Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 1138/10.1BELRS |
| Secção: | CT |
| Data do Acordão: | 11/16/2023 |
| Relator: | CATARINA ALMEIDA E SOUSA |
| Descritores: | APRECIAÇÃO CRÍTICA DA PROVA RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA GERÊNCIA DE FACTO |
| Sumário: | I - O julgador, embora livre no exercício de formação da sua convicção, não está isento ou eximido de indicar os fundamentos em que aquela assentou, por forma a que, com recurso às regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquele processo de formação da convicção sobre a prova ou não prova daquele facto, permitindo, desta feita, sindicar-se o processo racional da própria decisão.
II - Para efeitos de efetivação da responsabilidade subsidiária dos gerentes, não basta, para a responsabilização das pessoas aí indicadas, a mera titularidade de um cargo, sendo indispensável que tenham sido exercidas as respetivas funções. III - Para que se verifique a gerência de facto é indispensável que o gerente use, efetivamente, dos respetivos poderes, que seja um órgão atuante da sociedade, administrando e representando a empresa, realizando negócios e exteriorizando a vontade social perante terceiros. |
| Votação: | UNANIMIDADE |
| Indicações Eventuais: | Subsecção de execução fiscal e de recursos contra-ordenacionais |
| Aditamento: |
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| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Subsecção de execução fiscal e de recursos contraordenacionais, da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul
I – RELATÓRIO A FAZENDA PÚBLICA recorre da sentença proferida no Tribunal Tributário (TT) de Lisboa que julgou procedente a oposição deduzida por M …………………………, relativamente à execução fiscal nº …………………………640 e apensos, do Serviço de Finanças de Loures-1, que contra si reverteu, depois de originariamente instaurada contra a sociedade “J …………. & Filhos, Lda.”, com vista à cobrança coerciva de dívidas de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) dos anos de 2001 e 2002, no valor total de €28.629,90. A recorrente apresentou alegações, rematadas com as seguintes conclusões: “1. In casu, com o devido respeito, que é muito, não foi alcançado pelo Tribunal a quo. Pelo que, deveria ter sido dada uma maior acuidade ao escopo do vertido nos arts. 24.º, n.º 1, a) e 74.º da LGT; aos princípios (antiformalistas), "pro actione" e "in dubio pro favoritate instanciae" tudo assim, devidamente valorado e considerado o teor do vertido nos documentos de fls. 42 e 46 do PEF junto aos autos; 2. Tudo devidamente condimentado com a mais recente jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores para que, se pudesse aquilatar pela improcedência da Oposição à execução fiscal aduzida pelo Recorrido/Oponente. 3. Maxime, para que melhor se pudesse aferir pela improcedência da alegada ilegitimidade do Oponente na execução nos termos do n.º 1 do art. 24.º da LGT e consequente decisão de extinção da execução ora revertida contra o Oponente. 4. Pelo que, a Recorrente, com o devido respeito, conclui não ter razão o Tribunal a quo, que julgou num determinado sentido que perante a matéria de facto dada como assente, com os demais elementos comprovantes constantes dos autos, não tem a devida correspondência com o modo como as normas que constituem o fundamento jurídico da decisão a quo deveriam ter sido interpretadas e aplicadas. 5. A predita vicissitude, preconizada pelo respeitoso Tribunal a quo, a qual, humildosamente, se pretende que seja devidamente sindicada pelo respeitoso Areópago ad quem, foi, mutatis mutandis, causa adequada, para que fosse alvitrada pelo Tribunal recorrido, uma errada valoração do acervo probatório constante dos autos, no que concerne a alguma prova documental, a mesma, não foi, sequer, valorada pelo Tribunal a quo pelo menos nos moldes minimamente exigíveis, e consequentemente, a errada interpretação e aplicação do direito aos factos do caso vertente, culminando em erro de julgamento. 6. A MATÉRIA FACTUAL DADA COMO ASSENTE, consta dos itens 1) ao 25) do segmento fáctico do douto aresto recorrido, mormente de fls. 5 a fls. 9, F/Verso, do mesmo, para os quais se remete, dando-se aqui por integralmente vertidos por imperiosa razão de economia processual. Sendo que, no que em concreto diz respeito à temática recorrida e a sindicar pelo respeitoso Areópago ad quem, tem particular relevância a factualidade dada como provada e constante das alíneas 4) a 6), 7), 8) e 9) do acervo factual dado como assente, os quais, salvaguardado o devido respeito, e que é muito, não foram devidamente valorados e considerados pelo respeitoso Tribunal a quo na subsunção que foi preconizada quanto ao direito aplicável. 7. Como é sabido e consabido e resulta, também, do segmento de direito do douto aresto a quo, consta que a responsabilidade subsidiária é, no regime da LGT, atribuída em função do exercício efectivo do cargo de gerente. 8. Em bom rigor, sabe-se que o despacho de reversão apenas tem que alegar os pressupostos da reversão, e a extensão da responsabilidade subsidiária a ser efectuada (tal como o manifesta o despacho de reversão do caso vertente). 9. Não tendo de constar do despacho de reversão os actos concretos de gerência, se houver reacção do revertido, a Recorrente terá de alegar (na contestação à oposição) elementos factuais próprios da gerência permitindo que sobre eles recaia actividade probatória quer da exequente, quer do revertido (sobre esta questão, cfr. o ac. do TCAN n.º 01210/07.5BEPRT de 30-04-2014 (Relator: Pedro Nuno Pinto Vergueiro): 10. Temos então que Exequente não tem de fundamentar o despacho de reversão com a alegação de factos concretos de gerência bastando a indicação dos pressupostos e referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efectivada. 11. Ora, são pressupostos da responsabilidade tributária subsidiária, a inexistência ou fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal, dos responsáveis solidários e seus sucessores (nº 2 do art. 23º da LGT e nº 2 do art. 153º do CPPT), bem como o exercício efectivo do cargo nos períodos relevantes de verificação do facto constitutivo da dívida tributária ou do prazo legal de pagamento ou entrega desta (nº 1 do art. 24º da LGT) bem como os factos relevantes para apreciação da culpa, in casu, porquanto a reversão se consubstanciou na al. a) do art. 24.º da LGT. 12. Ora também quanto a este conhecimento, resulta da petição inicial que o oponente não teve dúvidas quanto à natureza e extensão da responsabilidade que lhe estava a ser imputada e exerceu os seus direitos processuais sem qualquer limitação. 13. Em face do exposto, salvo o devido respeito, que é muito., não se pode de forma alguma concordar com o vaticinado pelo respeitoso Tribunal a quo, quanto à crítica sindicada pelo mesmo, relativamente ao despacho de reversão em referência. 14. No caso em apreço, (cfr. o auto de diligências de fls. 42 e fls. 46, ambas do PEF), efectivamente no que respeita ao alegado não exercício da gerência, a oponente veio alegar que “apenas constava como gerente pelo simples facto de ser casada com a única pessoa que foi gerente de direito e de facto, o Sr. J ………………….. (…), nunca tendo tomado qualquer deliberação ou acto;”. 15. Todavia, é a própria oponente quem diz “ter forçado a negociação para a venda da sociedade”, ou seja, não resulta líquido que a oponente não tivesse poder decisório, sendo certo que a sociedade devedora originária obrigava-se com a assinatura de um gerente. 16. Outrossim, a gerência de facto também ocorre “quando alguém – ainda que de modo esporádico e apenas em relação a um único pelouro da empresa – exterioriza de algum modo a representação da vontade social por meio de actos substantivos e materiais, vinculando a sociedade perante terceiros”. 17. Ainda que, por mera hipótese de raciocínio, se possa configurar a conjectura de a oponente não ter exercido de facto a gerência da devedora originária, tal facto não afastaria a sua responsabilidade! 18. Nesta senda, acresce que, ainda que a reversão em causa tenha sido efectuada sob a égide da al. a) do n.º 1 do art. 24.º da LGT, cabendo à AT a demonstração da culpa do revertido, a verdade indelével que se verifica no caso dos autos, é que a questão controvertida, o objecto da lide, tinha que ver com dívidas de IVA relativas ao ano de 2001 e do ano de 2002, melhor identificadas nos autos e em que era devedora originária a Sociedade “J………………e Filhos, Lda”. 19. Ora, neste caso concreto, atenta a natureza da divida exequenda, é inexorável que caberia à oponente diligenciar no cumprimento das obrigações fiscais da devedora originária. Maxime, procedendo à entrega dos respectivos impostos, que se reportam a quantias que foram feitas repercutir em terceiros (IVA). 20. Trata-se de imposto legalmente repercutido na esfera patrimonial de terceiros, pelo que são quantias que pertencem ao ESTADO, das quais, a Oponente ficou responsável como fiel depositária. 21. Todavia, para que, nos prazos legais, procedesse à sua entrega ao ESTADO. 22. E não o tendo feito, ad aeterno, até aos dias de hoje, constituiu e constitui uma agravante que se repercutiu e repercute, em primeira linha, de forma cada vez mais negativa, na esfera jurídica e patrimonial da devedora originária! 23. Imputabilidade que mais ainda é assacada da Oponente (como administradora da devedora originária e titular da gestão e da panóplia de opções que, de facto, foram preconizadas) atenta a particular natureza dos impostos que estão na génese da quantia exequenda, sendo que a devedora originária não procedeu à entrega ao Estado, dos referidos impostos relativos a períodos dos exercícios supra referenciados. 24. Tal factualidade denuncia, de per si, um comportamento do sujeito passivo revelador da sua indiferença no que concerne ao cumprimento escrupuloso das suas obrigações fiscais. 25. Mesmo que, por mera hipótese de raciocínio, admitindo dificuldades financeiras sociais, mas sem conceder, porque tal prova não foi, de forma para tanto exigível, objetiva e concretamente obtida pela oponente, não estava na disponibilidade da gerência/administração decidir e optar pela preferência de um qualquer outro crédito face ao crédito tributário, uma vez que tal decisão não pode nunca configurar-se como justificada ou isenta de culpa, tanto mais que se tratam de valores liquidados a outrem ( clientes...). 26. E tal decisão não pode nunca configurar-se como justificada ou isenta de culpa. 27. Efectivamente, e no melhor rigor, estando em causa dívidas de IVA, atendendo ao mecanismo a que obedece este imposto - uma vez que o IVA arrecadado e entregue por terceiros não é receita própria da sociedade, havendo a obrigação de ser entregue ao Estado. 28. Pelo que a culpa da Oponente, aqui revertida, está mais que presumida e, condimentada com as regras da experiência e da lógica das coisas, resulta mais do que provada nos presentes autos. 29. De salientar que, da matéria dada como assente pelo Tribunal a quo, mormente a que consta dos itens 4.º a 6º, 7.º, 8.º e 9.º do acervo factual dado como assente no aresto a quo, não se vislumbra acervo probatório que pudesse desvirtuar o considerado pela Administração Tributária quanto a esta vexata quaestio. 30. Ao invés, atenta a matéria dada como assente, com o devido respeito, a errada valoração da prova documental (maxime de fls. 42 e 46 do PEF) pelo Tribunal recorrido, acrescida da incorrecta valoração e ausente apreciação crítica da prova testemunhal do caso vertente, cimentam a posição assumida e defendida pela Administração Fiscal. 31. Pela sua pertinência e para que seja levado em devida cautela e consideração pelo respeitoso Tribunal ad quem, as testemunhas em relações às quais o Tribunal a quo fundou a sua motivação quanto à matéria assente daqueles itens referenciados, 32. ainda à data da realização da inquirição das testemunhas dos presentes autos (em 10.02.2016), trabalhadoras da devedora originária e consequentemente com interesse indirecto na salvaguarda da sua posição laborar e contratual em relação à mesma!. 33. Por conseguinte, salvo o devido respeito, que é muito, o Tribunal a quo lavrou em erro de interpretação e aplicação do direito e dos factos, nos termos supra explanados, assim como não considerou nem valorizou como se impunha a prova documental que faz parte dos autos em apreço, atenta a especial falibilidade da prova testemunhal deste caso em concreto, o que consubstancia erro de julgamento. NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO, e com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido total provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a sentença proferida com as devidas consequências legais. CONCOMITANTEMENTE, Apela-se desde já à vossa sensibilidade e profundo saber, pois, se aplicar o Direito é um rotineiro ato da administração pública, fazer justiça é um ato místico de transcendente significado, o qual poderá desde já, de uma forma digna ser preconizado por V. as Ex.as, assim se fazendo a mais sã, serena, objectiva e acostumada JUSTIÇA! “ * Não há registo de contra-alegações. * O Exmo. Magistrado do Ministério Público (EMMP) pronunciou-se no sentido de ser negado provimento do recurso. * Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Tributário para decisão. * Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respetiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objeto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer. Assim sendo, as questões que constituem objeto do presente recurso jurisdicional consistem em saber se: - a sentença fez errada apreciação crítica da prova, seja a documental, seja a testemunhal; - se, em consequência, a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao decidir que (i) o despacho de reversão não contém o mínimo exigível de consubstanciação quanto à consideração da oponente como gestora de facto; (ii) quanto à ilegitimidade da ora recorrida, enquanto responsável subsidiária pelas dívidas contra si revertidas no processo de execução fiscal, por não ter exercido a gerência da devedora originária; (iii) quanto à falta de demonstração da culpa da oponente na insuficiência do património para a satisfação das dívidas em cobrança. * II – FUNDAMENTAÇÃO - De facto A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos: “1) Foi registado, na Conservatória do Registo Comercial de Loures, o contrato social da sociedade J…………………..& Filhos, Lda., através da inscrição 1, correspondente às aps. 04/720522, 10/740524, 12/740524, 07/810804 e 08/811104 (cfr. fls. 45 a 51). 2) Através da inscrição 4, ap. 05/910102, foi registada a alteração parcial do contrato de sociedade mencionado em 1), sendo designados como gerentes a oponente e J………………………. (cfr. fls. 45 a 51). 3) Através da inscrição 9, ap. 18/20030306 – Av. 1, foi registada a cessação de funções de gerentes pela oponente e por J…………………., por renúncia de 04.06.2002 (cfr. fls. 45 a 51). 4) A oponente tem a profissão de técnica oficial de contas. 5) A oponente exerce a profissão referida em 4), pelo menos desde 1989, em gabinete próprio. 6) O exercício das funções referidas em 4) implica e sempre implicou para a oponente a sua presença no gabinete mencionado em 5) durante todo o dia, quer no horário normal de trabalho quer em horário pós-laboral, sem prejuízo de deslocações para reuniões com clientes do gabinete de contabilidade. 7) A sociedade referida em 1) contratou a elaboração da sua contabilidade ao gabinete de contabilidade da oponente. 8) A documentação para efeitos de elaboração da contabilidade da sociedade referida em 1) era por vezes levada por J ……………………….. ao gabinete de contabilidade da oponente e era por vezes entregue a funcionária que se deslocava às instalações da sociedade referida em 1). 9) Era J ………………………. quem dava ordens, pelo menos até 2002, na sociedade referida em 1), contactando com clientes, contratando os motoristas e distribuindo-lhes serviço. 10) Era J ………………….. quem fazia pagamentos, pelo menos até 2002, relativos à sociedade referida em 1). 11) Foram instaurados, no SF de Loures 1, contra a sociedade referida em 1), entre outros, os seguintes PEF:
12) No âmbito do PEF referido em 11) e respetivos apensos, foi extraído a 16.02.2005 mandado de penhora (cfr. fls. 235 a 244, do PEF apenso – vol. I). 13) Na sequência do referido em 12) foi elaborado auto de diligências informando não ter sido dado cumprimento ao mandado de penhora, por não terem sido localizados quaisquer bens penhoráveis (cfr. fls. 42, dos autos, e fls. 312, do PEF apenso – vol. I). 14) No âmbito do PEF referido em 11) e respetivos apensos, foram remetidos ofícios com vista à penhora de créditos da sociedade mencionada em 1) , em 2005, sem resultado positivo (cfr. fls. 245 a 263, 290 a 296, 306, 307, 313 a 327, do PEF apenso –vol. I). 15) No âmbito do PEF referido em 11) e respetivos apensos, foi remetido ofício em 2005 à conservatória do registo automóvel, para efeitos de identificação de veículos penhoráveis da sociedade mencionada em 1) (cfr. fls. 264, do PEF apenso – vol. I). 16) Na sequência do referido em 15), foram identificados veículos da propriedade da sociedade mencionada em 1) (cfr. fls. 265 a 273, do PEF apenso – vol. I). 17) No âmbito do PEF referido em 11) e respetivos apensos, foram remetidos ofícios com vista à identificação de contas bancárias com saldo penhorável (cfr. fls. 285 a 288, 297, 328 e 329, do PEF apenso – vol. I, e fls. 488 e 489, do PEF apenso – vol. II). 18) No âmbito do PEF referido em 11) e respetivos apensos, foi elaborado auto de penhora de saldo bancário no valor de 569,84 Eur., tendo sido emitido o respetivo cheque a 17.05.2005 (cfr. fls. 284 e 285, do PEF apenso – vol. I, e fls. 334 e 335, do PEF apenso – vol. II). 19) No âmbito do PEF referido em 11) e respetivos apensos, foram elaborados em 2007 autos de penhora de veículos com os valores presumíveis de 6.000,00 Eur., 2.800,00 Eur., 1.250,00 Eur., 150,00 Eur., 200,00 Eur. e 7.000,00 Eur., cujas diligências de apreensão de documentos se revelaram sem resultados (cfr. fls. 449 a 487, 499 e 500, do PEF apenso – vol. II). 20) Foi proferido despacho, pelo chefe do SF de Loures 1, a 28.01.2010, para efeitos de audição da oponente em sede de reversão, relativamente aos processos identificados em 11) (cfr. fls. 26, dos autos, e fls. 502, do PEF apenso – vol. II). 21) Na sequência do mencionado em 20), foi elaborado e remetido ofício à oponente, para efeitos de exercício do direito de audição prévia (cfr. fls. 24 e 25, dos autos, e fls. 501 a 504, do PEF apenso – vol. II). 22) No seguimento do referido em 21), a oponente, através de mandatário, apresentou requerimento para efeitos de direito de audição, requerendo ainda elementos quanto à fundamentação e prorrogação de prazo para obter elementos da devedora originária (cfr. fls. 512 a 524, do PEF apenso – vol. II). 23) Foi proferido despacho de reversão contra a oponente, pelo chefe do SF de Loures 1, a 18.02.2010, do qual consta designadamente o seguinte: “… « Texto no original» (…) « Texto no original» …” (cfr. fls. 71 e 72, dos autos, e fls. 545 e 546, do PEF apenso – Vol. II). 24) Na sequência do despacho mencionado em 23), foi remetido ofício, designado de “Citação (Reversão)”, via correio postal registado com aviso de receção, dirigido à oponente, do qual consta designadamente o seguinte: “… « Texto no original» (…) « Texto no original» …” (cfr. fls. 73 e 74, dos autos, e fls. 547 e 548, do PEF apenso – Vol. II). 25) Foi aposto, no campo para preenchimento no destino do aviso de receção referido em 24), assinatura da oponente e a data 26.02.2010 (cfr. fls. 73 e 74, dos autos, e fls. 547 e 548, do PEF apenso – Vol. II). * DOS FACTOS NÃO PROVADOS Não existem factos não provados, em face das possíveis soluções de direito, com interesse para a decisão da causa. * MOTIVAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO A convicção do tribunal, no que respeita aos factos provados, assentou, desde logo, na prova documental junta aos autos, conforme indicado em cada um desses factos. No que respeita aos factos 4) a 6), a convicção do tribunal fundou-se no depoimento das testemunhas A ………………….., administrativa, que trabalha no gabinete de contabilidade da oponente desde 1989, F ………………., administrativa, que trabalha no gabinete de contabilidade da oponente desde 2000, e J …………………, gerente de pastelaria, que trabalhou com a oponente até 2014, tendo todas sido coerentes entre si e revelado conhecimento direto dos factos, revelando conhecer as rotinas de trabalho da oponente no gabinete de contabilidade. Quanto aos factos 7) e 8), a convicção do tribunal fundou-se no depoimento das testemunhas A. ……………………, F ……………………. e J ……………………………, com a razão de ciência já referida, sendo sobretudo de sublinhar o depoimento das duas últimas, muito claro e convincente, quer pelo que era visto no gabinete quer pelo facto de, no caso da testemunha Joana, a mesma se deslocar às instalações da devedora originária. No tocante aos factos 9) e 10), a convicção do tribunal fundou-se no depoimento das testemunhas A ………………………, F ………………………… e J …………………, com a razão de ciência já referida, todas elas se referindo a J ……………….. como o “dono” da devedora originária. Foi ainda relevado o depoimento da testemunha J ………………….., motorista, que trabalhou para João ………………… desde a década de 90 do século XX até 2002/2003, revelando conhecimento direto dos factos e afirmando convicta e convincentemente que era o referido João quem tomava as decisões relativas à devedora originária, nada tendo a oponente a ver com as mesmas.” * - De Direito
A sentença que aqui vem posta em causa julgou a oposição procedente e, em consequência, determinou a extinção da execução fiscal quanto à Oponente. Foram vários os fundamentos invocados na p.i e analisados na sentença. Com efeito, a Mma. Juíza a quo, deixou escrito, além do mais e no que para aqui importa, o seguinte: “Ainda que se considere que o despacho de reversão contém um mínimo de consubstanciação em termos de consideração da oponente como gestora de facto (e não considera), resulta, por outro lado, que da prova produzida decorreu que a oponente nunca foi gestora de facto da devedora originária, tendo sempre e apenas desempenhado as suas funções de técnica oficial de contas. Resultou ainda provado que as decisões relativas à devedora originária cabiam a João ………………., que surgia perante todos como o dono da sociedade devedora originária e a quem cabia as decisões relativas ao destino dessa sociedade (contratações, pagamentos, contactos com clientes). Como tal, não sendo a oponente gestora de facto da devedora originária, não se encontra preenchido o pressuposto previsto no n.º 1 do art.º 24.º, da LGT, motivo pelo qual se verifica ilegitimidade da oponente, procedendo o por si alegado nesta parte. É ainda de sublinhar que a reversão em causa foi efetuada ao abrigo da al. a) do n.º 1 do art.º 24.º, da LGT, sendo que, nestes casos, cabe à AT ainda a demonstração da culpa do revertido. Ora, também aqui, tal como referido pela oponente, consta do despacho apenas uma conclusão jurídica, sem factos que a sustentem, não tendo também nesta parte a AT cumprido o seu ónus probatório”. Temos, pois, que além de ter sido entendido que o despacho de reversão não continha um mínimo de consubstanciação em termos de consideração da oponente como gestora de facto, foi também decidida a ilegitimidade da Executada. Com efeito, foi considerado não ter sido demonstrado, pela AT, o exercício das funções de gestora pela M…………………… (e ter sido demonstrado o contrário pela Oponente); por outro lado, considerou o TT ter ficado por demostrar, pela AT, a culpa no não pagamento, a que alude a alínea a) do nº1 do artigo 24º da LGT. Assim, em face destes vários fundamentos (alegados e apreciados) que determinaram a procedência da oposição e extinção das execuções fiscais, percebe-se bem o alcance do âmbito do presente recurso. Na verdade, e como deixámos oportunamente referido, as questões que aqui nos ocuparão são as seguintes: - saber se a sentença fez errada apreciação crítica da prova, seja ela a documental, seja a testemunhal; - saber se, em consequência, a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao decidir que (i) o despacho de reversão não contém o mínimo exigível de consubstanciação quanto à consideração da oponente como gestora de facto; - saber se se verifica a ilegitimidade da ora recorrida, enquanto responsável subsidiária pelas dívidas contra si revertidas no processo de execução fiscal, por não ter exercido a gerência da devedora originária; - saber se, quanto à demonstração da culpa da oponente na insuficiência do património para a satisfação das dívidas em cobrança, a Fazenda Pública cumpriu o seu ónus probatório. Vejamos, começando, por questões logicas, pelo ataque ao julgamento da matéria de facto. A este propósito refere a Fazenda Pública a “errada valoração do acervo probatório constante dos autos, no que concerne a alguma prova documental, a mesma, não foi, sequer, valorada pelo Tribunal a quo pelo menos nos moldes minimamente exigíveis”; mais refere “a errada valoração da prova documental (maxime de fls. 42 e 46 do PEF) (…), acrescida da incorrecta valoração e ausente apreciação crítica da prova testemunhal do caso vertente”; salienta, ainda, que “as testemunhas em relações às quais o Tribunal a quo fundou a sua motivação quanto à matéria assente daqueles itens referenciados, (…)” eram trabalhadoras da devedora originária “e consequentemente com interesse indirecto na salvaguarda da sua posição laborar e contratual em relação à mesma”. Vejamos o que dizer a este propósito, sendo evidente que a discordância da Recorrente com o julgamento da matéria de facto se apresenta, a todos os títulos vaga e genérica e, como tal, sem a densificação legalmente exigível para os propósitos visados. Como se disse no acórdão desta TCA, de 19/11/20, no processo nº 1102/05.2BELSB: “A alteração pelo TCA da decisão da matéria de facto pressupõe que, para além da indicação dos pontos de facto considerados incorrectamente julgados, sejam indicados os concretos meios de prova constantes do processo ou de gravação realizada que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (artigo 640.º, n.º 1, alíneas a) e b) do CPC). Ao TCA assiste o poder de alterar a decisão de facto fixada pelo tribunal “a quo” desde que ocorram os pressupostos vertidos no artigo 662.º, n.º 1 do CPC, incumbindo-lhe, nessa medida, reapreciar as provas em que assentou a decisão impugnada objecto de controvérsia, bem como apreciar oficiosamente outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre aqueles pontos da factualidade controvertidos. Analisadas as conclusões e alegações de recurso constata-se que a Recorrente não preenche o ónus de impugnação da matéria de facto, que sobre ela recaía, indicando com exactidão os meios de prova - as passagens concretas da gravação do depoimento da testemunha e os documentos -, que impunham que se desse como provado o “interesse contratual” do Impugnante e a sua intervenção na escolha dos imóveis. Não é admissível o recurso genérico contra a decisão da matéria de facto, não podendo a Recorrente quedar-se pela avaliação fragmentada de cada elemento probatório ou de cada meio de prova isolado. Em consonância com o supra exposto, a deficiência apontada é o bastante para importar a rejeição da apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto em vista da sua alteração. Vejamos agora se a sentença sofre do vício de erro notório na apreciação da prova. A Recorrente impugna a matéria de facto por existência de vício de erro na apreciação da prova e alega, fundamentalmente, que o depoimento da testemunha não é credível, por ser antes um testemunho interessado e parcial. A Recorrente limita-se a impugnar a matéria de facto de forma genérica, pretendendo que seja alterada segundo a sua versão dos factos, pondo em causa a credibilidade do depoimento da testemunha acolhida pelo tribunal a quo, em detrimento da sua versão dos factos. É manifesta a confusão entre impugnação da matéria de facto por erro de julgamento e por existência de erro na apreciação da prova. O vício de erro na apreciação da prova, contrariamente ao erro de julgamento, é intrínseco à sentença e deve resultar do próprio texto, isto é, da factualidade nela fixada e da respectiva motivação, da qual deve constar a fundamentação da decisão de facto. Quando a atribuição de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgado se basear em opção assente na imediação e oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é ilógica e é inadmissível face às regras da experiência e ao senso comum. Com efeito, a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova (v.g. prova testemunhal) por parte do julgador que se mostra vertido no artigo 607.º, n.º 5, 1.ª parte, do CPC. O Tribunal ad quem aprecia apenas os aspectos sob controvérsia e não vai à procura duma nova convicção, pois o que visa determinar é se a motivação apresentada pelo Tribunal a quo encontra suporte razoável naquilo que resulta dos elementos probatórios existentes ou produzidos nos autos (neste sentido vide Acórdão do TCAS de 10/10/2019, processo nº 2327/08.4BEBLS, disponível in: www.dgsi.pt.). Nos sistemas mistos de livre apreciação da prova, como o nosso, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objecto da discussão em sede de julgamento, com base apenas no juízo que se fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo. O Tribunal na apreciação dos meios de prova de livre apreciação não julga com base em suposições, mas com base em prova que seja segura, lógica e coerente, e a consideração de certas provas em detrimento da desconsideração de outras sustenta-se no princípio da convicção racional. O julgador embora livre no exercício de formação da sua convicção não está isento ou eximido de indicar os fundamentos onde aquela assentou por forma a que, com recurso às regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquele processo de formação da convicção sobre a prova ou não prova daquele facto, permitindo, desta feita, sindicar-se o processo racional da própria decisão. Importa recordar, nesta sede, que a prova tem por função a demonstração da realidade dos factos (artigo 341.º do Código Civil), e para esse efeito, o que releva e é exigível é que o julgador forme a sua convicção assente na certeza relativa do facto, devendo existir um alto grau de probabilidade da sua verificação”- fim de citação. Ora, analisada a decisão recorrida constatamos que o Tribunal a quo, sustentado no princípio da livre apreciação da prova produzida nos autos, fixou os factos que resultaram da prova documental existente no processo e na prova testemunhal produzida e que considerou necessários para a solução dada ao caso (art. 607º, nº 5 do CPC). Assim, no caso, importa ter presente, face à posição da Recorrente, que o Tribunal deu como provado que: “4) A oponente tem a profissão de técnica oficial de contas. 5) A oponente exerce a profissão referida em 4), pelo menos desde 1989, em gabinete próprio. 6) O exercício das funções referidas em 4) implica e sempre implicou para a oponente a sua presença no gabinete mencionado em 5) durante todo o dia, quer no horário normal de trabalho quer em horário pós-laboral, sem prejuízo de deslocações para reuniões com clientes do gabinete de contabilidade. 7) A sociedade referida em 1) contratou a elaboração da sua contabilidade ao gabinete de contabilidade da oponente. 8) A documentação para efeitos de elaboração da contabilidade da sociedade referida em 1) era por vezes levada por J …………………………. ao gabinete de contabilidade da oponente e era por vezes entregue a funcionária que se deslocava às instalações da sociedade referida em 1). 9) Era J …………….. quem dava ordens, pelo menos até 2002, na sociedade referida em 1), contactando com clientes, contratando os motoristas e distribuindo-lhes serviço. 10) Era J …………………… quem fazia pagamentos, pelo menos até 2002, relativos à sociedade referida em 1)”. Para emitir este juízo de facto e, portanto, quanto à motivação de tal juízo, o Tribunal a quo esclareceu que: “No que respeita aos factos 4) a 6), a convicção do tribunal fundou-se no depoimento das testemunhas A …………………….., administrativa, que trabalha no gabinete de contabilidade da oponente desde 1989, F …………………….., administrativa, que trabalha no gabinete de contabilidade da oponente desde 2000, e J ……………………………, gerente de pastelaria, que trabalhou com a oponente até 2014, tendo todas sido coerentes entre si e revelado conhecimento direto dos factos, revelando conhecer as rotinas de trabalho da oponente no gabinete de contabilidade. Quanto aos factos 7) e 8), a convicção do tribunal fundou-se no depoimento das testemunhas A ……………………., F ………………………….. e J ……………………………., com a razão de ciência já referida, sendo sobretudo de sublinhar o depoimento das duas últimas, muito claro e convincente, quer pelo que era visto no gabinete quer pelo facto de, no caso da testemunha J………………, a mesma se deslocar às instalações da devedora originária. No tocante aos factos 9) e 10), a convicção do tribunal fundou-se no depoimento das testemunhas A ……………………………, F ………………………. e J ……………………………., com a razão de ciência já referida, todas elas se referindo a J ………………….. como o “dono” da devedora originária. Foi ainda relevado o depoimento da testemunha José ………………….., motorista, que trabalhou para J …………………… desde a década de 90 do século XX até 2002/2003, revelando conhecimento direto dos factos e afirmando convicta e convincentemente que era o referido J………….quem tomava as decisões relativas à devedora originária, nada tendo a oponente a ver com as mesmas.” (sublinhados nossos). Como se vê, em relação aos apontados factos, fundados na prova testemunhal, foram valorados os depoimentos indicados pelo conhecimento direto dos factos e pela forma congruente e segura com que os mesmos foram prestados, a ponto de terem deixado o Tribunal que os ouviu convencido da versão que levou ao probatório. E, na verdade, as referidas testemunhas depuseram no sentido vertido nos factos provados, fazendo-o de forma segura, coerente e congruente, revelando um conhecimento direto das realidades por si relatadas, tal como o TT de Lisboa deixou expressamente evidenciado. Isto mesmo foi por nós constatado na audição que fizemos dos depoimentos prestados. Assim sendo, não vislumbramos qualquer erro no juízo em que assentou a fixação da factualidade, não sendo evidente que a prova tenha sido erradamente valorada. Mais, aliás. A convicção da Mma. Juíza afigura-se absolutamente razoável e fundada, como resulta da explicação dada a propósito de cada um dos factos dados como assentes. A Recorrente insurge-se, em particular quanto ao julgamento dos apontados números do probatório, por entender que os testemunhos podem ser considerados interessados e parciais, face à especial posição laboral e contratual em relação à devedora. Sem razão, porém. A lei não veda o depoimento como testemunha de funcionários da revertida ou da devedora originária, nem tal circunstância acarreta, em face da lei, uma causa objetiva de falta de imparcialidade ou de credibilidade (artigos 495.º e 496.º do CPC). O Tribunal a quo valorou o depoimento das testemunhas nos precisos termos que constam da motivação da matéria de facto, não existindo motivos para os contrariar ou descredibilizar, nos termos propostos pela Recorrente. Como já se deixou expresso supra, a sentença recorrida está bem fundamentada quanto à apreciação crítica que fez da prova, de acordo com a observância das regras da experiência e da livre convicção, conforme se vê pela leitura da motivação da decisão de facto supra transcrita. Pelo contrário, não logrou a Recorrente provar que a matéria de facto enferma do erro que lhe aponta, quer nos pressupostos em que se estribou quer, ainda, nas conclusões a que chegou, de forma a dar como provados os factos 4 a 10 do probatório. Diga-se, ainda, a propósito de prova documental a que alude a Recorrente que, apesar de por esta afirmado que o Tribunal errou na valoração da prova a que se reportam as fls. 42 e 46 do PEF, a verdade é que não se explica em que erro de valoração incorreu o Tribunal e em que medida o julgamento da matéria de facto devia ter sido diferente daquele que foi feito. Com tudo isto dito, improcedem as primeiras conclusões que aqui nos ocuparam, atinentes ao erro de julgamento da matéria de facto e à errada apreciação critica da prova. Importa avançar. * A sentença que aqui vem posta em causa julgou a oposição procedente e, em consequência, determinou a extinção das execuções quanto à oponente, ora Recorrida, por considerar a ilegitimidade da pessoa citada para a execução. Já vimos em que termos o Tribunal concluiu pela ilegitimidade da M……………: “da prova produzida decorreu que a oponente nunca foi gestora de facto da devedora originária, tendo sempre e apenas desempenhado as suas funções de técnica oficial de contas. Resultou ainda provado que as decisões relativas à devedora originária cabiam a J ………………., que surgia perante todos como o dono da sociedade devedora originária e a quem cabia as decisões relativas ao destino dessa sociedade (contratações, pagamentos, contactos com clientes)” – lê-se na sentença. A Recorrente discorda de tal conclusão, acentuando que “não resulta líquido que a oponente não tivesse poder decisório, sendo certo que a sociedade devedora originária obrigava-se com a assinatura de um gerente”. Acrescenta, em abono da sua tese, que “a gerência de facto também ocorre “quando alguém – ainda que de modo esporádico e apenas em relação a um único pelouro da empresa – exterioriza de algum modo a representação da vontade social por meio de actos substantivos e materiais, vinculando a sociedade perante terceiros”. Vejamos. Adiante-se, desde já, que o sentido da decisão, isto é, a procedência da oposição com base na ilegitimidade da revertida, atenta a falta de prova do exercício da gerência, não nos merece censura. Vejamos as razões para assim concluirmos. A AT reverteu a execução fiscal contra M…………………..com base na gerência de facto da apontada sociedade comercial, invocando, para tanto, o disposto no artigo 24º, nº1, alínea a) da LGT, nos termos do qual: «1 - Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si: a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa coletiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação; b) (…) Ora, a reversão operada ao abrigo do apontado artigo 24º, nº1 da LGT pressupõe sempre - independentemente de se tratar da alínea a) ou b) – o exercício efetivo das funções de administração ou gestão em pessoas coletivas e entes fiscalmente equiparados, o que resulta claramente da inclusão na disposição apontada das expressões “exerçam, ainda que somente de facto, funções” ou, também, da alusão ao “período de exercício do seu cargo”. Por conseguinte, é fácil concluir que, para efeitos de efetivação da responsabilidade subsidiária dos gerentes, não basta, para a responsabilização das pessoas aí indicadas, a mera titularidade de um cargo, sendo indispensável que tenham sido exercidas as respetivas funções. Assim, desde logo se vê que a responsabilidade subsidiária depende, antes de mais, do efetivo exercício da gerência ou administração. A este propósito, deixamos transcritas as considerações feitas no acórdão do TCAN, de 30/04/14, no processo nº 1210/07.5, as quais assumem aqui inteira pertinência: “(…) Pois bem, e tal como se aponta no Ac. do S.T.A. de 02-03-2011, Proc. nº 0944/10, www.dgsi.pt, “… Na verdade, há presunções legais e presunções judiciais (arts. 350.º e 351.º do CC). As presunções legais são as que estão previstas na própria lei. As presunções judiciais, também denominadas naturais ou de facto, simples ou de experiência são «as que se fundam nas regras práticas da experiência, nos ensinamentos hauridos através da observação (empírica) dos factos». (ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA, e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 1.ª edição, página 486; Em sentido idêntico, MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 215-216, e PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, volume I, 2.ª edição, página 289.). De facto, não há qualquer norma legal que estabeleça uma presunção legal relativa ao exercício da gerência de facto, designadamente que ela se presume a partir da gerência de direito. No entanto, como se refere no acórdão deste STA de 10/12/2008, no recurso n.º 861/08, «o facto de não existir uma presunção legal sobre esta matéria, não tem como corolário que o Tribunal com poderes para fixar a matéria de facto, no exercício dos seus poderes de cognição nessa área, não possa utilizar as presunções judiciais que entender, com base nas regras da experiência comum. E, eventualmente, com base na prova de que o revertido tinha a qualidade de gerente de direito e demais circunstâncias do caso, nomeadamente as posições assumidas no processo e provas produzidas ou não pela revertida e pela Fazenda Pública, o Tribunal que julga a matéria de facto pode concluir que um gerente de direito exerceu a gerência de facto, se entender que isso, nas circunstâncias do caso, há uma probabilidade forte (certeza jurídica) de essa gerência ter ocorrido e não haver razões para duvidar que ela tenha acontecido. (Sobre esta «certeza» a que conduz a prova, pode ver-se MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 191-192.). Mas, se o Tribunal chegar a esta conclusão, será com base num juízo de facto, baseado nas regras da experiência comum e não em qualquer norma legal. Isto é, se o Tribunal fizer tal juízo, será com base numa presunção judicial e não com base numa presunção legal.» Todavia, ainda que não seja possível partir-se do pressuposto de que com a mera prova da titularidade da qualidade de gerente que a revertida tinha não se pode presumir a gerência de facto, é possível efectuar tal presunção se o Tribunal, à face das regras da experiência, entender que há uma forte probabilidade de esse exercício da gerência de facto ter ocorrido. Mas, por outro lado, na ponderação da adequação ou não de uma tal presunção em cada caso concreto, nunca há num processo judicial apenas a ter em conta o facto de a revertida ter a qualidade de direito, pois há necessariamente outros elementos que, abstractamente, podem influir esse juízo de facto, como, por exemplo, o que as partes alegaram ou não e a prova que apresentaram ou deixaram de apresentar” (fim de citação). Ora, da factualidade apurada resulta que a oponente foi nomeada gerente da devedora originária, juntamente com outro J……………………... Até aqui, daquilo que se trata, no que vem evidenciado, é da gerência de direito e, como é pacífico, da gerência de direito não se retira a de facto. A Fazenda Pública, a quem compete o ónus da prova quanto ao exercício efetivo da gerência, não avança com um circunstancialismo fático que aponte no sentido do concreto exercício da gerência de facto, por parte da M……………………... Não o fez no procedimento de reversão; não o fez em Tribunal, já que da sentença não resulta, em sede de julgamento da matéria de facto, qualquer elemento factual que vá nesse sentido. Fazendo uso do que se escreveu no acórdão deste TCA, de 21/05/15, no processo nº 8445/15, aí se diz sobre a responsabilidade subsidiária o seguinte: “(…) Mas que responsabilidade é esta. Segundo a opinião que defendemos, a responsabilidade do gerente pela violação das normas que impõem o cumprimento da obrigação fiscal radica no instituto da responsabilidade por facto ilícito assente em culpa funcional, isto é, em responsabilidade civil extracontratual (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 9/12/2004, rec.28/04, in Revista Fiscal, Vida Económica, Fevereiro, 2006, pág.28; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13). O estatuto do gerente/administrador advém-lhe por virtude da sua relação negocial com a sociedade, iniciada com a sua nomeação para o exercício do cargo de gerente e consequente aceitação do mesmo, em virtude do que assume uma situação de garante das dívidas sociais, embora com direito à prévia excussão dos bens da empresa (cfr.artº.146, do C.P.C.Impostos; artº.239, nº.2, do C.P.Tributário; artº.153, nº.2, do C.P.P. Tributário). A lei não define, precisamente, em que é que se consubstanciam os poderes de gerência, mas, em face do preceituado nos artºs.259 e 260, do Código das Sociedades Comerciais, parece dever entender-se que serão típicos actos de gerência aqueles que se consubstanciam na representação da sociedade perante terceiros e aqueles através dos quais a sociedade fique juridicamente vinculada e que estejam de acordo com o objecto social (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 3/5/1989, rec.10492;ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.465 e seg.). É no artº.64, do C. S. Comerciais, que se encontra consagrado o dever de diligência dos administradores/gerentes de sociedade, nos termos do qual estes devem actuar com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, no interesse da sociedade, tendo em conta os interesses dos sócios e dos trabalhadores. A gerência é, por força da lei e salvo casos excepcionais, o órgão da sociedade criado para lhe permitir actuar no comércio jurídico, criando, modificando, extinguindo, relações jurídicas com outros sujeitos de direito. Estes poderes não são restritos a alguma espécie de relações jurídicas; compreendem tantas quantas abranja a capacidade da sociedade (cfr.objecto social), com a simples excepção dos casos em que as deliberações dos sócios produzam efeitos externos (cfr.artºs.260, nº.1, e 409, nº.1, do C.S.Comerciais). O gerente/ administrador goza de poderes representativos e de poderes administrativos face à sociedade. A distinção entre ambos radica no seguinte: se o acto em causa respeita às relações internas entre a sociedade e quem a administra, situamo-nos no campo dos poderes administrativos do gerente. Pelo contrário, se o acto respeita às relações da sociedade com terceiros, estamos no campo dos poderes representativos. Por outras palavras, se o acto em causa tem apenas eficácia interna, estamos perante poderes de administração ou gestão. Se o acto tem eficácia sobre terceiros, verifica-se o exercício de poderes de representação (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13; Raúl Ventura, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Sociedades por Quotas, III, Almedina, 1991, pág.128 e seg.; Rui Rangel, A vinculação das sociedades anónimas, Edições Cosmos, Lisboa, 1998, pág.27 e seg.)”. Não percamos de vista, como deixámos aflorado, que a chamada gerência de facto de uma sociedade comercial consistirá no efetivo exercício das funções que lhe são inerentes e que passam, nomeadamente, pelas relações com os fornecedores, com os clientes, com as instituições de crédito e com os trabalhadores, tudo em nome, no interesse e em representação dessa sociedade. Para que se verifique a gerência de facto é indispensável que o gerente use, efetivamente, dos respetivos poderes, que seja um órgão atuante da sociedade, administrando e representando a empresa, realizando negócios e exteriorizando a vontade social perante terceiros - nestes termos, Rúben Anjos de Carvalho, Francisco Rodrigues Pardal, Código de Processo das Contribuições e Impostos, Anotado e Comentado, 2ª Edição, Coimbra, 1969, pág. 139 - citado, entre outros, nos acórdãos do TCAN de 18/11/2010 e 20/12/2011, Processos 00286/07 e 00639/04, respetivamente; vide, também, o acórdão do TCA Norte, de 27/03/14, processo nº 808/11.1BEPNF que aqui seguimos de perto. E, no caso, da avaliação que fazemos do probatório, e na linha seguida na sentença, concluímos que a factualidade trazida aos autos não apenas não é demonstrativa do real e efetivo exercício da gerência por parte da revertida, como, contrariamente, vai no sentido oposto, isto é, do não exercício da gerência por banda da Recorrida, M…………... A este propósito, devemos lembrar que a Executada desde o primeiro momento nega tal exercício, como se retira da leitura da p.i. A Oponente sempre afirmou que nunca exerceu funções de gestora da sociedade devedora originária, tendo sido sempre técnica oficial de contas, sendo que o exercício das funções de gestão de facto cabia ao seu, então, marido, J …………………... Da análise do probatório, o que podemos afirmar, com a sentença, é que “da prova produzida decorreu que a oponente nunca foi gestora de facto da devedora originária, tendo sempre e apenas desempenhado as suas funções de técnica oficial de contas. Resultou ainda provado que as decisões relativas à devedora originária cabiam a J ……………………….., que surgia perante todos como o dono da sociedade devedora originária e a quem cabia as decisões relativas ao destino dessa sociedade (contratações, pagamentos, contactos com clientes)”. De resto, esta falta de evidência da gerência por banda da Recorrida compatibiliza-se com a sua alegação no sentido de a gerência de direito ter sido assumida unicamente por ser casada com o único gerente de facto e de direito (seu marido), nunca tendo a mesma participado da atividade da empresa. Isto mesmo, aliás, se retira das asserções atribuídas ao depoimento das testemunhas ouvidas que não associam a Recorrida à gestão da sociedade devedora originária. Como a probatório mostra, a Recorrida, que era contabilista, durante o período das dívidas em causa exercia a sua profissão em gabinete próprio, o que faz perceber o seu afastamento relativamente à condução dos destinos da sociedade-devedora. Analisado o conjunto da prova produzida, considerando o circunstancialismo que resultou demonstrado e na linha daquilo que foi decidido em 1ª instância, entendemos que ficou por provar uma realidade suscetível de evidenciar o exercício efetivo dos poderes de gestão por parte da Recorrida, sendo que, como acima dissemos, era à Fazenda Pública que competia a prova de tal exercício. Não é demais lembrar que o exercício efetivo da gerência é facto constitutivo de um pressuposto da responsabilidade subsidiária que se pretende efetivar através da reversão e a lei não estabelece, nesse domínio, qualquer presunção que inverta o ónus da prova. No caso, e não obstante a Fazenda Pública não ter demonstrado de forma cabal o exercício da gerência por parte da Recorrida, a verdade é que a prova produzida, designadamente a testemunhal, corrobora a alegação da Oponente, no sentido de que, apesar de ter figurado como gerente de direito da sociedade, jamais assumiu a gestão da mesma. Deste modo, não tendo a Fazenda Pública provado que a executada, revertida, exerceu de facto a gerência da devedora originária, praticando os atos próprios e típicos da gerência, não pode a mesma ser responsabilizada, a título subsidiário, pelo pagamento das dívidas exequendas ao abrigo do artigo 24º da LGT. Assim sendo, conforme decidido, é parte ilegítima na execução fiscal – artigo 204º, nº1, alínea a) do CPPT. A procedência de tal fundamento deixa naturalmente prejudicada a necessidade de averiguar da prova da falta de culpa da revertida, nos termos contemplados na alínea a) do nº1 do artigo 24º da LGT. Face a tudo o que vem dito, conclui-se que a sentença, ao decidir como decidiu, não pode deixar de se manter. Improcedem, assim, as conclusões da alegação de recurso e, nessa medida, há que negar provimento ao mesmo. * III - DECISÃO Termos em que, acordam os juízes da Subsecção de execução fiscal e de recursos contraordenacionais, da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso. Custas pela Recorrente. Registe e notifique. Lisboa, 16/10/23 (Catarina Almeida e Sousa) (Lurdes Toscano) (Isabel Fernandes) |