Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:910/09.0 BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:09/29/2022
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:REQUISITOS DAS FATURAS
PROVA COMPLEMENTAR
NEUTRALIDADE DO IMPOSTO
Sumário:I - O não cumprimento de algumas formalidades exigidas em termos de emissão de faturas pode não comprometer o exercício do direito à dedução, desde que as exigências de fundo tenham sido cumpridas e que a AT disponha de todos os elementos para substantivamente caraterizar a operação, sendo certo que o ónus da prova caberá ao sujeito passivo.
II - É admissível a junção de meios de prova complementares que permitam alcançar a concreta natureza e extensão das operações realizadas e bem assim a data, efetiva, da sua prestação, ou seja, realidades fáticas que as exigências formais visam tutelar e que se reputam de indispensáveis.
III - As exigências formais não podem ser desagregadas das finalidades de controlo por afetar a possibilidade de correta aplicação e fiscalização do imposto e dos riscos de perda de receita fiscal.
IV - Não preenchendo as notas de débito os requisitos contemplados no artigo 35.º, nº5, alínea b), do CIVA, e não tendo as demais provas documentais carreadas ao processo colmatado essas irregularidades formais, não se encontra legitimada a dedução do IVA suportado.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I-RELATÓRIO

O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA (doravante Recorrente e/ou DRFP) veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida tendo por objeto as liquidações de Imposto sobre o valor Acrescentado (IVA) e respetivos juros compensatórios (JC) das liquidações de IVA e juros compensatórios n.ºs 08004431, 08004432, 08004433 e 08004434, referentes ao primeiro e segundo trimestres de 2007, no valor total de € 36.241,24.

A Recorrente, apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:

“I. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo Tribunal a quo, que julgou procedente a impugnação deduzida por Sociedade A…, Ldª, contra o indeferimento do recurso hierárquico apresentado na sequência do indeferimento da reclamação graciosa interposta contra as liquidações de IVA e juros compensatórios n.ºs 08004431, 08004432, 08004433 e 08004434, referentes ao primeiro e segundo trimestres de 2007, no valor total de € 36.241,24.

II. Por sentença datada de 21-03-2022, ora recorrida, veio a Mm. Juiz do Tribunal a quo, 22-03-2022, ora recorrida, estribando-se na factualidade dada como assente, conceder total provimento à Impugnação apresentada por julgar inexistirem dúvidas de que os requisitos substanciais do direito à dedução se encontravam e encontram preenchidos.

III. Se bem alcançamos a fundamentação da sentença ora recorrida, não é condição para a exclusão do direito à dedução a negligência, por parte da impugnante, de determinadas exigências formais. Por outras palavras, será admissível o direito à dedução, ainda que haja alguns requisitos formais por cumprir, desde que a situação material seja demonstrada – o que não sucedeu in casu.

IV. Não nos conformamos nem concordamos, por a mesma padecer de vício de violação de lei (do n.º 2 e 6 do art. 19.º e art. 35.º CIVA), e de uma errónea aplicação do direito aos factos dados como provados, não devendo ser mantida.

V. Ora, conforme já havia sido referido em sede de recurso hierárquico e, na instância jurisdicional, em sede de contestação, através dos documentos carreados pela impugnante, tanto em sede administrativa como na judicial, não é possível suprir as faltas de forma legal mediante os documentos apresentados.

VI. Efetivamente, decorre claramente do R.I que, ao deduzir o IVA nos serviços prestados pela sociedade C…, S.A, a impugnante violou as disposições legais supra referidas porquanto, aqueles documentos não se encontram emitidos em forma legal, uma vez que não contêm todos os elementos referidos no art. 35.º CIVA.

VII. Os descritivos constantes das Notas de Débito não satisfazem os requisitos da alínea b) do n.º 5 do art. 35.º CIVA por não conterem qualquer referência à quantidade e à denominação usual dos serviços dos serviços prestados, não identificando:

“- concretamente que tipo de prestações de serviço é que o pessoal administrativo efetuou nas campanhas de 2005 e 2006, bem como a sua quantificação;

- concretamente que tipo de prestação de serviços de assistência técnica é que a trabalhadora M… efetuou nas campanhas de 2005 e 2006, bem como a sua quantificação;

- as horas/máquina e horas/homem pelas diversas culturas e “gado”, ou seja, que horas/máquina e horas/homem foram imputadas a cada uma das culturas e “gado” mencionadas na nota de débito n.º 70011, pois só com esta imputação é que a Administração Fiscal consegue fazer um controlo da situação tributária, quer do sujeito passivo emitente da nota de débito, quer do sujeito passivo adquirente. Sem estes elementos não se consegue fazer uma analise/controlo correcta da actividade declarada pelo sujeito passivo” cfr. fls., 2 e ss do RI.”

VIII. Notificada do projeto de correções assim fundamentado, veio a impugnante, ora recorrida, em sede de exercício do direito de audição, juntar extratos das contas de Subcontratos dos anos 2005 e 2006 e cópias dos documentos das contas 27, referentes aos mesmos anos, onde foi previsto o custo dos serviços subcontratados à sociedade C… S.A. Ora, nestes últimos documentos – Notas de lançamento internas de Op. Diversas – a impugnante tem aposto à mão os cálculos efetuados para estimativa dos custos a pagar àquela sociedade, a que respeitam as notas de débito que serviram de base à dedução indevida por parte da impugnante e ora controvertidas.

IX. Isto posto, e não obstante a sentença ora recorrida reconhecer que “Na acção inspectiva levada a cabo, foi detectada a contabilização de notas de débito que não reuniam os requisitos formais previstos nos artigos 19.º, n.ºs 2 e 6 e 35.º, n.º 5, alínea b) do CIVA e, portanto, que a dedução do IVA por parte da Impugnante não estava documentalmente suportada (cf. letra B do probatório)” julgou, ainda assim, ser admissível o direito à dedução.

X. Importa ter presente, como a seguir se reproduz, as considerações fáctico-jurídicas vertidas na sentença ora recorrida:

“No caso vertente, as notas de débito contêm deficiências em termos de preenchimento que se revelam atentatórias das exigências legalmente prescritas e que impedem, por consequência, a função de controlo por parte da Administração Tributária.

Assim, a mera designação nas notas de débito de “Prestação de Serviços do nosso Pessoal Administrativo na Campanha de 2005”, “Prestação de Serviços de Assistência Técnica da n/ trabalhadora M… na campanha de 2005” ou “Prestação de Serviços De Máquinas (782 x € 30) e Prestação de Serviços De Pessoal (15.873 x € 6) na campanha de 2006 nas culturas da batata, cenoura, beterraba, ervilha, floresta e gado” (cf. letras B e F do probatório), não preenche os requisitos contemplados no artigo 35.º, alínea b), do CIVA, visto que não indica de forma suficientemente detalhada a natureza dos serviços em causa, comprometendo o direito à dedução do IVA.

No que respeita ao requisito da quantidade dos serviços prestados é manifesto que nas notas de débito 70005 e 70011, indicando tão somente a quantidade de “1”, quando da designação consta a expressão “Prestação de Serviços”, não é dado cumprimento à formalidade em causa, uma vez que, nestas circunstâncias, em que estão em causa serviços vários e não um único serviço, a quantidade de “1” aposta equivale a uma fórmula vazia, que nada esclarece quanto à quantificação ou à extensão dos serviços prestados.”

XI. Afigura-se-nos, salvo melhor opinião, que o iter cognoscitivo vertido na sentença ora recorrida, não revela uma correta subsunção dos factos ao direito aplicável, revelando-se até mesmo, contraditório.

XII. Perante as considerações supra decidiu julgar a sentença ora recorrida “(…) a Impugnante completou perante a Administração Tributária a informação constante das notas de débito por forma a conseguir alcançar-se a verdade material, quer ao nível da descrição dos serviços, quer ao nível da sua quantificação…”. Ao contrário, entende a Fazenda Pública que, as faltas de forma legal detetadas não poderiam considerar-se sanadas com a junção de declarações escritas em que se atestam os elementos omitidos, porquanto a discriminação e quantificação dos serviços prestados deve constar obrigatoriamente da própria fatura ou documento equivalente – in casu, as notas de débito.


XIII. Não ignoramos que, em determinados casos, a existência de fatura contendo todos os requisitos legalmente exigidos não é conditio sine qua non para o exercício do direito de dedução. A este respeito, o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) tem considerado ser admissível o direito à dedução, ainda que haja alguns requisitos formais por cumprir, desde que a situação material seja demonstrada - tal como se lê na sentença ora recorrida.

XIV. Todavia, também não desconhecemos que (…) tal só ocorre desde que as exigências de fundo tenham sido cumpridas e que a AT disponha de todos os elementos para substantivamente caraterizar a operação, sendo certo que o ónus da prova caberá ao sujeito passivo” – neste sentido o recentíssimo acórdão TCA Sul, de 27-05-2021, Proc. 744/11.1BELRA.

XV. Ora, in casu, a recorrida limitou-se a juntar declarações escritas à mão por forma a colmatar os elementos omitidos nas referidas notas de débito considerando, assim que aquelas notas estavam preenchidas de forma suficiente, entendimento que não subscrevemos, nos termos já referidos supra, não tendo tratado, de alguma forma, suprir essas insuficiências. Como tal, não se trata de prevalência da verdade formal sobre a verdade material, pois a recorrida não complementou a informação constante das notas de débito por forma a conseguir alcançar-se a verdade material, quando o ónus era seu.

XVI. E, nessa conformidade, não se verifica qualquer violação do princípio da neutralidade, porquanto a recorrida limitou-se a apresentar notas de débito cujos elementos, sobretudo ao nível da descrição dos serviços, são insuficientes e não supriu tais insuficiências, nos termos admitidos pelo TJUE.

XVII. É inúmera a jurisprudência a sufragar esta mesma posição, da qual podemos referir, a título exemplificativo, o acórdão deste TCA-Sul, em 16-12-2015, no âmbito do processo n.º 07027/13, onde se lê no seu sumário:


“1 - Atento o mecanismo específico de apuramento do imposto pelo sujeito passivo, constante dos art.ºs 19.º e segs do CIVA, por expressa disposição do seu n.º2, só confere direito a dedução o imposto mencionado em facturas e documentos equivalentes passados em forma legal (…), o que constitui, para esse sujeito passivo, um verdadeiro requisito substancial em ordem a poder exercer o direito à dedução nos seus inputs produtivos, como constitui jurisprudência corrente.

2 - Entre esses requisitos legais para as facturas, figuram os constantes no n.º5 do art.º 35.º do mesmo CIVA, entre eles avultando a quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados.

3 - Nas facturas em análise não se mostram cumpridas as exigências formais contidas na alínea b) do citado n.º 5 do artigo 35.º do CIVA, pois, num caso, não estão discriminados os serviços que em concreto foram prestados; noutros, faltam as quantidades respeitantes aos serviços prestados.”.

XVIII. Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se a V.ªs Ex.ªs se dignem julgar PROCEDENTE o presente recurso, por totalmente provado e, em consequência, ser a douta sentença ora recorrida, revogada e substituída por outra que julgue improcedente a impugnação judicial.

TERMOS EM QUE, CONCEDENDO-SE PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, DEVE A DOUTA SENTENÇA, ORA RECORRIDA, SER REVOGADA, ASSIM SE FAZENDO A COSTUMADA JUSTIÇA.”


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A Recorrida não apresentou contra-alegações.

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O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

Com interesse para a decisão a proferir, consideram-se provados os factos referidos no ponto I supra e, bem assim, os seguintes factos:

A. A Impugnante encontra-se enquadrada no CAE 2119 - “Culturas Agrícolas, N.E.” e em termos fiscais encontra-se sujeita a IRC no regime geral e a IVA no regime normal com periodicidade trimestral (cf. prints informáticos da Administração Tributária a fls. 76 e segs. do PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido e Relatório de Inspecção Tributária (RIT) a fls. 36 e segs. do PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

B. Em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI 200702067, datada de 15 de Novembro de 2007 e no seguimento da análise interna do pedido de reembolso de IVA referente ao período de Junho de 2007, a Impugnante foi sujeita a uma acção inspectiva por parte dos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Santarém, podendo ler-se no RIT respectivo, elaborado em 7 de Dezembro de 2007:

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C. Em 23 de Outubro de 2007, a Impugnante apresentara requerimento com o seguinte teor essencial (cf. fl. 46 do procedimento de recurso hierárquico constante do PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido):

«Imagem no original.»

D. Em 20 de Novembro de 2007, a Impugnante apresentara requerimento com o seguinte teor essencial (cf. fls. 47 e 79 e segs. do procedimento de recurso hierárquico constante do PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido):

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E. Em 3 de Dezembro de 2007, a Impugnante exercera o direito de audição prévia nos seguintes termos essenciais (cf. fl. 44 do procedimento de recurso hierárquico constante co PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido):

F. Dá-se por integralmente reproduzido o teor dos documentos constantes dos anexos 1 e 2, a fls. 72 e segs. do procedimento de recurso hierárquico constantes do PAT apenso, que se consubstanciam em cópias das notas de débito emitidas pela sociedade C…, S. A., no exercício de 2007 para a Impugnante (anexo 1) e elementos enviados pela Impugnante em 20 de Novembro de 2007 relativos ao reembolso do IVA do 2.º trimestre de 2007 (anexo 2), com o seguinte teor essencial:

Anexo 1

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G. Da acção inspectiva resultaram correcções técnicas em sede de IVA no montante de € 35.744,87 (cf. fl. 35 do procedimento de recurso hierárquico constante do PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

H. Na sequência do que, foram emitidas as liquidações de IVA e juros compensatórios n.ºs 08004431, 08004432, 08004433 e 08004434, referentes ao primeiro e segundo trimestres de 2007, no valor total de € 36.241,24 (cf. prints informáticos a fls. 62 e segs. do PAT apenso);

I. Em 17 de Julho de 2008, a Impugnante apresentou reclamação graciosa, invocando essencialmente o seguinte (cf. fls. 2 e segs. do procedimento de reclamação graciosa constante do PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido):

(…)

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(…)

J. À reclamação graciosa, a Impugnante juntou “cópia do mapa em excel já entregue com impressão do descritivo das células”, com o seguinte teor essencial (cf. fls. 22 e segs. do procedimento de reclamação graciosa constante do PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido):

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K. Por ofício de 4 de Dezembro de 2008, foi a Impugnante notificada do projecto de indeferimento da reclamação graciosa e para exercer o direito de audição, com base em informação dos serviços com o seguinte teor essencial (cf. fls. 49 e segs. do procedimento de reclamação graciosa constante do PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido):

«Imagem no original.»

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L. A reclamação graciosa foi indeferida por despacho do Director de Finanças de 26 de Dezembro de 2008, proferido sobre informação dos serviços segundo a qual, “tendo a reclamante sido notificada em 09/12/2008 para efeitos do disposto na alínea b) do n.º 1 do art.º 60.º da LGT (exercício do direito de audição), constata-se que o prazo estabelecido para o efeito terminou em 19/12/2008 sem que se tenha pronunciado sobre o teor do acto notificado” (cf. fls. 59 e 60 do procedimento de reclamação graciosa constante do PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

M. Em 16 de Fevereiro de 2009, a Impugnante interpôs recurso hierárquico (cf. fls. 67 e segs. do procedimento de reclamação graciosa constante do PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

N. A p. i. da presente impugnação judicial foi enviada a juízo via mensagem de correio electrónico de 5 de Maio de 2009 (cf. fl. 4, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

O. Em 18 de Maio de 2008, foi prestada, no âmbito do recurso hierárquico, informação com o seguinte teor essencial (cf. fls. 98 e segs. do procedimento de recurso hierárquico constante do PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido):

(…)








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Ficou consignado como motivação da matéria de facto o seguinte:

“Assenta a convicção do tribunal no exame dos documentos constantes dos autos e do PAT apenso, atenta a fé que merecem e o facto de não terem sido impugnados, tal como referido em cada letra do probatório.”


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III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra as liquidações de IVA e respetivos JC, referentes ao primeiro e segundo trimestre de 2007.

Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Ab initio, e em termos de delimitação da lide, importa referir que apenas o DRFP interpôs recurso da decisão prolatada pelo Tribunal Tributário de Lisboa, não tendo a Recorrida apresentado contra-alegações e requerido a ampliação do objeto do recurso, logo, encontram-se consolidadas as demais questões colocadas e julgadas, integralmente, improcedentes, concretamente, vícios procedimentais concatenados com a falta de pronúncia sobre as razões aduzidas no articulado de reclamação graciosa e não consideração das razões expendidas no direito de audição.

Face ao exposto, e uma vez que inexiste qualquer questão julgada prejudicada, as questões sob recurso e que importa decidir consistem em aferir se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito, ao legitimar o direito à dedução do IVA, por ter, desde logo, admitido prova documental complementar e, por entender que a mesma é passível de suprir os requisitos formais constantes no artigo 35.º, nº5, alínea b), do CIVA.

A Recorrente sustenta, desde logo, que a decisão recorrida padece de vício de violação de lei, concretamente dos normativos 19.º, nºs 2 e 6 e 35.º CIVA, porquanto os descritivos constantes das Notas de Débito não satisfazem os requisitos da alínea b) do n.º 5 do artigo 35.º CIVA por não conterem qualquer referência à quantidade e à denominação usual dos serviços dos serviços prestados, não identificando que tipo de prestações de serviço é que o pessoal administrativo efetuou nas campanhas de 2005 e 2006, bem como a sua quantificação, e bem assim que tipo de prestação de serviços de assistência técnica é que a trabalhadora M… efetuou nas campanhas de 2005 e 2006, bem como a sua quantificação, e a concreta imputação das horas/máquina e das horas/homem pelas diversas culturas e “gado”, relativamente à nota de débito n.º 70011.

Mais advogando que, contrariamente ao expendido pelo Tribunal a quo, as faltas de forma legal detetadas não poderiam considerar-se sanadas com a junção de declarações escritas em que se atestam os elementos omitidos, porquanto a discriminação e quantificação dos serviços prestados deve constar obrigatoriamente da própria fatura ou documento equivalente – in casu, as notas de débito.

Sublinha, ademais, que não se trata de prevalência da verdade formal sobre a verdade material, pois a Recorrida não complementou a informação constante das notas de débito por forma a conseguir alcançar-se a verdade material, quando o ónus era seu, não sendo, assim, de convocar o princípio da neutralidade.

Vejamos, então, se lhe assiste razão.

Comecemos por convocar o quadro normativo e tecer os considerandos que se reputam relevantes para a dilucidação da questão.

O IVA é um imposto plurifásico, que assenta numa estrutura de entrega e respetiva dedução, pelos vários intervenientes na cadeia, até ao consumidor final, que o suporta, sem o poder deduzir.

Na verdade, o IVA funciona pelo método indireto subtrativo, de acordo com o qual o sujeito passivo deduz, ao imposto liquidado nos seus outputs, o imposto liquidado nos respetivos inputs.

O direito à dedução do IVA é um princípio fundamental do sistema comum do IVA que não pode, em princípio, ser limitado e que é exercido imediatamente para a totalidade dos impostos que oneraram as operações efetuadas a montante (vide neste sentido, designadamente, Acórdãos TJUE Mahagében e Dávid, C 80/11 e C 142/11; Bonik, C 285/11; e Petroma Transports C 271/12, e demais jurisprudência aí citada, todos disponíveis em http://curia.europa.eu).

Com efeito, o regime das deduções visa libertar integralmente o empresário do peso do IVA devido ou pago no âmbito de todas as suas atividades económicas. O sistema comum do IVA garante, por conseguinte, a neutralidade quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas, quaisquer que sejam os fins ou os resultados dessas atividades, na condição de as referidas atividades estarem, em princípio, elas próprias sujeitas ao IVA (para o efeito, atente-se, designadamente, nos Acórdãos Dankowski, C 438/09; Tóth, C 324/11; Petroma, C-271/12, Senatex, C 518/14, Paper Consult, C 101/16, e jurisprudência aí referida disponíveis em http://curia.europa.eu).

O direito à dedução do IVA está, porém, sujeito ao cumprimento de requisitos de cariz substantiva e formal (Paper Consult, C 101/16).

No concernente aos requisitos substantivos, para usar do direito à dedução, é necessário, por um lado, que o interessado seja um sujeito passivo, na aceção da diretiva, e, por outro lado, que os bens ou serviços invocados para fundamentar o direito à dedução do IVA sejam utilizados a jusante pelo sujeito passivo para os fins das suas próprias operações tributadas e que, a montante, esses bens sejam entregues ou esses serviços sejam prestados por outro sujeito passivo ( artigo 168.º da Diretiva IVA; vide neste sentido, Senatex, C 518/14, e jurisprudência aí citada, Paper Consult, C 101/16).

Por seu turno, quanto às modalidades de exercício do direito à dedução do IVA, donde aos requisitos ou condições de natureza formal, o 178.º, alínea a), da Diretiva IVA preceitua que o sujeito passivo deve possuir uma fatura emitida em conformidade com o regulado nos artigos 220.º a 236.º, 238.º, 239.º e 240.º dessa mesma Diretiva.

Em termos de Direito Nacional, preceituava, à data, o artigo 35.º, nº5 do CIVA que:

“5 - As faturas ou documentos equivalentes devem ser datados, numerados sequencialmente e conter os seguintes elementos:

a) Os nomes, firmas ou denominações sociais e a sede ou domicílio do fornecedor de bens ou prestador de serviços e do destinatário ou adquirente, bem como os correspondentes números de identificação fiscal dos sujeitos passivos de imposto;

b) A quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável; as embalagens não efetivamente transacionadas deverão ser objeto de indicação separada e com menção expressa de que foi acordada a sua devolução;

c) O preço, líquido de imposto, e os outros elementos incluídos no valor tributável;

d) As taxas aplicáveis e o montante de imposto devido;

e) O motivo justificativo da não aplicação do imposto, se for caso disso.

No caso de a operação ou operações às quais se reporta a fatura compreenderem bens ou serviços sujeitos a taxas diferentes de imposto, os elementos mencionados em b), c) e d) devem ser indicados separadamente, segundo a taxa aplicável;

f) A data em que os bens foram colocados à disposição do adquirente, em que os serviços foram realizados ou em que foram efetuados pagamentos anteriores à realização das operações, se essa data não coincidir com a da emissão da fatura.

No caso de a operação ou operações às quais se reporta a fatura compreenderem bens ou serviços sujeitos a taxas diferentes de imposto, os elementos mencionados nas alíneas b), c) e d) devem ser indicados separadamente, segundo a taxa aplicável.”

Neste particular, importa, outrossim, chamar à colação os mecanismos de dedução do IVA, os quais se encontram contemplados nos artigos 19.º a 25.º do CIVA.

Nos termos do artigo 19.º, do CIVA, especificamente do seu n.º 1, al. a), decorre que os sujeitos passivos de IVA podem deduzir, ao imposto incidente sobre as suas operações tributáveis, o imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos de IVA.

Porém, também de acordo com o artigo 19.º do CIVA, desta feita no seu n.º 2, dimana que “Só confere direito à dedução o imposto mencionado em faturas e documentos equivalentes passados em forma legal, bem como no recibo de pagamento de IVA que faz parte das declarações de importação, em nome e na posse do sujeito passivo.”

Contemplando, igualmente, o nº 6 do citado normativo que: Para efeitos do exercício do direito à dedução, consideram-se passados em forma legal as faturas ou documentos equivalentes que contenham os elementos previstos no artigo 35.º”.

Chegados aqui e resumindo, da leitura destas normas retira-se que só o imposto que tenha, efetivamente, incidido sobre bens adquiridos para a realização de transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas, e que se encontre formalmente suportado, pode ser deduzido o IVA incidente sobre as operações tributáveis.

Estabelecidos os considerandos de direito de relevo para o caso vertente, importa, então, atentar no acervo fático dos autos e estabelecer a competente análise casuística.

Comecemos por atentar na fundamentação constante no Relatório de Inspeção Tributária e que esteou as correções aritméticas efetuadas em sede de IVA, concretamente da desconsideração do IVA suportado.

Aduz a AT, para o efeito, o seguinte:

Os documentos emitidos não cumprem os requisitos constantes no artigo 35.º, nº5, alínea b), do CIVA, na medida em que os descritivos constantes nas notas de débito não contêm qualquer referência à quantidade e à denominação usual dos serviços prestados, não identificando, concretamente:

-que tipo de prestações de serviços é que o pessoal administrativo efetuou nas campanhas de 2005 e 2006, bem como a sua quantificação;

-que tipo de prestações de serviços de assistência técnica é que a trabalhadora M… efetuou nas campanhas de 2005 e 2006, bem como a sua quantificação;

-as horas/máquinas e horas/homem pelas diversas culturas e “gado”, ou seja, que horas/máquina e horas/homem é que foram imputadas a cada uma das culturas e “gado” mencionadas na nota de débito nº 70011, pois só com essa imputação é que é possível fazer um controlo da situação tributária.

Mais esclarecendo no atinente à documentação remetida em momento ulterior à prolação do projeto de relatório que: “os elementos que o Sujeito Passivo anexou novamente em direito de audição dizem respeito a extractos de contas de Subcontratos dos anos de 2005 e 2006 e cópias dos documentos de 2005 e 2006 das contas 27 onde foi previsto o custo dos serviços subcontratados ao “C…, SA”. Nestes últimos documentos (Notas de lançamento internas de Op. Diversas), o Sujeito Passivo tem aposto à mão os cálculos efectuados para a estimativa dos custos a pagar à empresa C…, SA, a que respeitam as notas de débito que serviram de base à dedução indevida de IVA (…)”.

Sublinhando, ainda, que “[o]s elementos escritos com a discriminação dos serviços prestados correspondentes a cada uma das notas de débito (com a sua quantificação e destrinça por horas/máquina e horas/homem pelas diversas culturas agrícolas) que foram agora juntos ao direito de audição, não podem ser aceites para a validação formal das respectivas notas de débito nos termos legais, já que a lei é muito clara ao obrigar que essa discriminação seja feita na própria factura ou documento equivalente e não em documentos particulares anexos. E nem essas declarações constituem “documentos equivalentes” a facturas nem a sua anexação às facturas transformam estas em “documentos equivalentes”, já que os “documentos equivalentes” a que a lei se refere têm, eles próprios e por si só, de ocorrer todos os requisitos enunciados no artº 35º do CIVA, o que não acontece com aqueles elementos escritos apresentados pelo Sujeito Passivo em direito de audição”.

Atentemos, ora, na fundamentação jurídica do Tribunal a quo, e que determinou a anulação dos atos impugnados.

O Tribunal a quo após estabelecer o enquadramento jurídico da questão-não controvertido- ajuíza que “no caso vertente, as notas de débito contêm deficiências em termos de preenchimento que se revelam atentatórias das exigências legalmente prescritas e que impedem, por consequência, a função de controlo por parte da Administração Tributária.”

Densificando, casuisticamente, que “[a] mera designação nas notas de débito de “Prestação de Serviços do nosso Pessoal Administrativo na Campanha de 2005”, “Prestação de Serviços de Assistência Técnica da n/ trabalhadora Maria Benilde Martins na campanha de 2005” ou “Prestação de Serviços De Máquinas (782 x € 30) e Prestação de Serviços De Pessoal (15.873 x € 6) na campanha de 2006 nas culturas da batata, cenoura, beterraba, ervilha, floresta e gado” (cf. letras B e F do probatório), não preenche os requisitos contemplados no artigo 35.º, alínea b), do CIVA, visto que não indica de forma suficientemente detalhada a natureza dos serviços em causa, comprometendo o direito à dedução do IVA.”

Sublinhando, adicionalmente, que “No que respeita ao requisito da quantidade dos serviços prestados é manifesto que nas notas de débito 70005 e 70011, indicando tão somente a quantidade de “1”, quando da designação consta a expressão “Prestação de Serviços”, não é dado cumprimento à formalidade em causa, uma vez que, nestas circunstâncias, em que estão em causa serviços vários e não um único serviço, a quantidade de “1” aposta equivale a uma fórmula vazia, que nada esclarece quanto à quantificação ou à extensão dos serviços prestados.”

No entanto, convocando Jurisprudência do TJUE que reputou aplicável ao caso vertente, e mediante convocação da prova complementar carreada em sede inspetiva, propugna a legitimação da dedução do IVA na medida em que “[a] existência de factura ou documento equivalente (no caso, nota de débito) contendo todos os requisitos legalmente exigidos não é conditio sine qua non para o exercício do direito à dedução”, para depois concluir que tendo a Impugnante, ora, Recorrida, completado “[p]erante a Administração Tributária a informação constante das notas de débito por forma a conseguir alcançar-se a verdade material, quer ao nível da descrição dos serviços, quer ao nível da sua quantificação (cf. letras E, F e J do probatório)”.

Concluindo, assim, que os elementos omitidos foram supridos mediante essa documentação, logo “[i]nexistem dúvidas de que os requisitos substanciais do direito à dedução se encontravam e encontram preenchidos.”

Apreciando.

De relevar ab initio, que a decisão recorrida confirmou que as notas de débito em contenda não cumpriam os requisitos colocados em causa pela AT, e plasmados no artigo 35.º, nº5, alínea b), do CIVA, entendeu, no entanto, que, por um lado, é possível carrear documentação complementar e por outro lado, no caso em contenda, a mesma era apta a colmatar os vícios formais assinalados, estando, por isso, a substancialidade das operações demonstrada, padecendo, por conseguinte, os atos de liquidação de vício de violação de lei cominados com a anulabilidade.

Como visto, a AT entende, desde logo, que não é possível a junção de prova documental complementar e que, de todo o modo, a mesma não supre qualquer irregularidade formal.

Ora, face ao supra aludido e estando consolidada a questão do incumprimento dos requisitos formais das faturas, vejamos, então, se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, por ter admitido a prova complementar e, sendo a mesma admissível, se a mesma é passível de suprir os incumprimentos formais já devidamente retratados.

Apreciando.

Em termos de Jurisprudência Comunitária e no concernente aos requisitos formais das faturas, o TJUE tem vindo a ser chamado, por diversas vezes, a pronunciar-se sobre a temática, destacando-se, designadamente, os Acórdãos proferidos nos processos números 123 e 330/87, de 14 de julho de 1988, C-110/98 de 21 de março de 2000, C-90/02, de 1 de abril de 2004, C-392/09, de 30 de setembro de 2010, 385/09, de 21 de outubro de 2010, C-438/09, de 22 de dezembro de 2010, C-280/10, de 1 de março de 2012, C-271/12, de 8 de maio de 2013, C-78/12, de 18 de julho de 2013 e C-516/14, de 15 de setembro de 2016.

Convocando-se, neste particular, -e uma vez que a questão converge na substanciação e ulterior demonstração dos elementos em falta- no Acórdão proferido no processo C-516/14, datado de 15 de setembro de 2016, e do qual se extrata na parte que para os autos releva, designadamente, o seguinte:

“[h]á que considerar que uma fatura que contenha apenas a menção «serviços jurídicos prestados até ao presente», sem especificar uma data de início do período de faturação, não preenche os requisitos exigidos pelo artigo 226.°, n.° 7, da Diretiva 2006/112.
34 Cabe, todavia, ao órgão jurisdicional de reenvio, se constatar que as faturas em causa não preenchem as exigências decorrentes do artigo 226.°, n.os 6 e 7, desta diretiva, verificar se os documentos anexos aduzidos pela Barlis contêm uma apresentação mais detalhada dos serviços jurídicos em causa no processo principal e podem ser equiparados a uma fatura nos termos do artigo 219.° da referida diretiva, na qualidade de documentos que alteram a fatura inicial e a ela façam referência específica e inequívoca.
35 Decorre das considerações precedentes que há que responder à primeira parte da questão submetida que o artigo 226.° da Diretiva 2006/112 deve ser interpretado no sentido de que faturas que só contenham a menção «serviços jurídicos prestados desde determinada data até ao presente», como as que estão em causa no processo principal, não respeitam, em princípio, as exigências previstas no n.° 6 deste artigo e que faturas que só contenham a menção «serviços jurídicos prestados até ao presente» não respeitam, em princípio, as exigências previstas no referido n.° 6 nem as exigências previstas no n.° 7 do mesmo artigo, o que cabe, todavia, ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.
Quanto à segunda parte da questão, relativa às consequências de uma fatura que não cumpre os requisitos exigidos pelo artigo 226.°, n.os 6 e 7, da Diretiva 2006/112 para o exercício do direito a dedução do IVA
36 Com a segunda parte da sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende, em substância, determinar as consequências de uma violação do artigo 226.°, n.os 6 e 7, da Diretiva 2006/112 no exercício do direito a dedução do IVA.
37 Cumpre recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o direito dos sujeitos passivos a deduzir do IVA de que são devedores o IVA devido ou pago sobre os bens adquiridos e os serviços que lhes foram prestados a montante constitui um princípio fundamental do sistema comum do IVA instituído pela legislação da União (acórdão de 13 de fevereiro de 2014, Maks Pen, C 18/13, EU:C:2014:69, n.° 23 e jurisprudência aí referida).
(…)
40 No que se refere aos requisitos materiais exigidos para a constituição do direito a dedução do IVA, resulta do artigo 168.°, alínea a), da Diretiva 2006/112 que os bens e serviços invocados para fundamentar esse direito devem ser utilizados pelo sujeito passivo a jusante para os efeitos das suas próprias operações tributadas e que, a montante, esses bens ou serviços devem ser prestados por outro sujeito passivo (v., neste sentido, acórdão de 22 de outubro de 2015, PPUH Stehcemp, C 277/14, EU:C:2015:719, n.° 28 e jurisprudência aí referida).
41 No que respeita aos requisitos formais relativos ao exercício do referido direito, resulta do artigo 178.°, alínea a), da Diretiva 2006/112 que o seu exercício está subordinado à posse de uma fatura emitida nos termos do artigo 226.° desta diretiva (v., neste sentido, acórdãos de 1 de março de 2012, Kopalnia Odkrywkowa Polski Trawertyn P. Granatowicz, M. W¹siewicz, C 280/10, EU:C:2012:107, n.° 41, e de 22 de outubro de 2015, PPUH Stehcemp, C 277/14, EU:C:2015:719, n.° 29).
42 O Tribunal de Justiça declarou que o princípio fundamental da neutralidade do IVA exige que a dedução deste imposto pago a montante seja concedida se os requisitos materiais estiverem cumpridos, mesmo que os sujeitos passivos tenham negligenciado certos requisitos formais. Por conseguinte, quando a Administração Fiscal dispõe dos dados necessários para saber que os requisitos materiais foram cumpridos, não pode impor condições suplementares ao direito do sujeito passivo de dedução do imposto que possam ter por efeito eliminar esse direito (v., neste sentido, acórdãos de 21 de outubro de 2010, Nidera Handelscompagnie, C 385/09, EU:C:2010:627, n.° 42; de 1 de março de 2012, Kopalnia Odkrywkowa Polski Trawertyn P. Granatowicz, M. W¹siewicz, C 280/10, EU:C:2012:107, n.° 43; e de 9 de julho de 2015, Salomie e Oltean, C 183/14, EU:C:2015:454, n.os 58, 59 e jurisprudência aí referida).
43 Daqui resulta que a Administração Fiscal não pode recusar o direito a dedução do IVA pelo simples facto de a fatura não preencher os requisitos exigidos pelo artigo 226.°, n.os 6 e 7, da Diretiva 2006/112, se dispuser de todos os dados para verificar se os requisitos substantivos relativos a este direito se encontram satisfeitos.
44 A este respeito, a Administração Fiscal não deve limitar se ao exame da própria fatura. Deve igualmente ter em conta informações complementares prestadas pelo sujeito passivo. Esta constatação é confirmada pelo artigo 219.° da Diretiva 2006/112 que equipara a fatura qualquer documento ou mensagem que altere a fatura inicial e a ela faça referência específica e inequívoca.
45 No processo principal, cabe assim ao órgão jurisdicional de reenvio ter em conta todas as informações constantes das faturas em causa e dos documentos anexos apresentados pela B… com vista a verificar se os requisitos substantivos do seu direito a dedução do IVA se encontram satisfeitos.
46 Neste contexto, há que sublinhar, em primeiro lugar, que é ao sujeito passivo que solicita a dedução do IVA que incumbe provar que preenche os requisitos para dela beneficiar (v., neste sentido, acórdão de 18 de julho de 2013, Evita K, C 78/12, EU:C:2013:486, n.° 37). As autoridades fiscais podem assim exigir ao próprio contribuinte as provas que considerem necessárias para apreciar se há ou não que conceder a dedução solicitada (v., neste sentido, acórdão de 27 de setembro de 2007, Twoh International, C 184/05, EU:C:2007:550, n.° 35).
47 Em segundo lugar, importa precisar que os Estados Membros são competentes para prever sanções em caso de violação dos requisitos formais relativos ao exercício do direito a dedução do IVA. Nos termos do artigo 273.° da Diretiva 2006/112, os Estados Membros têm a faculdade de adotar medidas para assegurar a cobrança exata do imposto e evitar a fraude, desde que tais medidas não vão além do que é necessário para atingir tais objetivos nem ponham em causa a neutralidade do IVA (v., neste sentido, acórdão de 9 de julho de 2015, Salomie e Oltean, C 183/14, EU:C:2015:454, n.° 62).
48 Nomeadamente, o direito da União não impede os Estados Membros de aplicarem, sendo caso disso, uma multa ou uma sanção pecuniária proporcionada à gravidade da infração, a fim de punir a violação das exigências formais (v., neste sentido, acórdão de 9 de julho de 2015, Salomie e Oltean, C 183/14, EU:C:2015:454, n.° 63 e jurisprudência aí referida).
49 Decorre das considerações precedentes que há que responder à segunda parte da questão submetida que o artigo 178.°, alínea a), da Diretiva 2006/112 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que as autoridades tributárias nacionais possam recusar o direito a dedução do IVA pelo simples facto de o sujeito passivo possuir uma fatura que não cumpre os requisitos exigidos pelo artigo 226.°, n.os 6 e 7, desta diretiva, quando essas autoridades dispõem de todas as informações necessárias para verificar se os requisitos substantivos relativos ao exercício desse direito se encontram satisfeitos.” (destaques e sublinhados nossos).

Significa, assim, como doutrinado no Acórdão do STA, prolatado no processo nº 01383/11.2BELRS 01022/17, datado de 02 de dezembro de 2020, “[q]ue a Administração está impedida de rejeitar o direito à dedução do imposto sempre que os dados objectivos permitam determinar com segurança que ele existe, não obstante alguns aspectos formais não terem sido devidamente observados. É isso que resulta, expressamente, do disposto nos seguintes arestos do TJUE: «Ora, a dedução do IVA pago a montante deve ser concedida se os requisitos substanciais estiverem cumpridos, mesmo que os sujeitos passivos tenham negligenciado certos requisitos formais (v., neste sentido, acórdão de 15 de Setembro de 2016, Senatex, C-518/14, EU:C:2016:691, n.° 38 e jurisprudência referida)» - in § 40 do já referido acórdão Geisse (1).”

Ora, do supra expendido, resulta, assim, que pese embora possam ser insuficientes os descritivos genéricos dos serviços prestados, e bem a sua concreta mensuração e quantificação, essa insuficiência é passível de suprimento, podendo o sujeito passivo fornecer meios de prova complementares que permitam alcançar o objetivo de determinação concreta da natureza e extensão das operações realizadas e bem assim a data, efetiva, da sua prestação, ou seja, realidades fáticas que as exigências formais visam tutelar e que, como visto, se reputam de indispensáveis.

Logo, não assiste razão à Recorrente quando convoca, per se, a insusceptibilidade de ponderação de prova documental ulterior.

Aqui chegados, importa, então, apurar se procede o arguido erro de julgamento na concreta ponderação da prova em questão, ou seja, se como ajuíza o Tribunal a quo, a prova documental junta em sede inspetiva, concretamente em momento anterior à prolação do projeto de relatório e ulteriormente em sede de audição prévia, permite colmatar as insuficiências constatadas.

Assim, e à luz da jurisprudência do TJUE citada, cumpre aferir se os documentos contemplados nas alíneas F) e J) do probatório contêm uma apresentação mais detalhada dos serviços prestados, da sua concreta extensão e mensuração, e podem ser equiparados a uma fatura nos termos do artigo 219.° da Diretiva, e 35.º do CIVA.

E a verdade é que ajuizamos que o Tribunal a quo não terá realizado a melhor interpretação da questão à luz da prova carreada e dos elementos que dela dimanam.

Expliquemos, então, porque assim o entendemos.

De relevar, desde logo, que os extratos de conta convocados pela Impugnante, ora Recorrida, em nada permitem suprir os elementos aduzidos em falta, sendo que, como veremos, as notas de lançamento e os mapas de excel não cumprem, igualmente, esse desiderato.

Façamos, para o efeito, a competente alocação casuística para que depois se aquilatar da adequacidade e legitimação para efeitos de dedução do IVA suportado.
Nota de Débito Nota de Lançamento
Nº 70005:
Prestação de Serviços do nosso Pessoal Administrativo na campanha de 2005
Nº 7
Estimativa de custos a pagar ao C… com os funcionários M…, S… e J… durante o ano de 2005
10.351,74 + 7.394,10
Nº 70006
Prestação de Serviços de Assistência Técnica da n/ trabalhadora M… na campanha de 2005
Nº 19
40% do Custo de 2005 da funcionária do C… SA, Engª B… pelos serviços efetuados nas nossas culturas a serem facturadas em 2006
14.950,07 *23%=3.438,52€
14.950,07€+3.338,52€=18.388,59€
18.388,59€*40%= 7.355,44€
70009
Prestação de Serviços do nosso Pessoal Administrativo na campanha de 2006
Nº 21
Estimativa de custos a pagar ao C… SA c/ os funcionários M…, S… e J… durante o ano de 2006
13.545,89 + 9.206,52 + 15.196,04=50%
70010
Prestação de Serviços de Assistência Técnica da n/ Trabalhadora M… na campanha de 2006
Nº 22
40% do Custo de 2006 da funcionária do C… SA, Engª B… pelos serviços efetuados em 2006 nas n/ culturas e a serem facturados em 2007
18.602,79 * 40%= 7.441,12
70011
Prestação de Serviço na campanha de 2006 nas culturas da batata, cenoura, beterraba, ervilha, cenoura, floresta e gado.
Prestação de Serviços de Máquinas
Prestação de Serviços de Pessoal
Nº40
Estimativa dos serviços efectuados em 2006 pelo C… SA, conforme mapa 118.697,00
Ora, tendo presente o supra exposto, concretamente a natureza do documento visado, e o seu âmbito e extensão, ajuizamos que os mesmos não permitem, per se, legitimar o direito à dedução do IVA em contenda.

Importa, desde logo, ter presente que nos encontramos perante notas de lançamento internas, que não se encontram, tão-pouco, assinadas, sendo que no atinente à data todas elas mencionam 31 de dezembro de 2005.

Ademais, e atentando no seu teor as mesmas não permitem colmatar as falhas formais constatadas e, nessa medida, não permitem o controlo sobre o serviço prestado, sobre a localização, sobre o tempo a que respeita e qual a quantidade.

Com efeito, atentando nas notas de lançamento supra evidenciadas, pese embora se faça alusão a uma estimativa de custos -ainda que, em algumas delas, sem concreta alusão a um valor percentual- continua sem se percecionar a concreta extensão dos serviços prestados.

Vejamos cada uma de per se.

Nas notas de lançamento nº 7 e 21, nada é esclarecido sobre os serviços prestados, ou seja, desconhece-se que tipo de serviço foi prestado pelo pessoal administrativo e o que, em concreto, contemplam e agregam as “campanhas de 2005 e 2006”, até porque sobre a sua concreta densificação nada é junto ou justificado. É certo que se alude aos funcionários M…, S… e J…, no entanto, inexiste qualquer referência à quantidade de horas trabalhadas, nem ao respetivo preço unitário/mão de obra-hora, não se descortinando o apuramento fracionado de €10.351,74 e de €7.394,10 e bem assim de €13.545,89 + 9.206,52 + 15.196,04, não se aquilatando, in fine, donde promana o valor percentual de 50%.

Conforme doutrinado no Aresto do TCA Norte, proferido no processo nº 00312/07.2BEPNF, “[r]eportando-se as faturas a Remoções, Decorações Picheleiro, Eletricista. Decoração de construção civil, Carpintaria, Tetos Falsos e Vidraceiro, não é possível saber se se trata de prestações de serviços de mão-de-obra dessas especialidade e nesse caso as quantidades (dias de trabalho, preço/hora/dia, etc) ou se trata de empreitada com mão de obra e ainda com a colocação de materiais, o que tem necessariamente reflexos nas taxas do IVA.”

No respeitante às notas de lançamento nºs 19 e 22, e ainda que se faça alusão a um valor percentual do custo de 2005 e à identificação da funcionária Engª B…, não se patenteiam quais os serviços, em concreto, efetuados, quais as culturas, sendo certo que mais uma vez inexiste qualquer referência à quantidade de horas trabalhadas, nem ao respetivo preço unitário/mão de obra-hora, não se descortinando o apuramento fracionado dos montantes nele indicados.

No concernente à nota de lançamento nº 40, a mesma reporta-se a uma “estimativa dos serviços efectuados em 2006 pelo C… SA”, mas nada adensa, ou materializa quanto aos serviços prestados, mormente, que tipo de “serviços máquinas e de pessoal” foram faturados e a sua concreta extensão.

É certo que essa mesma nota de débito remete para um documento, mas a verdade é que o mesmo mais não representa que um mapa em formato excel, sem qualquer menção da sua origem, designadamente da sua autoria, não datado, e sem contemplar uma assinatura legível, o que impede, desde logo e sem mais, a sua valoração probatória (2).

Ademais, sempre se dirá que ainda que concretize o nome de funcionário com a respetiva alocação pessoal, máquina, não existe qualquer valor referencial ao respetivo preço unitário/mão de obra-hora.

Acresce, outrossim, que as notas de débito visadas não estabelecem qualquer remissão expressa a elementos identificativos adicionais, não tendo sido carreados, designadamente, quaisquer contratos de prestações de serviços que permitam densificar os serviços em contenda e bem assim suportes documentais que permitam materializar, designadamente, as campanhas, a que é feita expressa menção nas notas de débito.

Como aduzido no Acórdão do TJUE já citado, prolatado no processo nº C-516/14, de 15 de setembro de 2016, é imperioso para efeitos de análise da documentação complementar que possam “[s]er equiparados a uma fatura nos termos do artigo 219.º da referida diretiva, na qualidade de documentos que alteram a fatura inicial e a ela façam uma referência específica e inequívoca.”

Destarte, face ao supra expendido entende-se que os aludidos documentos, não indicam de forma suficientemente detalhada a natureza dos serviços em causa, em ordem ao consignado no citado artigo 35.º do CIVA, que exige, como visto, que na fatura consteA quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável”, não permitindo, conforme aduzido pela Recorrente, dispor de dados suficientes para o exercício do poder de controlo da AT e o estabelecimento do nexo entre os serviços adquiridos e a atividade exercida que confere o direito à dedução.

Os requisitos legais das facturas têm que ser observados por forma a permitirem um controle sobre que exacto serviço foi prestado, quando, onde, em que quantidade, e a quem, também para aferir do cumprimento do contrato de prestação de serviços, por serem as mesmas susceptíveis de gerar o direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado, não podendo haver duplicação de deduções de IVA (3).”

Como aduzido, no Aresto deste Tribunal prolatado no âmbito do processo nº 2885/05, datado de 28 de novembro de 2019, relatado pela, ora, Relatora e cujo sumário, ora, se extrata:

“I- A fatura é um elemento essencial do direito de um sujeito passivo à dedução do IVA pago a montante, competindo ao sujeito passivo solicita a dedução do IVA provar que preenche as condições para dela beneficiar.

II-Os requisitos legais das faturas têm que ser observados por forma a permitirem um controle sobre o exato serviço prestado, sendo que a mera designação nas faturas de “Trabalhos de Preparação de Estaleiro”, “Diversos trabalhos de Construção Civil”, ou de “Serviços de arrumação e carregamento de materiais”, não preenche os requisitos contemplados no artigo 35.º do CIVA, mormente, a alínea b), visto que não indica de forma suficientemente detalhada a natureza dos serviços em causa, comprometendo o direito à dedução do IVA.”

Assim, não obstante se acompanhar a Jurisprudência Comunitária no sentido de ser permitido que o sujeito passivo demonstre através de prova complementar os serviços visados (4), a extensão dos mesmos e a data concreta em que os mesmos foram celebrados, a verdade é que, in casu, não serve esse desiderato a prova carreada em sede inspetiva.

No mesmo sentido, se decidiu neste Tribunal no âmbito do processo nº309/13, datado de 25 de junho de 2020, dele se extratando, designadamente, o seguinte: “Não tendo sido apresentados elementos documentais que contenham um conteúdo que permita suprir as lacunas das faturas, não é admissível o direito à dedução.” (destaques e sublinhados nossos).

Esclarecendo, outrossim, o Aresto prolatado no processo nº 744/11, de 27 de maio de 2021, que: “O não cumprimento escrupuloso das formalidades exigidas em termos de emissão de faturas pode não comprometer o exercício do direito à dedução, desde que as exigências de fundo tenham sido cumpridas e que a AT disponha de todos os elementos para substantivamente caraterizar a operação, sendo certo que o ónus da prova caberá ao sujeito passivo.

Não tendo sido apresentados elementos documentais que contenham um conteúdo que permita suprir as lacunas das faturas, não é admissível o direito à dedução.” (destaques e sublinhados nossos).

In fine, importa relevar que a aduzida neutralidade convocada pelo Tribunal a quo, não é postergada, conforme propugnado pela Recorrente.

Com efeito, o princípio da neutralidade, é apontado tanto pela doutrina como pela jurisprudência como um princípio estruturante, doutrinando, neste particular, Sérgio Vasques, “se quisermos concretizar o sentido da neutralidade, podemos dizer que imposto neutro é aquele que não interfere nas decisões dos agentes económicos deixando a produtores a liberdade de escolher o que produzir e como produzi-lo (neutralidade do produtor), ao mesmo tempo que deixa a consumidores a liberdade de escolher o que consumir sem os afastar da sua inclinação natural (neutralidade no consumidor) (5)”

Mais esclarecendo, contudo, que “Se o princípio da neutralidade exige que o imposto incidente sobre os inputs de qualquer actividade económica tributável seja inteiramente dedutível, é certo que o sistema do IVA continua a admitir variadas restrições à dedutibilidade do IVA, relativas não apenas à natureza dos gastos que permitem a dedução como também à forma e ao momento em que este se concretiza (6).”

Ora, tendo presente a suprarreferida densificação e face à realidade fática em contenda, ajuíza-se que a interpretação sufragada não traduz qualquer ofensa ao princípio da neutralidade do IVA, como aduz a Recorrente, bem pelo contrário. Com efeito, o princípio fundamental da neutralidade fiscal exige, desde logo, que a AT disponha “(…) de dados necessários para saber que os requisitos materiais foram cumpridos”, o que, in casu, face a todo o exposto não sucede.

Sendo, outrossim, de relevar que competia à Recorrida demonstrar que se encontravam reunidos os pressupostos constantes na lei, visto que, in casu, a AT cumpriu o ónus probatório a que se encontrava investida. Conforme doutrinado no Acórdão Evita-K, proferido no processo C-78-12, de 18 de julho de 2013, convocando anterior jurisprudência que reputa aplicável que é “[a] quem solicita a dedução do IVA que cabe provar que preenche as condições para dela beneficiar (v. acórdão de 26 de setembro de 1996, Enkler, C230/94, Colet., p. I4517, n.° 24)”.

Donde, o argumento atinente à realização de ação de inspeção externa a ambas as sociedades visadas, não permite, como é bom de ver, inverter o ónus probatório e eximir a Recorrida da sua atividade probatória, nem corporizar qualquer incumprimento do dever de colaboração. Ademais, a própria até reconhece a existência de relações especiais, logo, seguramente, com superior agilidade na comunicação e obtenção de informação adicional.

Conforme evidencia Miguel Durham Agrellos & Paulo Pichel(7) “a fatura é uma espécie de “cheque” sobre o Estado”, esclarecendo, ulteriormente, que:“o direito à dedução enquanto trave mestra da mecânica deste imposto, está fundamentalmente assente numa ideia de “título de crédito”, isto é, o documento necessário para constituir, exercer e transferir o direito literal e autónomo nele incorporado”.

Destarte, tendo presente o princípio que tem vindo a ser seguido pela jurisprudência do TJUE, como visto, das exigências formais não poderem ser desagregadas das finalidades de controlo por afetar a possibilidade de correta aplicação e fiscalização do imposto dos e dos riscos de perda de receita fiscal, e não preenchendo as notas de débito os requisitos contemplados no artigo 35.º, nº5, alínea b), do CIVA, e não tendo a demais prova documental carreada ao processo colmatado essas irregularidades formais, não se encontra legitimada a dedução do IVA suportado.

E por assim ser, inexistindo quaisquer outras questões a dirimir que tenham sido julgadas prejudicadas, a procedência das irregularidades formais legitima os atos de liquidação de IVA, logo a decisão recorrida que assim o não decidiu tem de ser revogada.


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IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:
-CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO, REVOGAR A DECISÃO RECORRIDA, e em consequência, julgar improcedente a impugnação judicial, com todas as legais consequências.
Custas pela Recorrida.
Registe. Notifique.
Lisboa, 29 de setembro de 2022

(Patrícia Manuel Pires)

(Jorge Cortês)

(Luísa Soares)


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(1) In Acórdão do STA, prolatado no processo nº 01383/11.2BELRS 01022/17, de 02.12.2020.
(2) Vide neste sentido, Acórdão do TCAS, proferido no processo nº 309/13, de 25.06.2020.
(3) Ac. do STA, proferido no processo nº 00141/16, de 04 de outubro de 2017.
(4) Vide, designadamente, TJUE no já citado processo C-516/14.
(5) Sérgio Vasques, O Imposto sobre o Valor Acrescentado, Almedina, Almedina: reimpressão, fevereiro 2020, p.105.
(6) In ob. cit.p.109.
(7) Jurisprudência do TJUE sobre exigência de forma das faturas e direito à dedução do IVA”, Cadernos IVA 2015, pp.191 e 192.