Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 319/18.4BELRS-S1 |
| Secção: | CT |
| Data do Acordão: | 09/30/2025 |
| Relator: | VITAL LOPES |
| Descritores: | CADUCIDADE DA GARANTIA EXTENSÃO DO PRAZO RISCO DE PREJUÍZO SÉRIO PARA O ESTADO CONCEITO INDETERMINADO |
| Sumário: | 1.Um contribuinte/sujeito passivo está em condições de requerer e obter declaração de caducidade, de garantia prestada para suspender a execução fiscal, com o apoio do disposto no artigo183.º-A n.º 1 al. b) do CPPT, na redacção conferida pela Lei n.º 7/2021 de 26 de Fevereiro, se, em processo de Impugnação Judicial ou Oposição, mesmo que pendente desde 1 de Janeiro de 2007, não for, em 1.ª instância, emitida decisão no prazo de quatro anos contados desde 27 de Fevereiro de 2021. 2. Ocorre risco de prejuízo sério para o Estado decorrente da não prorrogação do prazo de caducidade da garantia se a situação líquida da sociedade devedora é negativa, sendo os bens do activo cerca de quatro vezes inferior ao do passivo (art.º 183.º-A, n.º 3 do CPPT). 3. A segurança e liquidez da garantia bancária, ou a mera facilidade do credor em recuperar o seu crédito através dela em caso de incumprimento do devedor não são de ponderar na decisão de avaliação do risco de prejuízo sério para o Estado. |
| Votação: | UNANIMIDADE |
| Indicações Eventuais: | Subsecção Tributária Comum |
| Aditamento: |
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| Decisão Texto Integral: | ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SUBSECÇÃO COMUM DA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL 1 – RELATÓRIO A Representação da Fazenda Pública, recorre do despacho da Mmª. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, de 29/04/2025, que deferiu o pedido da impugnante, “S……… – Sociedade …………………., S.A.” para que fosse declarada a caducidade da garantia bancária n.º ………………., emitida por “M…………… B…..”, prestada para efeitos de suspensão do processo de execução fiscal n.º ……………….173, alegando que decorrera o prazo de quatro anos sem que tivesse sido proferida decisão judicial em 1.ª instância. A Recorrente conclui as alegações assim: « I. Visa o presente recurso reagir contra o douto despacho que declarou a caducidade da garantia bancária, prestada no âmbito do PEF n. º ……………..173. II. O Tribunal a quo não aprecia, de forma concretizada e circunstanciada, os requisitos de risco de prejuízo sério para o Estado, estatuído no n.º 3 do artigo 183.º -A do CPPT, optado por concluir que decorreram quatro anos sem ter sido proferida decisão em 1.ª instância, face à colaboração da Recorrida noutros processos e uma vez que o valor do ativo de 2023 foi positivo decretou a caducidade da garantia. III. De salientar que, no mesmo dia em que decreta a caducidade da garantia o Tribunal a quo decreta a sentença a Impugnação Judicial, que é parcialmente procedente para a AT. IV. Perante a indevida apreciação da caducidade da garantia forçoso é determinar a revogação do despacho por outro que, reconhecendo o risco de prejuízo sério para o Estado sufragada pela Recorrente – defira a manutenção da garantia por um período máximo adicional não renovável até dois anos, pois dos elementos do processo é manifesto o risco de prejuízo sério para o Estado. Termos em que, com o douto suprimento de Vossas Excelências, Senhores Juízes Desembargadores, deve o presente Recurso ser provido e, consequentemente ser revogado o Despacho proferido pela Meritíssima Juíza do Tribunal a quo, assim se fazendo a costumada Justiça.». Não foram apresentadas contra-alegações. O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu mui douto parecer concluindo que o recurso deve ser julgado procedente, julgando-se verificados os pressupostos de facto e de direito previstos no n.º 3 do artigo 183.º-A do CPPT, determinando-se que o prazo de caducidade da garantia prestada se prorrogue pelo período máximo adicional não renovável de dois anos. Com dispensa dos vistos legais, dada a simplicidade das questões a dirimir, e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão. 2 – DO OBJECTO DO RECURSO Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação da Recorrente (cf. artigos 634.º, n.º4 e 639.º, n.º1 do CPC), a questão controvertida reconduz-se a indagar se, contrariamente ao decidido, dos elementos do processo é possível perceber o risco de prejuízo sério para o Estado resultante da não prorrogação do prazo de caducidade da garantia. 3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Embora o Tribunal recorrido não tenha fixado factos, alinham-se os seguintes retirados do teor do despacho recorrido e não impugnados: 1. Foi prestada garantia bancária no processo em 20/12/2017; 2. A impugnação judicial deu entrada no Tribunal de 1.ª instância em 07/02/2018; 3. A sociedade impugnante requereu no processo a caducidade da garantia prestada, em 18/03/2025; 4. Até àquela data de 18/03/2025 não tinha sido proferida sentença em 1.ª instância; 5. Ouvida a Administração tributária, prestou informação de que se destaca: que o valor em dívida na execução é de € 1.075.435,94; que o valor do activo em 2023 (último ano disponível para consulta financeira tendo por base elementos declarados pela impugnante) é positivo; que o valor do capital próprio é negativo especificamente nos resultados transitados, em 2023, na razão de (cerca) de 4 vezes o valor do activo. Não há factos que importe registar como «não provados» para a decisão a proferir. 4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO A questão a decidir reconduz-se a saber se a Mmª juiz a quo errou no juízo que fez quanto à falta de elementos no processo que permitam concluir existir risco de prejuízo sério para o Estado que justifique a manutenção da garantia prestada para além do prazo inicial de quatro anos. Na redacção da Lei n.º 7/2021, de 26 de Fevereiro, dispõe o art.º 183.º-A do CPPT: «Artigo 183.º-A Caducidade da garantia em caso de reclamação graciosa 1 - A garantia prestada para suspender a execução em caso de reclamação graciosa, impugnação judicial ou oposição caduca: a) Automaticamente se a reclamação graciosa não estiver decidida no prazo de um ano a contar da data da sua interposição; b) Se na impugnação judicial ou na oposição não tiver sido proferida decisão em 1.ª instância no prazo de quatro anos a contar da data da sua apresentação e o interessado apresente requerimento no processo. 2 - As situações previstas no número anterior são independentes de a garantia ter sido prestada pelo contribuinte ou constituída pela Autoridade Tributária e Aduaneira. 3 - O requerimento mencionado na alínea b) do n.º 1 é submetido à apreciação do tribunal competente, devendo ser determinada em decisão fundamentada, após audição da administração tributária, a caducidade da garantia ou a sua manutenção por um período máximo adicional não renovável até dois anos, caso dos elementos do processo seja possível perceber o risco de prejuízo sério para o Estado. 4 – (…)». Embora a garantia tenha sido prestada em processo de impugnação iniciado com anterioridade à vigência da redacção da lei nova, a incerteza sobre a sua aplicabilidade a essas situações já foi resolvida pelo Supremo Tribunal Administrativo, que nomeadamente no seu Ac. de 10/11/2023, proferido no Proc.º 01001/12.1BESNT-S1, decidiu: «Um contribuinte/sujeito passivo está em condições de requerer e obter declaração de caducidade, de garantia prestada para suspender a execução fiscal, com o apoio do disposto no artigo183.º-A n.º 1 al. b) do CPPT, na redacção conferida pela Lei n.º 7/2021 de 26 de Fevereiro, se, em processo de Impugnação Judicial ou Oposição, mesmo que pendente desde 1 de Janeiro de 2007, não for, em 1.ª instância, emitida decisão no prazo de quatro anos contados desde 27 de Fevereiro de 2021.». Por conseguinte, para apreciar o pedido, apenas subsiste por resolver se está verificado o requisito da existência de elementos no processo com base nos quais seja possível concluir existir risco de prejuízo sério para o Estado que justifique a manutenção da garantia por mais dois anos para além do prazo inicial de caducidade de quatro a contar de 27/02/2021, data de entrada em vigor da lei nova, e que se completou em 27/02/2025. O risco de prejuízo sério para o Estado, se bem interpretamos o conceito indeterminado, deverá consubstanciar-se numa exposição agravada do credor ao risco de incumprimento do devedor, o que passa por analisar a concreta situação patrimonial e financeira deste à data do pedido de declaração de caducidade da garantia, não sendo ponderáveis factores como a segurança e a liquidez que caracterizam as garantias bancárias (são facilmente convertíveis em dinheiro em caso de incumprimento do devedor). Não é, com efeito, a comodidade ou facilidade na recuperação do crédito do Estado através do accionamento da garantia em caso de incumprimento do devedor que o legislador tem em vista proteger. Assim vistas as coisas, vejamos se a Administração tributária comprovou factos que permitem substanciar o risco de prejuízo sério para o Estado decorrente da não extensão do prazo de caducidade da garantia prestada. Ora, a este propósito, refere a AT que a dívida da impugnante, ora recorrida, no processo executivo instaurado para sua cobrança cifra-se actualmente em € 1.075.435,94; que o valor do activo em 2023 é positivo, porém, o valor do capital próprio é negativo especificamente nos resultados transitados em 2023, na razão de cerca de 4 vezes o valor do activo. Ora, tal como também realça o Exmo. Senhor PGA, acompanhando a AT, a executada, ora recorrida, não tem valor líquido que permita cumprir com as suas obrigações no âmbito da sua actividade económica, o que também por este motivo constitui evidentemente um elemento objectivo de que a sociedade está numa situação de risco agravado de incumprimento, que justamente a garantia bancária visa mitigar. Com efeito, o capital próprio negativo ocorre quando as obrigações totais de uma empresa superam os seus activos, resultando em um património líquido negativo. Essa situação indica que a empresa deve mais do que possui, o que pode sinalizar problemas financeiros sérios. Em termos práticos, isso significa que, se a empresa fosse liquidada naquele momento, não haveria recursos suficientes para cobrir todas as dívidas. Salienta-se que a impugnante, ora recorrida, não trouxe aos autos qualquer matéria factual destinada a contrariar os factos positivos da ocorrência de prejuízo sério para o Estado decorrente da não extensão do prazo de caducidade da garantia, que a AT documentou nos autos. Concluímos, pois, que está preenchido o requisito, previsto no n.º 3 do art.º 183.º-A do CPPT, do “risco de prejuízo sério para o Estado” que justifica a manutenção da garantia por mais dois anos, não renovável, a contar do termo do prazo inicial de quatro cuja contagem começou em 27/02/2021, ou seja, até 27/02/2027. A sentença incorreu no apontado erro de julgamento, sendo de revogar e conceder provimento ao recurso, ao que se provirá na parte dispositiva do acórdão. 5 - DECISÃO Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2.ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e prorrogar o prazo de caducidade da garantia por dois anos, não renovável, a contar de 27/02/2025 (data em que se completou o prazo inicial de quatro anos). Custas a cargo da Recorrida, que não são devidas no recurso por não ter contra-alegado. Lisboa, 30 de Setembro de 2025 _______________________________ Vital Lopes ________________________________ Isabel Silva ________________________________ Rui Ferreira |