Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:359/24.4BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:01/09/2025
Relator:ISABEL VAZ FERNANDES
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL
GARANTIA; AVALIAÇÃO DO BEM
VALOR
Sumário:I – Dispõe o artigo 199.º-A do CPPT o seguinte:
“1 - Na avaliação da garantia, com excepção de garantia bancária, caução e seguro-caução, deve atender-se ao valor dos bens ou do património apurado nos termos dos artigos 13.º a 17.º do Código do Imposto do Selo”. (aditado pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março)

II – Na circunstância de serem apresentados junto da AT elementos que podem atestar a ocorrência de circunstâncias especiais justificativas de que, para efeitos de garantia fundada em bens imóveis, se deva atender a valor diverso do VPT (designadamente ao valor de mercado), tais elementos devem ser objecto de apreciação pela AT e, eventualmente, dar origem à realização de uma avaliação ad hoc dos prédios em causa.

Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contra-Ordenacionais
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul
I – RELATÓRIO

M....., melhor identificada nos autos, apresentou reclamação contra o despacho da decisão proferida pela Diretora de Finanças de Setúbal, que deferiu parcialmente o seu pedido de suspensão do processo de execução fiscal n.º 2194202301333542, cuja dívida exequenda ascende a € 63.458,51.

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, por decisão de 09 de julho de 2024, julgou improcedente a reclamação e, em consequência, absolveu a Fazenda Pública do pedido.

O presente recurso foi dirigido ao Supremo Tribunal Administrativo (STA), que se julgou incompetente em razão da hierarquia, por Decisão Sumária proferida em 18 de outubro de 2024, tendo sido determinada a remessa dos autos para a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul.

Não concordando com a sentença proferida pelo tribunal a quo, a Recorrente, M....., interpôs recurso da mesma, tendo nas suas alegações, formulado as seguintes conclusões:

«A. Constitui objecto do presente recurso a Sentença proferida no dia 9 de Julho de 2024, que julgou improcedente a Reclamação deduzida pela ora RECORRENTE contra o Despacho da Directora de Finanças de Setúbal, datado de 13 de Março de 2024, que deferiu parcialmente o pedido de suspensão do processo de execução fiscal n.º 2194202301333542 e, em consequência, determinou a manutenção na ordem jurídica do referido acto administrativo em matéria tributária, praticado pelo órgão de execução fiscal.

B. Sucede, porém, que a RECORRENTE não pode concordar com o teor da Sentença recorrida, atendendo a que, ao contrário do que entende o Tribunal a quo, a RECORRENTE carreou para o processo elementos suficientes “(…) que permitissem atestar a ocorrência de circunstâncias especiais que justificassem a consideração de um valor diverso do VPT e que, eventualmente, motivassem o recurso a uma avaliação ad hoc do imóvel em causa (…)”, designadamente a escritura de compra e venda do imóvel em questão, outorgada em 30 de Outubro de 2020;

C. Sobre esta questão, reconhece o Tribunal a quo que “No presente caso, como ficou demonstrado nos autos, a reclamante alegou no requerimento de suspensão do processo de execução fiscal que existia uma discrepância entre o VPT e o valor de mercado do imóvel em causa e juntou comprovativo de aquisição deste, cerca de três anos e meio antes, por um valor manifestamente superior (cf. alínea I. do probatório).”

D. No entanto, o mesmo Tribunal a quo afirma que “(…) a demonstração de que o imóvel em causa foi adquirido por um valor superior ao VPT não permite, por si só, afiançar que o valor de aquisição corresponda ao respetivo valor de mercado. Com efeito, o valor constante da prova documental junta pela reclamante apenas se reporta ao valor de aquisição do bem, não permitindo aferir do aduzido desfasamento entre o VPT e o valor de mercado do mesmo, atendendo a que existem diversas circunstâncias podem motivar a aquisição de bens imóveis por valores superiores aos respetivos valores de mercado.”.

E. Nesta sede, em face do trecho ora transcrito da Sentença sob contestação, cumpre à ora RECORRENTE referir que, em Portugal, em todo e qualquer negócio de compra de um imóvel com recurso ao crédito à habitação, é realizada uma avaliação prévia do valor de mercado do imóvel, por parte de um perito nomeado pelo próprio Banco que esteja a conceder o crédito para o efeito, de forma a controlar se o preço definido para a venda está dentro dos valores de mercado normalmente praticados para o imóvel em questão.

F. Razão pela qual não se consegue compreender o entendimento do Tribunal a quo de que o valor de aquisição de um imóvel não permite aferir da existência de um desfasamento entre o VPT e o valor de mercado do mesmo, “(…) atendendo a que existem diversas circunstâncias podem motivar a aquisição de bens imóveis por valores superiores aos respetivos valores de mercado.”.

G. E também analisando a jurisprudência dos Tribunais superiores, designadamente dos doutos Supremo Tribunal Administrativo e Tribunal Central Administrativo Sul, constatamos que, em lado algum, para este tipo de situações, é exigida, de forma específica, a tal “avaliação profissional e fundamentada do valor de mercado do concreto bem oferecido em garantia”.

H. Com efeito, da jurisprudência já citada tanto nos Requerimentos de prestação de garantia como na Reclamação Judicial que deu origem aos presentes autos, constata-se que apenas é exigível que se traga ao conhecimento da Administração Tributária as circunstâncias especiais que, a verificarem-se, justifiquem eventualmente que a garantia constituída sobre imóveis deva atender a valor diverso do valor patrimonial tributário destes.

I. No caso vertente, o VPT do imóvel oferecido como garantia é mais do que 4 (quatro) vezes menor que o valor que a aqui RECORRENTE, há menos de quatro anos, pagou para o adquirir (€292.000), podendo facilmente se afirmar que, até esse valor, já se encontra desactualizado, atento o fenómeno inflacionário que se verificou já após a RECORRENTE o adquirir (Outubro de 2020), sentido ainda com mais acuidade – como é do conhecimento público – no sector imobiliário em Lisboa, onde se localiza o imóvel, situado no Bairro de C.......

J. A visão pugnada pela Administração Tributária constitui uma segregação artificial do processo de execução fiscal, desprovida de qualquer sentido material.

K. A jurisprudência do Tribunal Central Administrativo Sul, bem como do Supremo Tribunal Administrativo, tem aderido, no âmbito de vários Acórdãos recentes, à posição sufragada pela aqui RECORRENTE.

L. Nesse sentido, tendo a ora RECLAMANTE trazido ao conhecimento da Administração Tributária elementos (valores e documentos) que permitem concluir pela possibilidade de existência de uma franca discrepância entre o VPT e o valor de mercado do imóvel, tais elementos, de acordo com a Lei e com a Jurisprudência dos Tribunais superiores, devem ser objecto de ponderação pela Administração Tributária.

M. Todavia, no presente caso, tal ponderação não foi feita, nem sequer ensaiada, já que a Administração Tributária nada referiu a propósito do alegado pela aqui RECLAMANTE, dos elementos juntos ou até sobre as diligências adicionais de avaliação que, querendo, poderia efectuar, caso tal considerasse necessário.

N. Dito isto, não podia a Administração Tributária decidir não considerar suficiente a garantia prestada sem sequer analisar os valores alegados pela RECLAMANTE e a possibilidade aventada de realização de uma avaliação ad-hoc, caso tal fosse necessário para que pudesse tomar uma decisão de forma mais sustentada.

O. Nestes termos, sempre com a ressalva da devida vénia, a Sentença ora recorrida, ao decidir como efetivamente o fez, estribou o seu entendimento numa inadequada valoração da matéria de facto e de direito relevante para a boa decisão da causa, tendo violado o disposto nos artigos 169.º, 199.º; 199º-A e 250.º CPPT, motivo pelo qual não se pode manter na ordem jurídica.

P. Em face de tudo quanto ficou exposto, entende a RECORRENTE que a Sentença proferida pelo Tribunal a quo enferma de erro de julgamento de direito, ao concluir que, “apesar de alegar a existência de tal discrepância, a reclamante não juntou quaisquer elementos documentais que corroborassem tal alegação, nomeadamente através da apresentação de uma avaliação profissional e fundamentada do valor de mercado do concreto bem oferecido em garantia”.

Q. Pelo que requer que seja dado provimento ao Recurso ora interposto, determinando-se, em consequência, a revogação da Sentença recorrida e a substituição por outra que determine a procedência da Reclamação Judicial que deu origem aos presentes autos, com a subsequente revogação do Despacho da Directora de Finanças de Setúbal, datado de 13 de Março de 2024, e a substituição por outro Despacho que julgue idónea e suficiente a garantia prestada pela aqui RECORRENTE, atento o seu valor de mercado, com o subsequente decretamento da suspensão do processo de execução fiscal aqui em apreço, até ao trânsito em julgado da Sentença a proferir no âmbito do mencionado processo de Impugnação Judicial, que corre termos na Unidade Orgânica 3 do Tribunal Tributário de Lisboa sob o número 1405/23.4BELRS.

NESTES TERMOS, E NOS DEMAIS DE DIREITO APLICÁVEIS, SEMPRE COM O DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS, DEVE SER DADO PROVIMENTO AO RECURSO ORA INTERPOSTO, DETERMINANDO-SE, EM CONSEQUÊNCIA, A REVOGAÇÃO DA SENTENÇA RECORRIDA E A SUBSTITUIÇÃO POR OUTRA QUE DETERMINE A PROCEDÊNCIA DA RECLAMAÇÃO JUDICIAL QUE DEU ORIGEM AOS PRESENTES AUTOS, COM A SUBSEQUENTE REVOGAÇÃO DO DESPACHO DA DIRECTORA DE FINANÇAS DE SETÚBAL, DATADO DE 13 DE MARÇO DE 2024, E A SUBSTITUIÇÃO POR OUTRO DESPACHO QUE JULGUE IDÓNEA E SUFICIENTE A GARANTIA PRESTADA PELA AQUI RECORRENTE, ATENTO O SEU VALOR DE MERCADO, COM O SUBSEQUENTE DECRETAMENTO DA SUSPENSÃO DO PROCESSO DE EXECUÇÃO FISCAL AQUI EM APREÇO, ATÉ AO TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA A PROFERIR NO ÂMBITO DO MENCIONADO PROCESSO DE IMPUGNAÇÃO JUDICIAL, QUE CORRE TERMOS NA UNIDADE ORGÂNICA 3 DO TRIBUNAL TRIBUTÁRIO DE LISBOA SOB O NÚMERO 1405/23.4BELRS, TUDO COM AS NECESSÁRIAS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS.»


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A Recorrida, FAZENDA PÚBLICA, notificada do recurso interposto, optou por não contra alegar.
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O DMMP junto deste Tribunal Central Administrativo emitiu parecer no sentido do provimento do recurso, dando por “(…)integralmente reproduzido todo o conteúdo do douto parecer já emitido sobre a matéria objeto do recurso pelo Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto em funções junto do Supremo Tribunal Administrativo, datado de 05.09.2024, constante de fls. 444 a 452 dos autos, parecer esse com o qual concordamos em absoluto e, escudando-nos nos fundamentos nele explanados, (…)”
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Com dispensa de vistos, vem o processo submetido à conferência da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul para decisão.
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II – FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

«Consideram-se assentes os seguintes factos com interesse para a decisão da causa, de acordo com as diversas soluções plausíveis de direito:

A. A 30 de outubro de 2020, por documento particular autenticado designado «COMPRA E VENDA E MÚTUO COM H IPOTECA», L...... declarou vender à a ora reclamante, que aceitou comprar, pelo preço já recebido de 292.000 € livre de quaisquer ónus e encargos, a fração autónoma designada pela letra “J”, correspondente ao 3.º andar esquerdo, destinada a habitação, do prédio urbano sito na Rua T......, n.ºs 1, 1 A, 1 B e 1 C, da freguesia de S...... , descrito na Conservatória de Registo Predial de Lisboa sob o número 1023, da Freguesia de S......, e inscrito na matriz predial urbana sob o n.º 3085 da Freguesia de C......, Concelho de Lisboa (cf. pp. 66 e ss. do processo de execução fiscal , incorporado a fls. 66 e ss. dos autos);

B. O documento mencionado na alínea anterior, foi igualmente assinado por um procurador da sociedade «C......, S.A.» (doravante «C......»), com poderes para o ato, que declarou que concedia à reclamante, para aquisição do imóvel em causa, um empréstimo de € 60.000, que esta aceitou e de que se confessou devedora, declarando esta constituir, como garantia do capital mutuado e respetivos juros , uma hipoteca sobre este imóvel , pelo montante máximo garantido d e € 71.040 , a favor daquela sociedade, que declarou aceitá-la (cf. pp. 66 e ss. do processo de execução fiscal, incorporado a fls. 66 e ss. dos autos);

C. Do capital mutuado mencionado na alínea anterior, encontrava se em dívida, a 23 de janeiro de 2024, um valor de € 12.599, 23 (cf. documento n.º 5 junto com a petição inicial);

D. O imóvel mencionado nas alíneas anteriores foi objeto de avaliação pela Administração Tributária, no ano de 2022, tendo lhe sido atribuído o valor patrimonial tributário de € 64.465 (c f. pp. 66 e ss. do processo de execução fiscal, incorporado a fls. 114 e ss. dos autos e fls. 207 e ss. dos autos;

E. A 4 de outubro de 2023, a ora reclamante apresentou, no Tribunal Tributário de Lisboa, petição inicial de impugnação judicial relativamente ao ato de indeferimento parcial da reclamação graciosa apresentada contra o ato de liquidação de IRS n.º 2022 5005911998, referente ao ano de 2021, no valor de € 47.752,81, e relativamente ao ato de liquidação de IRS n.º 2023 5005762036, também referente ao ano de 2021, no valor de € 71.306,51, que veio a dar origem ao processo n.º 1405/23.4BELRS (cf. pp. 24 e ss. do processo de execução fiscal, incorporado a fls. 66 e ss. dos autos e fls. 207 a 212 dos autos);

F. A 27 de novembro de 2023, a Direção de Finanças de Setúbal instaurou o processo de execução fiscal n.º 2194202301333542 , para cobrança coerciva de dívida relativa a IRS referente ao ano de 2021, a que respeita o ato de liquidação n.º 20235006155332, no montante total de € 63.458,51 (cf. documento n.º 3 junto com a petição inicial e pp. 1 a 3 do processo de execução fiscal, incorporado a fls. 66 e ss. dos autos;

G. A 28 de novembro de 2023, a Autoridade Tributária e Aduaneira enviou, mediante carta registada com aviso de receção, ofício designado «CITAÇÃO PESSOAL», dirigido à ora reclamante, mediante o qual lhe comunicava a instauração do processo de execução fiscal mencionado na alínea anterior e que deveria proceder ao pagamento da dívida exequenda e acrescido no prazo de 30 dias a contar da concretização da citação ou, dentro do mesmo prazo, poderia requerer o pagamento em prestações ou a dação em pagamento ou ainda deduzir oposição judicial, sendo que, decorrido tal prazo e inexistindo motivo para suspensão da execução, esta prosseguiria a tramitação legal, designadamente para efeitos de penhora de bens (cf. documento n.º 3 junto com a petição inicial e pp. 4 e ss. do processo de execução fiscal, incorporado a fls. 226 e ss. dos autos;

H. A 26 de dezembro de 2023 , a ora reclamante apresentou, junto do Tribunal Tributário de Lisboa, no âmbito do processo de impugnação judicial mencionado na alínea E., requerimento em que pediu a ampliação do objeto do litígio, para passar a abranger o ato de liquidação n.º 20235006155332, referente ao ano de 2021, no valor de € 63.458,51, que originou o processo de execução fiscal n.º 2194202301333542 ( cf. pp. 25 e ss. e 59 e ss. do processo de execução fiscal, incorporado a fls. 66 e ss. dos autos e fls. 207 a 212 dos autos);

I. A 29 de dezembro de 2023, a ora reclamante apresentou, junto do Serviço de Finanças do Montijo, requerimento, mediante o qual peticionava a suspensão da execução fiscal, oferecendo como garantia o imóvel identificado na alínea A., referindo que o VPT deste era inferior ao respetivo valor de mercado, juntando o documento mencionado nas alíneas A. e B., e indicando que, caso considerasse necessário, poderia o Administração Tributária recorrer ao mecanismo de «avaliação ad hoc do imóvel em questão, em conformidade com o disposto no n.º 2 do artigo 250.º do CPPT » (cf. documento n.º 4 junto com a petição inicial e pp. 4 e ss. do processo de execução fiscal, incorporado a fls. 66 e ss. dos autos);

J. A 13 de março de 2024, a Diretora de Finanças de Setúbal proferiu despacho de concordância com a informação dos serviços n.º EGDE 65/2024, da qual constava nomeadamente o seguinte cf. documento n.º 1 junto com a petição inicial e pp. 101 e ss. do processo de execução fiscal, incorporado a fls. 66 e ss. dos autos


“(texto integral no original; imagem)”

(…)

“(texto integral no original; imagem)”


“(texto integral no original; imagem)”


K. A 15 de março de 2024, o Serviço de Finanças do Montijo enviou, por correio registado, o ofício n.º 406, dirigido à ora reclamante, mediante o qual a informava do teor do despacho mencionado na alínea anterior, comunicando lhe que tinha sido parcialmente deferi do «o pedido de suspensão do processo de execução fiscal n.º 2194202301333542, porquanto a garantia oferecida, embora idónea, não é suficiente», acrescentando que «nos termos do n.º 10 do artigo 199.º do CPPT, deverá, no prazo máximo de 15 dias, reforçar a garantia, considerando, de acordo com a informação que sustenta aquele Despacho, que o valor em dívida é e € 63.768,05 e que a garantia oferecida é de € 49.548, 00 (líquida do ónus)», sendo que, findo este prazo, o autos prosseguiriam «os termos normais, nomeadamente para penhora dos bens ou direitos considerados suficientes, nos termos do n.º 8 da mesma norma» (cf. documento n.º 1 junto com a petição inicial e pp. 108 e ss. do processo de execução fiscal, incorporado a fls. 66 e ss. dos autos;

L. A 23 de abril de 2024, a reclamante apresentou, junto do Serviço de Finanças do Montijo, a petição inicial de reclamação dos atos do órgão de execução fiscal que deu origem aos presentes a u tos (cf. fls. 207 e ss. dos autos).


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Factos não provados

«Inexiste matéria de facto alegada não provada com relevância para a decisão da Causa Não ficaram por provar quaisquer outros factos alegados com interesse para a boa decisão da causa.»


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Motivação da decisão de facto

«A convicção do Tribunal para dar os presentes factos como provados assentou na análise crítica do teor dos documentos integrantes do processo de execução fiscal e dos restante s documentos constantes dos autos, os quais não foram impugnados pelas partes e relativamente aos quais não há indícios que ponham em causa a respetiva genuinidade, de acordo com o indicado em cada uma das alíneas do probatório.»


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- De Direito

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Ora, lidas as conclusões das alegações de recurso, resulta que está em causa saber se o Tribunal a quo errou no seu julgamento ao julgar improcedente a reclamação.

Concretamente, importa apreciar e decidir se estavam reunidos os pressupostos para a AT dar início a uma avaliação ad hoc do imóvel dado como garantia por forma a aferir da sua suficiência.


Está em causa o indeferimento, pela AT, do pedido de prestação de garantia, sob a forma de hipoteca constituída em imóvel, em que não foi tido em consideração o pedido de realização de avaliação ad hoc, efectuado pela Recorrente, baseado na junção de escritura de compra e venda por um valor muito superior ao VPT.

Vejamos, então, começando por recuperar o que, a este propósito, se escreveu na sentença recorrida, depois de elencar o quadro legal aplicável:

“(…) No caso sub judice, resulta da matéria de facto provada que a reclamante apresentou, junto do Serviço de Finanças do Montijo, requerimento para suspensão do processo de execução fiscal n.º 2194202301333542, tendo oferecido como garantia a fracção autónoma designada pela letra “J”, correspondente ao 3.º andar esquerdo, destinada a habitação, do prédio urbano sito na Rua T......, n.ºs 1, 1-A, 1-B e 1-C, da freguesia de S......, inscrita na matriz predial urbana sob o n.º 3085 da Freguesia de C......, Concelho de Lisboa (cf. alínea J. do probatório).

Ficou ainda demonstrado em juízo que o VPT do mencionado imóvel ascendia a € 64.465, tendo este sido avaliado em 2022 (cf. alínea D. do probatório), e que sobre este incida um ónus correspondente a uma hipoteca voluntária constituída para garantia do pagamento do capital em dívida mutuado pela C...... à reclamante no montante de € 12.599, 23, e respetivos juros (cf. alíneas B. e C. do probatório).

Resulta igualmente da factualidade provada que, no mencionado requerimento, a reclamante alegou que o VPT constante da matriz do imóvel em causa era substancialmente inferior ao valor de mercado deste, tendo juntado comprovativo da aquisição do bem, a 30 de outubro de 2020, pelo valor de € 292.000, e referido que, caso a Administração Tributária considerasse necessário, poderia realizar uma avaliação ad hoc deste (cf. alíneas A. e I. do probatório).

Na decisão de deferimento parcial do requerimento de suspensão fica patente que, apesar a Administração Tributária considerar a garantia oferecida idónea, entende que esta não é suficiente, atendendo ao VPT do imóvel - € 64.465 – e à circunstância de incidir sobre este uma hipoteca voluntária a favor da C...... relativa ao capital em dívida, no montante de € 12.599,23, e respectivos juros, que estima corresponderem a € 2.318,26 (calculados em função da proporção de capital em dívida inicial e respectivos juros que serviram de base ao valor da hipoteca inicialmente registado pela C......) - cf. alínea J. do probatório.

Assim, partindo do VPT deduzido do valor estimado da hipoteca registada a favor da C......, a Autoridade Tributária entendeu que a garantia em causa se mostrava insuficiente para garantir o pagamento da dívida exequenda, respectivos juros e custas do processo de execução fiscal n.º 2194202301333542, no montante global de € 80.636,73 (cf. alínea J. do probatório). Decorre igualmente da fundamentação da decisão que, no entendimento da Autoridade Tributária, inexiste base legal para atender ao valor de mercado do imóvel e proceder à avaliação ad hoc deste, devendo atender-se antes ao respetivo VPT (cf. alínea J. do probatório).

A reclamante, como sobredito, alega que existe discrepância significativa entre o VPT - € 64.465 - e valor de mercado do imóvel, o que pretende demonstrar juntando comprovativo da aquisição deste, há cerca de três anos e meio, por um valor muito superior - €292.000 – e, nesta medida, entende que a Autoridade Tributária deveria ter procedido a uma avaliação ad hoc antes de proferir decisão sobre a idoneidade da garantia em causa.

É certo que, como sobredito, em situações excepcionais, quando o executado alegue que existe discrepância manifesta entre o valor de mercado e o VPT e carreie para o processo elementos que indiciem a realidade de tal alegação, a Autoridade Tributária pode e deve realizar uma avaliação ad hoc para apurar o valor real do bem em causa, por respeito aos princípios da proporcionalidade e da justiça.

Não deve, no entanto, olvidar-se que tal constitui um regime excepcional, ao qual a Administração Tributária deverá recorrer apenas caso se encontrem verificados os pressupostos legalmente estabelecidos para o efeito, uma vez que o legislador impõe, como regime regra, o recurso ao VPT para avaliação dos bens imóveis e para apreciação da respectiva idoneidade como garantia.

Com efeito, o recurso ao valor de mercado, mediante avaliação ad hoc do imóvel, sendo excepcional, deve verificar-se apenas quando circunstâncias especiais o justifiquem, cabendo ao executado levar ao conhecimento da Administração Tributária tais circunstâncias e não lhe bastando, para o efeito, alegar a existência de uma discrepância entre um e outro valor.

No presente caso, como ficou demonstrado nos autos, a reclamante alegou no requerimento de suspensão do processo de execução fiscal que existia uma discrepância entre o VPT e o valor de mercado do imóvel em causa e juntou comprovativo de aquisição deste, cerca de três anos e meio antes, por um valor manifestamente superior (cf. alínea I. do probatório).

No entanto, a demonstração de que o imóvel em causa foi adquirido por um valor superior ao VPT não permite, por si só, afiançar que o valor de aquisição corresponda ao respectivo valor de mercado.

Com efeito, o valor constante da prova documental junta pela reclamante apenas se reporta ao valor de aquisição do bem, não permitindo aferir do aduzido desfasamento entre o VPT e o valor de mercado do mesmo, atendendo a que existem diversas circunstâncias podem motivar a aquisição de bens imóveis por valores superiores aos respectivos valores de mercado.

Nesta medida, apesar de alegar a existência de tal discrepância, a reclamante não juntou quaisquer elementos documentais que corroborassem tal alegação, nomeadamente através da apresentação de uma avaliação profissional e fundamentada do valor de mercado do concreto bem oferecido em garantia.

Por conseguinte, não tendo a reclamante carreado para o processo elementos que permitissem atestar a ocorrência de circunstâncias especiais que justificassem a consideração de um valor diverso do VPT e que, eventualmente, motivassem o recurso a uma avaliação ad hoc do imóvel em causa, não se se pode concluir que fosse legalmente exigível à Autoridade Tributária realizar tal diligência e atender a critério diferente do VPT na apreciação da idoneidade da garantia.

Não se impunha, nestes termos, que a Administração Tributária, por respeito ao princípio da proporcionalidade e da justiça, recorresse à avaliação ad hoc nos termos pretendidos pela reclamante, pelo que, ao ter atendido ao VPT do imóvel em causa para apreciação da idoneidade da garantia oferecida, atuou em estrito cumprimento da lei.

Atento o exposto, conclui-se que o despacho em crise nos presentes autos não padece do vício de violação de lei que lhe vem assacado, improcedendo, por conseguinte, a presente reclamação.(…)”

Comecemos por dizer que não vem posta em causa a factualidade assente na sentença recorrida, o que significa que não é controvertida a circunstância de a Recorrente, com o requerimento em que solicitou a prestação de garantia ter junto a escritura de compra e venda e solicitado a realização de uma avaliação do imóvel ad hoc.

Constata-se, por outro lado que, na fundamentação do acto de indeferimento a que se refere a alínea J) da matéria de facto assente, nada se disse relativamente ao documento relativo à escritura de compra e venda, nem ao pedido de realização de avaliação ad hoc do imóvel junto pela Recorrente com o pedido.

Adiante-se que consideramos ter razão a Recorrente.

Atentemos no quadro legal aplicável:

Preceitua o artigo 52.º da LGT:

“1 - A cobrança da prestação tributária suspende-se no processo de execução fiscal em virtude de pagamento em prestações ou reclamação, recurso, impugnação e oposição à execução que tenham por objecto a ilegalidade ou inexigibilidade da dívida exequenda, bem como durante os procedimentos de resolução de diferendos no quadro da Convenção de Arbitragem n.º 90/436/CEE, de 23 de Julho, relativa à eliminação da dupla tributação em caso de correção de lucros entre empresas associadas de diferentes Estados membros.

2 - A suspensão da execução nos termos do número anterior depende da prestação de garantia idónea nos termos das leis tributárias.

3 - A administração tributária pode exigir ao executado o reforço da garantia no caso de esta se tornar manifestamente insuficiente para o pagamento da dívida exequenda e acrescido”.

Por seu turno, dispõe o nº1 do artigo 169.º do CPPT, sob a epígrafe “Suspensão da execução. Garantias”:

“1 - A execução fica suspensa até à decisão do pleito em caso de reclamação graciosa, a impugnação judicial ou recurso judicial que tenham por objecto a legalidade da dívida exequenda, bem como durante os procedimentos de resolução de diferendos no quadro da Convenção de Arbitragem 90/436/CEE, de 23 de Julho, relativa à eliminação da dupla tributação em caso de correcção de lucros entre empresas associadas de diferentes Estados-Membros, ou de convenção para evitar a dupla tributação, desde que tenha sido constituída garantia nos termos do artigo 195.º ou prestada nos termos do artigo 199.º ou a penhora garanta a totalidade da quantia exequenda e do acrescido, o que deve ser informado no processo pelo funcionário competente”.

Nos termos do preceituado no artigo 199.º, também do CPPT:

“1 - Caso não se encontre já constituída garantia, com o pedido deverá o executado oferecer garantia idónea, a qual consistirá em garantia bancária, caução, seguro-caução ou qualquer meio susceptível de assegurar os créditos do exequente.

2 - A garantia idónea referida no número anterior poderá consistir, ainda, a requerimento do executado e mediante concordância da administração tributária, em penhor ou hipoteca voluntária, aplicando-se o disposto no artigo 195.º, com as necessárias adaptações.

(…)

6 - A garantia é prestada pelo valor da dívida exequenda, juros de mora contados até ao termo do prazo de pagamento voluntário ou à data do pedido, quando posterior, com o limite de cinco anos, e custas na totalidade, acrescida de 25 % da soma daqueles valores, excepto no caso dos planos prestacionais onde a garantia é prestada pelo valor da dívida exequenda, juros de mora contados até ao termo do prazo do plano de pagamento concedido e custas na totalidade, sem prejuízo do disposto no n.º 14 do artigo 169.º

7 - As garantias referidas no n.º 1 serão constituídas para cobrir todo o período de tempo que foi concedido para efectuar o pagamento, acrescido de três meses, e serão apresentadas no prazo de 15 dias a contar da notificação que autorizar as prestações, salvo no caso de garantia que pela sua natureza justifique a ampliação do prazo até 30 dias, prorrogáveis por mais 30, em caso de circunstâncias excepcionais.

(…) 10 - Em caso de diminuição significativa do valor dos bens que constituem a garantia, o órgão da execução fiscal ordena ao executado que a reforce ou preste nova garantia idónea no prazo de 15 dias, com a cominação prevista no n.º 8 deste artigo.

11 - A garantia poderá ser reduzida, oficiosamente ou a requerimento dos contribuintes, à medida que os pagamentos forem efectuados e se tornar manifesta a desproporção entre o montante daquela e a dívida restante.”

O artigo 199.º-A do CPPT dispõe o seguinte:

“1 - Na avaliação da garantia, com excepção de garantia bancária, caução e seguro-caução, deve atender-se ao valor dos bens ou do património apurado nos termos dos artigos 13.º a 17.º do Código do Imposto do Selo”. (aditado pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março)

Importa convocar o nº1 do artigo 13º do Código do Imposto do Selo:

“1 - O valor dos imóveis é o valor patrimonial tributário constante da matriz nos termos do CIMI à data da transmissão, ou o determinado por avaliação nos casos de prédios omissos ou inscritos sem valor patrimonial.”

Releva, igualmente, o preceituado no artigo 250.º do CPPT, nos termos do qual:

“1 - O valor base para venda é determinado da seguinte forma:

a) Os imóveis urbanos, inscritos ou omissos na matriz, pelo valor patrimonial tributário apurado nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI);

b) Os imóveis rústicos, pelo valor patrimonial actualizado com base em factores de correcção monetária, nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 27.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro, ou pelo valor de mercado, quando superior;

(…)

2 - Sem prejuízo da determinação do valor dos bens imóveis para venda nos termos do número anterior, quando se mostre evidente que o valor de mercado dos bens é manifestamente superior ao apurado por aquelas regras, a requerimento do executado ou por iniciativa do órgão de execução fiscal pode ainda recorrer-se à determinação do valor com recurso a parecer técnico de um perito especializado e registado na Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, seguindo-se a demais tramitação do processo”.

Esta questão foi tratada no Acórdão deste TCAS de 14/07/2022, proferido no âmbito do processo nº 32/22, onde se escreveu o seguinte:

“(…) Com o aditamento do art.º 199.º-A, ficou positivado o que, no tocante ao VPT, já era defendido pela jurisprudência. Assim, nestes casos, em princípio, o valor a ter em conta pela AT, para os bens imóveis, será o VPT.

No entanto, e já na vigência deste art.º 199.º-A, n.º 1, do CPPT, a posição dos nossos tribunais superiores não se alterou substancialmente face à anterior, desde logo porque o art.º 199.º-A, n.º 1, do CPPT, ao remeter para o CIS e daí para o VPT, não afasta a possibilidade de aplicação do n.º 2 do art.º 250.º do CPPT, nos termos já anteriormente admitidos, quanto tal excepcionalmente se justifique e desde que haja oportuna e sustentada alegação do contribuinte.

Assim, refere-se no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 29.11.2017 (Processo: 01248/17):

“[A] sentença recorrida, além de considerar que o reclamante não alegou, quando formulou o pedido de constituição da hipoteca, que o respectivo imóvel tivesse um valor diferente do VPT (…), também considera, por outro lado, que com o aditamento do art. 199º-A do CPPT, da margem de discricionariedade que, jurisprudencialmente, é reconhecida ao órgão responsável pela apreciação da idoneidade da garantia, ficou arredada a definição do critério de valorização dos imóveis oferecidos em garantia.

[A]pesar de não se ignorar que, já anteriormente ao mencionado aditamento constante do art. 199º-A do CPPT, se considerou a possibilidade de a AT proceder a uma avaliação ad hoc, quando circunstâncias especiais o justificassem (Cfr. o ac. desta Secção do STA, de 13/7/2016, no proc. nº 0563/16 e o ac. do TCAS - SCT, de 18/12/2014, proc. nº 08144/14; bem como, numa diferente perspectiva, os acs. desta Secção do STA, de 2/3/2016, no proc. nº 0137/16, de 18/9/2013, no proc. nº 01362/13 e de 16/1/2013, no proc. nº 01294/12.), dado que, como ali se sumaria, «I - Embora o art. 199º do CPPT, não remeta expressamente para o art. 250º do CPPT no que concerne à forma de determinar o valor dos bens oferecidos como garantia é lícito que se recorra a este preceito legal para a determinação também de tal valor, pois que, a final, será esse o valor de referência se a execução houver que prosseguir pela venda executiva dos bens penhorados oferecidos em garantia» e «II - A lei não impõe uma prévia avaliação ad-hoc dos imóveis para determinar a idoneidade ou a suficiência da garantia oferecida que sobre eles se constitua, embora - por razões de justiça e proporcionalidade – tal avaliação possa e deva ser realizada quando circunstâncias especiais o justifiquem, cabendo ao recorrente trazer ao conhecimento da Administração as circunstâncias especiais que, a verificarem-se, justifiquem eventualmente que a garantia constituída sobre imóveis deva atender a valor diverso do valor patrimonial tributário destes», o que é verdade é que, no caso vertente (vigorando o disposto no art. 199º-A do CPPT), (…) não se vê que, face à factualidade julgada provada, ocorra a predita violação do princípio constitucional da proporcionalidade, ou dos restantes princípios constitucionais igualmente invocados pelo recorrente: é que não se vislumbra a ocorrência das referidas circunstâncias especiais que justifiquem a pretendida avaliação ad hoc. Com efeito, no caso, para além de o recorrente, como exara a sentença, só ter indicado como valor do imóvel o correspondente ao VPT, também, como ora sublinha o MP, aquele não invocou perante a AT que não existem os apontados ónus (anteriores hipotecas voluntárias enumeradas e constantes da informação prestada pelo Serviço de Finanças) incidentes sobre esse mesmo imóvel oferecido em hipoteca; sendo que, por outro lado, na presente reclamação judicial deduzida do acto do OEF, o que o recorrente essencialmente invoca é que «o imóvel em causa denominado “……………..” localiza-se na zona do Monte Estoril, concelho de Cascais, a qual é objecto de grande valorização».

Ou seja, não pode concluir-se que, no concreto caso dos autos, o recorrente haja trazido ao conhecimento da AT as ditas circunstâncias especiais justificativas de que, para efeitos da constituição da garantia hipotecária, se deva atender a valor diverso (nomeadamente a eventual valor de mercado) do valor patrimonial tributário e, consequentemente, se deva proceder a uma avaliação para tal efeito.

Não ocorrendo, portanto, violação do princípio do inquisitório, nem dos princípios constitucionais invocados (legalidade, segurança jurídica e protecção da confiança, justiça, igualdade, proporcionalidade e interesse público), nem, consequentemente, os erros de julgamento que o recorrente imputa à sentença recorrida”.

No mesmo sentido vejam-se, a título ilustrativo, os Acórdãos deste TCAS de 29.06.2017 (Processo: 243/17.8BELRS), de 03.12.2020 (Processo: 1061/20.1BELRS) e de 28.04.2022 (Processo: 2028/21.8 BELRS) e do TCAN de 27.05.2021 (Processo: 00414/20.0BEBRG).

Desta jurisprudência extrai-se, pois, que o elenco dos elementos referidos no art.º 199.º-A, n.º 1, do CPPT não é taxativo, concretamente quanto aos bens imóveis, porquanto o objectivo da aferição da idoneidade da garantia pressupõe a verificação da sua capacidade patrimonial, que pode passar, justamente, pela avaliação ad hoc do património imobiliário, avaliação essa, aliás, inequivocamente prevista na fase de venda do património, conforme resulta do disposto no já mencionado n.º 2 do art.º 250.º do CPPT.

Consideramos que esta é a interpretação que mais se coaduna com os princípios que devem enformar a actividade da AT, sendo interpretação reveladora da incoerência do sistema, em nosso entender, aquela que permite que seja feita uma avaliação ad hoc na fase de venda, mas já não a admite na fase que a antecede, ou seja, a da penhora.

Extrai-se, pois, do entendimento jurisprudencial a que fizemos referência supra que o art.º 199.º-A, n.º 1, do CPPT, não exclui, per se, a possibilidade de realização de uma avaliação ad hoc, conquanto a mesma seja solicitada de forma sustentada pelo sujeito passivo.(…)”

Veja-se, igualmente, o que se decidiu no Acórdão deste TCAS de 12/03/2020, proferido no âmbito do processo nº 1061/20, nos seguintes termos:

“(…)I – Embora a lei não imponha uma prévia avaliação ad-hoc, esta - por razões de justiça e proporcionalidade - pode e deve ser realizada quando circunstâncias especiais o justifiquem, cabendo ao reclamante – como foi o caso - trazer ao conhecimento da Administração Tributária as circunstâncias especiais que, a verificarem-se, justifiquem eventualmente que a garantia constituída sobre imóveis deva atender a valor diverso do valor patrimonial tributário destes, pois que é razoável presumir que o valor patrimonial tributário constitua um valor aproximado do valor de mercado dos bens imóveis.
II - Verifica-se, após leitura do despacho reclamado que, efectivamente, a AT não procedeu à avaliação em concreto da garantia oferecida quedando-se apenas pelo seu valor patrimonial tributário, desvalorizando a discrepância existente entre esse valor e o valor de mercado constante dos documentos fornecidos pela Reclamante, sendo certo que nesse desiderato não estava o órgão da execução fiscal impedido de solicitar os elementos, as informações e os dados necessários para tal quando, no caso, as circunstâncias especiais o justificavam.(…)”

Regressando ao caso dos autos, verificamos que, não obstante a Recorrente ter efectuado a junção da escritura de compra e venda do imóvel (pelo preço de € 292.000,00, valor muito superior ao VPT, que se cifra em € 64.465,49), a AT, na apreciação que fez do pedido de prestação de garantia, não se pronunciou relativamente à solicitada avaliação ad hoc.

Nem há notícia nos autos que tenha solicitado quaisquer elementos adicionais com vista a comprovar se o valor constante da escritura estaria correcto, no sentido de corresponder ao valor de mercado.

Limitou-se a AT a apreciar o pedido por referência ao VPT, sendo certo que, a corresponder ao valor constante da escritura de compra e venda a que se refere a alínea a) do probatório, o mesmo seria suficiente para suportar, não só o ónus que sobre o bem recai (hipoteca a favor de instituição bancária) como também para garantir o processo de execução fiscal a correr termos contra a Recorrida.

Cabia à AT, no mínimo, ponderar e analisar o valor constante da escritura de compra e venda junta pela Recorrente, e, se considerasse necessário, proceder à pretendida avaliação ad hoc. Não o tendo feito, mal andou a sentença recorrida ao manter o acto de indeferimento reclamado.

Neste sentido, veja-se o Acórdão deste TCAS de 19/12/2023, proferido no âmbito do processo nº 1095/23, onde se sumariou o seguinte:

“Sendo apresentados junto da AT elementos que podem atestar a ocorrência de circunstâncias especiais justificativas de que, para efeitos penhora de bens imóveis, se deva atender a valor diverso do VPT (designadamente valor de mercado), tais elementos devem ser objecto de apreciação e eventualmente motivar a realização de uma avaliação ad hoc dos prédios em causa.”

Procedem, por conseguinte, as alegações recursivas, o que nos leva a conceder provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida, julgando-se procedente a reclamação.


*




III- Decisão

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar procedente a reclamação.

Custas pela Recorrida.

Registe e Notifique.

Lisboa, 9 de Janeiro de 2025

(Isabel Vaz Fernandes)

(Luísa Soares)

(Susana Barreto)