Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1373/09.5BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:09/18/2025
Relator:VITAL LOPES
Descritores:DIREITOS DE TRANSMISSÃO DESPORTIVA
PROPRIEDADE INTELECTUAL
DIREITOS DE AUTOR E DIREITOS CONEXOS
Sumário:i) Os pagamentos efectuados por entidades residentes a entidades não residentes sem estabelecimento estável em território português, que respeitem a rendimentos provenientes da propriedade intelectual (royalties), estão sujeitos a tributação no Estado da fonte nos termos do direito interno e da convenção sobre dupla tributação celebrada com a Suíça, estando ainda sujeitos a estão sujeitos a retenção na fonte por parte da entidade pagadora (artigos 4.º, n.º 3 alínea c), n.º1 e 88.º, n.º 1 alínea a), do CIRC e 12.º, n.ºs 2 e 3 da CDT com a Suíça);

ii)A propriedade intelectual compreende, nomeadamente, o instituto do direito de autor e direitos conexos.

iii) Os direitos de autor protegem os criadores de obras literárias, artísticas e científicas e distinguem-se dos direitos conexos, que são uma forma de protecção legal da prestação daqueles que contribuem para a criação e disseminação de obras culturais e artísticas e de que são beneficiários, “os artistas intérpretes ou executantes, os produtores de fonogramas e de videogramas, os editores de imprensa e os organismos de radiodifusão” (artigos 1.º e 176.º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, aprovado pelo Dec.- Lei n.º. 63/85, de 14 de Março).

iv)A protecção conferida pelos direitos conexos pressupõe a existência de uma obra artística que se esteja a interpretar ou difundir. Por isso, não existem direitos de autor ou direitos conexos sobre espectáculos ou eventos desportivos e a generalidade dos atletas não são qualificados como artistas-intérpretes.

v)Os direitos de transmissão desportiva correspondem apenas a um direito patrimonial do empresário ou organizador do evento de autorizar filmagens num recinto, mas não goza da protecção dos direitos conexos e, portanto, a contrapartida gerada por esse tipo de contratos não assume a natureza de rendimento proveniente da propriedade intelectual, nem se subsume no conceito de royalties ou redevance da Convenção de Dupla Tributação celebrada com a Suíça.

Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SUBSECÇÃO COMUM DA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I. RELATÓRIO

A Representação da Fazenda Pública, inconformada, vem interpor recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou procedente a impugnação judicial deduzida, no seguimento de indeferimento expresso da reclamação graciosa, pela sociedade “T…- Televisão …………, S.A.”, contra o acto de liquidação de retenções na fonte de IRC e juros compensatórios, do ano de 2006, no valor total de €50.881,27, bem como contra o despacho de indeferimento da reclamação graciosa dele deduzida, proferido pelo Sr. Chefe de Divisão de Justiça Administrativa da DFL a 12.11.2009, e, consequentemente, anulou os actos tributários sindicados e condenou a Autoridade Tributária e Aduaneira “ao pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida, relegando-se o montante a apurar para execução de sentença”.

Com o requerimento de recurso, a Recorrente juntou alegações, que termina com as seguintes: «

4. Conclusões
4.1.Visa o presente recurso reagir contra a Douta decisão que julgou procedente a Impugnação judicial, intentada pela ora recorrida contra a liquidação de retenção na fonte de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Coletivas (IRC) n.°……………074, e correspondentes atos de liquidação de juros compensatórios n.os ……………040, ………………………041 e ………………042, bem como do despacho de 12.11.2009, do Chefe de Divisão de Justiça Administrativa que indeferiu a reclamação graciosa deduzida contra os referidos atos de liquidação.

4.2. Como fundamentos da impugnação invocou a impugnante a ilegalidade da decisão impugnada, alegando para tanto, e em suma:

-Falta de fundamentação da liquidação impugnada;

-Falta de fundamentação do relatório de inspeção e das conclusões neste constantes;

-O objeto dos direitos de transmissão televisiva de eventos desportivos não é constituído por uma obra de índole intelectual, porquanto o evento desportivo em si mesmo não constitui o produto de uma atividade autoral, entendida enquanto criação intelectual de uma obra;

-Os direitos conexos concedidos aos organismos de radiodifusão não se reconduzem a direitos sobre uma obra intelectual do domínio literário, artístico ou científico, mas à execução, transmissão, gravação e reprodução de imagens e sons;

-Os pagamentos feitos pela Impugnante à Union des Associations Européennes de Football (UEFA), relativos ao campeonato europeu de futebol de Sub-21, são a contrapartida da mera captação de imagens e sons, devendo ser qualificados como pagamentos decorrentes da prestação de serviços de comunicação na sub-modalidade de telecomunicações;

-Os pagamentos relativos ao campeonato europeu de futebol «Euro 2008», são a contrapartida da captação, por parte da Impugnante, de um sinal emitido pela UEFA, devendo, também, ser qualificados como pagamentos decorrentes da prestação de serviços de comunicação na sub-modalidade de telecomunicações;

-As liquidações de juros compensatórios são ilegais.

Conclui peticionando a procedência da impugnação, com a consequente anulação dos atos tributários de liquidação de retenção na fonte de IRC e juros compensatórios, referentes ao ano de 2006, bem como a anulação do despacho, de, 12.11.2009, do Chefe de Divisão de Justiça Administrativa.

4.3. O Ilustre Tribunal “a quo" julgou a impugnação totalmente procedente, considerando, em suma, que a Administração Tributária não demonstrou que a retribuição paga pela Impugnante à UEFA é subsumível na definição de royalties prevista no artigo 12.° da Convenção, não podendo subsistir as correções sindicadas nos presentes autos.

Ora,

4.4. A decisão ora recorrida, no que ao juízo de procedência da impugnação das liquidações de IRC e juros impugnadas, não perfilhou, com o devido respeito e salvo sempre melhor entendimento, a acertada solução jurídica no caso sub-judice.

Senão vejamos:

4.5. Entendeu o Ilustre Tribunal recorrido, na al. K) da fundamentação de facto da sentença ora recorrida:

K) No que se refere ao campeonato europeu de futebol de Sub-21, foi celebrado um contrato para a transmissão dos jogos em Portugal, para captação de imagens e sons, através de meios próprios da Impugnante (cfr. depoimento das testemunhas T ………………… e G ………………..).

No entanto,

4.6. entende a Fazenda Pública que, com o devido respeito e s.m.e., não poderia o Ilustre Tribunal a quo dar por provado que o contrato celebrado entre a impugnante e a UEFA descrito na al. K) dos factos provados “...limitava-se à captação de imagens, sons e à respetiva transmissão, sem nenhum valor acrescentado introduzido pela Impugnante”.

Isto porque,

4.7. se é verdade que, perante o referido contrato celebrado entre a impugnante e a UEFA tinha por objeto a captura de imagens e sons, através de meios próprios da impugnante, do campeonato europeu de futebol Sub-21, não menos verdade é a circunstância de tais imagens se fazerem acompanhar do cunho próprio da impugnante, nomeadamente de quem as capta.

4.8.É que as imagens transmitidas não se configuraram, apenas e tão só, em imagens sequenciais no tempo e estanques, capturadas através de câmaras televisivas fixas e imóveis; a captura das mesmas foi fruto da opção daqueles que se encontravam ao comando e com o domínio das câmaras que capturaram as imagens do evento.

4.9. Todo o processo de captura de imagens do evento é levado a cabo de acordo com opção de quem tem o domínio da captura das realidades que se verificaram durante o decorrer do evento desportivo em questão - no caso, da impugnante, através dos seus colaboradores.

4.10. Todas as circunstâncias que gravitam em torno da captura de imagens do evento, fruto de opções de quem tem o domínio sobre as mesmas, vêm acrescentar, aditar algo mais do que a captura de realidades estanques e sequenciais ocorridas no evento.

Pelo que,

4.11. é entendimento da Fazenda Pública, salvo sempre melhor entendimento, que o resultado final das imagens capturadas do evento desportivo em questão, decorrente das opções de captura tomadas por quem tem o domínio sobre a mesma (no caso, a impugnante), e a transmissão das mesmas, consubstancia-se numa verdadeira obra radiofundida, tal e qual esta se encontra definida no artigo 21.° do CDADC.

Posto isto,

4.12. e agora em relação à questão que contende com a transmissão dos jogos de futebol do “Euro 2008’, considerou o Ilustre Tribunal recorrido, na decisão ora em crise, que “...a AT não demonstrou, nem no relatório de inspeção, nem na decisão que recaiu sobre a reclamação graciosa (cfr. alínea J) do probatório), que os rendimentos em causa são provenientes da aquisição de direitos de propriedade intelectual, por estar em causa um direito que é protegido enquanto direito de autor, e bem assim que a remuneração atribuída pela cedência de direitos de transmissão televisiva corresponde a royalties.’’.

Ora,

4.13. conforme é referido no relatório final da inspeção da impugnante, de acordo com o n.° 9 do artigo 176.° do CDADC, “Organismo de radiodifusão é a entidade que efectua emissões de radiodifusão sonora ou visual, entendendo-se por emissão de radiodifusão a difusão dos sons ou de imagens, ou a representação destes, separada ou cumulativamente, por fios ou sem fios, nomeadamente por ondas hertzianas, fibras ópticas, cabo ou satélite, destinada à recepção pelo público.”

4.14. Com efeito, verifica-se no ponto E, alíneas a) e b), dos “special terms” do contrato em questão a concretização da cedência de direitos de radiodifusão (“media rights’) durante o período determinado (“term”), no ponto J do mesmo (19 de Outubro de 2006 a 31 de Dezembro de 2008), sem que, no entanto, se observe a perca na esfera jurídica do seu titular, o que vai de encontro ao disposto no artigo 12.° do Modelo de Convenção da OCDE e da CDT com a Suíça, na definição de royalties.

4.15. Deste modo, não poderiam os direitos em causa ser caracterizados como rendimentos de lucros de empresas na medida em que consubstanciam verdadeiros direitos conexos com direitos de autor nos termos do CDADC.

4.16. Ao assim não entender, o Ilustre Tribunal a quo, com o devido respeito e s.m.o., incorreu em erro de julgamento na aplicação do direito, violando o disposto nos artigos 12.° do Modelo de Convenção da OCDE e da CDT com a Suíça e 176.°, n.° 9, da CDADC.

Razão pela qual,

4.17. ao decidir-se pela anulação das liquidações de IRC e de juros compensatórios impugnadas, o Ilustre Tribunal recorrido, no modesto entendimento da Fazenda Pública, sempre com o devido respeito e salvo melhor entendimento, incorreu em erro no julgamento, no que concerne à apreciação dos factos e á aplicação do direito diz respeito, violando o disposto nos artigos 2.°, 21.°, do CDADC, 12.° do Modelo de Convenção da OCDE e da CDT com a Suíça e dos artigos 4.°, n.° 3, al. c), subalínea 1), 88.°, n.° 1, al. a), e n.° 3, al. b), do CIRC, conjugado com a al. a) do n.° 2 do artigo 80.° do mesmos código, nas sua redações à data vigentes.

4.18. com o devido respeito e salvo sempre melhor entendimento, deve ser revogada a decisão ora recorrida, com as legais consequências daí decorrentes, nomeadamente no que respeita à condenação da Administração Tributária em indemnização por prestação de garantia indevida.

Pelo que se peticiona o provimento do presente recurso, revogando-se a decisão ora recorrida, assim se fazendo a devida e costumada

JUSTIÇA!»

A Recorrida apresentou contra-alegações, que remata com as seguintes «

Conclusões:

a) Conforme resulta da Petição Inicial que está na origem dos presentes autos, constitui objeto da Impugnação judicial apresentada pela RECORRIDA:

(iv) O ato de liquidação de retenção na fonte de IRC n.° ………………074, referente ao período de imposto de 2006, no montante de € 47.000,00;

(v) Os correspondentes atos de liquidação de juros compensatórios n.°s ………….040, ………………041 e …………….042, no montante de € 3.881,27, e, bem assim,

(vi) O Despacho do Exmo. Sr. Chefe de Divisão de Justiça Administrativa, datado de 12 de novembro de 2009, o qual indeferiu a Reclamação graciosa que antecedeu os autos de Impugnação judicial, apresentada pela RECORRIDA contra os atos de liquidação controvertidos.

b) Em 07 de abril de 2006, foi celebrado, entre a RECORRIDA e a União das Associações Europeias de Futebol (UEFA), um contrato denominado “Broadcast Rights Agreement”, relativo à transmissão e captação de imagens e sons, dos campeonatos de futebol com a designação “UEFA European Under-21 Championship”de 2006 e 2007 (cf. DOCUMENTO n.° 9 da PI e alínea B) do probatório), o qual se destinava à captação de imagens, sons e à respetiva transmissão, em Portugal, dos jogos de futebol a realizar naquele campeonato, sem nenhum valor acrescentado introduzido pela RECORRIDA (cf. alínea L) do probatório).

c) Em 19 de outubro de 2006, foi celebrado entre a RECORRIDA e a UEFA um contrato denominado “Media Rights Agreement”, o qual tinha por objeto a transmissão do campeonato de futebol designado “UEFA Euro 2008" (cf. DOCUMENTO N.° 10 da PI e alínea C) do probatório), destinando-se à captação da realidade, de imagens e sons, pela UEFA, sendo a RECORRIDA unicamente responsável pela transmissão de tais imagens e sons, em Portugal, através do sinal difundido pela UEFA.

d) Em sede da ação inspetiva realizada a coberto das Ordens de Serviço n.°s 01200800143 e 01200800144, a Administração tributária entendeu qualificar os pagamentos efetuados pela RECORRIDA à UEFA, ao abrigo dos contratos acima identificados, como royalties ou redevances, obtidos pela UEFA em território português e, por isso, sujeitos a tributação em IRC, por meio de retenção na fonte a título definitivo, nos termos do disposto na alínea a) do n.° 1 do artigo 88.° do Código do IRC, na redação em vigor à data dos factos.

e) Assim, impunha-se - e impõe-se agora - determinar se os pagamentos realizados no âmbitos dos contratos acima identificados, constituem, afinal, pagamentos de royalties ou redevances pela utilização de obras protegidas e sujeitas a direitos de autor, ou se, pelo contrário, e conforme defendido pela RECORRIDA, tais pagamentos constituem meras contraprestação de prestações de serviços de comunicação, na sub-modalidade de telecomunicações.

f) Quanto aos pagamentos efetuados pela RECORRIDA ao abrigo do primeiro contrato -“UEFA European Under-21 Championship”-, considerou o Tribunal a quo que “só poderão ser consideradas obras as criações intelectuais, na medida em que acrescentam algo novo, pois só estas se podem considerar objeto de tutela pelo direito de autor, como aliás decorre do artigo 1. °do CDAC” com o que "a simples captação da imagem e som de uma prova desportiva, sem que seja incorporado algo inovador ou introduzido um elemento criativo, não permite considerar que se trata de uma obra, desde logo porque não existe uma criação intelectual por qualquer modo exteriorizada enquanto expressão da personalidade do autor (cf, pág. 20 da sentença recorrida).

g) No que toca aos pagamentos efetuados pela RECORRIDA ao abrigo do segundo contrato indicado - “Media Rights Agreement” entendeu o Tribunal a quo que “ verifica-se que a Impugnante adquiriu o direito de captar para o território português o sinal enviado pela UEFA, por forma a transmitir os jogos daquela competição desportiva" e, bem assim, que “os eventos desportivos, nos quais se incluem os jogos de futebol, não são considerados criações intelectuais, suscetíveis de ser qualificadas como obras para efeitos de direitos de autor, razão pela qual não se aplica ao caso dos autos o segmento inicial do artigo 12. ° da Convenção". (cf. págs. 21 e 22 da sentença recorrida).

h) O Tribunal a quo entendeu, sustentado na melhor doutrina e em jurisprudência quer do Supremo Tribunal de Justiça, quer do Tribunal de Justiça da União Europeia, que os pagamentos efetuados pela RECORRIDA não deveriam ser qualificados como royalties ou redevances mas sim como mera contraprestação de contratação de prestações de serviços e, em consequência, pela anulação dos atos controvertidos, determinando a condenação da Administração tributária no pagamento de indemnização por prestação indevida de garantia.

i) O presente recurso vem interposto pela Fazenda Pública, com fundamento, em alegado erro de julgamento “no que concerne à apreciação dos factos e à aplicação do direito diz respeito, violando o disposto nos artigos 2 °, 21. ° do CDADC, 12 ° do Modelo de Convenção OCDE e da CDT com a Suíça e dos artigos 4°, n ° 3, al. c), subalínea 1), 88º, n.º1, al a) e n.° 3, al b), do CIRC, quanto à matéria de facto e, em consequência, em errónea interpretação e aplicação do direito".

j) Quanto aos pagamentos efetuados pela RECORRIDA ao abrigo do primeiro contrato - “UEFA European Under-21 Championship" a RECORRENTE defende, assim, “que o resultado final das imagens capturadas do evento desportivo em questão, decorrente das opções de captura tomadas por quem tem o domínio sobre a mesma (no caso, a impugnante), e a transmissão das mesmas, consubstancia-se numa verdadeira obra radiofundida, tal e qual esta se encontra definida no artigo 21º do CDADC. Razão pela qual, entende a Fazenda Pública que a cessão de direitos de captação de imagem e sons e sua posterior difusão, integram o conceito de direitos de autor, por inclusão no artigo 2. ° do CDADC' (cf. pág. 5 das Alegações de recurso da Fazenda Pública).

k) Por seu turno, e no que respeita aos pagamentos efetuados pela RECORRIDA ao abrigo do segundo contrato indicado - “Media Rights Agreement” -, entende a RECORRENTE que, chamando à colação o disposto no artigo 176.°, n,° 9, do CDADC, “ terá de concluir-se estarmos perante uma realidade subsumível no conceito de direito conexo aos direitos de autor, o qual é, no caso concreto, cedido pelo titular original, a UEFA, à impugnante".

l) O presente recurso, apresentado pela Fazenda Pública nos termos que antecedem, não pode proceder, uma vez que carece, em absoluto, de fundamento legal, uma vez que a interpretação, quer dos factos, quer de direito, veiculada padece de vicio de violação de lei, tendo bem andado a sentença recorrida ao decidir como decidido, não merecendo qualquer censura, quer na sua interpretação dos factos, quer na sua interpretação e aplicação do direito.

m) Quanto ao contrato celebrado entre a RECORRIDA e a UEFA denominado “Broadcasting Agreement”, o mesmo permitia à RECORRIDA a captação de imagens, sons e respetiva transmissão dos jogos realizados no âmbito do campeonato europeu de futebol de sub-21.

n) Ora, o objeto dos direitos de transmissão televisiva de eventos desportivos não é constituído por uma obra de índole intelectual, porquanto (i) o evento desportivo em si mesmo não é produto de uma atividade autoral, entendida enquanto criação intelectual de uma obra, (ii) nem o é a simples operação de captação das imagens e sons de tal evento.

o) É ponto assente, concretamente em face do decidido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia que “[o]s eventos desportivos não podem ser considerados como criações intelectuais qualificáveis como obras na acepção da diretiva direitos de autor. O mesmo vale, em especial, para os jogos de futebol, enquadrados por regras que não deixam margem para liberdade criativa, na acepção do direito de autor. Nestas condições, estes jogos não podem ser protegidos a título de direito de autor"(cf. Acórdão do TJUE, de 4 outubro de 2011, tirado no âmbito do processo n.° C-403/08).

p) Depois, o conceito de “obra” utilizado pelo artigo l.° do CDADC, implica uma criação intelectual, na medida em que se acrescente algo novo, i.e. que se manipule a realidade de forma que a criação - i.e. a “obra" - se destaque e se autonomize dessa mesma realidade, com o que, as meras opções de filmagem não encontram cabimento no conceito de “obra” para efeitos do seu regime.

q) Atente-se no entendimento do Supremo Tribunal de Justiça no que respeita ao conceito de obra protegida pelo regime dos direitos de autor “[a] obra é o objeto de proteção no direito de autor o que pressupõe a sua existência, não podendo falar-se sequer de direito de autor sem a realidade de uma obra, entendida como exteriorização duma criação do espírito, uma criação intelectual por qualquer modo exteriorizada, não beneficiando da sua tutela as ideias, os processos, os sistemas, os métodos operacionais, os conceitos, os princípios ou as descobertas, por si só e enquanto tais” (cf. Acórdão do STJ de 29 de abril de 2010, tirado no processo n.° 3501/05.0TBOER.L1.S1).

r) Em face das considerações que antecedem, naturalmente que não se poderá reconduzir as imagens e sons captados e transmitidos pela RECORRIDA ao conceito de “obra radiofundida", nos termos do disposto no artigo 21.° do CDADC, desde logo porque não se encontra preenchido o conceito de “obra”, o que prejudica qualquer tentativa de enquadramento da realidade dos autos nos conceitos utilizados pelo CDADC.

s) Assim, não estando perante obras protegidas por direitos de autor, naturalmente que os valores pagos pela RECORRIDA não poderão configurar royalties, mas, tão somente, contraprestação de uma prestação de serviços.

t) Do que antecede, decorre que, nesta parte, a sentença recorrida não merece qualquer censura, devendo ser mantido o sentido do julgado, em toda a linha.

u) Quanto ao contrato celebrado entre a RECORRIDA e a UEFA denominado “Media Rights Agreement”, o mesmo permitia unicamente à RECORRIDA a transmissão das imagens e sons captados dos jogos de futebol visados, em Portugal, através do sinal difundido pela UEFA, conforme provado, quer através de prova documental, quer através de prova testemunhal (cf. alíneas M) e N) do probatório).

v) Entendeu o Tribunal a quo que, no presente caso, o contrato em crise não titula a cedência do uso de um direito de autor, senão a mera cedência do direito de captar um sinal transmitido pela UEFA.

w) Com efeito, e aplicando o racional atrás realizado, sob pena de exaustividade, nem as imagens e o som a transmitir através do sinal difundido pela UEFA, nem o evento desportivo em si mesmo considerado, poderão ser considerados “obras” para efeitos da proteção do regime dos direitos de autor, pelo que não colhe o argumento de o direito de transmissão televisiva se tratar de um direito conexo, regulado pelos artigos 176.° e seguintes do CDADC, pelo que, também nesta parte deve ser mantido o teor e o sentido da douta decisão recorrida, a qual não merece qualquer censura.

x) Além do mais, e neste particular, havia o Tribunal a quo entendido que a Fazenda Pública não havia logrado demonstrar que os rendimentos em causa são provenientes da aquisição de direitos de propriedade intelectual por estar em causa um direito que é protegido enquanto direito de autor.

y) Com efeito, a única alegação que a Fazenda Pública fez a este respeito - e que reitera em sede recursiva - foi a de enquadrar a RECORRIDA como “organismo de radiofusão", nos termos do disposto no artigo 176.°, n.° 9, do CDADC, o que se trata apenas da arguição de uma “qualificação” da RECORRIDA no âmbito do CDADC e que, por si só, não é apta a transformar toda e qualquer atividade desenvolvida pela RECORRIDA em obras protegidas por aquele regime, pelo que, também neste segmento, bem andou a sentença recorrida ao julgar que a Fazenda Pública, acima de tudo, não demonstrou que os rendimentos em causa são provenientes da aquisição de direitos de propriedade intelectual.

NESTES TERMOS, E NOS MELHORES DE DIREITO QUE V. EXAS. DOUTAMENTE SUPRIRÃO, REQUER-SE A V. EXAS. SE DIGNEM NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO PELA FAZENDA PÚBLICA, POR CARECER EM ABSOLUTO DE FUNDAMENTO LEGAL, MANTENDO-SE, EM TODA A SUA EXTENSÃO E COM AS NECESSÁRIAS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS, O SENTIDO DO JULGADO PELA SENTENÇA RECORRIDA, TUDO COM AS NECESSÁRIAS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS.».

O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto, emitiu mui douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cf. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Assim, analisadas as conclusões da alegação do recurso, a questão central que importa resolver reconduz-se a saber se a sentença incorreu em erro de julgamento ao concluir que os contratos celebrados pela impugnante com a UEFA e que são a fonte dos rendimentos pagos que se pretende tributar não respeitam a direitos do autor, nem a direitos conexos com direitos de autor, nessa medida, consubstanciando mera contrapartida da prestação de serviços, não sujeita a retenção na fonte por parte da entidade pagadora.

III. FUNDAMENTAÇÃO
A) OS FACTOS

Em 1ª instância, deixou-se consignado em sede factual: «
A) A Impugnante tem como atividade a exploração de um canal público generalista, independente, privado, comercial, de âmbito nacional, que assume fins de informação, de formação, recreação e entretenimento do público (cfr. documento n.°5 junto com a petição inicial).

B) Em 07.04.2006, a Impugnante e a UEFA assinaram um documento denominado de «Broadcast Rights Agreement», referente à transmissão e captação de imagens e sons, dos campeonatos de futebol com a designação de «UEFA European Under-21 Championship» de 2006 e 2007 (cfr. documento n.°9 junto com a petição inicial, que se dá por integralmente reproduzido).

C) Em 19.10.2006, a Impugnante e a UEFA, assinaram um documento denominado de «Media Rights Agreement» referente à transmissão do campeonato de futebol designado por «UEFA Euro 2008» (cfr. documento n.°10 junto com a petição inicial, que se dá por integralmente reproduzido).

D) Em 21.04.2008, foi iniciada uma ação inspetiva aos elementos contabilístico-fiscais referentes aos exercícios de 2005 e 2006 da Impugnante, na sequência das Ordens de Serviço n.os OI200800143 e OI200800144 (cfr. documento n.°5 junto com a petição inicial).

E) Em 09.10.2008, na sequência da ação de inspeção referida na alínea anterior, foi elaborado o relatório de inspeção tributária pela Direção de Serviços de Inspeção Tributária (DSIT), no qual, além do mais, consta o seguinte:

«III.2.2 Imposto em Falta

a) Imposto sobre o Rendimento - Retenções na Fonte

O sujeito passivo estabeleceu em 7 de Abril de 2006 um contrato designado de "Broadcast Rights Agreement" com a UEFA - Union des Associations Europeénnes de Football, entidade sem estabelecimento estável em território português e residente na Suiça.

Este contrato é relativo à cedência de direitos à T....., por parte da UEFA, o qual lhe veio permitir a produção e transmissão televisiva de jogos de futebol "of the 2006 Competition” que diz respeito ao torneio "of the UEFA European Under - 21 Championships" que decorreu em Portugal entre 23 de Maio de 2006 e 4 de Junho do mesmo ano.

Na sequência do contrato estabelecido pagou à UEFA o montante de €940.000,00 - ver Anexo V (fis.1.), o qual contabilizou na conta 22122 - 3212 UEFA e na conta 22131600 em 2006, não tendo efectuado a retenção na fonte nem accionado a Convenção sobre Dupla Tributação, firmada entre Portugal e a Suíça.

II. Enquadramento Legal

Nos termos do supra citado contrato, a UEFA cede à T..... o direito de filmagem e transmissão dos jogos de futebol, conforme consta da cláusula 2.3 do contrato "UEFA grants to the Broadcaster unilateral prodution rights at the Matches", assumindo a T..... a sua radiodifusão.

Deste modo estamos perante a cedência de direitos de radiodifusão por parte da EUFA, titular originário dos mesmos, a uma cadeia de televisão, como se pode observar através da cláusula 2.6 do contrato "All rights relating to the Competitions not expressly granted to the Broadcaster hereunder are retained by UEFA".

A cedência de direitos de radiodifusão integra os rendimentos da propriedade intelectual, vulgarmente designados por royalties, conforme se demonstra de seguida.

De acordo com o art° 12° do Modelo de Convenção da OCDE e da Convenção para Eliminar a Dupla Tributação com a Suíça, é a seguinte a definição de royalties "retribuições de qualquer natureza atribuídas ou pagas pelo uso ou pela concessão do uso de um direito de autor sobre uma obra literária, artística ou científica, incluindo os filmes cinematográficos, bem como os filmes e gravações para transmissão pela rádio ou pela televisão, de uma patente, de uma marca ou fabrico ou de comércio, de um desenho ou de um modelo, de um plano, de uma fórmula ou de um processo secretos, bem como pelo uso ou pela concessão do uso de um equipamento industrial, comercial ou científico e por informações respeitantes a uma experiência adquirida no sector industrial comercial ou científico."

Qualificação da cedência de direitos de radiodifusão como rendimentos da propriedade intelectual

A propriedade intelectual é composta por dois institutos jurídicos: os direitos de propriedade industrial e os direitos de autor. A propriedade industrial inclui as invenções, (patentes e modelos de utilidade), desenhos e modelos, marcas, nomes e insígnias de estabelecimento, logótipos, denominações de origem, indicações geográficas e a repressão da concorrência desleal. O direito de autor e os direitos conexos incluem as obras literárias e artísticas, direitos dos artistas e intérpretes, e direitos de produtores de registos.

Os direitos de autor consubstanciam, pois "(...) criações do espírito, que podem ser do domínio literário, científico ou artístico, por qualquer modo exteriorizada, portanto, visa proteger obras. Quando nos referimos a obras, é no sentido de expressão de pensamento e não de ideias."

No contexto do que são os direitos de autor, refere ainda a mesma obra: "O direito de autor é composto por direitos patrimoniais e morais, por sua vez os direitos morais são compostos por dois elementos, o direito à autoria, isto é, o direito a reivindicar a qualidade de autor da obra, e o direito ao respeito, isto é, o direito de oposição à deformação da obra ou a prejudicar a honra do autor. Os direitos patrimoniais permitem a exploração económica dos direitos que incluem, nomeadamente, o direito de reprodução, direito de interpretação, direito de radiodifusão e direito de comunicação. O titular do direito de autor, em virtude dos seus direitos patrimoniais poderá receber uma remuneração pela utilização da obra por terceiros. Assim os direitos patrimoniais são direitos disponíveis, ao contrário dos direitos morais que são indisponíveis, ou seja, são uma prerrogativa do autor."

Assim na esteira do raciocínio expendido e por aproximação ao caso concreto, a UEFA enquanto titular originário dos direitos de filmagem e transmissão cede-os à T..... a qual como contrapartida paga à primeira uma remuneração, qualificada como rendimento da propriedade intelectual, conforme se demonstrou.

Como última nota podemos salientar que apenas se poderão considerar como não subordinados ao regime do presente contrato (e não completamente) as imagens descritas no ponto 2.3 "unilateral isolated camera footage", que são filmagens efectuadas acerca do campeonato, mas não dos jogos em si.

De acordo com a subalínea 1) da alínea c) do n° 3 do art° 4° do CIRC são considerados como rendimentos obtidos em território português os provenientes da propriedade intelectual, e sujeitos a retenção na fonte, a título definitivo, à taxa de 15%, nos termos da al. a) do n.° 1 e da al. b) do n.°3 ambas do art.° 88.°, conjugado com o al. a) n.° 2 do art.° 80. °, ambos do Código do IRC.

Tendo em consideração que são qualificados como rendimentos da categoria B conforme, estatuído no n° 1 do art.° 3ºdo CIRS, a retenção na fonte à taxa de 15% deveria ter sido efectuada no momento do pagamento ou colocação à disposição, de acordo com o n°3 do art° 8° do Decreto Lei n° 42/91, de 22 de Janeiro, uma vez que não foi accionada Convenção para evitar a Dupla Tributação Internacional, visto o sujeito passivo não ter na sua posse e consequentemente não ter apresentado formulário Modelo 10 - RF( conforme previsto no n.°1 e na alínea a) do n.°2 do art.° 90° - A do CIRC. Assim, de acordo com o disposto no n.° 4 do referido art.° 90.° - A "Quando não seja efectuada a prova a que se refere o n.° 2 deste artigo e, bem assim, nos casos previstos no n.° 3 e seguintes do artigo 14° até à data em que deve ser efectuada a retenção na fonte, fica o substituto tributário obrigado a entregar a totalidade do imposto que deveria ter sido deduzido nos termos da lei.", considera-se o sujeito passivo responsável pela entrega do imposto nos cofres do Estado.

Todavia de acordo com a nova redacção dos artigos 90° e 90°-A do Código do IRC, introduzida pela Lei n° 67-A/2007 de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento de Estado de 2008), em conjunto com o n° 4 do artigo 48° da mesma lei, a "responsabilidade do substituto tributário em caso de retenção na fonte em falta poderá ser afastada em qualquer momento, bastando para o efeito que o substituto tributário comprove a isenção de que aproveitam, pela comprovação da residência da entidade não residente."

Efectivamente a nova redacção dos artigos 90° e 90°-A do Código do IRC, introduzida pela Lei n° 67-A/2007 de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento de Estado de 2008), afasta a responsabilidade do substituto tributário em caso de retenção na fonte em falta desde que em qualquer momento comprove a residência da entidade não residente, estabelecendo o n° 4 do artigo 48° da mesma lei que este afastamento é aplicável às situações anteriores à entrada em vigor da Lei do Orçamento de Estado de 2008.

III. Conclusões

Pela cedência de direitos, a T..... deveria ter efectuado retenções na fonte relativamente ao pagamento efectuado à UEFA, entidade não residente sem estabelecimento estável, decorrentes de rendimentos provenientes de propriedade intelectual ou industrial, conforme o disposto na alínea a) do n.° 1 do art.° 88° do Código do IRC, sobre o montante de €940.000, (valor efectivamente pago e que consta da contabilidade, uma vez que o contrato se refere a um montante de €920.000).

Visto não ter accionado a Convenção para Eliminar a Dupla Tributação, deveria ter efectuado retenção à taxa de 15%, prevista na alínea a) do n.° 2 do art° 80° do CIRC, o que dá origem a uma correcção no valor de €141.000,00.

No caso de a Convenção para Eliminar a Dupla Tributação ter sido accionada e estando o sujeito passivo na posse de um formulário Modelo 10 RFI, haveria lugar a retenção na fonte à taxa de 5%, conforme o art.° 12° da convenção entre Portugal e a Suíça, pelo que a correcção neste caso seria no montante de €47.000,00. Na sequência do exercício do direito de audição, a correcção final ascende a €47.000,00 (ver ponto IX).

(…)

Ponto III.2.2.1. do Projecto de Relatório - Imposto sobre o Rendimento em Falta

Com vista à defesa da sua argumentação vem o sujeito passivo expender argumentos nos pontos 36° a 78° do direito de audição, estruturados em três partes, a saber: (i) clarificar de que foram estabelecidos não um mas sim dois contratos, (ii) enquadramento tributário genérico dos direitos televisivos e por fim (iii) enquadramento tributário específico.

(…)

No direito fiscal interno o art° 3° do CIRS estabelece expressamente que "(...) consideram- se como proveitos da propriedade intelectual os direitos de autor e direitos conexos", delimitando assim os contornos da incidência objectiva dentro do perímetro dos direitos de autor e conexos.

Sendo assim, resta saber se a cessão de direitos de captação de imagem e sons e sua posterior difusão, integram o conceito de direitos de autor, por inclusão no art° 2° do CDADC, o qual de seguida se transcreve parcialmente "As criações intelectuais do domínio literário, científico e artístico, quaisquer que sejam o género, a forma de expressão, o mérito, o modo de comunicação e o objectivo, compreendem nomeadamente: (...) f) Obras cinematográficas, televisivas, fonográficas, videográficas e radiofónicas."

A definição de obra radiodifundida está no art.° 21 do CDADC - "entende-se por obra radiodifundida a que foi criada segundo as condições especiais da utilização pela radiodifusão sonora ou visual e bem assim, as adaptações a esses meios de comunicação (...)" "Assim sendo os princípios gerais de interpretação parecem-nos exigir que o direito fiscal receba aquela qualificação tal quale a mesma é feita no âmbito daquele ramo do direito, impossibilitando-se o preenchimento de lacunas com recurso a interpretações engenhosas de equiparação.

Ao prescrever expressamente que se devem entender como rendimentos da propriedade intelectual os "direitos de autor", são estes e não outros os que se podem entender sujeitos a imposto como tal.

Parece pois que a interpretação da Exponente é uma interpretação restrita da definição de direitos de autor considerada no art.° 2º do CDADC, onde estão incluídos os direitos de radiodifusão.

Assim é seguro concluir que os direitos sub júdice são direitos de radiodifusão e que estes sendo tutelados pelos direitos de autor, face à enumeração constante do art°2º do CDADC, são por conseguinte rendimentos da propriedade intelectual, vulgarmente designados por royalties.

A nível das normas convencionais e de acordo com o art° 12° do Modelo de Convenção da OCDE e da Convenção para Eliminar a Dupla Tributação com a Suíça, é a seguinte a definição de royalties "retribuições de qualquer natureza atribuídas ou pagas pelo uso ou pela concessão do uso de um direito de autor sobre uma obra literária, artística ou científica, incluindo os filmes cinematográficos, bem como os filmes e gravações para transmissão pela rádio ou pela televisão, de uma patente, de uma marca ou fabrico ou de comércio, de um desenho ou de um modelo, de um plano, de uma fórmula ou de um processo secretos, bem como pelo uso ou pela concessão do uso de um equipamento industrial, comercial ou científico e por informações respeitantes a uma experiência adquirida no sector industrial, comercial ou científico."

Neste contexto e visto que os filmes e gravações para transmissão pela rádio ou pela televisão são assimilados a obra literária, artística ou científica então, a remuneração paga pela cedência de uso dos respectivos direitos são qualificados com royalties.

Destarte, não assiste razão ao sujeito passivo quando pretende que os rendimentos no montante de €450.000,00 (duas vezes €225.000,00) sejam considerados como decorrentes de prestações de serviços.

Relativamente ao enquadramento tributário específico dos Rendimentos ao abrigo do contrato relativo ao Euro 2008

(…)

A T..... adquiriu um direito de transmissão. De acordo com o art° 12° do Modelo de Convenção da OCDE e da Convenção para Eliminar a Dupla Tributação com a Suíça, é a seguinte a definição de royalties "retribuições de qualquer natureza atribuídas ou pagas pelo uso ou pela concessão do uso de um direito de autor sobre uma obra literária, artística ou científica, incluindo os filmes cinematográficos, bem como os filmes e gravações para transmissão pela rádio ou pela televisão, de uma patente, de uma marca ou fabrico ou de comércio, de um desenho ou de um modelo, de um plano, de uma fórmula ou de um processo secretos, bem como pelo uso ou pela concessão do uso de um equipamento industrial, comercial ou cientifico e por informações respeitantes a uma experiência adquirida no sector industrial, comercial ou científico.

De acordo com o CDADC, mais precisamente o n.°1 do seu art.°176°, consideram-se direitos conexos aos direitos de autor, e como tal sujeitos a tratamento idêntico a estes, "As prestações dos artistas intérpretes ou executantes, dos produtores de fonogramas e de videogramas e dos organismos de radiodifusão"

Face ao exposto importa aferir o que deve entender-se por organismo de radiodifusão, resposta que nos é dada pelo n.°1 do seu artigo 176.°.

De acordo com aquele, "Organismo de radiodifusão é a entidade que efectua emissões de radiodifusão sonora ou visual, entendendo-se por emissão de radiodifusão a difusão dos sons ou de imagens, ou a representação destes, separada ou cumulativamente, por fios ou sem fios, nomeadamente por ondas hertzianas, fibras ópticas, cabo ou satélite, destinada à recepção pelo público."

Assim, confrontando os conceitos supra expostos com a factualidade controvertida terá de concluir-se estarmos perante uma realidade subsumível no conceito de direito conexo aos direitos de autor, o qual é, no caso concreto, cedido pelo titular original, a UEFA, à T......

Com efeito, verifica-se no ponto E, alíneas a) e b), dos "special terms" do contrato em análise a concretização da cedência de direitos de radiodifusão ("media rights') durante o período determinado ("term"), no ponto J do mesmo (19 de Outubro de 2006 a 31 de Dezembro de 2008), sem que, no entanto, se observe a perca na esfera jurídica do seu titular, o que vai de encontro ao disposto no art.° 12.° do Modelo de Convenção da OCDE e da CDT com a Suíça, na definição de royalties.

Deste modo, não poderiam os direitos em causa ser caracterizados como rendimentos de lucros de empresas na medida em que consubstanciam verdadeiros direitos conexos com direitos de autor nos termos do CDADC.

Face ao exposto, não será dado cumprimento à pretensão do sujeito passivo ao solicitar que o rendimento no montante de €490.000,00, sendo considerado como rendimento de propriedade intelectual, não está todavia abrangido pela CDT com a Suíça, visto que o mesmo não integra o conceito de royalties.

Por fim importa ainda avaliar o meio de prova carreado para o processo em fase do exercício do direito de audição, que constitui o documento 6 e que se consubstancia no formulário modelo 12 RFI.

Embora não seja dada concordância à pretensão do sujeito passivo conforme supra referido, entende-se todavia que foi devidamente accionada a CDT com a Suíça, considerando-se como meio de prova exigido no art.° 90° n.°3 (legislação de 2005) e art° 90°-A n° 2 (legislação de 2006), ambos do CIRC, o formulário modelo 12 RFI, não obstante o convencionado para os rendimentos de royalties ser o formulário modelo 10 RFI.

Neste sentido e visto que de acordo com a CDT acordada com Suíça a competência da tributação das royalties é do Estado da fonte, mas à taxa reduzida de 5% a correcção no montante de €141.000,00 converte-se em €47.000,00.» (cfr. documento n.° 5 junto com a petição inicial).

F) Em 13.10.2008, no âmbito da ação inspetiva referida na alínea D) supra, o Diretor de Serviços de Inspeção Tributária proferiu despacho de concordância com as conclusões do relatório de inspeção (cfr. documento n.°5 junto com a petição inicial).

G) Em 19.12.2008, foram comunicados à Impugnante os atos de liquidação de retenções na fonte n.° …………..074, e juros compensatórios n.os ………………040, …………..041 e ……………..042, no montante total de €50.881,27, correspondendo €47.000,00 ao imposto e €3.881,27 a juros compensatórios (cfr. documento n.°1 junto com a petição inicial).

H) Em 18.03.2009, a Impugnante deduziu reclamação graciosa, que correu termos junto da Divisão de Justiça Administrativa da Direção de Finanças de Lisboa com n.°………………..935 (cfr. documento n.° 6 junto com a petição inicial).

I) Em 03.04.2009, a Impugnante prestou garantia bancária no valor de € 66.424,82, para suspender o processo de execução fiscal n° …………..169, instaurado para cobrança coerciva de dívida referente a retenção na fonte e juros compensatórios, relativos ao exercício de 2006 (cfr. documento n.°12 junto com a petição inicial).

J) Em 12.11.2009, o Chefe de Divisão de Justiça Administrativa proferiu despacho de indeferimento da reclamação graciosa, sustentado nos fundamentos que ora se transcrevem:
«5.4 - Analisadas as alegações da Reclamante e a fundamentação subjacente às correcções efectuadas, por um lado, e tendo em atenção o conceito de Royaities definido no art° 12 do Modelo de Convenção em matéria de impostos sobre o Rendimento e o Património, parece-nos que os rendimentos em causa se integram naquele conceito.
Ora, atendendo a que os filmes e gravações para transmissão pela rádio ou pela televisão são assimilados a obra literária, artística ou cientifica, e atendendo a que se trata de uma transmissão televisiva (radiofusão) de jogos, ou seja, uma transmissão de um espectáculo, esta transmissão espectáculo por si só, constitui um direito de autor ou intelectual.
E, nestes termos, não existem quaisquer dúvidas que estes direitos são qualificados como royalties.
5.5 - E atentas as razões de facto (e de direito) invocadas pelos serviços de inspecção (vd. fls. 148 a 154) constantes do relatório, não subsiste qualquer alteração às mesmas, por não se alcançar quaisquer erros sobre os pressupostos que conduziram às correções efetuadas» (cfr. documento n.° 2 junto com a petição inicial, que se dá por integralmente reproduzido).

K) No que se refere ao campeonato europeu de futebol de Sub-21, foi celebrado um contrato para a transmissão dos jogos em Portugal, para captação de imagens e sons, através de meios próprios da Impugnante (cfr. depoimento das testemunhas T ……………… e G ………………).

L) O contrato referido na alínea anterior limitava-se à captação de imagens, sons e à respetiva transmissão, sem nenhum valor acrescentado introduzido pela Impugnante (cfr. depoimento das testemunhas T ………….. e G …………….).

M) No que se refere ao campeonato europeu de futebol «Euro 2008», foi celebrado um contrato para transmissão em Portugal de um sinal que a UEFA difundia para operadores de diversos países (cfr. depoimento das testemunhas T ………………e G ………………).

N) O contrato referido na alínea anterior foi para a captação da realidade, de imagens e sons, tendo a Impugnante sido a responsável pela transmissão em Portugal (cfr. depoimento das testemunhas T …………… e G………………….).

IV.2 - FACTOS NÃO PROVADOS

Não existem factos relevantes para a decisão da causa que devam ser considerados como não provados.

- MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO

No que concerne à motivação da matéria de facto, a convicção do tribunal baseou-se na análise crítica de toda a prova produzida no processo, designadamente, nas informações oficiais e documentos constantes dos autos e do PAT, que não foram impugnados pelas partes.

Além disso, foi valorada a prova que resultou do depoimento das testemunhas T ………………. e G ………………...

A testemunha T ……………., financeiro, referiu que o seu conhecimento dos factos advém da leitura dos contratos e das funções que exerce na Impugnante.

Afirmou ter conhecimento que em 2008 a T..... celebrou contratos para eventos desportivos com a UEFA. Foram celebrados dois contratos, um para o campeonato de futebol de Sub-21 realizado em Portugal e outro para o campeonato europeu de futebol de seniores de 2008.

De acordo com o depoimento da testemunha, relativamente ao campeonato de futebol de Sub-21, o objeto desse contrato era a transmissão dos jogos no território português, o qual incluía a captação de imagens pela T....., que era o operador local.

Mais esclareceu que o operador escolhido pela UEFA é aquele que capta as imagens e depois as transmite para o território português, bem como para a própria UEFA. O contrato limitava-se à captação de imagens e à própria transmissão não existindo valor acrescentado introduzido pela T......

Quanto ao contrato relativo ao campeonato europeu de futebol de 2008, a testemunha referiu que o evento não foi em Portugal e que houve outra entidade que captou as imagens.

Neste caso, tratou-se da transmissão em Portugal de um sinal que a UEFA difundiu para operadores de todos os países, tendo a T..... sido a responsável por transmitir a competição no nosso país. Neste caso o contrato foi para captação da realidade, de imagem e som.

Referiu, ainda, que nesse caso os comentários são feitos pela empresa local, mas a imagem e o som de fundo do estádio é do sinal que vem transmitido pela UEFA e depois localmente pelos comentadores. O sinal é recebido pela UEFA e transmitido num território especifico previsto no contrato.

Mais referiu que a transmissão em direto de uma realidade é diferente do que seria, por exemplo, de ficção de uma telenovela ou um filme, em que existe uma série pré-gravada e um guião.

O depoimento desta testemunha foi coerente e esclarecedor, o que permitiu ao Tribunal formar a sua convicção quanto aos factos considerados provado nas alíneas K), L), M) e N) do probatório.

A testemunha G ……………….., técnica oficial de contas e diretora adjunta de serviços partilhados financeiros do grupo a que pertence a impugnante.

Afirmou ter conhecimento da celebração de contratos entre a UEFA e a T..... relativamente ao campeonato de futebol Sub-21, que se realizou em Portugal, e ao Euro 2008.

Referiu que a T....., no caso do campeonato de futebol de Sub-21, fazia a captação de imagem e retransmissão e, também, que o pagamento à UEFA era pelos direitos de imagem, por ser esta entidade que era a detentora desses direitos.

De acordo com o depoimento da testemunha estava em causa apenas a captação de imagens e a transmissão, portanto, não havia intervenção de ninguém em particular.

Quanto ao «Euro 2008», havia a receção do sinal para a transmissão de jogos que depois difundiam internamente. O pagamento à UEFA referia-se ao direito de receber o sinal para posterior transmissão.

O depoimento desta testemunha foi claro e demonstrou ter conhecimento direto dos factos a que depôs, o que permitiu ao Tribunal formar a sua convicção quanto aos factos considerados provados nas alíneas K), L), M) e N) do probatório.».


B.DE DIREITO

Como se apreende dos autos e do probatório, a impugnante, ora recorrida, no ano de 2006, celebrou com a UEFA dois contratos:
- Um contrato para a transmissão dos jogos do campeonato europeu de futebol de Sub-21 visando a captação de imagens, sons e respectiva transmissão através de meios próprios da impugnante;
- Um contrato, referente ao campeonato europeu de futebol «Euro 2008», para transmissão em Portugal de um sinal que a UEFA difundia para operadores de diversos países.

Pretende a Recorrente que, contrariamente ao decidido na sentença, ambos os contratos geraram para a entidade beneficiária (UEFA, entidade não residente e sem estabelecimento estável em Portugal) rendimentos sujeitos a tributação no Estado da fonte (Portugal), que a entidade pagadora (a impugnante T.....) estava obrigada a liquidar por retenção na fonte, o que não fez, motivando as correcções levadas a efeito em sede inspectiva e discutidas na impugnação.

De acordo com o disposto no n.º 2 do art.º 4.º do Código do IRC (redacção vigente ao tempo dos factos), «As pessoas colectivas e outras entidades que não tenham sede nem direcção efectiva em território português ficam sujeitas a IRC apenas quanto aos rendimentos nele obtidos».

Dispõe o seguinte n.º 3: «Para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se obtidos em território português os rendimentos imputáveis a estabelecimento estável aí situado e, bem assim, os que, não se encontrando nessas condições, a seguir se indicam:
(…)
c) Rendimentos a seguir mencionados cujo devedor tenha residência, sede ou direcção efectiva em território português ou cujo pagamento seja imputável a um estabelecimento estável nele situado:

1) Os provenientes da propriedade intelectual ou industrial e bem assim da prestação de informações respeitantes a uma experiência adquirida no sector industrial, comercial ou científico;
2) (…)».

Estabelece o n.º 1 do art.º 88.º do mesmo CIRC que «O IRC é objecto de retenção na fonte relativamente aos seguintes rendimentos obtidos em território português:

a) Rendimentos provenientes da propriedade intelectual ou industrial e bem assim da prestação de informações respeitantes a uma experiência adquirida no sector industrial, comercial ou científico;
b) (…)».

A UEFA tem sede na Suíça.

Estabelece o art.º 12.º da “Convenção entre Portugal e a Suíça para evitar a dupla tributação em matéria de impostos sobre o Rendimento e sobre o Capital”, sob a epígrafe “Redevances”:
«1. As redevances provenientes de um Estado Contratante e atribuídas ou pagas a um residente do outro Estado Contratante podem ser tributadas nesse outro Estado.

2. Todavia, essas redevances podem ser tributadas no Estado Contratante de que provêm e de acordo com a legislação desse Estado, mas o imposto assim estabelecido não excederá 5% do montante bruto das redevances. As autoridades competentes dos Estados Contratantes estabelecerão, de comum acordo, forma de aplicar este limite.

3. O termo redevances, usado neste artigo, significa as retribuições de qualquer natureza atribuídas ou pagas pelo uso ou pela concessão do uso de um direito de autor sobre uma obra literária, artística ou científica, incluindo os filmes cinematográficos, bem como os filmes e gravações para transmissão pela rádio ou pela televisão, de uma patente, de uma marca de fabrico ou de comércio, de um desenho ou de um modelo, de um plano, de uma fórmula ou de um processo secretos, bem como pelo uso ou pela concessão do uso de um equipamento industrial, comercial ou científico e por informações respeitantes a uma experiência adquirida no sector industrial, comercial ou científico.

4. O disposto nos n. 1 e 2 não é aplicável se o beneficiário das redevances, residente de um Estado Contratante, tiver no outro Estado Contratante de que provêm as redevances um estabelecimento estável a que estiver efectivamente ligado o direito ou bem que dá origem às redevances.

5. As redevances consideram-se provenientes de um Estado Contratante quando o devedor for esse próprio Estado, uma sua subdivisão política, uma sua autarquia local ou um residente desse Estado. Todavia, quando o devedor das redevances, seja ou não residente de um Estado Contratante, tiver num Estado Contratante um estabelecimento estável em relação com o qual haja sido contraída a obrigação de pagar as redevances e esse estabelecimento estável suporte o pagamento dessas redevances, tais redevances são consideradas provenientes do Estado Contratante em que o estabelecimento estável estiver situado.

6. (…)»

Sendo esse o regime jurídico a que se apelou para proceder às correcções em causa, vejamos se a sentença incorreu em erro de julgamento ao concluir, diferentemente, que a situação factual dos autos não se subsume nos citados normativos de fonte convencional e legal.

No fundo, o problema em discussão radica na delimitação do conceito de direitos do autor e direitos conexos enquanto instituto da propriedade intelectual, nomeadamente, saber se é tão abrangente quanto aquele que a AT pretende retirar das normas de direito interno e convencional.

Convém, a propósito, lembrar que, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 11.º da Lei Geral Tributária, «Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei.».

Sobre o tema em discussão e, no segmento relevante, a sentença discorreu assim:
«
Relativamente ao campeonato europeu de futebol de Sub-21 (UEFA European Under - 21 Championships), a UEFA celebrou com a Impugnante um contrato para a transmissão da competição desportiva e a cedência de direitos de captação de imagens e sons, que esta realizou através dos seus meios próprios, sem criar valor acrescentado (cfr. alínea B), K) e L) do probatório).

No entanto, a AT considerou que a UEFA, enquanto titular originária dos direitos de filmagem e transmissão, cedeu direitos de radiodifusão à Impugnante, dando origem à obtenção de rendimentos provenientes da propriedade intelectual.

A este propósito a AT convocou a aplicação do artigo 12.° do Modelo de Convenção da Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Económicos (OCDE) e da Convenção para Eliminar a Dupla Tributação com a Suíça, para concluir, ao abrigo daquela disposição legal, que «[o]s filmes e gravações para transmissão pela rádio ou pela televisão são assimilados a obra literária, artística ou científica então, a remuneração paga pela cedência de uso dos respectivos direitos são qualificados com royalties.» (cfr. alínea E) do probatório).

Efetivamente, de acordo com o disposto no artigo 12.° da citada Convenção, são considerados royalties ou redevances as retribuições de qualquer natureza atribuídas ou pagas pelo uso ou pela concessão do uso de um direito de autor sobre uma obra literária, artística ou científica.

Porém, só poderão ser consideradas obras as criações intelectuais, na medida em que acrescentam algo novo, pois, só estas se podem considerar objeto de tutela pelo direito de autor, como, aliás, decorre do artigo 1.° do CDADC.

Sobre esta matéria importa, pois, salientar o entendimento da jurisprudência, que ora se acolhe, no sentido que «[a] obra é o objecto da protecção no direito de autor o que pressupõe a sua existência, não podendo falar-se sequer de direito de autor sem a realidade de uma obra, entendida como exteriorização duma criação do espírito, uma criação intelectual por qualquer modo exteriorizada, não beneficiando da sua tutela as ideias, os processos, os sistemas, os métodos operacionais, os conceitos, os princípios ou as descobertas, por si só e enquanto tais.» (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 29.04.2010, processo n.° 3501/05.0TBOER.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt).

Transpondo este entendimento para o caso dos autos, a simples captação da imagem e som de uma prova desportiva, sem que seja incorporado algo inovador ou introduzido um elemento criativo, não permite considerar que se trata de uma obra, desde logo, porque não existe uma criação intelectual por qualquer modo exteriorizada enquanto expressão da personalidade do autor.

Sendo assim, a transmissão televisiva da captação da imagem e som de uma prova desportiva não é subsumível no artigo 1.° do CDADC ou no artigo 12.° da Convenção, ou seja, não pode ser considerada uma obra enquanto criação intelectual do domínio literário, científico ou artístico.

Este entendimento é, de resto, admitido pela doutrina na perspetiva em que «[p]ode não haver autor. Basta pensar nos espectáculos desportivos, de circo e variedades: há espectáculo e não há direito de autor.» (JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito de Autor e Direitos Conexos, Coimbra Editora, 1992, p. 591 e 592).

No mesmo sentido, é reconhecido pela jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) que «[o]s eventos desportivos não podem ser considerados como criações intelectuais qualificáveis como obras na acepção da diretiva direitos de autor. O mesmo vale, em especial, para os jogos de futebol, enquadrados por regras que não deixam margem para uma liberdade criativa, na acepção do direito de autor. Nestas condições, estes jogos não podem ser protegidos a título de direito de autor.» (cfr. acórdão do TJUE, de 04.10.2011, processo n.° C-403/08, disponível em http://curia.europa.eu).

Face ao exposto, não se poderá considerar que o contrato celebrado entre a Impugnante e a UEFA incidiu sobre uma obra literária, artística ou cientifica, não estando em causa rendimentos provenientes da propriedade intelectual sujeitos a retenção na fonte.

Pelo que, neste âmbito, mostra-se procedente o alegado pela Impugnante.

Passando, agora, à análise da questão relativa à transmissão dos jogos de futebol do «Euro 2008», que foi objeto do contrato denominado «Media Rights Agreement», verifica-se que a Impugnante adquiriu o direito de captar para o território português o sinal enviado pela UEFA, por forma a transmitir os jogos daquela competição desportiva (cfr. alíneas C), M) e N) do probatório).

Neste caso, a AT considerou que a referida transmissão é subsumível no conceito de direito conexo (e não no direito de autor), que foi cedido pelo titular original (UEFA) à Impugnante.

Este entendimento encontra-se refletido no relatório de inspeção tributária, na parte em que se refere o seguinte: «[v]erifica-se no ponto E, alíneas a) e b), dos "special terms" do contrato em análise a concretização da cedência de direitos de radiodifusão ("media rights') durante o período determinado ("term"), no ponto J do mesmo (19 de Outubro de 2006 a 31 de Dezembro de 2008), sem que, no entanto, se observe a perda na esfera jurídica do seu titular, o que vai de encontro ao disposto no art.° 12.° do Modelo de Convenção da OCDE e da CDT com a Suíça, na definição de royalties. // Deste modo, não poderiam os direitos em causa ser caracterizados como rendimentos de lucros de empresas na medida em que consubstanciam verdadeiros direitos conexos com direitos de autor nos termos do CDADC.» (cfr. alínea E) do probatório).

Pese embora a AT tenha considerado que o pagamento feito pela Impugnante à UEFA decorreu da cedência de direitos de radiodifusão, ficou por explicitar se tal cedência se subsume no artigo 12.° da Convenção, cujo âmbito de aplicação se encontra circunscrito à «[c]oncessão do uso de um direito de autor sobre uma obra literária, artística ou científica, incluindo os filmes cinematográficos, bem como os filmes e gravações para transmissão pela rádio ou pela televisão, de uma patente, de uma marca de fabrico ou de comércio (…)».

Ora, conforme supra-referido, os eventos desportivos, nos quais se incluem os jogos de futebol, não são considerados criações intelectuais, suscetíveis de ser qualificadas como obras para efeitos de direitos de autor, razão pela qual não se aplica ao caso dos autos o segmento inicial do artigo 12.° da Convenção.

Além disso, o artigo 12.° da Convenção refere que são considerados royalties ou redevances as retribuições pagas pela concessão do uso de um direito de autor sobre determinada obra, não fazendo qualquer menção a rendimentos provenientes de direitos conexos.

Assim, atendendo ao conteúdo artigo 12.° da Convenção, não se poderá considerar que no caso dos autos estejam em causa «gravações para transmissão pela rádio ou pela televisão», mas antes a emissão de radiodifusão (transmissão televisiva) que «[t] em o significado que lhe é atribuído pelo art. 176°/9: é a difusão dos sons ou de imagens, separada ou cumulativamente, por fios ou sem fios, nomeadamente por ondas hertzianas, fibras ópticas, cabo ou satélite, destinada à recepção pelo público.» (JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito de Autor e Direitos Conexos, Coimbra Editora, 1992, p. 577).

Em todo o caso, é sobre a AT que recai o ónus da prova das correções que realizou, nos termos do artigo 74.°, n.° 1, da LGT, devendo a mesma demonstrar os respetivos pressupostos legais, com indicação de factos concretos, aptos a concluir que a cedência do direito de transmissão do evento desportivo ora em apreço gerou um rendimento sujeito a retenção na fonte.

Na realidade, a AT não demonstrou, nem no relatório de inspeção, nem na decisão que recaiu sobre a reclamação graciosa (cfr. alínea J) do probatório), que os rendimentos em causa são provenientes da aquisição de direitos de propriedade intelectual, por estar em causa um direito que é protegido enquanto direito de autor, e bem assim que a remuneração atribuída pela cedência de direitos de transmissão televisiva corresponde a royalties.

Tal significa, portanto, que a AT não demonstrou que a retribuição paga pela Impugnante à UEFA é subsumível na definição de royalties prevista no artigo 12.° da Convenção, não podendo subsistir as correções sindicadas nos presentes autos, que serão anuladas conforme adiante se decidirá.

Desta forma, mostrando-se procedente a presente impugnação, fica prejudicado o conhecimento dos restantes vícios invocados pela Impugnante, nos termos do artigo 608.°, n.° 2, do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi artigo 2.°, alínea e), do CPPT.».

Concordamos com este modo de ver. Em reforço, diremos apenas – no quadro da fundamentação externada, que é unicamente aquela que serve de parâmetro à aferição da legalidade das correcções, em contencioso anulatório – que as entidades não residentes sem estabelecimento estável em território português estão sujeitas a IRC quanto aos rendimentos pagos por entidades residentes, provenientes da propriedade intelectual ou industrial (art.º 4.º, n.º 3 alínea c) 1), do CIRC).

A Convenção de Dupla Tributação celebrada com a Suíça, Estado de residência da UEFA, delimita os rendimentos que são qualificáveis como royalties (redevances), os quais, embora por regra sejam tributados no Estado da residência do beneficiário, podem ser tributados pelo Estado da fonte embora com uma alíquota inferior (artigo 12.º, n.º 1 e 2 da CDT).

Na delimitação do conceito de royalties, a CDT utiliza vários termos no n.º 3 do seu art.º 12.º, importando para os autos o segmento referente a “retribuições de qualquer natureza atribuídas ou pagas pelo uso ou pela concessão do uso de um direito de autor sobre uma obra literária, artística ou científica, incluindo os filmes cinematográficos, bem como os filmes e gravações para transmissão pela rádio ou pela televisão (…)”, termos esses que, em princípio, deverão ser interpretados de acordo com o direito interno do Estado que tem a pretensão de tributar.

Embora a propriedade intelectual, em sentido lato, compreenda os institutos da propriedade industrial e os direitos de autor e direitos conexos ao direito do autor, só estes últimos relevam para os autos.

Os direitos de autor, que protegem os criadores de obras literárias, artísticas e científicas, distinguem-se dos direitos conexos, que são uma forma de protecção legal da prestação daqueles que contribuem para a criação e disseminação de obras culturais e artísticas e de que são beneficiários, “os artistas intérpretes ou executantes, os produtores de fonogramas e de videogramas, os editores de imprensa e os organismos de radiodifusão” (artigos 1.º e 176.º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, aprovado pelo Dec.- Lei n.º. 63/85, de 14 de Março).

Ora, a protecção conferida pelos direitos conexos pressupõe a existência de uma obra artística que se esteja a interpretar ou difundir. Por isso, não existem direitos de autor ou direitos conexos sobre espectáculos ou eventos desportivos e a generalidade dos atletas não são qualificados como artistas-intérpretes.

Os direitos de transmissão desportiva, de que há notícia de serem objecto de contratos milionários, correspondem apenas a um direito patrimonial do empresário ou organizador do evento de autorizar filmagens num recinto, mas não goza da protecção dos direitos conexos e, portanto, a contrapartida gerada por esse tipo de contratos não assume a natureza de rendimento proveniente da propriedade intelectual, nem se subsume no conceito de royalties ou redevance da Convenção de Dupla Tributação.

Como refere Nuno Sousa e Silva, “Direitos Conexos (ao Direito de Autor)”, a págs.378, «Existe um numerus clausus de direitos conexos. Salvo intervenção legislativa, o investimento/esforço, não beneficiando de tutela específica, só será protegido pela concorrência desleal ou outros institutos análogos como a gestão de negócios ou o enriquecimento sem causa. Assim, ao contrário do que acontece noutros países, em Portugal não está consagrada protecção (…) para eventos culturais e/ou desportivos (…)».

No que em particular respeita ao “campeonato europeu de futebol de Sub-21”, alega a Recorrente não corresponder à verdade que o contrato celebrado com a UEFA “limitava-se à captação de imagens, sons e à respectiva transmissão sem nenhum valor acrescentado introduzido pela impugnante, como consignado na alínea k) dos factos provados. Assim entende, em suma, e como deixa explicado nos pontos 4.6 e ss. das doutas conclusões, porquanto, a captura das imagens traduz uma opção de quem tem o comando e o domínio sobre a câmara de captura.

Todavia, a captação e transmissão de imagens não tratadas (sem valor acrescentado, nas palavras da sentença), constitui mera operação técnica que não goza de protecção dos direitos conexos, a que acresce a circunstância de o evento desportivo transmitido também não gozar da protecção dos direitos de autor na lei portuguesa, como se disse.

Tudo visto, na linha da sentença recorrida, também nós concluímos que os rendimentos que se pretende tributar, titulados por contratos celebrados com a UEFA, não são provenientes da propriedade intelectual, não se encontrando abrangidos pelas disposições dos artigos 4.º, n.º 3 alínea c) n.º1 do CIRC e 12.º da Convenção, nessa medida, não estando sujeitos a retenção na fonte por parte da entidade residente pagadora, nos termos do art.º 88.º, n.º 1 alínea a), do mesmo CIRC.

A sentença não incorreu nos apontados erros de julgamento, merecendo ser confirmada e negado provimento ao recurso.

Em sentido convergente, já foi decidido no Ac. deste TCAS, de 09/26/2024, tirado no proc.º 164/07.2BESNT.

IV. DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso.

Custas a cargo da Recorrente.

Lisboa, 18 de Setembro de 2025

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Vital Lopes



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Margarida Reis


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Rui A. S. Ferreira