sua vez, o sistema de dedução de IVA consiste na faculdade que o sujeito passivo tem de poder deduzir ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efetuou o tributo que lhe foi faturado nas suas aquisições de bens ou serviços por outros sujeitos passivos de IVA;
R) Utilizando o denominado método subtrativo indireto (ou de crédito de imposto), o sujeito passivo deduz ao imposto liquidado nos seus "outputs", o imposto liquidado nos respetivos "inputs", tudo reportado ao mesmo período de tempo;
S) No período em que a Recorrida, Impugnante, solicita o reembolso do IVA (09/06/2003 e 30/06/2003), limitou-se esta a proceder à transmissão de todos os seus ativos, pois, como se viu, apenas reiniciara a sua atividade com o objetivo único de proceder à sua liquidação e dissolução;
T) não realizou quaisquer operações tributáveis passíveis de qualquer dedução nos termos dos arts.19º e 20º do CIVA;
U) Nos termos do artigo 20° do CIVA, determina-se que apenas pode ser deduzido o IVA que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização dos seus fins próprios, ou seja, pretende-se que o imposto que onerou a montante determinados bens e serviços só seja dedutível se os mesmos foram utilizados para a obtenção de receitas objeto de tributação a jusante;
V) A dedutibilidade está dependente da intenção ser exercida uma atividade económica, determinada por elementos objetivos e assente num procedimento de boa fé por parte do sujeito passivo (cfr.ac.do TJCE de 29/2/1996, Proc.C-110/94, Caso INZO; ac.do TJCE de 15/1/1998, Proc.C-37/95, Caso Ghent Coal);
W) Sendo que, a mesma jurisprudência, tal como é referido na sentença recorrida, vem admitindo, também, que o direito à dedução, mesmo na falta de nexo direto e imediato entre uma determinada operação a montante e uma ou várias operações a jusante com direito a dedução, quando os custos dos serviços em causa fazem parte das suas despesas gerais e são, enquanto tais, elementos constitutivos do preço dos bens que fornece ou dos serviços que presta;
X) Contudo, no caso vertente, para além do facto de o reembolso do crédito de imposto ter sido indeferido e se ter consolidado na ordem jurídica;
Y) Ao contrário do que decorre da sentença recorrida, é por demais evidente que não estão reunidos os requisitos do direito à dedução de IVA pela Recorrida, Impugnante, dado que, os bens do ativo e imobilizado adquiridos por aquela e transmitidos em 2003, após o reinicio da atividade, não chegaram a ser utilizados para a obtenção de receitas objeto de tributação a jusante;
Z) A Recorrida, Impugnante, nem sequer demonstrou intenção de exercer a atividade, uma vez que, como a própria confessa, apenas reabriu a atividade para liquidação e dissolução, tendo cessado a mesma logo de seguida, não tendo exercido operações tributáveis que lhe conferem direito à dedução, está-lhe vedado o direito que se arroga;
AA) A douta sentença incorre em erro de julgamento que resulta não só da incorreta valoração da factualidade assente, como também da errónea interpretação e violação da lei e decidindo como decidiu, o Tribunal a quo não apreciou corretamente a prova produzida e que faz parte do processo, fazendo, por isso, errada aplicação os arts. 19º, 20º e 22º do CIVA.
Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., e em face da motivação e das conclusões atrás enunciadas, deve ser dado provimento ao presente recurso, e, em consequência revogada a douta sentença recorrida, substituindo-a por outra que julgue improcedente a impugnação judicial, com as legais consequências;
PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO
A COSTUMADA JUSTIÇA.».

A Recorrida apresentou contra-alegações que culmina com as seguintes e doutas conclusões:
«
Nestes termos e nos demais de Direito aplicáveis, mas sempre com o douto suprimento de V. Exas., Venerandos Desembargadores:
1.ª Deve rejeitar-se liminarmente a interpretação abusivamente extensiva dos termos legais, por ilegalidade, face à Constituição da República e ao artigo 8º da Lei Geral Tributária;
2.ª Considerar-se nula a liquidação adicional de IVA em referência na presente alegação, respeitante ao segundo trimestre de 2003, por vício de ilegalidade em que a mesma incorre, como ficou demonstrado, face ao artigo 103º da Constituição da República Portuguesa e ao artigo 8º da Lei Geral Tributária; bem como considerar-se igualmente nula a liquidação adicional de juros compensatórios recebida, atendendo ao nexo de dependência substancial que apresenta em relação à liquidação adicional de IVA referida na conclusão anterior;
3.ª Proceder-se à devolução à ora contra-alegante do valor total de EUR. 6.667,76, respeitante às liquidações adicionais de IVA e de juros compensatórios em referência, o qual foi por si pago à Fazenda Pública no dia 27 de Dezembro de 2004;
4.ª Processar-se a liquidação dos juros indemnizatórios devidos à ora recorrida, considerando o lapso temporal durante o qual a Fazenda Pública dispôs de determinados
montantes de IVA e de juros compensatórios que inequivocamente não lhe pertencem;
5.ª Em súmula: os actos impugnados, porque feridos de vício de violação da lei, devem ser anulados e, consequentemente, mantida a douta sentença a quo que determinou que as liquidações adicionais de IVA e de juros compensatórios impugnadas, nos montantes EUR. 6 435,73 e EUR. 232,03, respectivamente, devem ser anuladas com as legais consequências, ou seja, com a integral reconstituição da situação tributária do Contribuinte.

Por ser assim,
6.ª Não há, qualquer erro na apreciação do direito que vicie a douta sentença recorrida.
Claudica, pois, toda a argumentação da Recorrente, havendo que concluir pela integral
procedência da impugnação judicial, como bem julgou o Tribunal a quo;
7.ª Tanto mais que a Fazenda Pública, numa postura processualmente reprovável, mente despudoradamente, porquanto bem sabe que a ora apelada realizou operações tributáveis no decurso da sua atividade, na medida em que, como consta dos factos, transmitiu elementos do seu activo, tendo liquidado o correspondente IVA no valor de EUR. 1.955,44, valor que, aliás, foi incluído na sua declaração periódica de IVA relativa ao 2.º trimestre de 2003, o que, por si só, deveria ter conduzido a que a Autoridade Tributária tivesse aceitado, há cerca de 17 anos atrás, o pedido de reembolso solicitado nessa declaração, evitando-se o presente “martírio” que, infelizmente, ainda perdura até douta prolação de Acórdão deste Colendo Tribunal.
Com o que se fará, transcorridas quase duas décadas, a mais elementar, equitativa e cristalina
Justiça!».

O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer concluindo que o recurso merecerá provimento, devendo a decisão proferida ser revista.

Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Assim, analisadas as conclusões da alegação, a questão central que cumpre dirimir reconduz-se a indagar se a sentença incorreu em erro de julgamento, de facto e de direito, ao conhecer do mérito da decisão de denegação do reembolso na impugnação da subsequente liquidação do IVA originada naquela decisão.
***

III. FUNDAMENTAÇÃO
A) OS FACTOS

Na sentença recorrida deixou-se factualmente consignado:
«
Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos com interesse para a decisão:

A) A Impugnante dedicava-se à atividade de importação, exportação e comércio de produtos de iluminação e decoração (cf. artigo 1º da pi);

B) A Impugnante iniciou a atividade em 2000.06.09 (cf. fls. fls. 31 de doc. nº 003931822 registado em 31-03-2005 às 10:09:43);

C) Em 2001.05.31, a Impugnante preencheu e entregou no Serviço de Finanças de Lisboa-4, declaração de cessação de atividade, constante de fls. 28 de doc. nº 003931822 registado em 31-03-2005 às 10:09:43, que aqui se dá por integralmente reproduzida;

D) Na declaração periódica de respeitante ao 2º trimestre de 2001, solicitou o reembolso de crédito de IVA no montante de € 6 435,73 (cf. fls.64 do PA);

E) Em 2002.04.22, foi notificada do projeto de correções no qual era proposto o indeferimento do reembolso de IVA solicitado (cf. artigo 7º da pi e fls. 29 de doc. nº fls. 28 de doc. nº 003931822 registado em 31-03-2005 às 10:09:43);

F) Em 2002.05.07, foi elaborada a informação interna constante de fls. 142, doc. nº 006848936 registado em 28-02-2020 às 10:46:54, que aqui se dá por integralmente reproduzida e da qual se transcreve:
(…)
Fundamentação das correções
O sujeito passivo iniciou a sua atividade em 2000.07.01, tendo cessado a mesma em 2001.05.31.
Durante este período entregou declarações periódicas de IVA onde evidencia (…) deduções de IVA respeitante ao imobilizado, existências e outros bens e serviços, não evidenciado as mesmas quaisquer operações ativas.
Do exposto propõe-se o indeferimento do reembolso solicitado relativo ao período de 0106T no montante de € 6 435,73, nos termos do artigo 20º CIVA.
(…)

G) Por despacho de 2002.05.09, do Diretor de Finanças exarado na informação identificada na alínea anterior, foi indeferido o reembolso solicitado pela Impugnante; deste despacho transcreve-se:
Proceda-se como se propõe.
(…)

H) Em 2003.06.09, a Impugnante reiniciou a atividade (cf. fls. 31 de doc. nº 003931822 registado em 31-03-2005 às 10:09:43);

I) Tendo posteriormente procedido à transmissão de todos os ativos e liquidado IVA no montante de € 1 955,44;

J) E, em 2003.06.30, a Impugnante cessou definitivamente a atividade;

K) E, entregou a declaração periódica de IVA em que solicitou o reembolso do crédito de IVA;

L) A Impugnante foi notificada para prestar garantia relativa ao pedido de reembolso de IVA apresentado em 2003.08.11, respeitante ao período de 2003.04.01 a 2003.06.30, no montante de € 4 556,29 (cf. fls. 37 de doc. nº 003931822 registado em 31-03-2005 às 10:09:43);

M) Em 2003.09.18, foi emitida a garantia bancária nº 125-02-0…, sobre o Banco C…, no montante de € 4 556,29, constante de fls. 36 de doc. nº 003931822 registado em 31-03-2005 às 10:09:43, que aqui se dá por inteiramente reproduzida para todos os efeitos legais;

N) Por carta registada com aviso de receção assinado em 2003.10.27, foi enviado à Impugnante o ofício-notificação nº 154336, de 2002.09.18, constante de fls. 51 do processo administrativo (PA), que aqui se dá por integralmente reproduzido, informando que por despacho de 2002.09.16, do Diretor de Serviços, proferido no pedido de reembolso relativo ao período de 0106T, da quantia de € 6 435,73, se procedeu à liquidação da quantia de € 6 435,73;

O) Em 2004.11.09, foi emitida a liquidação adicional de IVA nº 04342612M, relativa ao período de 0306T, com valor a pagar de € 6 135,73 e data limite de pagamento até 2004.12.31 (cf. fls. 24 de doc. nº 003931822 registado em 31-03-2005 às 10:09:43);

P) Em 2004.12.27, a Impugnante satisfez via multibanco € 6 435,73, respeitantes à liquidação adicional de IVA nº 04342612M, relativa ao período de 0306T (cf. fls. 25 de doc. nº 003931822 registado em 31-03-2005 às 10:09:43);

Q) Em 2004.12.27, a Impugnante satisfez via multibanco € 232,03, respeitantes à liquidação adicional IVA - de juros compensatórios nº 04342613M, relativa ao período de 0306T (cf. fls. 26 de doc. nº 003931822 registado em 31-03-2005 às 10:09:43);

R) Em 2005.03.31, a presente impugnação deu entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa (cf. carimbo aposto a fls. 1 de doc. nº 003931822 registado em 31-03-2005 às 10:09:43).

b) Factos não provados

Os factos constantes das precedentes alíneas consubstanciam o circunstancialismo que, em face do alegado nos autos, se mostra provado nos autos com relevância, necessária e suficiente à decisão final a proferir, à luz das possíveis soluções de direito.

IV – Motivação da Decisão de Facto

A decisão da matéria de facto, consonante ao que acima ficou exposto, efetuou-se com base nos documentos e informação constantes do processo.».
*

Entende a Recorrente Fazenda Pública que se impõe a alteração da decisão de facto, de modo a constar da matéria assente que “A impugnante não praticou quaisquer operações tributáveis entre o início da sua actividade, 09/06/2000 e a data em que cessou a mesma, 31/05/2001” e que “Notificada do indeferimento do reembolso do crédito de IVA solicitado, a impugnante conformou-se com o mesmo”, factos que, diz em sede de alegações, factos que, respectivamente, se retiram da prova que suporta o ponto N) do probatório e de confissão da ora recorrida expressada no art.º 24.º da douta P.I.

Por se tratarem de factos com interesse para a decisão, aditam-se ao probatório os seguintes factos, provados como se indica:

N.1) Mais consta do ofício-notificação referido no anterior ponto N), com a epígrafe “Reembolsos de IVA”, que “Caso não concorde com a decisão, poderá contra ele recorrer hierarquicamente ou deduzir reclamação ou impugnação judicial, nos termos do artigo 87.º-A do referido Código, contando-se os prazos a partir do dia imediato ao da recepção da presente notificação”.

S) A impugnante não efectuou quaisquer operações activas no período compreendido entre o início declarado de actividade em 01/07/2000 e a cessação declarada de actividade, em 31/05/2001 – cf. artigos 2.º e 24.º da douta P.I. e doc.3 junto à P.I., a fls.30 dos autos e informação burocrática a fls.64 do apenso.

B.DE DIREITO

Estabilizado o probatório e debruçando-nos sobre o que nuclearmente importa para as questões do recurso, constata-se que a impugnante/ recorrida iniciou a sua actividade em 01/07/2000, tendo-se colectado pela actividade de comércio por grosso de electrodomésticos (CAE 051430), e ficando enquadrada em sede de IVA no regime normal trimestral (informação a fls.64 do apenso).

Em 31/05/2001, apresentou declaração de cessação de actividade.

Na declaração periódica reportada ao 2.º trimestre de 2001, solicitou o reembolso do crédito de IVA aí apurado, no montante de 6.435,73 euros.

Pedido sobre que recaiu informação no sentido do indeferimento “dada a inexistência de operações activas” no período de actividade (citada informação a fls.64 do apenso e projecto de correcções de 18/04/2002, a fls.31/32 dos autos).

Por despacho de 16/09/2002, do Sr. Director dos Serviços de Reembolso do IVA, notificado à impugnante/ recorrida em 27/10/2003, foi indeferido o pedido de reembolso relativo ao período de 01-06T, nele se referindo expressamente que: “Caso não concorde com a decisão, poderá contra ele recorrer hierarquicamente ou deduzir reclamação ou impugnação judicial, nos termos do artigo 87.º-A do referido Código, contando-se os prazos a partir do dia imediato ao da recepção da presente notificação” (oficio a fls.51 do apenso instrutor).

Como o ilustram os pontos O) a Q) do probatório, a recorrida só apresentou impugnação judicial em 31/03/2005, no seguimento da liquidação adicional de IVA referenciada ao período de 0306T no montante de 6.435,73 euros, lembrando-se que reiniciou actividade em 09/06/2003 e a cessou em 30/06/2003 e que entregou declaração periódica referenciada àquele indicado trimestre em que inscreveu o já referido crédito de imposto de 6.435,73 euros referente ao 2.º trimestre de 2001 (vd. pontos H) a K) do probatório e informação a fls.64 do apenso).

Na redacção então vigente, estabelecia o art.º 19.º do Código do IVA:
«1 - Para apuramento do imposto devido, os sujeitos passivos deduzem, nos termos dos artigos seguintes, ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuaram:
a) O imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos;
b) (…)»

E estatuía o art.º 22.º do mesmo Código:
«
1 - O direito à dedução nasce no momento em que o imposto dedutível se torna exigível, de acordo com o estabelecido pelos artigos 7.º e 8.º, efectuando-se mediante subtracção ao montante global do imposto devido pelas operações tributáveis do sujeito passivo, durante um período de declaração, do montante do imposto dedutível, exigível durante o mesmo período.
2 - Sem prejuízo do disposto no artigo 71.º, a dedução deve ser efectuada na declaração do período em que se tiver verificado a recepção das facturas, documentos equivalentes ou recibo de pagamento do IVA que fizer parte das declarações de importação.
3 - Se a recepção dos documentos referidos no número anterior tiver lugar em período de declaração diferente do da respectiva emissão, poderá a dedução efectuar-se, se ainda for possível, no período de declaração em que aquela emissão teve lugar.
4 - Sempre que a dedução de imposto a que haja lugar supere o montante devido pelas operações tributáveis, no período correspondente, o excesso é deduzido nos períodos de imposto seguintes.
5 - Se, passados 12 meses relativos ao período em que se iniciou o excesso, persistir crédito a favor do sujeito passivo superior a € 249,4, este poderá solicitar o seu reembolso.
6 - Não obstante o disposto no número anterior, o sujeito passivo pode solicitar o reembolso antes do fim do período de 12 meses quando se verifique a cessação de actividade ou passe a enquadrar-se no disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 28.º, no n.º1 do artigo 54.º ou n.º1 do artigo 61.º, desde que o valor do reembolso seja igual ou superior a € 25, bem como quando o crédito a seu favor exceder 25 vezes o salário mínimo nacional mais elevado, arredondado para a centena de euros imediatamente inferior, sendo este valor reduzido para metade nas situações a seguir indicadas:
a) Nos seis primeiros meses após o início da actividade;
b) Em situações de investimento com recurso ao crédito, devidamente
comprovadas.
7 - Em qualquer caso, a Direcção-Geral dos Impostos pode exigir, quando a quantia a reembolsar exceder € 1000, caução, fiança bancária ou outra garantia adequada, que determina a suspensão do prazo de contagem dos juros indemnizatórios referidos no número seguinte, até à prestação da mesma, a qual deve ser mantida pelo prazo de um ano.
8 - Os reembolsos de imposto, quando devidos, devem ser efectuados pela Direcção-Geral dos Impostos até ao fim do 3.º mês seguinte ao da apresentação do pedido, findo o qual podem os sujeitos passivos solicitar a liquidação de juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º da lei geral tributária.
9 - O Ministro das Finanças e do Plano poderá autorizar a Direcção-Geral dos Impostos a efectuar reembolsos em condições diferentes das estabelecidas nos números anteriores, relativamente a sectores de actividade cujo volume de negócios seja constituído essencialmente por operações isentas com direito à dedução do imposto pago nas aquisições.
10 - O Ministro das Finanças pode estabelecer, por despacho, de acordo com os critérios previstos no artigo 77.º, a obrigatoriedade de os sujeitos passivos apresentarem, juntamente com o pedido de reembolso, documentos ou informações relativos às operações que determinaram aquele pedido, sob pena de o reembolso não se considerar devido para efeitos do n.º 8.
11 - Os pedidos de reembolso são indeferidos quando não forem facultados pelo sujeito passivo elementos que permitam aferir da legitimidade do reembolso, bem como quando o imposto dedutível for referente a um sujeito passivo com número de identificação fiscal inexistente ou inválido ou que tenha suspenso ou cessado a sua actividade no período a que se refere o reembolso.
12 - A não apresentação da garantia, quando solicitada, determina a suspensão do prazo estabelecido no n.º 1 do artigo 45.º da lei geral tributária.
13 - Da decisão referida no n.º 11 cabe recurso hierárquico, reclamação ou impugnação judicial, nos termos previstos no artigo 87.º-A.».

De acordo com o disposto no pertinente n.º 2 daquele art.º87.º-A do CIVA, «O prazo para o recurso hierárquico, para a reclamação e para a impugnação judicial conta-se a partir do dia imediato ao da recepção da notificação a que se refere o número anterior, atribuindo-se a competência a que se refere o n.º 1 do artigo 99.º e o artigo 130.º do Código de Processo Tributário ao director de serviços de reembolsos do IVA.».

Na linha do que tem sido o entendimento da jurisprudência, nomeadamente expressado no ac. do Supremo Tribunal Administrativo de 02/21/2018, tirado no proc.º 0239/16 e no ac. deste TCAS de 05/17/2005, tirado no proc.º00570/05, no n° 11 do art.º 22.° do CIVA estão previstas as situações que determinam o indeferimento dos pedidos de reembolso, sendo que a decisão de indeferimento é susceptível de interposição, por parte do sujeito passivo, de recurso hierárquico, reclamação graciosa ou impugnação judicial, sendo aplicável o disposto no art.º87.°-A, designadamente quanto aos prazos e às competências, pelo que são esses os meios administrativos e contenciosos adequados e que dão tutela ao direito eventualmente lesado do contribuinte que peticionou o reembolso de IVA (cf. art.º 9.º , n.ºs 1 e 2 da Lei Geral Tributária).

Ora, o que se constata no caso em apreço, é que a recorrida foi notificada em 27/10/2003 por carta registada com A/R do indeferimento do pedido de reembolso referenciado ao período de 01-06T (2.º trimestre de 2001)– cf. pontos N) e N.1) do probatório.

E no prazo de impugnação de 90 dias (art.º 102/1, alíneas e) do CPPT) contados a partir do dia imediato ao do recebimento da notificação, i.e., até 28/01/2004 (art.º 20/1 do CPPT), conforme disposto no art.º 87.º-A do CIVA, não reagiu à decisão de indeferimento, deixando consolidar essa decisão na ordem jurídica.

Como assim, a impugnação da liquidação com fundamento na desconsideração do crédito de imposto inscrito pelo contribuinte na declaração periódica do 2.º trimestre de 2003 e cujo reembolso já fora objecto de anterior decisão de indeferimento a que o contribuinte não reagiu tempestivamente e pelos meios próprios, não pode proceder com esse apontado fundamento, pois tal envolveria entrar na apreciação de um acto (a denegação do reembolso) já consolidado na ordem jurídica, a que se opõe o princípio da segurança jurídica, ínsito no art.º 2.º da CRP.

Ou seja, e, em conclusão, está inexoravelmente votada ao insucesso a impugnação da liquidação deduzida com fundamento na ilegalidade da anterior decisão de 2002/09/16, do Sr. Director de Serviços de Reembolsos do IVA, de denegação do pedido de reembolso referenciado ao período de 01-06T, no montante de 6.435,73 euros.

O que vale por dizer que fica prejudicada a questão de saber se é dedutível o IVA suportado em aquisições de bens (existências e imobilizado visto como necessário para a actividade a que se vai dedicar) quando o sujeito passivo não declare quaisquer operações activas no período compreendido entre o início de actividade e o seu encerramento (cf. ponto F) do probatório).


IV. DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar a impugnação improcedente.

Condena-se a Recorrida em custas.


Lisboa, 22 de Junho de 2023



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Vital Lopes



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Luísa Soares



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Tânia Meireles da Cunha