Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:761/20.0BELRA
Secção:CA
Data do Acordão:04/21/2021
Relator:JORGE PELICANO
Descritores:JUNTA MÉDICA DA ADSE
Sumário:I. O parecer da junta médica da ADSE que considera que o funcionário se encontra apto do ponto de vista clínico e determina o seu regresso ao serviço, contém um conteúdo decisório que produz imediatamente efeitos jurídicos na esfera jurídica daquele.
II. Tal parecer deve conter as razões do decidido, ainda que através da remissão para outros elementos que constem do processo administrativo.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul.

O Instituto de Protecção e Assistência na Doença, I.P. (ADSE), vem interpor recurso da sentença proferida no TAF de Leiria que decretou a providência cautelar de “suspensão da eficácia do acto administrativo consubstanciado no parecer da junta médica da ADSE, proferido em 03.08.2020”, bem assim como a suspensão de eficácia da decisão proferida pelo Director da Escola Secundária de Peniche, que atribuiu à docente F..., aqui Recorrida, um horário de trabalho lectivo.
Apresentou as seguintes conclusões com as suas alegações de recurso:
1. “Discute-se na presente lide a suspensão da eficácia do parecer da Junta Médica da ADSE, proferido em 03.08.2020, não se conformando o ora recorrente com a Douta Sentença recorrida.
2. Salvo o devido respeito que merece, mal andou a Sentença ora recorrida quando entendeu estarem preenchidos os pressupostos legais elencados no n.° 1 e 2 do art.° 120° do CPTA.
3. Na verdade, o aqui recorrente entende que o parecer da Junta Médica da ADSE, I.P. não consubstancia um ato administrativo impugnável, inexistindo assim fumus boni iuri que permita o decretamento da providência.
4. Entende o recorrente, atendendo à jurisprudência bem firmada sobre a questão, que o parecer médico da ADSE é um ato preparatório, meramente opinativo e sem caráter vinculativo, e que não tem autonomia relativamente à decisão final que vier a ser proferida pela entidade competente, nem dela é destacável e, nesta medida, não é impugnável ou recorrível autonomamente, (cfr. Acórdão de 6 de maio de 1993 do STA, recurso n.° 32759, e acórdão de 05.07.2001, do TCAS proferido no processo n.° 10225/00).
5. Alias, o parecer médica da Junta da ADSE não se projeta direta e imediatamente na esfera do particular, nem define a situação jurídica da administração ou do particular, (cfr., neste sentido, Acórdão de 21 de outubro de 1993 do STA, recurso n.° 32215).
6. Na verdade, a junta médica da ADSE colabora sim enquanto órgão auxiliar com a entidade empregadora com competência dispositiva na matéria na instrução dos procedimentos de justificação de faltas por doença dos trabalhadores em funções públicas, com a consequência de, em caso afirmativo, retomar plena vigência o dever de assiduidade a que o trabalhador está sujeito e que havia ficado suspenso por força da baixa médica.
7. Pois que se um trabalhador, contra o parecer da Junta, não regressar ao serviço, por entender, quiçá com base em outro parecer médico, que ainda não está em condições, do ponto de vista clínico, de retomar o exercício das suas funções, não desobedece à junta, que nenhuma sanção lhe poderá aplicar, mas poderá sim eventualmente violar o dever de assiduidade e incorrer em infração disciplinar ou sofrer outras consequências legalmente previstas para o facto, a verificar e atuar pelo seu competente superior hierárquico.
8. Em suma, não obstante o tom injuntivo, quase de uma ordem, em que por vezes é feita a comunicação administrativa pela Junta, enquanto órgão consultivo, à entidade empregadora pública da aptidão do trabalhador para regressar ao serviço, ela tecnicamente não é uma decisão, nos termos do art.° 148 do CPA e do art.° 51 do CPTA, e por isso é inimpugnável.
9. A sentença recorrida padece do vício de má interpretação do artigo 153° do CPA fazendo uma incorreta interpretação e aplicação dos termos definidos no art.° 11o, n,°1 e 2 do Decreto Regulamentar n.° 41/90
10. O recorrente entende que os juízos que emanam das juntas médicas são somente juízos técnicos, de natureza médica, formulados conforme regras próprias da ciência médica, que implicam um juízo especializado sobre a matéria, cuja atividade encontra-se inserida na chamada discricionariedade técnica, própria das ciências médicas.
11. Nessa medida, não pode o Tribunal - como pretende o Tribunal a quo - sindicar aquele juízo técnico de natureza médica, a menos que se verifique uma situação extrema de erro, ou juízos ostensivamente inconsistentes ou arbitrários, o que não aconteceu no parecer da Junta Médica da ADSE aqui em discussão
12. Na realidade, aconteceu na junta médica de 03.08.2020 que, face à manutenção das queixas e sintomas do foro ortopédico, resultantes de patologia degenerativa e do foro, foi entendimento dos peritos médicos que não se justificava a manutenção da incapacidade temporária absoluta.
13. Efetivamente sendo a patologia apresentada pela requerente de natureza crónica, embora limitativa das suas funções não justificativa de incapacidade permanente, foi deliberado o seu regresso ao serviço desempenhando tarefas moderadas, especificando que deveriam ser evitados esforços físicos e situações de grande stress emocional atendendo às patologias apresentadas.
14. Por isso para recorrente o parecer da junta médica da ADSE em 03.08.2020 obedeceu a todas as disposições constantes do Decreto Regulamentar n.° 41/90. de 29.11 que lhe são aplicáveis, nomeadamente o disposto no n.° 2 do artigo 11.°.
15. Por outro lado, nada na lei exige que a Junta Médica da ADSE se pronuncie sobre cada facto evidenciado pela requerente.
16. Também não é suposto que a junta médica da ADSE identifique as tarefas que a requerente pode ou não realizar, porquanto é do desconhecimento completo e total da Junta as tarefas correspondentes ao conteúdo funcional da respetiva carreira efetivamente exercidas, nem resulta do regime legal referido na alínea d) do n.° 2 do artigo 11.° do Dec. Reg 41/90, de 29 de novembro, a identificação discriminativa de tarefas que o trabalhador deve realizar.
17. Assim, não se aceita que o Tribunal a quo considere procedente o vício na falta de fundamentação do parecer da junta médica nos termos da parte final do art.° 11° n.° 2 al. d) do Decreto Regulamentar n.° 41/90, 29.11.
18. Por fim, a Sentença ora recorrida incorreu em erro na apreciação da prova, que influenciou o julgamento meramente indiciário da providencia cautelar, pois que é inaplicável ao caso a presunção prevista no art.° 351° do Código Civil, como pretende o Tribunal a quo nos pontos T) e U) dos factos provados.
19. O ora recorrente entende que os factos referidos nos pontos C), F) e H) não são suficientes para inferir que, com toda a probabilidade, se verificou os factos referido nos pontos T) e U), uma vez que que no caso o Tribunal se socorreu apenas de prova documental, a qual deveria ter sido complementada de prova testemunhal - a qual foi dispensada pela não realização da audiência prévia -, pelo que, não estando verificados os pressupostos do art.° 351 ° do CC, nem resultando tais factos de qualquer outro meio de prova produzido nestes autos, os mesmos devem ser considerados não provados.
20. Termos em que está demonstrado que a sentença recorrida padece, assim de erro de julgamento e incorreta aplicação do direito aos factos, violando o disposto na primeira parte do n°1 do artigo 120° do CPTA, e ainda o disposto nos artigos 51.° n.°1 do CPTA, artigos 148° e 153°, ambos do CPA, artigo 11.° do Dec. Reg. 41/90, de 29 de novembro, e artigo 351.° do CC.
21. Assim, entende o Recorrente estar a sentença ferida dos vícios que lhe são assacados, devendo ser proferida decisão que julgue improcedente o pedido de adoção da providência cautelar de suspensão do parecer da junta médica da ADSE proferido em 03.08.2020.

Nestes termos e nos melhores de direito aplicáveis, que vossas excelências superiormente quiserem suprir, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a sentença recorrida, com o que, V. Excelências, Senhores Juízes Desembargadores, farão Justiça!”.

*

O Ministério da Educação não apresentou alegações.


A Recorrida formulou as seguintes conclusões nas contra-alegações:
1. “A Recorrente não se conformando com a Douta Sentença proferida pelo Douto Tribunal a quo, apresentou as suas alegações, pedindo que este Venerando Tribunal decida de modo diametralmente oposto ao decidido pelo referido Tribunal e em consequência seja revogada a Douta Sentença ora recorrida.
2. Douta Sentença proferida pelo Meritíssimo Juiz fez a melhor apreciação da prova produzida nos presentes autos e aplicação do Direito aos factos considerados provados nos autos, não apresentando a Recorrente nas suas alegações, por ser manifestamente impossível, qualquer razão de facto ou de direito plausível para sustentar a sua pretensão.
3. A Recorrente Instituto de Proteção e Assistência na Doença, I.P,R. não concordando com a Douta Sentença vem por em causa a referida sentença com os seguintes fundamentos:
A decisão da Junta Médica da ADSE, I.P. consubstancia ou não um ato administrativo impugnável;
• Da alegada má interpretação do artigo 153° CPC e do artigo 11° do Decreto Regulamentar n.° 41/90.
• Do alegado erro na apreciação da prova, por inaplicabilidade do disposto no artigo 351° do Código Civil.
4. A Argumentação apresentada pela Recorrente Instituto de Proteção e Assistência na Doença, I.P.R. carece in totum de fundamento ou razoabilidade, pelo que, bem andou o Douto Tribunal a quo quando fundamentou que:
“O referido parecer não pode deixar de ser qualificado como um verdadeiro ato administrativo".
5. E para tal entendimento baseou e aderiu a sua fundamentação da decisão proferida no Acórdão do TCAS de 05.05.2016, proferido no processo 13143/16, visto que se trata de um caso similar ao que se discute nos presentes autos.
6. Ora, o Parecer proferido pela ADSE tem a faculdade de determinar se o trabalhador está ou não apto a regressar ao trabalho, e este tem de se apresentar ao serviço para que não incorra numa falta injustificada, nos termos do disposto no artigo 29° da lei n.° 35/2014 de 20.06.
7. Esta pronuncia vincula desde logo o trabalhador que se vê obrigado a comparecer no local de trabalho no dia seguinte.
8. Nos termos do disposto no artigo 148° do CPA " Para efeitos do disposto no presente Código, consideram-se atos administrativos as decisões que, no exercício de poderes jurídico- administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta.”
9. Decidido pela Junta Médica que o trabalhador está apto para o trabalho, nada mais se exige na legislação para que o trabalhador público seja obrigado a ir trabalhar, sob pena de ter faltas injustificadas.
10. Portanto, o ato administrativo (cf. o art. 148° do CPA) aqui em causa era e é o parecer obrigatório e vinculativo da Junta Médica da ADSE (ou seja, uma decisão; cf. MÁRIO AROSO, T.G.D.A., 3a ed., pp. 189 ss; MÁRIO AROSO, Manual..., 2a ed., pp. 260 ss; PAULO OTERO, Direito do Procedimento Administrativo, Vol. I, 2016, pp. 309 ss), que considerou a requerente clinicamente apta para o trabalho.
11. Está em causa um acto que tem eficácia externa e é lesivo da posição jurídica da Recorrida F....
12. Se a Recorrida F... não comparecesse no dia seguinte ao Parecer da Junta Médica teria como consequência falta injustificada, não está em causa uma mera opinião técnica.
13. Pelo que, bem andou o Douto Tribunal quando fundamentou que parecer escrito e vinculativo da junta médica da ADSE, emitido ao abrigo da Lei n° 35/2014 e do Dec. Regul. n° 41/90 (que regulamenta a composição, a competência e o funcionamento da junta médica da ADSE), é um ato administrativo como previsto no art. 148° do CPA e no art. 51°/1 CPTA.
• Quanto à segunda questão decidenda: Da alegada Má interpretação do artigo 153° CPC e do artigo 11° do Decreto Regulamentar n.° 41/90.
14. Por outro lado, vem ainda a Recorrente Instituto de Proteção e Assistência na Doença, I.P,R. alegar que o Douto Tribunal a quo fez uma má interpretação do artigo 153° CPC e do artigo 11° do Decreto Regulamentar n.° 41/90, o que não se aceita,
15. O Parecer da Junta Médica em causa nos presentes autos, verifica-se que o mesmo nada refere sobre as concretas motivações, ainda que sucintas ou mesmo sucintas por remissão, que levaram a concluir pela aptidão da Requerente para prestar serviço.
16. O Parecer da Junta Médica é totalmente omisso quanto ao motivo e em que asserções se funda para alcançar conclusões.
17. O Parecer da Junta Médica em causa não exterioriza um mínimo de motivação ou fundamentação.
18. O Parecer da Junta Médica, não contém qualquer fundamentação, não permitindo à Recorrida F... acompanhar o itinerário valorativo ou cognoscitivo que subjaz à prolação do acto impugnado.
19. Pelo que bem andou o doutro Tribunal a quo quando decidiu que:
Apreciados os termos do acto, a decisão da junta médica é genérica, vaga, conclusiva e sem exteriorizar um mínimo de motivação que permita concluir pela suficiente fundamentação dos motivos que levaram a considerar a requerente apta para o serviço.
O acto consubstanciado na decisão da junta médica da ADSE padece do vício de falta de fundamentação e, assentando o mesmo em juízos valorativos, iminentemente técnicos e de natureza clínica/médica, não se afigura que venha a ser possível concluir na acção principal que o acto impugnado seria o mesmo caso tivesse sido respeitado o dever de fundamentação, motivo pelo qual deverá operar a eficácia invalidante do vício de falta de fundamentação (cfr. sem que seja aplicável o disposto no artigo 163.°, n.° 5, do CPA) e, em consequência, o desvalor associado de anulabilidade (cfr. artigos 163.°, n.° 1, do CPA, enquanto desvalor regra para todas as situações não sancionadas com nulidade, como é o caso da falta de fundamentação).
Entende-se assim que, na acção principal, o acto proferido pela junta médica da ADSE venha a ser anulado por falta de fundamentação, sem que se afigura o seu aproveitamento.
20. E bem andou o douto Tribunal quando fundamentou que:
A falta de fundamentação é causa de anulabilidade do acto impugnado, nos termos previstos no artigo 163.°, n.° 1, do CPA e não causa de nulidade como sustenta a requerente, por falta de previsão nesse sentido no disposto no artigo 161.°, do CPA.
Compulsada a materialidade provada, verifica-se que a decisão da junta médica diz, tão somente, que foi deliberado o regresso ao serviço com desempenho de serviços moderados, tendo por base a observação clínica, os elementos auxiliares de diagnóstico e os relatórios do processo (cfr. al. I), do probatório).
Nada refere sobre as concretas motivações, ainda que sucintas ou mesmo por remissão, que levaram a concluir pela aptidão da requerente para prestar serviço.
Por outro lado, compulsados os relatórios juntos pela requerente e apresentados à junta médica, cujo conteúdo foi dado como provado nas al. C), E), F) e H), do probatório, a deliberação da junta é absolutamente omissa por que motivo e em que asserções se funda para alcançar conclusões em sentido contrário àqueles elementos clínicos, elaborados por médicos assistentes da requerente, que descrevem patologias concretas e consideram uma inaptidão generalizada para exercer as suas funções.
21. A Decisão da Junta Médica da ADSE em apreço não concretiza as condições em que o trabalho de docente deve ser prestado pela Recorrida F..., em clara violação do disposto no art.° - art.° 11, n.° 2 alínea d) parte final do decreto regulamentar 41/90 de 29.11.
22. Pelo que, face ao supra exposto resulte igualmente demonstrado preenchido o critério do fumus boni iuris.
23. Por último, vem ainda da Recorrente Instituto de Proteção e Assistência na Doença, I.P.R. invocar uma terceira questão decidenda:
Do alegado erro na apreciação da prova por inaplicabilidade do disposto no artigo 351° do Código Civil.
24. Ora, quanto a esta questão a Recorrente Instituto de Proteção e Assistência na Doença, I.P,R. confunde-se e faz-se confundir,
25. A Recorrente Instituto de Proteção e Assistência na Doença, I.P,R. vem referir que o Tribunal a quo quanto aos factos dados como provados com as letras /pontos T) U) não deveriam ser dados como provados, visto ser inaplicável a presunção prevista no artigo 351° do Código Civil.
26. A norma em causa, determina que o recurso às presunções judiciais só é possível nos casos em que é permitida que a prova se faça por prova testemunhal (quer tenha existido ou não).
27. Como TODOS sabemos, o legislador estabeleceu cinco situações em que não é admissível a prova testemunhal, nomeadamente: A Admissão, os documentos particulares, os documentos autênticos os atestados das juntas de freguesia e a confissão - vejam-se os artigos 364° e 393° ambos do Código Civil.
28. Ora, só nestes casos em que não é legalmente admissível prova testemunhal, e nesse caso, não sendo admissível prova testemunhal, não é admissível a prova através de presunção judicial.
29. Ora, os factos T) e U) são factos que admitem prova testemunhal e como tal o Tribunal a quo bem andou em justificadamente dar como provados não só com base na prova documental, como também na presunção judicial
30. Nada releva para os autos, se houve ou não produção de julgamento e de prova testemunhal.
31. O que o artigo determine, é a possibilidade de quanto a esses factos, poder ser produzida prova testemunhal - pelo que sibi imputet.
32. Quanto ao FACTO T a mesma foi dada como provada com base em prova documental, referida nas al. C), F) e H) e alicerçada na experiência da vida comum, nos termos admitidos pelo disposto no artigo 351.°, do Código Civil.
33. Quanto ao FACTO U a mesma foi dada como provada com base em prova documental referida nas al. C), F), H) e T) e alicerçada na experiência da vida comum, nos termos admitidos pelo disposto no artigo 351.°, do Código Civil.
34. Pelo que bem andou o Douto Tribunal em dar como provados os factos T e U, e nenhuma censura poderá ser feita à douta Sentença recorrida.”

*

Foi observado o disposto no art.° 146.° do CPTA.

Objecto do recurso.
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 144º, nº 2, e 146º, nº 4, do CPTA e dos artigos 5º, 608º, nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC, ex vi art.º 140º do CPTA.
Há, assim, que decidir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento:
- ao ter fixado os factos que constam das alíneas T) e U) da matéria assente;
- ao ter concluído pela verificação do requisito relativo ao fumus boni iuris e se, por isso, violou o disposto na primeira parte do n°1 do art.º 120° do CPTA, o art.º 51.° n.°1 do CPTA, os artigos 148° e 153°, ambos do CPA, o art.º 11.º do Dec. Reg. n.º 41/90, de 29 de novembro e o art.º 351 ° do CC.

Com dispensa de vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, vem o processo à Conferência para julgamento.

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Fundamentação.
De facto.
O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos:

A) A requerente é professora de português na escola secundária de Peniche (acordo);
B) Em 18.12.2018 foi emitido um relatório por um psicólogo, onde consta os resultados de uma «avaliação neuropsicológica» efectuada à requerente, onde se pode ler o seguinte:
«(…) Relativamente aos sistemas de atenção, verifica-se a presença de marcadas dificuldades tanto ao nível do processamento controlado como automático. A doente está parcialmente desorientada em termos pessoais e espaciais embora orientada no tempo. A linguagem não apresenta grandes alterações, embora se assinale dificuldade na compreensão de ordens mais complexas. Apresenta defeito ligeiro de nomeação, de compreensão e de leitura e defeito moderado de escrita. Os sistemas de memória recente e de aprendizagem apresentam alterações marcadas, com perda muito significativa de informação com o tempo; observa-se no entanto que o desempenho melhora com ajuda. Observa-se a presença de apraxia construtiva. As funções executivas encontram-se comprometidas, assinalando-se a presença de defeito na programação de comportamentos e baixa iniciativa verbal.
A pontuação obtida nos testes de rastreio HMSE e MoCa (testes de rastreio da avaliação da função cognitiva e rastreio de quadros demenciais) situa-se significativamente abaixo do ponto de corte e do grupo de referência da doente (tendo em conta a sua idade e escolaridade).
O Teste das Trilhas tem por base uma complexa procura visual com uma componente motora, envolvendo atenção, velocidade motora e agilidade, sendo vulnerável aos efeitos de lesão cerebral. É igualmente sensível au progressivo declínio cognitivo na demência.
O resultado obtido neste teste sugere um defeito marcado no seu desempenho, devido à presença de lentrficação e/ou défices nos processos mnésicos.
Na Escala de Depressão de Beck obteve-se uma pontuação indicadora de um estado de depressão grave.
Inventário de Ansiedade Estado-Traço de Spielberger sugere um estado actual de elevada ansiedade e também é indicador de uma tendência de um traço de personalidade predominantemente ansioso, obtendo pontuações acima dos valores médios.
A Bateria Psicomotora tem como objectivo analisar a actividade cognitiva e psicomotricidade.
Foi possível através desta Bateria avaliar o desempenho da paciente, em termos das condutas operatórias, eficácia e rendimento da actividade psicomotora, onde apresentou resultados dentro dos valores médios esperados para a sua Idade e grau de escolaridade.
Da avaliação feita em contexto de consulta e de acordo com os resultados obtidos nos testes aplicados, actualmente a doente apresenta índices de ansiedade elevados, bem como valores clínicos claros e indicadores de sintomatologia depressiva.
A doente deverá ser encaminhada para estimulação cognitiva que terá como objectivo o ensino de estratégias de compensação dos défices.
(…)»
(cfr. doc. 4 junto com o req. inicial, a p. 4 e 4, do doc. incorporado no sitaf sob o registo n.º 0052098000, de 17.09.2020);
C) Em 29.07.2019, uma médica neurologista emitiu o seguinte relatório sobre o estado de saúde da requerente:
«(…)
(…) apresenta queixas de dificuldades cognitivas com cerca de 3 anos de evolução e que descreve como progressivas, dificultando a sua atividade profissional. Estas dificuldades desenvolveram-se a par de uma descompensação do seu quadro clínico depressivo e ansioso diagnosticado desde jovem, levantando inicialmente dúvidas relativamente a estas alterações serem decorrentes duma situação de depressão grave, ou se a grave descompensação psiquiátrica tivesse também um componente reativo às perdas cognitivas. Foi sujeita a estudo neuropsicológico formal, em que foram utilizados os testes adequados a estas situações, com resultados abaixo do esperado para a condição da doente, conforme relatório efetuado. Para exclusão de outras patologias responsáveis por perda cognitiva, efetuou Ressonância Magnética Cerebral que revelou já alguma atrofia cerebral, com alargamento dos espaços de líquor sobretudo nas regiões parietais altas, que fazem suspeitar de um quadro orgânico a acompanhar ou sobrepor-se ao quadro psiquiátrico. Pelo provável substrato orgânico da perda cognitiva, é possível que a situação se venha a agravar. De qualquer maneira, neste momento, a doente já não tem capacidade para o desempenho da sua profissão de professora, provavelmente de forma permanente.
(…)»
(cfr. a p. 10 do processo instrutor, incorporado no sitaf sob o regsto n.º 005229026, de 26.10.2020);
D) Em 24.01.2020, a requerente foi submetida a uma intervenção cirúrgica – artroscopia, ao joelho direito (cfr. doc. 5 do req. inicial, incorporado no sitaf sob o registo n.º 005209801; a p. 8, do processo instrutor, incorporado no sitaf sob o registo n.º 005229026, de 26.10.2020);
E) Em 22.06.2020, foi atestado pelo médico assistente da requerente, que a requerente sofre de gonartrose à direita e que, tendo sido submetida a uma artroscopia com meniscectomia e shaving articular, estava em tratamento e sem melhoria clínica, não tendo condições para exercer a profissão «até esta situação estar resolvida» (cfr. doc. 5 do req. inicial, incorporado no sitaf sob o registo n.º 005209801);
F) Em 26.06.2020, um médico psiquiatra emitiu um relatório médico sobre o estado de saúde da requerente, onde disse, designadamente, o seguinte:
«(…)
A doente F... apresenta agravamento muito significativo dos quadros muito limitantes de Transtorno Cognitivo por Organicidade (F 06.9 da CID10) e Quadro Esquizoafectivo do tipo Depressivo (F 25.1 da CID 10) e Patologias Osteoarticulares, de que se mantém em tratamento.
Na anamnese apresenta agravamento muito significativo de perdas cognitivas a nível das funções da atenção, concentração, memória e no adquirir novos dados. A Avaliação (junta relatório) determina marcada dificuldade de processamento de nova informação e da evocação. Existe perturbação significativa da memória visuo-construtiva (RM Cerebral e Relatório de Neurologia). Segundo os critérios da O.M.S. configura um quadro de Transtorno Cognitivo por Organicidade (F 06.9 da CID10).
Na anamnese da doente o Quadro Esquizoafectivo do tipo Depressivo apresenta uma longa evolução com frequentes períodos de agravamento sem uma causa desencadeadora específica. Como sintomatologia destaco tristeza acentuada, desesperança, deslizamento cognitivo e ideação de ruina e de referência, anedonia, apatia, insónia, ansiedade marcada com somatizaçõcs, perdas graves a nível da autoestima e da relação social com consequente isolamento e grande sofrimento pessoal que determina, em meu entender a classificação em Quadro Esquizoafectivo do tipo Depressivo (F 25.1 da CID 10).
A doente mantém-se em tratamento por patologias Osteoarticulares com intervenção cirúrgica recente, sem recuperação funcional, conforme relatório que junta.
A doente necessita de manter de forma continuada a medicação prescrita com Fluoxetina 20 mg (1+1+0+0+0), Diazepam 5 mg (1+1+1/2+1+0), Agomelatina 25 mg (0+0+0+0+1), Olanzapina 5 mg Velotab (1+0+1+0+1) e Lorazepam 2,5 mg (0+0+0+0+1).
Em meu entender, a endogenidade, gravidade e cronicidade dos quadros clínicos citados, a necessidade de manter continuamente a medicação ao longo da vida, determinam que a doente se encontra de forma absoluta, definitiva e permanente incapaz de exercer as suas funções de Professora.
Em meu entender, a doente deve manter-se com Incapacidade Temporária.
(…)»
(cfr. doc. 6 do req. inicial, incorporado no sitaf sob o registo n.º 005209802);
G) No dia 01.07.2020, após a requerente ter sido presente a junta médica da ADSE, a junta deliberou pela «impossibilidade de regresso ao serviço» e agendou nova junta médica para o dia 03.08.2020, dizendo que teve por fundamento a «observação clínica», os «elementos auxiliares de diagnóstico» e os «relatórios constantes no processo» (cfr. doc. 7 do req. inicial, incorporado no staf sob o registo n.º 005209803, de 17.09.2020);
H) No dia 03.07.2020, o mesmo médico emitiu um novo relatório sobre o estado de saúde da requerente, nos mesmos termos e com as mesmas conclusões que o relatório emitido em 26.06.2020, dado como provado na al. F), que antecede (cfr. doc. 8 do req. inicial, sitaf registo n.º 005209804, de 17.09.2020);
I) No dia 03.08.2020, após a autora ter sido presente a junta médica da ADSE, foi deliberado o «regresso ao serviço desempenhando tarefas moderadas do Artigo 11.º do Decreto regulamentar nº 41/90, de 29 de Novembro», dizendo a junta médica que se baseou na «observação clínica», nos «elementos auxiliares de diagnóstico» e nos «relatórios constantes no processo» (cfr. doc. 1, junto com o req. inicial, incorporado no sitaf sob o registo n.º 005209797, de 17.09.2020);
J) A junta médica da ADSE de 03.08.2020 deliberou ainda o seguinte: «evitar esforços físicos e situações de grande stress emocional, de acordo com a sua situação clínica» (cfr. doc. 1, junto com o req. inicial, incorporado no sitaf sob o registo n.º 005209797, de 17.09.2020);
K) A junta médica da ADSE definiu ainda o seguinte: «data de regresso ao serviço: 04-08-2020» (cfr. doc. 1, junto com o req. inicial, incorporado no sitaf sob o registo n.º 005209797, de 17.09.2020);
L) Os relatórios médicos dados como provados nas al. B), C), E), F) e H), foram apresentados aos elementos que compuseram a junta médica da ADSE a que a
requerente foi presente no dia 03.08.2020 (cfr. a p. 5, 6, 7, 10, 12, do processo instrutor, incorporado no sitaf sob o registo n.º 005229026, de 26.10.2020);
M) O director da escola de Peniche atribuiu um horário lectivo à requerente, onde consta que deverá leccionar a disciplina de português aos 2.º e 3.º anos do curso profissional e a uma turma do 11.º, ano, de línguas e humanidades (cfr. doc. 2 junto com o req. inicial, incorporado no sitaf sob o registo n.º 005209798, de 17.09.2020);
N) O horário lectivo referido implica que a requerente leccione, pelo menos, 14 horas semanais de aulas (cfr. doc. 2 junto com o req. inicial, incorporado no sitaf sob o registo n.º 005209798, de 17.09.2020);
O) O mesmo horário determina que a requerente desempenhe funções não lectivas de 11 horas semanais (cfr. doc. 2 junto com o req. inicial, incorporado no sitaf sob o registo n.º 005209798, de 17.09.2020);
P) O horário foi disponibilizado à requerente pelo presidente da comissão administrativa provisória da escola secundária de Peniche, através de e-mail de 17.09.2020 e foi assinado e carimbado pelos serviços administrativos da escola (cfr. a p. 6 do proc. instrutor, incorporado no sitaf sob o registo n.º 005209798, de 17.09.2020);
Q) No dia 15.09.2020, a escola atribuiu ainda à autora um novo horário escolar lectivo, com alteração da 1.ª hora lectiva de 2.ª feira para as 12h15 e para as duas primeiras horas lectivas de 3.ª feira, com início às 14h25m (cfr. doc. 3 junto com o req. inicial, incorporado no sitaf sob o registo n.º 005209799, de 17.09.2020);
R) Foi aposta uma rubrica nos horários atribuídos, sob o título do presidente da CAP (cfr. doc. 1 da oposição do Min. Edu., a p. 2 do doc. incorporado no sitaf sob o registo n.º 005229832, de 27.10.2020);
S) A escola secundária de Peniche agendou uma consulta de medicina do trabalho para a requerente, que se realizou no dia 29.10.2020 e da qual resultou as seguintes conclusões:
«(…)
Inapto temporariamente para o serviço
(…)
Outras funções que pode desempenhar:
1. Apoio à biblioteca
2. Apoio a projectos a colegas
(…)
Recomendações: não deve trabalhar na componente lectiva nem apoio a alunos
(…)»
(cfr. a p. 5 do doc. incorporado no sitaf sob o registo n.º 005236230, de 16.11.2020);
T) As patologias descritas nos relatórios médicos, consubstanciadas designadamente em «dificuldades cognitivas», «quadro clínico depressivo e ansioso», «perda cognitiva» (al. C), que antecede), «agravamento muito significativo dos quadros muito limitantes de transtorno cognitivo por organicidade», «quadro Esquizoafectivo do tipo Depressivo», «perdas cognitivas a nível das funções da atenção, concentração, memória e no adquirir novos dados», «tristeza acentuada, desesperança, deslizamento cognitivo e ideação de ruina e de referência, anedonia, apatia, insónia, ansiedade marcada com somatizações, perdas graves a nível da autoestima e da relação social com consequente isolamento e grande sofrimento pessoal que determina, em meu entender a classificação em Quadro Esquizoafectivo do tipo Depressivo» (al. F) e H), do probatório), reduzem e condicionam a concentração, o raciocínio e a capacidade de trabalho (cfr. convicção formada, por um lado, na factualidade provadas nas al. C), F) e H) e alicerçada na experiência da vida comum, nos termos admitidos pelo disposto no artigo 351.º, do Código Civil);
U) A redução e condicionamento da concentração, do raciocínio e da capacidade de trabalho afectam o desempenho das funções como docente (cfr. convicção formada, por um lado, na factualidade provada nas al. C), F), H) e T) e alicerçada na experiência da vida comum, nos termos admitidos pelo disposto no artigo 351.º, do Código Civil).
*
Do erro na fixação da matéria de facto.
Alega o Recorrente que o Tribunal a quo errou ao fixar, através de presunção judicial, a matéria que consta dos pontos T) e U) dos factos provados.
Para tanto, defende que os factos referidos nos pontos C), F) e H) não são suficientes para inferir que, com toda a probabilidade, se verificam os factos referidos nos pontos T) e U),uma vez que que no caso o Tribunal se socorreu apenas de prova documental, a qual deveria ter sido complementada de prova testemunhal - a qual foi dispensada pela não realização da audiência prévia -, pelo que, não estando verificados os pressupostos do art.° 351 ° do CC, nem resultando tais factos de qualquer outro meio de prova produzido nestes autos, os mesmos devem ser considerados não provados.”.
As presunções são ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para afirmar um facto desconhecido - art.º 351.º do CC.
No caso, os factos que constam das alíneas T) e U) foram adquiridos através de presunções judiciais.
O recurso às presunções judiciais é admitido nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal - art.º 349.º do CC.
A prova testemunhal é admitida em todos as situações em que não seja directa ou indirectamente afastada – art.º 392.º do CC.
Nas alíneas T) e U) da matéria de facto deu-se por assente que a doença do foro psiquiátrico de que a Recorrida sofre, que se encontra descrita nos relatórios médicos parcialmente transcritos nas alíneas C), F) e H) da matéria de facto, prejudica a concentração, o raciocínio e a capacidade de trabalho e afecta o desempenho profissional da Recorrida, que é docente numa escola secundária.
A produção de prova testemunhal sobre a matéria que consta das referidas alíneas T) e U) é admissível por não existir norma que a afaste.
Pelo que há que concluir que o Tribunal pode decidir a referida matéria de facto através de presunções judiciais.
As regras gerais da experiência demonstram que quem apresente dificuldades cognitivas com cerca de três anos de evolução, com agravamento progressivo, «perdas cognitivas ao nível das funções da atenção, concentração, memória e no adquirir novos dados», «quadro clínico depressivo e ansioso», e «agravamento muito significativo dos quadros muito limitantes de transtorno cognitivo por organicidade», tem dificuldades de concentração e de raciocínio susceptíveis de se refletir no exercício da profissão, mormente se esta envolve a utilização de tais faculdades, como é o caso do desempenho de funções docentes numa escola secundária.
Pelo que, sofrendo a Recorrida de doença que se enquadra no referido quadro clínico, há que concluir que o Tribunal a quo não errou ao fixar a matéria que consta das alíneas T) e U), em que se estabeleceu que a doença da Recorrida reduz e condiciona a sua concentração, o raciocínio e capacidade de trabalho, o que afecta o exercício de funções enquanto docente.
Pelo exposto, improcede o erro de julgamento quanto à fixação da matéria de facto.
*
Direito
Da impugnabilidade do parecer da junta médica.
Defende o Recorrente que o parecer da Junta Médica da ADSE proferido em 03/08/2020, não constitui um acto administrativo susceptível de ser impugnado, mas um acto preparatório meramente opinativo e sem carácter vinculativo, que não tem autonomia relativamente à decisão final a proferir pela entidade competente, nem desta é destacável, para além de não se projectar directa e imediatamente na esfera da Recorrida, pelo que entende que o Tribunal a quo errou ao determinar a suspensão de eficácia do referido parecer.
Na sentença recorrida seguiu-se a doutrina que consta do acórdão deste TCAS, proferido no âmbito do proc. n.º 13143/16, datado de 05/05/2016, in www.dgsi.pt. Decidiu-se na referida sentença que o parecer da Junta Médica constitui um acto administrativo impugnável por se traduzir numa “decisão que tem a faculdade de determinar se o trabalhador está ou não apto a regressar e estando, tem de se apresentar ao serviço para que não incorra em falta injustificada (cfr. artigo 29.º da Lei n.º 35/2014, de 20.06). É esta pronúncia médica que vincula a entidade patronal e, nesse sentido, encerra uma decisão com efeitos externos e directos na esfera do interessado (…)”.
O regime da impugnabilidade judicial das decisões administrativas consta do art.º 51.º do CPTA.
Conforme refere Vieira de Andrade, in “A Justiça Administrativa – Lições, Almedina, 2015, 14ª ed. pág. 163, “o conceito processual de acto administrativo impugnável tende a coincidir com o conceito de acto administrativo para efeitos substanciais e procedimentais”, que se encontra previsto no art.º 148.º do CPA.
O art.º 51.º do CPTA prevê, no seu n.º 1, a impugnação de decisões tomadas no exercício de poderes jurídico-administrativos, que visem produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta, ainda que através das mesmas não se ponha termo ao procedimento.
No n.º 2 do mesmo art.º 51.º admite-se a impugnação de decisões administrativas tomadas sobre questões que não possam ser de novo apreciadas em momento subsequente do mesmo procedimento [al. a)] e ainda de decisões intra-administrativas tomadas em relação a outros órgãos da mesma pessoa colectiva que sejam susceptíveis de comprometer as condições do exercício de competências que a estes cabem [al. b)].
A enumeração de decisões impugnáveis que consta do n.º 2 do art.º 51.º do CPTA, é meramente exemplificativa.
No caso, estamos perante a impugnação de um parecer proferido por uma junta médica, que é um órgão colegial que não faz parte do Ministério da Educação (entidade onde a Recorrida trabalha) e que se encontra orgânica e funcionalmente dependente do Presidente do Conselho Diretivo da ADSE, conforme resulta do art.º 33.° da Lei n.° 35/2014, de 20 de Junho e do art.º 3.° do Decreto Regulamentar n.° 41/90, de 29 de Novembro.
Compete à junta médica pronunciar-se sobre se o trabalhador se encontra apto a regressar ao serviço.
O parecer que for emitido pela junta médica deve ser comunicado ao trabalhador no próprio dia e enviado de imediato ao respetivo serviço - n.° 2 do artigo 29.° da Lei n.° 35/2014, de 20 de Junho e o art.º 13.º do Decreto Regulamentar n.º 41/90, de 29/11/1990.
Se a junta médica considerar o interessado apto para regressar ao serviço, as faltas dadas no período de tempo que mediar entre o termo do período de 60 dias previsto no art.º 23.º, n.º 1, al. b) da Lei n.° 35/2014, de 20 de Junho e o parecer da junta médica, são consideradas justificadas por doença – n.º 2 do art.º 24.º da Lei n.° 35/2014, de 20 de Junho.
As faltas verificadas posteriormente ao dia da comunicação do parecer da Junta Médica já não são consideradas justificadas.
Isto é, o parecer da junta médica que considera que o trabalhador está apto do ponto de vista clínico e determina o seu regresso ao serviço, contém um conteúdo decisório que produz imediatamente efeitos jurídicos na esfera jurídica deste.
A sua eficácia não depende de qualquer outro acto a praticar pela entidade patronal.
E, por ser assim, pode ser impugnado face ao disposto no n.º 1 e n.º 2 do art.º 51.º do CPTA. Também não se exige que se trate do acto final do procedimento, contrariamente ao defendido pelo Recorrente.
Improcede, por isso, o erro de julgamento que, nesta parte, o Recorrente aponta à sentença recorrida.

Do fumus boni iuris.
Defende ainda o Recorrente que o parecer da junta médica encontra-se devidamente fundamentado, tendo a sentença recorrida violado o art.º 153.º do CPA e o art.º 11.º, n.º 1 do Decreto Regulamentar n.º 41/90, de 29/11/1990.
Na sentença recorrida decidiu-se que se encontra indiciada a falta de fundamentação do parecer da junta médica.
Estatui o art.º 11.º do Decreto Regulamentar n.º 41/90, de 29/11/1990, que:
1 - A junta médica fundamenta os seus pareceres na observação clínica e no exame dos processos.
2 - A junta médica deve elaborar parecer escrito fundamentado em relação a cada funcionário ou agente que lhe seja presente, do mesmo devendo constar, conforme a situação:
a) Se o funcionário ou agente se encontra apto a regressar ao serviço;
b) A impossibilidade de regressar ao serviço e a data em que deve apresentar-se de novo a exame;

c) Se o funcionário ou agente necessita de exames clínicos complementares;
d) Se a situação do funcionário ou agente impõe que lhe sejam atribuídos serviços moderados e em que condições devem ser prestados;

e) Se o funcionário ou agente se encontra incapaz para o exercício das suas funções mas apto para o desempenho de outras;
f) Se o funcionário ou agente, para efeitos do disposto no artigo 37.º do Decreto-Lei n.º 497/88, de 30 de Dezembro, se encontra física e psicofisiologicamente apto para o exercício de funções na Administração Pública;
g) A eventual incapacidade permanente para o serviço, com recomendação ao respectivo serviço sugerindo a apresentação à junta médica da Caixa Geral de Aposentações.
3 - Os membros que discordarem da deliberação votada assinarão «vencidos», devendo justificar o seu voto por meio de declaração escrita fundamentada
.”.

O dever de fundamentação cumpre-se através da exteriorização, ainda que de forma sucinta, das razões do decidido.
Tal fundamentação pode ser efectuada através da remissão para outros elementos que constem do processo administrativo (art.º 153.º, n.º 1 do CPA).
Tem de ter a capacidade de esclarecer concretamente a motivação do acto, de permitir a reconstituição do iter cognoscitivo que determinou a adopção de um acto com determinado conteúdo.
A fundamentação tem de ser clara, lógica e suficiente, sendo que por clareza deve ter-se o requisito do acto em que se depreende o sentido que foi declarado pelo órgão administrativo como fundamento e que, portanto, não é dubitativo, ambíguo ou obscuro e se consegue compreender o que determinou o agente a praticar o acto ou a escolher o seu conteúdo - Vieira de Andrade, in “O Dever de Fundamentação Expressa de Actos Administrativos”, Almedina, 2003, a págs. 227 e 232 a 239.
Quanto ao requisito da suficiência, refere o mesmo Professor a págs. 238 da mesma obra, que a fundamentação deve ser suficiente, no sentido de que deve conter os elementos bastantes, capazes ou aptos a basear a decisão tomada em concreto. “A insuficiência, para conduzir a um vício de forma equivalente à falta de fundamentação, há-de ser tal que fiquem por determinar os factos ou as considerações que levaram o órgão a agir ou a tomar aquela decisão, ou então, que resulte evidente que o agente não realizou “um exame sério e imparcial dos factos e das disposições legais”, por não ter tomado em conta “interesses necessariamente implicados”.
No parecer de 03/08/2020 da junta médica da ADSE refere-se que, com fundamento na al. d) do Decreto Regulamentar nº 41/90, de 29 de Novembro e considerando a “observação clínica, os elementos auxiliares de diagnóstico e o(s) relatório(s) do processo”, foi deliberado o “regresso ao serviço com desempenho de serviços moderados” da Recorrida (cfr. al. I), do probatório).
Apesar da lei admitir, como se viu, a fundamentação por remissão, verifica-se que, no caso, não foram indicados os concretos elementos auxiliares de diagnóstico, nem os relatórios que foram tidos em conta pela junta médica para tomar a sua decisão.
E impunha-se que se indicassem concretamente tais elementos e relatórios para que se remeteu, uma vez que o processo administrativo contém relatórios que concluem que a Recorrida se encontra de forma absoluta, definitiva e permanentemente incapaz de exercer funções docentes, dada a gravidade da doença de que sofre. Ou seja, apontam em sentido contrário ao tomado no parecer da junta médica.
Fica-se, assim, sem saber, por insuficiência e obscuridade da fundamentação do referido parecer, quais foram as razões que levaram a junta médica a considerar que a Recorrida se encontra apta para regressar ao serviço e desempenhar tarefas moderadas.
Por outro lado e contrariamente ao defendido pelo Recorrente, não basta a indicação de qualquer uma das alíneas do n.º 2 do art.º 11.º do Decreto Regulamentar nº 41/90, de 29 de Novembro, para que a decisão se tenha por fundamentada, uma vez que tal indicação, por si só, não revela as razões do decidido.
E, ao exigir-se que se indiquem essas razões, não se está a sindicar o mérito da decisão, pois, contrariamente ao alegado pelo Recorrente, do que se trata é do esclarecimento das razões da decisão no sentido da sua determinabilidade e não no sentido da sua indiscutibilidade substancial ou da sua “convincência” – cfr. Vieira de Andrade, in obra supra citada, pág. 236.
Na jurisprudência e no sentido de que os pareceres das juntas médicas deverem conter a necessária fundamentação através da indicação dos elementos clínicos concretos e objectivos que tiverem sido considerados, vejam-se, entre outros, o acórdão deste TCAS, proc. n.º 297/18.0BEFUN, de 10/01/2019, ou os acórdãos do TCAN, proc.º n.º 00022/04, de 21/06/2007 e proc.º n.º 01396/07.9BEPRT, 25/11/2011, in www.dgsi.pt, tendo-se sumariado neste último acórdão que “(…)III. O cumprimento do dever de fundamentar não exigirá que as deliberações de Juntas Médicas expliquem de forma exaustiva e clara para os leigos as razões factuais em que alicerçam o respectivo diagnóstico, o que se exige é que externalizem, com um mínimo de densidade, mesmo usando os termos técnicos próprios, o juízo médico subjacente à deliberação tomada, de modo a permitir ao destinatário, por si mesmo ou coadjuvado pelo médico assistente, nomeadamente, compreender o sentido e fundamentos do mesmo;”.
Há, assim, que concluir que a sentença recorrida não errou ao decidir que se encontra preenchido o requisito relativo ao fumus boni iuris com fundamento na indiciada falta de fundamentação da decisão da junta médica.
Decisão
Face ao exposto, acordam, em Conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e manter o decidido na sentença recorrida.
Custas pelo Recorrente.

Lisboa, 21 de Abril de 2021

O relator consigna, nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo art. 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, que têm voto de conformidade com o presente acórdão os Juízes Desembargadores que integram a formação de julgamento.

Jorge Pelicano

Celestina Castanheira

Carlos Araújo

(em substituição)