Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:751/17.0BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:04/03/2025
Relator:CRISTINA COELHO DA SILVA
Descritores:IMT – ISENÇÃO – CADUCIDADE DIREITO LIQUIDAÇÃO
Sumário:I. O benefício fiscal previsto no art.º 20.º do Regime Jurídico da Utilidade Turística referente ao IMT, à data dos factos, possui natureza automática e não dependente de reconhecimento.

II. Consequentemente, os atos materiais praticados pela AT, decorrentes de declarações dos contribuintes, não revestem a natureza que qualquer ato de reconhecimento por parte daquela.

III. Deste modo, o ato de liquidação emitido pela AT ao não constituir a revogação de qualquer ato antecedente, está sujeito ao prazo de caducidade do direito à liquidação previsto no artigo 35º do CIMT, ou seja, oito anos, e conta-se deste a ocorrência do facto tributário.

Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
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Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul



I – RELATÓRIO

J......., com demais sinais nos autos, deduziu impugnação judicial, contra o acto de liquidação de Imposto Municipal sobre a Transmissão de Imóveis (IMT) e Imposto de Selo (IS), relativo à aquisição da fração autónoma designada pela letra “V”, do prédio urbano sito no Caminho do L......., na freguesia do Vau e concelho de Óbidos, inscrito na respectiva matriz predial, sob o artigo n.º 3…., no valor a pagar de € 21.255,00

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O Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, por decisão de 27 de Novembro de 2019, julgou improcedente a impugnação.



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Inconformada com a decisão, a Recorrente, interpôs recurso da mesma tendo formulado as seguintes conclusões:
“CONCLUSÕES:
A) No que respeita à extinção dos benefícios fiscais, dispõe o artigo 14.º do EBF: a extinção dos benefícios fiscais tem por consequência a reposição automática da tributação-regra (n.º1). O nº4 do mesmo preceito legal, por seu turno, prescreve que o “acto administrativo que conceda um benefício fiscal não é revogável, nem pode rescindir-se o respectivo acordo de concessão, ou ainda diminuir-se, por acto unilateral da administração tributária, os direitos adquiridos, salvo se houver inobservância imputável ao beneficiário das obrigações impostas, ou se o beneficiário tiver sido indevidamente concedido, caso em que aquele acto pode ser revogado;
Não houve, nem foi invocado qualquer inobservância de obrigações impostas ao SP.
Nos termos do Regime Jurídico dos Empreendimentos Turísticos acima citado, bem como da lei 423/83, não pode o recorrente explorar a sua unidade de alojamento tendo que ceder essa actividade à BSAHT (entidade exploradora, que a explora e promove turisticamente), mantendo a actividade económica, pagando os seus impostos e segurança social pelo exercício desta actividade. Não foi a casa/unidade de alojamento desafecta à actividade de exploração turística, pelo que, e nos termos do despacho da Secretaria de Estado do Turismo acima transcrita e normativos legais aplicáveis, também por esta razão não podem ser cancelados os benefícios fiscais.
B) Embora os artigos 79.º do CPPT e o artigo 140.º do CPA consagrem a livre revogabilidade dos actos tributários, resulta expressamente desta última disposição legal que a administração pública (e, como demonstrámos supra, também a administração fiscal) não poderá proceder à revogação de actos constitutivos de direitos. Dúvidas não subsistem quanto à qualificação do acto administrativo que reconhece o benefício fiscal como acto constitutivo de direitos.
C) Desta forma, o benefício fiscal seria sempre irrevogável por acto unilateral da administração, dado o seu carácter de acto constitutivo de direitos. Caso se considerasse que o acto de reconhecimento de benefício fiscal é inválido por não se verificarem os pressupostos da sua atribuição (por se tratar in casu de “exploração” e “não de instalação”, à luz da jurisprudência do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência de 2013 – o que para efeitos argumentativos se concede), a administração tributária estaria, sempre e igualmente, impedida de proceder à revogação de tal benefício.
D) Eis a razão: o artigo 141.º, n.º 1, do CPA de 1992 dispõe que “os actos administrativos que sejam inválidos só podem ser revogados com fundamento na sua invalidade e dentro do prazo do respectivo recurso contencioso ou até à resposta da entidade recorrida”. Tal prazo corresponde ao prazo de um ano, nos termos do CPTA, como reconhecia unanimemente a doutrina.
E) Donde, a liquidação de IMT in casu é ilegal, por se traduzir em revogação de benefício fiscal, o qual já se havia consolidado na ordem jurídica portuguesa, sendo insusceptível de cessar a sua eficácia por acto unilateral da administração (formouse, pois, caso decidido administrativo-tributário).
F) No caso específico do benefício fiscal previsto no artigo 20.º do Decreto-Lei 423/83, trata-se de uma isenção fiscal e não de uma exclusão tributária.
G) Atendendo ao caso sub judice, e concretamente à matéria de facto fixada na sentença ora recorrida, consta que na escritura pública de aquisição de imóvel para promoção de actividade turística ficou exarado que, em arquivo, ficaram três declarações emitidas pela Direcção-Geral de Impostos em 31.01.2012, relativas a IMT de 0,00 € em virtude da verificação de benefício 33 – Utilidade Turística.
H) Daqui decorre, sem qualquer margem para dúvidas, que a obrigação de IMT foi liquidada! Esta “liquidação a zero” significa o reconhecimento pela AT da verificação dos pressupostos de facto e de direito que permitem ao Sujeito Passivo beneficiar da isenção fiscal em causa.
I) Reiteramos: a “liquidação a zero” traduz a fase derradeira do exercício da liberdade de avaliação e probatória da administração, reconhecendo que a situação do Sujeito Passivo preenche os pressupostos legais de atribuição do benefício fiscal do artigo 20.º do Decreto-Lei 423/83.
J) Tem, pois, a natureza de acto administrativo, aplicando-se, quanto à sua revogação, o regime previsto no CPA, em virtude da não consagração de regra especial no Estatuto dos Benefícios Fiscais.
L) Interpretação diversa seria, aliás, inconstitucional, por violação do princípio da igualdade plasmado no artigo 13.º º da Lei Fundamental da República Portuguesa.
M) Quanto à revogação dos actos administrativos que concedem benefícios fiscais prevê o n.º 4 do EBF o princípio da sua irrevogabilidade, estabelecendo que é proibida a revogação do acto administrativo que concede um benefício fiscal, bem como a rescisão unilateral do respectivo acordo de concessão, ou ainda a diminuição, por acto unilateral da administração fiscal, dos direitos adquiridos.
N) Este princípio que comporta duas excepções (…) e no caso de o beneficiário ter sido concedido indevidamente, ou seja, no caso de o acto administrativo de concessão ser ilegal, hipótese em que o mesmo poderá ser revogado dentro do prazo legal. Prazo que, nos termos do artigo 141.º do CPA, é o prazo do recurso contencioso que terminar em último lugar, ou seja, segundo o artigo 58.º, n.º 2, al.a) do CPTA, o prazo de um ano previsto para o MP se o recurso não for interposto, e até à resposta da entidade recorrida se o recurso for interposto”.
O) No que respeita, a benefícios fiscais de reconhecimento automático, o acto de atribuição de benefício fiscal e o acto de liquidação correspondem à mesma realidade jurídica: há apenas um acto de liquidação que concretiza o benefício fiscal (a chamada “liquidação a zero”).
P) Donde concluímos que o acto de revogação é ilegal, por vício de violação de lei, afectando, por conseguinte, a validade da liquidação de IMT ora em crise. A atribuição já não poderia ser afectada por decisão unilateral da administração tributária.
Q) Note-se, ainda, que a questão da qualificação como revogação/cancelamento in casu da AT nem sequer é uma questão controvertida. A própria Juíza do Tribunal ad quo escreve na sentença que "(...) a liquidação em causa configura por isso numa liquidação oficiosa, que resultou do facto de não ter sido liquidado imposto aquando da celebração do contrato de compra e venda(...) e “ para controlo da verificação dos pressupostos dos benefícios fiscais (...) concluindo como concluiu (a AT) pela inexistência dos pressupostos legais de que a mesma dependia procedesse, como procedeu à liquidação do imposto devido pelas transacções(...)"
R) No entanto, a venerável Juíza de Direito do Tribunal Administrativo do Círculo de Leiria, não obstante basear o seu veredicto na decisão revogatória da AT, não identifica qual é esse acto, nem afere a validade da revogação, nem que, advogando que se trata de uma primeira liquidação e que houve alteração dos pressupostos (no contexto dos empreendimentos turísticos e legislação de utilidade turística), não fundamenta, identificando quais foram os pressupostos que foram alterados e que justificam a revogação/cancelamento da isenção por parte da AT, nem é efectuada a sua contextualização de Direito;
S) Consequentemente, o Tribunal, aplica na sua decisão um acto administrativotributário inválido! A sentença recorrida enferma, destarte, do vício de omissão de pronúncia e de contradição entre os fundamentos invocados e o sentido decisório adoptado.
T) A sentença do tribunal ad quo entende que se trata de primeira liquidação de IMT, e não liquidação adicional – aplicando, por conseguinte, o prazo de caducidade de oito anos. Não podemos subscrever tal entendimento, na medida em que se revela sistematicamente inadmissível e teleologicamente incompreensível. Sistematicamente inadmissível, porquanto entender-se que o acto de liquidação ora em crise é uma liquidação originária significa desconsiderar por completo, ficcionar a inexistência da liquidação de 0,00 € que a própria sentença recorrida admite existir.
U) a própria sentença reconhece, em termos de fixação de matéria de facto, que exarado que, em arquivo, ficaram três declarações emitidas pela Direcção-Geral de Impostos em 24.01.2012, relativas a IMT de 0,00 € em virtude da verificação de benefício 33 – Utilidade Turística. Estas declarações têm valor jurídico de actos de um acto de liquidação que concretiza um benefício fiscal. Por outro lado, não se diga que por se ter liquidado o valor de 0, 00€ não pode ter tal declaração o valor de acto de liquidação de IMT. Tal é, com a devida vénia, uma posição jurídica insustentável: de facto, a qualificação de um acto tributário como um acto de liquidação nada tem que ver com a sua quantificação ou o seu montante apurado.
V) É, ainda, teleologicamente insustentável. Isto porque resulta do artigo 31.º, n.º 2 do CIMT que “quando se verificar que nas liquidações se cometeu erro de facto ou de direito, de que resultou prejuízo para o Estado, bem como nos casos em que haja lugar a avaliação, o chefe do serviço de finanças onde tenha sido efectuada a liquidação ou entregue a declaração para efeitos do disposto no n.º 3 do artigo 19.º, promove a competente liquidação adicional”.
W) Ora, a razão que a AT invoca para cessação do benefício fiscal é a alteração da interpretação feita ao artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83 em virtude do Acórdão de Uniformização de jurisprudência proferido em 2013 pelo Supremo Tribunal Administrativo. Não se tratou, pois, de um facto imputável ao Sujeito Passivo que determinou a extinção do benefício fiscal: foi uma interpretação jurídica controvertida e seguida então pela AT que gerou o benefício fiscal em sede de IMT a favor da recorrente.
X) Ora, tratando-se de erro de direito só podemos qualificar o acto de liquidação de IMT ora em crise como um acto de liquidação adicional, pois, estamos perante um benefício fiscal de aplicação automática, que resulta directa e imediatamente da lei, pois a Administração Tributária veio a aferir da verificação dos pressupostos daquele benefício com base no qual foi liquidado inicialmente os impostos (IMT e IS), concluindo pela sua não verificação e emitindo liquidações adicionais , pelo que, estamos no âmbito de um procedimento de liquidação de imposto (art. 59.º, n.º 1 do CPPT), e não perante um procedimento de reconhecimento de benefícios fiscais (art. 65.º do CPPT).
Y) A AT nem invoca, na liquidação adicional de IMT, o nº 2 do artigo 31º do CIMT, única disposição que poderia justificar, após a emissão do DUC à taxa zero, que teria ocorrido “erro de facto e de direito” na liquidação, o que é contraditório com os factos aqui em causa:
i-Emissão do DUC à taxa zero (pressupondo uma liquidação com reconhecimento de isenção fiscal) face ao pedido do contribuinte;
ii-Exigência dos juros compensatórios por algo para que o contribuinte apenas contribuiu com o pedido de concessão da isenção que lhe foi conferida”.
Ora, se a alteração de interpretação jurídica de uma norma em sentido diverso daquele que era acolhido pela AT e grande parte da comunidade jurídica não consubstancia um “erro de direito” para efeitos de liquidação adicional, então nenhuma outra circunstância o poderá ser. As interpretações normativas feitas pela AT, oficiosamente ou em virtude dos tribunais, poderiam mudar (e sucessivamente), com um prazo lato para a revisão do acto tributário, em prejuízo dos direitos do Sujeito Passivo.
Z) O Tribunal ad quo limitou-se a acolher a argumentação da AT, repetindo que o SP não carreou novos factos para o processo: tal, no entanto, revela-se incorrecto, na medida em que o SP invocou excepções peremptórias que obstariam à tributação exigida pela administração fiscal. Tais excepções são “novos factos jurídicos” – novos factos não podem ser apenas novos factos materiais ou físicos, sob pena de procedermos a uma interpretação da função e teleologia do direito à audiência prévia manifestamente inconstitucional. A fundamentação do acto de indeferimento do alegado em sede de audiência prévia terá de ser clara, congruente e suficiente, mostrando, inequivocamente, as razões lógicas e jurídicas da decisão administrativa. Ora, a insuficiência da fundamentação, in casu, do acto de indeferimento dos argumentos invocados pelo Sujeito Passivo gera a nulidade do acto, o qual se repercute na validade do acto de liquidação final. Isto porque o desconhecimento das razões de tal indeferimento prejudicam o direito de impugnação jurisdicional, dificultando-o, do acto de liquidação, logo, tal vício só pode gerar a nulidade (vide, neste sentido, falando da violação do direito a um procedimento equitativo, PAULO OTERO, Direito do Procedimento Administrativo, Almedina, p. 580).
Termos em que, nos melhores de Direito e com o sempre mui Douto suprimento de V.Exa., deve ser concedido provimento ao presente recurso revogando-se a decisão recorrida com os termos, fundamentos e conclusões supra expostas fazendo-se assim,
Justiça!”

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A Impugnante, devidamente notificada, não apresentou contra-alegações.

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O Exmo. Procurador-Geral Adjunto do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo, devidamente notificado para o efeito, ofereceu aos autos o seu parecer pugnando pela improcedência do presente recurso.

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Colheram-se os vistos dos Juízes Desembargadores adjuntos.

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DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, em consonância com o disposto no art. 635º do CPC e art. 282º do CPPT, são as conclusões apresentadas pelo recorrente nas suas alegações de recurso, a partir da respetiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objeto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer, ficando, deste modo, delimitado o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem.


No caso que aqui nos ocupa, as questões a decidir consistem em saber se:
a) A sentença é nula, por omissão de pronúncia e contradição entre os fundamentos e a decisão?
b) O Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de facto e de Direito, porquanto houve reconhecimento de benefício que foi revogado já depois de decorrido um ano, através da emissão das liquidações?
c) Saber se a decisão recorrida enferma de erro de julgamento de facto e de Direito por já se encontrava caducado o direito à liquidação?
d) As liquidações em crise atentam contra o princípio da Igualdade por não aplicar o regime contido no artigo 141º do CPA?
e) Saber se o Tribunal a quo erro no julgamento de facto e de Direito no que respeita à preterição da audiência prévia.

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II – FUNDAMENTAÇÃO
- De facto
A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:
“Com relevância para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes
1. Por despacho exarado pelo Secretário de Estado do Turismo, em 30 de Abril de 2008, publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º 110, de 09 de Junho de 2008, sob o n.º 15830/2008, foi determinado que “
“(Texto integral no original; imagem)”

(…)” (cfr. despacho, de fls. 64 dos autos, cujo teor se dá por integrlamnet reproduzido);
2. No dia 24 de Janeiro de 2012, os serviços da administração tributária emitiram o DUC n.º 160512001639803, em nome do Impugnante, com referência ao IMT devido pela aquisição do prédio urbano inscrito na matriz da freguesia de Vau e concelho de Óbidos, sob o artigo P3786, fracção “V”, no valor de € 0,00 (cfr. documento, de fls. 04 do processo administrativo tributário, em apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
3. No documento identificado no ponto antecedente consta, designadamente, que “(…)
“(Texto integral no original; imagem)”

4. No dia 31 de Janeiro de 2012, perante o Notário P......., compareceram A......., na qualidade de procuradora do Fundo de Investimento Imobiliário Fechado Bom Sucesso I, e o Impugnante, casado com M......., no regime espanhol equivalente ao regime português de separação de bens, os quais celebraram, entre si, um contrato de compra e venda, em que a primeira vendeu ao segundo a fracção autónoma, designada pela letra “V”, correspondente à unidade de alojamento n.º 287.22, do prédio urbano, denominado por “Lote ….. – Quinta da Nossa Senhora do Bom Sucesso”, sito no Caminho do Lago, n.ºs … a…., na freguesia de Vau e concelho de Óbidos, descrito na Conservatória do Registo Predial de Óbidos, sob o n.º 2…., e inscrito na respectiva matriz, sob o artigo n.º P3…., pelo preço de € 327.000,00 (cfr. escritura de compra e venda, de fls. 54 a 63 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
5. No contrato identificado no ponto antecedente ficou estipulado, designadamente, que “(…)
“(Texto integral no original; imagem)”


(…)” (cfr. ofício, de fls. 72 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
7. No dia 11 de Junho de 2015, deu entrada, no Serviço de Finanças de Óbidos, a resposta do Impugnante ao ofício descrito no ponto antecedente, onde se pode ler, designadamente, que “(…)

«Texto no original»

“(Texto integral no original; imagem)”
«Texto no original»


(…)” (cfr. informação, de fls. 66 a 71 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
9. Sobre a informação descrita no ponto antecedente recaiu um despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Óbidos, datado de 06 de Fevereiro de 2017, no sentido de:
“(Texto integral no original; imagem)”

12. O ofício e o anexo descritos nos pontos antecedentes foram recebidos, em 08 de Fevereiro de 2017 (cfr. data e assinatura apostas no aviso de recepção, de fls. 13 do processo administrativo tributário, em apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
13. No dia 08 de Maio de 2017, deu entrada, junto deste Tribunal, a presente impugnação judicial (cfr. data aposta no e-mail, de fls. 01 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

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A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte:
Nada mais foi provado com relevância para a decisão em causa, atentos o pedido e a causa de pedir.
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A decisão recorrida sustentou a matéria de facto do seguinte modo:
Motivação da decisão de facto
A convicção do Tribunal sobre a matéria de facto dada como provada efectuou-se com base no exame dos documentos juntos aos autos e ao processo administrativo tributário, em apenso, tudo conforme foi especificado propósito de cada um dos pontos do probatório, sendo certo que nenhum dos referidos documentos foi objecto de impugnação por qualquer uma das partes, nos termos do art. 115.º, n.º 4, do CPPT e dos arts. 444.º e 446.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi do art. 2.º, al. e), do CPPT.”

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III . Do Direito

No presente salvatério argui a Recorrente que a decisão recorrida padece de nulidade por omissão de pronúncia em virtude de não se ter pronunciado quanto à validade do ato revogatório do benefício fiscal, sendo ainda certo que nem sequer identifica o aludido ato, nem afere a validade da revogação e que, advogando tratar-se de uma primeira liquidação e que houve alteração dos pressupostos, não fundamenta, identificando quais foram os pressupostos que foram alterados e que justificam a revogação/cancelamento da isenção por parte da AT, nem é efetuada a sua contextualização de Direito.
Advoga, ainda, que há contradição entre a fundamentação e a decisão defendendo que a sentença fundamenta a liquidação no facto de não se verificarem os pressupostos de que depende o reconhecimento do benefício fiscal (admitindo-se a existência do ato de reconhecimento) e, mais à frente, fundamenta a sua decisão com o facto de ter inexistido um ato administrativo em matéria tributária.
Comecemos por apreciar a questão a nulidade por omissão de pronúncia.
Nos termos do art.º 125.º, n.º 1, do CPPT, há omissão de pronúncia, que consubstancia nulidade da sentença, quando haja falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar [cfr. igualmente o art.º 615.º, n.º 1, al. d), do CPC].
As questões de que o juiz deve conhecer são as alegadas pelas partes e as que sejam de conhecimento oficioso.
As causas de nulidade da sentença encontram-se taxativamente enumeradas no aludido preceito que, aliás, constitui uma norma paralela ao artigo 615º do CPC, nelas não se incluindo o erro de julgamento, seja ele de facto ou de Direito (neste sentido, entre muitos outros, o acórdão STJ, de 9.4.2019, Procº nº 4148/16.1T8BRG.G1.S1., in www.dgsi.pt). Deste modo, podemos afirmar que as nulidades das sentenças mais não são do que vícios formais decorrentes de erro de atividade ou de procedimento (error in procedendo) respeitante à disciplina legal. Estamos perante vícios de formação ou atividade que afetam a regularidade do silogismo judiciário da própria decisão e que se mostram obstativos de qualquer pronunciamento de mérito. Já, pelo contrário, o erro de julgamento (error in judicando) que resulta duma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error júris), de forma que o decidido esteja em desconformidade com a lei.
Ensinava o Prof. José Alberto Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 1981, Vol. V, págs. 124, 125, embora a propósito dum compêndio distinto, mas completamente aplicável ao artigo 125º do CPPT, que o magistrado comete erro de juízo ou de julgamento quando decide mal a questão que lhe é submetida, ou porque interpreta e aplica erradamente a lei, ou porque aprecia erradamente os factos. Já quando na elaboração da sentença, infringe as regras que disciplinam o exercício do seu poder jurisdicional comete um erro de atividade. Os erros da primeira categoria são de carácter substancial: afetam o fundo ou o efeito da decisão; os segundos são de carácter formal: respeitam à forma ou ao modo como o juiz exerceu a sua atividade.
Podemos, deste modo, afirmar que as causas de nulidade da decisão elencadas no artigo 125º do CPPT visam o erro na construção do silogismo judiciário, nunca estando subjacente às mesmas quaisquer razões de fundo, essas sim, que conduziriam a erro de julgamento.
Concluindo, o erro de julgamento, a injustiça da decisão e a não conformidade da mesma com o direito aplicável, não constituem nulidades da sentença, mas sim erros de julgamento (neste sentido podemos ver Antunes Varela, in Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª edição, 1985, pág. 686).
Em consequência, as nulidades das sentenças ditam a sua anulação, já as suas ilegalidades conduzem à revogação das mesmas (ex vi acórdão STJ de 17/10/2017, tirado no procº nº 1204/12.9TVLSB.L1.S1.).
Dito isto, baixemos, agora, ao caso sub judice.
Compulsada a petição inicial, verifica-se que, para além da alegação em torno da revogação ilegal do ato constitutivo de direitos a benefícios fiscais, é alegada a invalidade do ato revogatório do benefício fiscal, concretamente nos artigos 36º e segs do libelo inicial.
Perscrutando a sentença recorrida, verifica-se que esta conhece da questão suscitada, não como pretende a Recorrente, mas porque entende que a situação concreta não teve subjacente um ato inicial de reconhecimento do benefício fiscal e, nessa medida, não foi proferido nenhum ato de revogação do benefício.
O Tribunal a quo ancorou a sua decisão argumentando o seguinte:
A primeira questão que cumpre a este Tribunal decidir consiste em saber se se o Impugnante tem direito ao benefício fiscal em causa nos presentes autos.
Relativamente a esta questão, o Impugnante alegou que a administração tributária reconheceu a isenção de IMT relativa à aquisição da fracção, uma vez que a mesma está integrada num empreendimento turístico, ao qual foi atribuída utilidade turística.
Em sede de alegações finais, acrescentou que um empreendimento turístico só se instala com a aquisição de casas para afectação à exploração turística, actividade que exerce.
Mais, sustentou que o Fundo foi o promotor do empreendimento, na medida em que desenvolveu todos os projectos e os submeteu a aprovação, tendo obtido a classificação de utilidade turística e o alvará de utilização para o funcionamento do empreendimento, pelo que tendo adquirido o imóvel ao Fundo não é um terceiro adquirente.
Por seu turno, a Fazenda Pública mencionou que os benefícios fiscais previstos para a construção e instalação de empreendimentos turísticos não são aplicáveis aos consumidores finais que adquiriram os apartamentos ou os alojamentos integrados nesses empreendimentos, pelo que o Impugnante não tinha direito à isenção.
Cumpre, por isso, apreciar e decidir.
(…)
Em suma, é sabido que o Decreto-Lei n.º 423/83, de 05.12, foi aprovado com objectivo de desenvolver o sector turístico, enquanto sector estratégico da economia portuguesa.
Neste contexto, o art. 20.º, n.º 1, do referido diploma, estabelece uma isenção de IMT em dois tipos de operações económicas, a saber:
- A aquisição de prédios ou de fracções autónomas destinados à instalação de empreendimentos qualificados de utilidade turística, ainda que tal qualificação seja atribuída a título prévio, desde que a mesma se mantenha válida e seja observado o prazo fixado para a abertura ao público do empreendimento; e,
- A transmissão de empreendimentos qualificados de utilidade turística a favor da empresa exploradora, no caso de a proprietária ser uma sociedade de locação financeira e a transmissão se operar ao abrigo e nos termos do contrato de locação financeira que determinou a aquisição do empreendimento pela sociedade transmitente. (…)
Por conseguinte, a aquisição de unidades de alojamento que integram um empreendimento de utilidade turística já instalado por parte de um consumidor final não beneficia da isenção prevista na disposição legal supramencionada, ainda que esteja afecta à actividade de exploração turística levada a cabo por outra entidade.
(…)
Vejamos então o que sucede no caso dos presentes autos.
In casu, da análise do elenco dos factos provados decorre que, por despacho exarado pelo Secretário de Estado do Turismo, em 30 de Abril de 2008, publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º 110, de 09 de Junho de 2008, sob o n.º 15830/2008, foi atribuída utilidade turística, a título prévio, ao Aldeamento Turístico do Bom Sucesso Lagoa Golf, de cinco estrelas, sito no concelho de Óbidos, mediante requerimento da sociedade A......., SA (cfr. ponto n.º 1 do probatório).
Resulta, igualmente, dos autos que, no dia 24 de Janeiro de 2012, os serviços da administração tributária emitiram o DUC n.º 160512001639803, em nome do Impugnante, de onde se extrai que o mesmo ficou isento de IMT pela aquisição da fracção autónoma, designada pela letra “V”, do prédio urbano sito no Caminho do Lago, n.º 12, na freguesia de Vau e concelho de Óbidos, inscrito na respectiva matriz, sob o artigo n.º P3…., por ter sido indicado que essa aquisição estava abrangida pelo benefício de utilidade turística, ao abrigo do disposto no art. 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 05.12 (cfr. pontos n.ºs 2 e 3 do probatório).
Mais, deriva dos autos que, no dia 31 de Janeiro de 2012, o Impugnante comprou ao Fundo de Investimento Imobiliário Fechado Bom Sucesso I o referido imóvel, pelo preço de € 327.000,00, sendo certo que o mesmo corresponde à unidade de alojamento n.º 287.22, o qual faz parte integrante do Aldeamento Turístico do Bom Sucesso Lagoa Golf, de cinco estrelas (cfr. pontos n.ºs 4 e 5 do probatório).
Para terminar, verifica-se que, no contrato de compra e venda desse imóvel, o Impugnante cedeu o mesmo à sociedade B..... – A......., SA, com vista à respectiva exploração turística por parte desta entidade no âmbito do aldeamento já identificado (cfr. pontos n.ºs 4 e 5 do probatório).
Ora, atenta esta sucessão de factos, não se pode dizer que o Impugnante tenha conseguido demonstrar que reúne os requisitos legais para poder beneficiar da isenção de IMT, prevista no art. 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 05.12, bem pelo contrário (cfr. pontos n.ºs 1 a 5 do probatório).
Desde logo, porque o promotor do Aldeamento Turístico do Bom Sucesso Lagoa Golf, de cinco estrelas, não foi o Impugnante, mas sim a sociedade A......., SA, na medida em que foi esta sociedade que requereu a atribuição de utilidade turística a esse empreendimento (cfr. ponto n.º 1 do probatório).
Depois, porque o empreendimento supramencionado já se encontrava instalado aquando da aquisição da fracção autónoma por parte do Impugnante, em 31 de Janeiro de 32 2012 (cfr. pontos n.ºs 4 e 5 do probatório).
Por fim, porque a citada fracção é explorada no âmbito da actividade turística desenvolvida pela sociedade B..... – A......., SA e não pelo Impugnante (cfr. pontos n.ºs 4 e 5 do probatório).
Deste modo, conclui-se que o Impugnante não tem direito ao benefício fiscal de isenção de IMT, previsto no art. 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 05.12, diferentemente do que foi considerado no DUC n.º 160512001639803, de 24 de Janeiro de 2012 (cfr. pontos n.ºs 1 a 5 do probatório).
Termos em que não assiste razão ao Impugnante quanto à primeira questão colocada nos presentes autos.
(…)
A segunda questão que cumpre a este Tribunal decidir consiste em saber se a isenção fiscal em causa nos presentes autos é susceptível de ser cancelada pela administração tributária.
Sobre esta questão, o Impugnante indicou que a administração tributária não esclarece qual o desvalor que afecta o acto que concedeu o benefício fiscal, mas que atendendo às razões avançadas pela administração tributária para justificar a sua ilegalidade, o prazo para a respectiva revogação é de um ano após a sua prática, sendo que esse prazo foi ultrapassado.
Por sua vez, a Fazenda Pública alegou que a liquidação de IMT notificada ao Impugnante é a primeira liquidação, uma vez que o DUC emitido, em 27 de Dezembro de 2010, não contém nenhuma liquidação, mas sim uma isenção total, sendo certo que o facto desse documento conter a palavra “liquidação” não o torna, por si só, uma liquidação, já que não existe qualquer operação aritmética de aplicação de uma taxa à matéria colectável. Mais, defendeu que a isenção não foi reconhecida por qualquer despacho da administração tributária, mas, no limite, pelo Notário que efectuou a escritura de compra e venda.
Cumpre, por isso, apreciar e decidir. (…)
Ou seja, a isenção de IMT, relativa à aquisição de prédios ou fracções autónomas destinados à instalação ou exploração de um empreendimento turístico, prevista no art. 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 05.12, é uma isenção de carácter automático, na medida em que resulta directa e imediatamente da lei, não carecendo assim de qualquer acto de reconhecimento por parte da administração tributária, em conformidade com o disposto no art. 5.º, n.ºs 1 e 2, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF). Por conseguinte, não sendo necessária a prática de qualquer acto de reconhecimento por parte da administração tributária para que o sujeito passivo de imposto beneficie da referida isenção, também não é de aplicar o instituto da anulação ou revogação dos actos administrativos, constante dos arts. 165.º a 172.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA), com vista ao afastamento dessa isenção e da consequente aplicação do regime-regra de tributação.”
Ora, como decorre do excerto da decisão transcrito, o Tribunal a quo, concluindo que não há nenhum ato a reconhecer a isenção em causa, a qual é atribuída automaticamente, não tem qualquer aplicabilidade ao caso o regime da revogabilidade dos atos previsto no EBF e no CPA, sendo aplicável, ao invés, os poderes de correção atribuídos à AT para verificação e controlo dos pressupostos dos benefícios fiscais.
Significa isto que a decisão recorrida não teria de identificar qualquer ato revogatório e muito menos aferir da validade duma revogação que nunca existiu. Acresce ainda que nenhuma pronúncia teria de efetuar sobre qualquer alteração dos pressupostos da isenção, pois o que esteou a decisão recorrida não foi qualquer alteração dos pressupostos, mas a circunstância de a fração autónoma que está na origem do presente dissidio nunca ter reunido, ab initio, os pressupostos legais da isenção, donde a decisão sob escrutínio não necessitava de se pronunciar sobre uma putativa alteração de pressupostos.
Consequentemente, não ocorre qualquer omissão de pronúncia por parte do Tribunal a quo, pelo que improcedente terá de ser o recurso nesta parte.
Passemos, agora, à análise da nulidade da decisão recorrida por contradição entre a fundamentação e a decisão.
Neste sentido, como já verificámos acima, advoga a apelante que a contradição decorre da circunstância de a sentença sustentar a validade liquidação no facto de não se verificarem os pressupostos de que depende o reconhecimento do benefício fiscal (admitindo-se a existência do ato de reconhecimento) e, mais à frente, fundamentar a sua decisão com o facto de ter inexistido um ato administrativo em matéria tributária.
Também aqui a presente apelação está votada ao insucesso.
Senão vejamos.
Para que ocorra nulidade da sentença por contradição entre os seus fundamentos e a decisão, contemplada no artigo 125º do CPPT, paralela, aliás ao artigo 615º, nº 1, al. c), do CPC, pressupõe um erro de raciocínio lógico decorrente da circunstância de a decisão proferida ser contrária à que seria imposta pelos fundamentos de facto ou de Direito em que o Tribunal se ancorou. Como menciona o Supremo Tribunal de Justiça, no seu Aresto de 14/04/2021, tirado no processo nº 3167/17.5T8LSB.L1.S1 “a contradição geradora de nulidade ocorre quando os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto ou, pelo menos, de sentido diferente. Consiste tal nulidade na contradição entre os fundamentos exarados pelo juiz na fundamentação da decisão e não entre os factos provados e a decisão.”
Ora, analisando a decisão recorrida, verificamos que o Tribunal a quo, depois de afirmar que no momento da aquisição do imóvel nenhum ato de reconhecimento havia sido proferido, uma vez que o benefício fiscal aqui em apreciação possui carácter automático, conclui que não se encontram reunidos os requisitos para a isenção, nunca fazendo referência à necessidade de qualquer ato de reconhecimento.
Na verdade, foi afirmado pelo Tribunal recorrido o seguinte:
Ora, atenta esta sucessão de factos, não se pode dizer que o Impugnante tenha conseguido demonstrar que reúne os requisitos legais para poder beneficiar da isenção de IMT, prevista no art. 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 05.12, bem pelo contrário (cfr. pontos n.ºs 1 a 5 do probatório). Desde logo, porque o promotor do Aldeamento Turístico do Bom Sucesso Lagoa Golf, de cinco estrelas, não foi o Impugnante, mas sim a sociedade A......., SA, na medida em que foi esta sociedade que requereu a atribuição de utilidade turística a esse empreendimento (cfr. ponto n.º 1 do probatório). Depois, porque o empreendimento supramencionado já se encontrava instalado aquando da aquisição da fracção autónoma por parte do Impugnante, em 31 de Janeiro de 2012 (cfr. pontos n.ºs 4 e 5 do probatório).
Por fim, porque a citada fracção é explorada no âmbito da actividade turística desenvolvida pela sociedade B..... – A......., SA e não pelo Impugnante (cfr. pontos n.ºs 4 e 5 do probatório).
Deste modo, conclui-se que o Impugnante não tem direito ao benefício fiscal de isenção de IMT, previsto no art. 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 05.12, diferentemente do que foi considerado no DUC n.º 160512001639803, de 24 de Janeiro de 2012 (cfr. pontos n.ºs 1 a 5 do probatório).
Termos em que não assiste razão ao Impugnante quanto à primeira questão colocada nos presentes autos.
Como é bom de ver, a decisão recorrida não enferma de tal contradição que lhe é assacada pela apelante, pelo que o recurso terá também de improceder nesta parte.
Avançado.
Argui a apelante que a decisão recorrida enferma de erro de julgamento de Direito uma vez que ocorreu uma revogação ilegal dum ato de reconhecimento de benefícios fiscais, bem como que se encontrava caducado o direito à liquidação porquanto nunca seria aqui aplicável o prazo de 8 anos, como se defende na decisão recorrida.
Sobre a questão aqui em dissidio, já se pronunciou este Tribunal Central Administrativo Sul, designadamente nos seus Acórdãos de 19.06.2024, tirado no processo nº 2469/14.7BELRS, e de 27/06/2024, no proc. 72/15.3BELRS, nos quais nos revemos sem reservas, pelo que por forma a obtermos uma interpretação e aplicação uniformes do direito, em obediência ao art. 8º do Código Civil, passamos a transcrever:
“Defendem os Recorrentes que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, porquanto estamos perante situações onde houve uma revogação ilegal de benefícios fiscais reconhecidos pela administração tributária (AT).
In casu, do ponto de vista factual, sublinha-se o seguinte:
a) Foram adquiridos pelos Recorrentes diversos prédios urbanos, integrados no aldeamento turístico ….;
b) Os Impugnantes apresentaram declarações de IMT e IS sobre tais aquisições, todas contendo a menção a benefício fiscal - utilidade turística (Artº 20º do D.L. 423/83);
c) Ulteriormente, foram emitidas liquidações de IS e IMT atinentes a tais aquisições, com fundamento na indevida concessão do benefício previsto no art.º 20.º do DL n.º 423/83, de 05 de dezembro.
Nos termos do art.º 2.º, n.º 1, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF):
“1 - Consideram-se benefícios fiscais as medidas de caráter excecional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem”.
Atento o disposto no art.º 5.º do mesmo diploma, os benefícios fiscais podem ser automáticos ou dependentes de reconhecimento, sendo que os primeiros resultam direta e imediatamente da lei e os segundos pressupõem atos posteriores de reconhecimento.
O DL n.º 423/83, de 05 de dezembro (Regime Jurídico da Utilidade Turística – RJUT) consagrava, à época, um benefício fiscal no seu art.º 20.º, nos seguintes termos (redação dada pelo DL n.º 485/88, de 30 de dezembro):
“1 - São isentas de sisa e do Imposto sobre sucessões e doações, sendo o imposto do selo reduzido a um quinto, as aquisições de prédios ou de frações autónomas com destino à instalação de empreendimentos qualificados de utilidade turística, ainda que tal qualificação seja atribuída a título prévio, desde que esta se mantenha válida e seja observado o prazo fixado para a abertura ao público do empreendimento.
2 - A isenção e a redução estabelecidas no número anterior verificar-se-ão também na transmissão a favor da empresa exploradora, no caso de a proprietária ser uma sociedade de locação financeira e a transmissão se operar ao abrigo e nos termos do contrato de locação financeira que determinou a aquisição do empreendimento pela sociedade transmitente”.
Como decorre do art.º 28.º, n.º 2, do DL n.º 287/2003, de 12 de novembro:
“2 - Todos os textos legais que mencionem Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações, imposto municipal de sisa ou imposto sobre as sucessões e doações consideram-se referidos ao Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT), ao Código do Imposto do Selo, ao imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) e ao imposto do selo, respetivamente”.
Sobre a questão de os benefícios fiscais em causa serem automáticos ou dependentes de reconhecimento já se pronunciaram diversas vezes os nossos Tribunais superiores.
Chama-se à colação, a este respeito, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 22.03.2018 (Processo: 01128/16) e inúmera jurisprudência no mesmo citada. Ali se escreveu:
“[A] apreciação desta questão impõe que se aprecie se a isenção de IMT a que se refere o art.º 20º do DL nº 423/83, de 5 de Dezembro, configura um benefício fiscal de natureza automática (como considera a Administração Tributária), ou, antes, um benefício dependente de reconhecimento (como advogam os impugnantes, ora recorrentes).
(…) [À] data (…) da aquisição das fracções, o aludido benefício era já de aplicação automática (verificados os condicionalismos legalmente impostos), não necessitando de ser reconhecido.
«No caso, as únicas condições que a lei impõe para a isenção total de IMT são: que seja declarada a utilidade turística do empreendimento anteriormente à transmissão do imóvel, ainda que tal qualificação seja atribuída a título prévio, desde que esta se mantenha válida e seja observado o prazo fixado para a abertura ao público do empreendimento, e que o imóvel adquirido se destine à instalação de empreendimentos turísticos.
Ou seja, não prevendo o legislador que o benefício em causa tenha que constar do despacho de atribuição de utilidade turística, ao contrário do que sucede nas situações do n° 4 do artigo 16.º citado, declarada a utilidade turística e destinando-se o imóvel à instalação de um empreendimento turístico, é evidente que a isenção de IMT opera direta e automaticamente.
Posto isto, é inevitável concluir pela improcedência da causa de invalidade que a impugnante imputa ao ato de liquidação apoiada na tese de estar em causa um benefício dependente de reconhecimento, não lhe sendo aplicável, portanto, para efeitos da alteração da situação de isenção com fundamento em erro nos respetivos pressupostos de facto, o prazo de revogação dos atos administrativos constitutivos de direitos previsto no CPA.
Em face da natureza automática da isenção em apreço; do disposto no art.º 7.º do EBF, na redação vigente à data dos factos, segundo o qual «Todas as pessoas […] a quem sejam concedidos benefícios fiscais, automáticos ou dependentes de reconhecimento, ficam sujeitas a fiscalização da Direcção-Geral dos Impostos e das demais entidades competentes, para controlo da verificação dos pressupostos dos benefícios fiscais respectivos e do cumprimento das obrigações impostas aos titulares do direito aos benefícios» e, ainda, do prazo de caducidade do direito à liquidação do imposto devido, previsto no art.º 45.º da LGT, nada impedia, antes o impunha o princípio da legalidade, que a AT fiscalizasse as circunstâncias de facto em que a Impugnante obteve a emissão do documento de cobrança do IMT devido pela aquisição das frações autónomas em apreço nos autos com isenção nos termos n° 1 do art.° 20.º do DL 423/83, de 5/12, e que, concluindo, como concluiu, pela inexistência dos pressupostos legais de que a mesma dependia, procedesse, como procedeu, à liquidação do imposto devido pela transação.» - cf. fls. 8/9 da sentença recorrida.
Em suma, como se sublinha no citado Acórdão 1126/16, «o aludido benefício não opera a pedido do interessado, isto é, através de requerimento autónomo dirigido especificamente à sua obtenção e com a inevitável instauração e decisão de procedimento próprio para o efeito (como acontece com os benefícios dependentes de reconhecimento – cfr. art.º 5º, nº 3, do EBF), inexistindo, por conseguinte, acto administrativo de reconhecimento em procedimento tributário próprio e autónomo.
Trata-se, aliás, de posição pacífica e reiterada, há muito consolidada na jurisprudência dos Tribunais Centrais Administrativos e do Supremo Tribunal Administrativo, como se pode constatar, a título exemplificativo, pela leitura dos acórdãos deste Tribunal nos processos n.º 0783/09, de 2/12/2009, n.º 0936/09, de 16/12/2009, n.º 0937/09, de 20/01/2010, n.º 01119/09, de 27/01/2010, n.º 0120/10, de 14/04/2010, n.º 0797/09, de 10/02/2010, todos no sentido de que as isenções previstas no nº 1 do art.º 20º do DL nº 423/83 têm aplicação automática verificados os condicionalismos legalmente impostos.
Inexistindo, no caso em análise, um acto administrativo a conceder um benefício fiscal, isto é, um acto administrativo em matéria tributária sujeito ao prazo de revogação de actos administrativos constitutivos de direitos previsto no art.º 104º do CPA, não pode, naturalmente, ocorrer a violação desta norma.
O que, no caso, se verificou foi que os sujeitos passivos, ao darem cumprimento ao dever declarativo imposto pelo art.º 19º do CIMT, fizeram operar, de forma directa e automática, a isenção de tributação ao declararem que a aquisição das frações se destinava à instalação de empreendimento turístico nos termos previstos no nº 1 do art.º 20 do DL 423/83, isto é, ao declararem a existência de uma realidade que faz automaticamente espoletar a isenção. O que levou o serviço de finanças a emitir documento único de cobrança (DUC) com o valor de 0,00 euros, atenta a inexistência de obrigação de imposto perante o teor dessa declaração e a necessidade de emissão de DUC para sua apresentação junto do notário, em conformidade com o disposto no art.º 49º do CIMT.
Mas vindo a administração tributária a verificar, posteriormente, através de acção inspectiva, que a aquisição das frações não se destinava, afinal, à declarada instalação de empreendimento turístico, e que, por conseguinte, não ocorriam os pressupostos para a isenção de que aqueles haviam beneficiado de forma automática mas indevida, a administração tinha o poder/dever de proceder, como procedeu, à liquidação do tributo devido, por não ter caducado o direito a essa liquidação à luz da norma que estabelece o prazo para o efeito (“oito anos seguintes à transmissão ou à data em que a isenção ficou sem efeito” – cfr. art.º 35º do CIMT), não havendo, por conseguinte, que convocar quaisquer normas e prazos previstos no CPA.
E ainda que se considerasse que ocorreu um prévio acto de liquidação ou de autoliquidação para efeitos de emissão do documento de cobrança de IMT (“a zeros” na expressão dos impugnantes), o certo é que esse acto se limitou a assimilar e a fazer actuar a isenção que decorria, de forma automática, da declaração fiscal dos sujeitos passivos. O que nunca poderia impedir a administração tributária de proceder, posteriormente, a uma liquidação correctiva/adicional, tendo em conta que dispõe, para o efeito, de um prazo de quatro anos contado da liquidação a corrigir (cfr. art. 31º, nº 3, do CIMT), não havendo, por conseguinte, que convocar as normas contidas nos arts. 78º e 79º da Lei Geral Tributária.»
Acresce dizer, como bem se deixou explicado na decisão recorrida, que «o facto de a impugnante ter requerido a emissão da nota de cobrança de IMT relativa ao ato de transmissão da propriedade mencionado na al A) do probatório ao abrigo do artigo 20.º do Decreto-Lei n° 423/83, de 5 de dezembro (assim beneficiando da isenção de imposto) e o facto de a mesma ter sido emitida em conformidade com o declarado pela mesma, não impede que a Administração Tributária, no exercício das suas funções de inspeção, detete irregularidades, designadamente pelo facto de a verdade material não coincidir com os factos e elementos declarados, e proceda às correções devidas, quer ao nível do enquadramento quer do acerto que se impuser em termos de liquidação do imposto em falta.
No caso, a Administração Tributária procedeu à correção do declarado pelo sujeito passivo, mediante alteração do enquadramento jurídico do facto (aquisição das frações autónomas), considerando não estar em causa uma aquisição destinada a “instalação de um empreendimento turístico”, e tê-lo porque, em seu entender, as circunstâncias de facto declaradas pela contribuinte aquando da emissão do documento de cobrança não correspondem àquelas em que seria de conceder a isenção do imposto. Ou seja, apesar de ter sido requerida a emissão da nota de cobrança como estando em causa a aquisição de frações com destino à instalação de empreendimentos qualificados de utilidade turística, nos termos previstos no nº 1 do art.° 20 do Decreto-Lei n° 423/83, de 5 de dezembro, considerou a AT, em sede de inspeção tributária, como resulta do respetivo Relatório, que não se verificavam, in casu, os pressupostos legais de que dependia a isenção do imposto de que beneficiou, procedendo à respetiva correção de enquadramento, o que conduziu à liquidação do imposto considerado devido.» - cf. sentença, fls. 10”.
Aderindo-se integralmente a esta fundamentação, conclui-se, tal como o Tribunal a quo, que estamos perante um benefício automático, espoletado pelas declarações apresentadas pelos Recorrentes, que não implica, pois, qualquer ato de reconhecimento por parte da AT, carecendo, pois, de materialidade o alegado em torno da alegada revogação ilegal, dado que não houve qualquer ato da administração revogado.
Como resulta do art.º 5.º do EBF, os benefícios fiscais ou são automáticos, ou seja, operam sem a precedência de qualquer ato administrativo, dado decorrerem direta e imediatamente da lei, ou são dependentes de reconhecimento, quando tal pressupõe um ou mais atos de reconhecimento por parte da administração.
In casu, o que houve, num primeiro momento, foi a mera prática de atos materiais na sequência da declaração apresentada pelos Recorrentes (que é o que resulta, aliás, do n.º 8 do art.º 10.º do CIMT), que não se confundem com atos administrativos de reconhecimento de benefícios fiscais, como claramente resulta plasmado no aresto transcrito supra.
Logo, não assiste razão aos Recorrentes nesta parte.”
Baixando ao caso dos autos, aqui como ali, a Recorrente adquiriu uma fração autónoma em 31/01/2012, integrada num aldeamento turístico, tendo apresentado as declarações de IMT e IS sobre tais aquisições, todas contendo a menção a benefício fiscal - utilidade turística (Artº 20º do D.L. 423/83). Mais tarde, a AT emite liquidações de IS e IMT, com fundamento na circunstância de não se mostrarem reunidos os pressupostos para usufruir do benefício previsto no art.º 20.º do DL n.º 423/83, de 05 de Dezembro.
Ora, este ato de liquidação oficiosa emitido pela AT não constitui qualquer revogação de um benefício fiscal, porquanto num primeiro momento, a AT limitou-se à prática de atos materiais na sequência da declaração apresentada pela apelante, circunstância que não se confunde com a prática de qualquer ato de reconhecimento dum benefício fiscal.
Avancemos.
Argui ainda a apelante que já se encontrava caducado o direito à liquidação de IMT aqui em dissidio. Ancora este seu entendimento na circunstância de estarmos perante um segundo ato de liquidação, pelo que o mesmo deveria obedecer aos prazos estabelecidos no artigo 31º, nº 3 do CIMT e, não como foi decidido na decisão aqui censurada, no prazo a que alude o artigo 35º do mesmo compêndio legal.
Sobre esta matéria da caducidade do direito à liquidação, tem vindo a ser jurisprudência uniforme e constante do Supremo Tribunal Administrativo que nos casos em que a isenção fica sem efeito, como é o caso que nos encontramos a apreciar, terá de ser aplicável o prazo geral de caducidade (8 anos), previsto no artigo 35º do CIMT e não o prazo de liquidação adicional (4 anos) estabelecido no artigo 31º, nº 3 do mesmo diploma.
Isto mesmo foi sustentado por aquele Supremo Tribunal, num caso idêntico ao do presente recurso, no seu Aresto de 15/03/2017, tirado no proc. n.º 0755/16, onde se deixou consignado o seguinte:
7 – Apreciando
7.1 Da caducidade do direito à liquidação
A fls. 60 a 63 dos autos analisou a sentença recorrida a questão da alegada “caducidade do direito à liquidação”, invocada pelos ora recorrentes na sua petição de impugnação (cfr. os respectivos n.ºs 34 a 40), tendo concluído que tal caducidade se não verificava, pois que o prazo de caducidade aplicável era o prazo especial de oito anos previsto no n.º 1 do artigo 35.º do Código do IMT, e não, como alegado, o prazo de 4 anos previsto no n.º 3 do artigo 31.º do mesmo Código, pois que a aplicação deste último pressupõe uma prévia liquidação, objecto de correcção pela liquidação adicional e no caso dos autos nenhuma prévia liquidação existiu, sendo a sindicada a primeira liquidação do imposto. (…)
Discordam do decidido os recorrentes, reiterando que o prazo de caducidade aplicável é o de 4 anos previsto no n.º 3 do artigo 31.º do Código do IMT porquanto em causa está, segundo alegam, uma “liquidação adicional”, reportada à liquidação no valor de “Euros 0,00” que se verificou (…) na data da outorga da respectiva escritura pública, que nenhuma informação errada prestaram à administração tributária e que, se erro procedimental houve, ele é inteiramente imputável à própria administração e ainda que “em caso de correcção de uma decisão de isenção, a liquidação consequente constituirá, sempre, uma efectiva liquidação adicional (…)
Vejamos.
Dispõe o n.º 1 do artigo 35.º do Código do IMT, sob a epígrafe, “Caducidade do direito à liquidação”: 1. Só pode ser liquidado imposto nos oito anos seguintes à transmissão ou à data em que a isenção ficou sem efeito, sem prejuízo do disposto no número seguinte e, quanto ao restante, no artigo 46.º da Lei Geral Tributária.
Trata-se de um prazo especial de caducidade do direito à liquidação, cuja existência a parte final do n.º 1 do artigo 45º da LGT ressalva, e que é o aplicável ao caso dos autos, em que liquidação notificada aos impugnantes ocorreu 22.11.2013 (cfr. as alíneas H e I do probatório fixado), antes de completados oito anos contados da data da escritura de transmissão da fracção (celebrada em 27-12.2005 - cfr. a alínea a) do probatório fixado).
No caso dos autos inexiste uma prévia liquidação a corrigir, sendo a liquidação impugnada a primeira e única relativa à transmissão da fracção, daí que careça de fundamento legal a invocação do disposto no n.º 3 do artigo 31.º do Código do IMT, que pressupõe a prévia existência – real e não apenas ficcionada –, de uma liquidação objecto de correcção pela liquidação adicional, o que no caso dos autos manifestamente inexiste e não se presume.
Como se disse no Acórdão deste STA de 14 de Setembro de 2011, rec. n.º 0294/11 (citado na sentença recorrida) a aplicação do prazo de quatro anos só poderia encontrar justificação ao abrigo do n.º 3 do art. 31.º do CIMT, que dispõe: «A liquidação só pode fazer-se até decorridos quatro anos contados da liquidação a corrigir, excepto se for por omissão de bens ou valores, caso em que poderá ainda fazer-se posteriormente, ficando ressalvado, em todos os casos, o disposto no artigo 35º». Ou seja, só poderia aplicar-se o prazo de caducidade de quatro anos se a liquidação constituísse uma liquidação adicional (hipótese que a Juíza do Tribunal a quo expressamente afastou), sendo que então o prazo seria a contar da liquidação a corrigir (E sempre respeitando o prazo de oito anos fixado no art. 35.º do CIMT). Seja como for, nada permite qualificar como liquidação adicional o acto tributário que deu origem à dívida exequenda. Na verdade, a liquidação adicional pressupõe que tenha havido uma liquidação anterior (relativamente ao mesmo facto tributário, ao mesmo sujeito passivo e ao mesmo período de tempo), que aquela se destina a corrigir ou rectificar porque, por erro de facto ou de direito ou por uma omissão ou inexactidão praticadas nas declarações prestadas para efeitos de liquidação, foi determinada a cobrança de um imposto inferior ao devido. Ou seja, a liquidação adicional não é mais do que a correcção de uma liquidação deficiente em consequência de erros ou omissões, que tanto podem ser da responsabilidade dos serviços como dos contribuintes (Neste sentido, os seguintes acórdãos da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: – de 17 de Janeiro de 2007, proferido no processo com o n.º 909/06, publicado no Apêndice ao Diário da República de 14 de Fevereiro de 2008 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2007/32210.pdf), págs. 96 a 102, também disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/da11decbc3b9dabd8025726d00 3b7579?OpenDocument; – de 18 de Maio de 2011, proferido no processo com o n.º 153/11, ainda não publicado no jornal oficial, mas disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/94e29e68a39ec0468025789a0 039e45a?OpenDocument..
É, pois, irrelevante, para efeitos de determinação do prazo de caducidade aplicável, que tenha sido em razão da declaração dos contribuintes ou de erro dos serviços que (indevidamente) se tenha consignado na escritura haver lugar a isenção de IMT, pois que o prazo de caducidade é o mesmo numa e noutra situação, não sendo legítimo – porque destituído de fundamento legal -, ficcionar a existência de uma prévia liquidação à taxa zero ocorrida no momento da escritura para efeitos de aplicação do prazo de caducidade previsto no n.º 3 do artigo 31.º do Código do IMT quando nenhuma prévia liquidação existiu, sendo a impugnada a primeira e única.
Também a propósito da SISA, perante norma semelhante à do n.º 3 do artigo 31.º do Código do IMT – in casu o §3.º do artigo 111.º do CIMSISD – decidiu já este STA no seu Acórdão de 18 de Maio de 2011, rec. n.º 0153/11 que a liquidação adicional não é mais do que a correcção de uma liquidação deficiente em consequência de erros ou omissões, que tanto podem ser da responsabilidade dos serviços como dos contribuintes.
O seu objectivo é apenas apurar a diferença de imposto de forma que ao contribuinte seja exigido, no total, importância igual à que resultaria de liquidação efectuada de uma só vez – cfr., neste sentido, Francisco Pinto Fernandes e José Cardoso dos Santos, in Código da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações, volume II, pág. 992.
Ora, neste caso, quando foi efectuada a escritura de compra e venda não foi efectuada qualquer liquidação dado que o recorrente beneficiava de isenção de sisa ao abrigo do artigo 7.º do DL 540/76 (poupança – conta emigrante).
É certo que ocorreu o facto tributário mas daí não pode retirar-se, sem mais, que houve uma liquidação da qual não teria resultado imposto a pagar por dele estar o recorrente isento; pelo contrário, por força dessa isenção, não se procedeu, então, a qualquer liquidação de sisa. A liquidação que veio posteriormente a ser efectuada em consequência da inspecção levada a cabo ao recorrente não é, assim, uma liquidação adicional já que a mesma não se destinou a corrigir uma liquidação anterior viciada por erro de facto ou de direito ou por omissões ou inexactidões praticadas nas declarações prestadas para efeitos de liquidação.// Daí que, como se entendeu na decisão recorrida, o artigo 111.º, § 3.º do CIMSISSD não tenha aqui aplicação e, sendo o prazo de caducidade o previsto no artigo 92.º do mesmo Código – oito anos, não se verifica a alegada caducidade do direito à liquidação, uma vez que à data em que o recorrente foi notificado da liquidação, em 7/7/2005, não tinham ainda decorrido oito anos desde a data da transmissão (4/6/2001). (…)”
Baixando ao caso sub judice, é sustentado na decisão recorrida, e bem, que tratando-se como se trata duma primeira liquidação, o prazo de caducidade do direito à liquidação é o constante do artigo 35º, nº 1 do CIMT, ou seja, oito anos contados do facto tributário.
Assim, sendo certo que o facto tributário ocorreu em 31/01/2012, a data em que ocorreu a transmissão, o prazo de caducidade do direito à liquidação apenas estaria transcorrido em 01/02/2020. Ora, sendo certo que foi remetido ao Recorrente um ofício datado de 07/02/2017, através do qual foi comunicada a liquidação aqui em dissido, o qual foi rececionado por este em 08/02/2017, outra não pode ser a conclusão, senão a de que a liquidação ocorreu dentro do prazo de oito anos consagrado no artigo 35º do CIMT.
Tendo assim decidido, nenhuma censura pode ser assacada a decisão recorrida, pelo que o presente recurso terá também de ser julgado improcedente.
Sustenta, ainda, o apelante que foi violado o Princípio da Igualdade, consagrado no artigo 13º da CRP, ancorando esta sua alegação na circunstância de não sendo considerado com prazo de revogação do ato de reconhecimento da isenção, o consagrado no artigo 141º do CPA (atual 167º), tal configuraria uma desigualdade face a outros atos administrativos.
Também aqui não poderá o presente salvatério proceder, como é de bom ver face do tudo o já acima mencionado.
Na verdade, o princípio constitucional da igualdade do cidadão perante a lei é um princípio estruturante do Estado de Direito Democrático e do sistema constitucional global, que vincula diretamente os poderes públicos, tenham eles competência legislativa, administrativa ou jurisdicional.
A obrigação da igualdade de tratamento exige que "aquilo que é igual seja tratado igualmente, de acordo com o critério da sua igualdade, e aquilo que e desigual seja tratado desigualmente, segundo o critério da sua desigualdade.
Por outro lado, este Princípio, enquanto proibição do arbítrio e da discriminação, só é violado quando as medidas legislativas contendo diferenciações de tratamento se apresentem como arbitrárias, por carecerem de fundamento material bastante (cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 39/88).
Como já foi extensamente afirmado nesta decisão, nunca foi proferido qualquer ato de reconhecimento de isenção, pois o benefício fiscal que a Recorrente pretende que lhe seja aplicável, não é dependente de qualquer ato de reconhecimento, operando ope legis. A circunstância de não ter pago qualquer imposto no momento da aquisição do imóvel, apenas se deveu a uma declaração sua que conduziu a uma não liquidação de imposto e nunca a qualquer ato de reconhecimento de isenção por parte da AT.
Ora, não existindo ato a revogar, nunca poderia existir qualquer discriminação de tratamento entre aquela que é conferida à generalidade dos cidadãos ao abrigo do atual artigo 167º, nº 2 do CPA (anterior art. 141º do mesmo diploma) e o que resultaria da interpretação que foi pugnada pelo Tribunal a quo.
Cumpre agora conhecer do derradeiro erro de julgamento de Direito que vem assacado à decisão sob escrutínio, ou seja, saber se a decisão padece de erro no julgamento efetuado relativamente ao vício de violação de audiência prévia e de falta de fundamentação que era dirigido ao ato impugnado.
Sustenta o apelante que o Tribunal a quo se limitou a acolher os argumentos esgrimidos pela AT, quando esta considera que não foram carreados para os autos quaisquer novos elementos passíveis de alterar a decisão. Prossegue alegando que invocou exceções perentórias que obstariam à tributação exigida pela administração fiscal; que tais exceções são “novos factos jurídicos” – novos factos não podem ser apenas novos factos materiais ou físicos, sob pena de procedermos a uma interpretação da função e teleologia do direito à audiência prévia manifestamente inconstitucional, bem como que a insuficiência da fundamentação do acto de indeferimento dos argumentos invocados pelo Sujeito Passivo gera a nulidade do acto, o qual se repercute na validade do acto de liquidação final, já que o desconhecimento das razões de tal indeferimento prejudicaram o direito de impugnação jurisdicional do acto de liquidação, dificultando-o, logo, tal vício só pode gerar a nulidade. (conclusão Z)
Vejamos o que foi afirmado pelo Tribunal a quo relativamente a este vício:
A quarta questão que cumpre a este Tribunal decidir consiste em saber se foi violado o direito de audição prévia antes da emissão da liquidação de IMT.
Com referência a esta questão, o Impugnante sustentou que o ofício n.º 84, de 07 de Fevereiro de 2017, padece do vício de falta de fundamentação e de violação do direito de audição prévia, na medida em que o que está em causa é a revogação de um benefício fiscal, não existindo o conceito técnico de cancelamento de benefício fiscal.
Acrescentou que o ofício n.º 1812, de 19 de Maio de 2015, que iniciou todo o procedimento, carece igualmente da devida fundamentação, não só por não existir um conceito técnico de cancelamento de benefício fiscal, mas também por não conter um projecto de decisão ou uma decisão, nem os montantes que estão a ser tributados.
Deste modo, indicou que o objecto da referida notificação é ininteligível, o que determina a sua nulidade, com todas as consequências associadas a este desvalor, designadamente, a sua não produção de efeitos ab initio.
Para além disso, considerou que o ofício n.º 1812, de 19 de Maio de 2015, deve ser anulado, por violação do direito de audição prévia, assim como por violação dos princípios da colaboração e da participação dos interessados nas decisões.
Mais, mencionou que o facto de a administração tributária não ter procedido à devida valorização da audiência prévia equivale juridicamente à sua não realização, o que gera a nulidade do acto de liquidação e, consequentemente, da notificação.
Referiu, ainda, que ao ser notificado de uma nova nota de liquidação, através do ofício n.º 84, de 07 de Fevereiro de 2017, deveria ter sido notificado para exercer o seu direito de audição prévia, nomeadamente, quanto ao valor a pagar, ficando mais uma vez demostrada a nulidade do acto de liquidação do tributo.
No seguimento, apontou que a decisão do Chefe do Serviço de Finanças de Óbidos que indeferiu o recurso gracioso é contraditória ao referir que não carreou factos novos para o processo, não se conseguindo discernir a quem é que pertence a autoria desse acto, se ao Chefe do Serviço de Finanças de Óbidos, se ao funcionário que elaborou o parecer.
Defendeu, igualmente, que o ofício n.º 1812, de 19 de Maio de 2015, e o ofício n.º 84, de 07 de Fevereiro de 2017, deveriam ter dado origem a processos fiscais diferentes, verificando-se a uma litispendência administrativa tributária, o que é manifestamente ilegal e inconstitucional.
A Fazenda Pública não se pronunciou sobre este assunto.
Cumpre, por isso, apreciar e decidir.
O direito de audição prévia antes da decisão final do procedimento administrativo tributário constitui um dos principais corolários do direito de participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes dizem respeito, o qual vem expressamente consagrado no art. 267.º, n.º 5, da CRP, sendo depois concretizado, nomeadamente, pelo art. 60.º da LGT e pelos arts. 121.º a 124.º CPA, aplicáveis ex vi do art. 2.º, al. c), da LGT e 2.º, al. d), do CPPT.
Com efeito, trata-se de um direito que, por um lado, representa uma manifestação do princípio do contraditório no âmbito do procedimento administrativo tributário e uma garantia de defesa dos direitos e interesses dos contribuintes, uma vez que lhes permite participar na formação da vontade da administração tributária através do confronto com as suas posições e argumentos e mediante a apresentação de novos meios de prova, os quais são assim susceptíveis de alterar a perspectiva inicial da administração tributária (vide acórdão do STA, de 05.05.2004, processo n.º 035/04).
Por outro lado, permite auxiliar a administração tributária na descoberta da verdade material, na medida em que a mesma deve tomar em consideração todos os pontos de vista e meios de prova apresentados pelos contribuintes, desde que se afigurem úteis para alcançar esse desiderato (vide acórdão do TCAS, de 09.02.2010, processo n.º 03379/09, e, de 26.10.2017, processo n.º 2553/09).
Por isso, compreende-se que o direito de audição prévia revista a natureza de um verdadeiro direito subjectivo procedimental e que a sua observação por parte da administração tributária seja tendencialmente obrigatória (vide acórdãos do STA, de 08.03.2001, processo n.º 47134, de 17.05.2001, processo n.º 40860, de 17.01.2002, processo n.º 40860, e, de 23.09.2004, processo n.º 01607/02).
Feito o devido enquadramento legal da questão decidenda, e volvendo ao caso dos presentes autos, cabe aqui, desde já, esclarecer o Impugnante que, no caso in judicio está em causa um único procedimento administrativo tributário, a saber: o procedimento de liquidação de IMT relativo à aquisição da fracção autónoma designada pela letra “V”, do prédio urbano sito no Caminho do Lago, n.º 12, no lugar do Bom Sucesso, na freguesia do Vau e concelho de Óbidos, inscrito na respectiva matriz, sob o artigo n.º P3786, pelo preço de € 327.000,00, derivado do cancelamento da isenção prevista no art. 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 05.12 (cfr. pontos n.ºs 2 a 12 do probatório).
Neste contexto, retira-se dos autos que o Impugnante foi notificado pelo Serviço de Finanças de Óbidos para exercer o direito de audição prévia sobre a intenção de se proceder à referida liquidação de IMT, através do ofício n.º 1812, de 19 de Maio de 2015, em cumprimento do disposto no art. 60.º, n.º 1, al. a), da LGT (cfr. ponto n.º 6 do probatório).
Para além disso, deriva dos autos que daquela notificação constam todos os fundamentos, de facto e de direto, que sustentam essa intenção, de harmonia com o estatuído no art. 60.º, n.º 5, da LGT (cfr. ponto n.º 6 do probatório).
Mais, resulta dos autos que o Impugnante exerceu o direito de audição prévia, mediante a apresentação de um requerimento escrito, junto do Serviço de Finanças de Óbidos, em 11 de Junho de 2015, revelando estar bem ciente de estar a exercer esse direito ao epigrafar o mesmo de “ALEGAÇÕES do DIREITO de AUDIÇÃO” (cfr. ponto n.º 7 do probatório).
Também se extrai dos autos que os argumentos apresentados pelo Impugnante em sede do exercício daquele direito foram devidamente ponderados e apreciados no âmbito da decisão final do procedimento de liquidação de IMT, consubstanciada no despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Óbidos, de 06 de Fevereiro de 2017, que acolhendo a informação prestada por um funcionário subalterno, conforme lhe é permitido pelo art. 77.º, n.º 1, da LGT e pelo art. 153.º, n.º 1, do CPA, aplicável ex vi do art. 2.º, al. c), da LGT e 2.º, al. d), do CPPT, concluiu que o Impugnante não trouxe factos novos que permitissem alterar o projecto de liquidação de IMT, convolando-o assim em definitivo (cfr. pontos n.ºs 8 e 9 do probatório).
Por fim, verifica-se que o teor daquela decisão, assim como a consequente liquidação de IMT, foram oportunamente notificadas ao Impugnante através do ofício n.º 84, de 07 de Fevereiro de 2017, pelo que constituindo este último ofício o culminar do procedimento de liquidação em análise, não tinha de haver lugar a uma nova notificação para o exercício do direito de audição prévia antes da respectiva emissão (cfr. pontos n.ºs 8 a 12 do probatório).
Deste modo, não se pode dizer que a administração tributária tenha violado o direito de audição prévia antes de proceder à emissão da liquidação de IMT em causa nos presentes autos (cfr. pontos n.ºs 2 a 12 do probatório).
A esta conclusão não obsta a circunstância do ofício n.º 1812, de 19 de Maio de 2015, mediante o qual o Impugnante foi notificado para exercer o direito de audição prévia sobre a intenção de emitir o acto de liquidação de IMT, não conter as concretas operações aritméticas que determinaram o apuramento de um IMT a pagar, no valor de € 21.255,00, ao contrário do que sucede com o ofício n.º 84, de 07 de Fevereiro de 2017, onde constam essas operações (cfr. pontos n.ºs 6 e 10 do probatório).
Isto porque, estando assente que o imóvel é destinado à exploração turística, a administração tributária não dispunha de qualquer margem de livre apreciação quanto à base de cálculo do imposto e à taxa a aplicar, a qual corresponde a 6,5%, nos termos do art. 17.º, n.º 1, al. d), do CIMT, conforme foi indicado no ofício n.º 1812, de 19 de Maio de 2015 (cfr. ponto n.º 6 do probatório).
Pelo que não sendo tais operações susceptíveis de ser alteradas em função dos eventuais contributos que o Impugnante pudesse vir a oferecer em sede do exercício do direito de audição prévia, conclui-se que a sua omissão no ofício n.º 1812, de 19 de Maio de 2015, não deve produzir qualquer efeito anulatório, à luz do disposto no art. 163.º, n.º 5, al. a), do CPA, aplicável ex vi do art. 2.º, al. c), da LGT e 2.º, al. d), do CPPT, que mais não é do que a consagração do princípio geral de direito que se exprime pela fórmula latina “utile per inutile non vitiatur”, também conhecido por princípio da inoperância dos vícios, princípio anti-formalista, princípio da economia dos actos públicos ou princípio do aproveitamento do acto administrativo (vide J. C. Vieira de Andrade, in O Dever da Fundamentação Expressa de Actos Administrativos, 2007, 2.ª edição, Almedina, págs. 326 a 334; acórdão do Pleno da Secção de CA do STA, de 14.04.2011, processo n.º 0473/10; e acórdãos do TCAN, de 22.06.2011, processo n.º 00462/2000-Coimbra, de 05.12.2014, processo n.º 02171/09.1 BEPRT, e, de 27.01.2017, processo n.º 02170/09.3 BEPRT).
Termos em que não assiste razão ao Impugnante quanto à quarta questão colocada nos presentes autos.”
Com é extensamente mencionado na decisão recorrida, o direito de audição prévia tem como escopo permitir que os contribuintes se pronunciem sobre uma determinada intenção da AT de praticar um certo ato tributário, devendo informar os mesmos, não apenas da intenção, como dos fundamentos da mesma.
Os sujeitos passivos podem responder, alegando não apenas factos novos, mas também invocando exceções e esgrimindo argumentos jurídicos contra a potencial decisão.
Neste contexto, sobre a AT impede o dever de apreciar quer os novos factos que os sujeitos passivos tragam aos autos, como também se deve pronunciar sobre os argumentos trazidos pelos mesmos ao processo, pois só deste modo se pode afirmar que foi cumprido o mencionado direito. Efetivamente, o direito de audição prévia não se basta com a notificação ao sujeito passivo do conteúdo de um ato que se pretende praticar, sendo necessário que depois de exercido aquele direito, a administração tributária aprecie os argumentos esgrimidos pelo contribuinte.
Baixando ao caso sub judice, verifica-se que a AT cumpriu todos os ónus que sobre si impendiam.
Senão vejamos.
A AT começou por notificar o aqui apelante dando-lhe a conhecer o ato e os seus fundamentos, antes da decisão e, em face do exercício do direito pelo sujeito passivo, apreciou os fundamentos invocados tendo concluído que os mesmos não obstavam à prática do ato.
Na verdade, decorre do ponto 7 do probatório fixado, quais foram as questões trazidas ao processo administrativo pelo aqui recorrente, sendo que estes coincidem, aliás, com aqueles que foram trazidos à presente lide, quer impugnatória, quer recursória.
Resumidamente, o contribuinte defendia que havia solicitado a isenção e que a mesma lhe havia sido concedida, fundamentando esta afirmação na circunstância de ter sido emitida uma “liquidação” a zero em face da sua declaração de pretender adquirir o imóvel a que se reporta o ponto 2 do probatório, pelo que havia um ato constitutivo de direitos que não poderia ser revogado, salvo nas condições do artigo 141º e segs. do CPA, a circunstância de aquela concreta aquisição estar isenta de IMT, o facto do ofício não ser claro quanto à lei aplicável e que sustentaria a nova liquidação, bem como a caducidade do direito à liquidação e o facto de apenas dever se considerado o valor da nua propriedade e não o valor global tributário atribuído ao mesmo imóvel (este último argumento nunca foi trazido à lide impugnatória).
Já do ponto 8 do mesmo probatório resulta que a AT se pronunciou sobre todas as questões aduzidas pelo contribuinte. Efetivamente, começando por se pronunciar relativamente às questões formais do ofício, prossegue considerando que o prazo de caducidade não é o constante do artigo 31º do CIMT, mas o do artigo 35º do mesmo diploma, continua apreciando a questão do alegado ato de reconhecimento do benefício e da validade do alegado ato de revogação do mesmo, para concluir que nunca ocorreu qualquer benefício pelo que também não ocorreu qualquer ato de revogação e reiterando que a situação concreta se encontrava sujeita a IMT.
Significa isto que a AT, na informação que sustenta o ato de liquidação, apreciou todas os aspetos essenciais suscitados pelo contribuinte, pelo que não se vê como, do ponto de vista substancial, se possa sustentar que não foi cumprido o direito de audição prévia previsto no artigo 60º da LGT.
É verdade que, do ponto de vista formal, quer a conclusão da informação (onde se menciona ser de “manter o projecto de cancelamento do benefício fiscal”), quer o despacho proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças onde é afirmado “Face à informação infra e não tendo o SP trazido factos novos que permitam alterar o projeto de cancelamento dos benefícios fiscais, em sede do direito de audição mantêm-se os pressupostos do projeto de cancelamento pelo que o convolo em definitivo em sede de IMT, deferindo-se parcialmente em sede de IS (Verba 1.1-TGIS). Notifique-se o Contribuinte” (ponto 9 do probatório) não prime pela precisão jurídica. No entanto, da leitura da informação que constitui o sustento do ato, resulta claro que não apenas os fundamentos invocados pelo contribuinte foram devidamente sobrepesados, como que a decisão é no sentido de ser ter de proceder à liquidação de IMT.
Significa isto que tendo a sentença recorrida julgado improcedente o vício alegado, a mesma não merece qualquer censura por parte deste Tribunal ad quem, pelo que o presente recurso terá de improceder.
Finalmente, quanto ao alegado erro de julgamento da decisão sob escrutínio no que tange ao alegado vício de falta de fundamentação do ato, também carece de razão o Recorrente.
Na verdade, o Tribunal a quo, depois de ter dissertado sobre o regime da fundamentação do ato, concluiu que o mesmo permite ao aqui apelante, conhecer das razões que sustentaram o mesmo, tendo julgado a impugnação improcedente também nesta parte.
Efetivamente, e sendo certo que a fundamentação do ato pode ser feita por remissão para a informação que o sustenta, decorre de tudo o acima já afirmado que a AT explicou de forma clara, congruente e completa, permitindo ao contribuinte conhecer o itinerário cognoscitivo do ato, uma vez que dele resultam as razões de facto e de direito que levaram o autor à prática do ato de liquidação.
Em consequência, e por assim também ter decidido o Tribunal a quo, deverá a sentença recorrida ser mantida na ordem jurídica.

*
CUSTAS
No que diz respeito à responsabilidade pelas custas do presente Recurso, atendendo ao seu total decaimento da Recorrente, as custas são da sua responsabilidade. [cfr. art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT].

***




III- Decisão

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Subsecção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.


Custas pela Recorrente.

Lisboa, 03 de Abril de 2025

Cristina Coelho da Silva (Relatora)

Vital Lopes

Maria da Luz Cardoso