Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:73/24.0BCLSB
Secção:JUÍZA PRESIDENTE
Data do Acordão:05/17/2024
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:JUSTIÇA DESPORTIVA.
PROVIDÊNCIA CAUTELAR
REQUISITOS
FUMUS BONI IURIS
LIBERDADE DE EXPRESSÃO
Sumário:
Votação:DECISÃO SUMÁRIA
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:DECISÃO

(artigo 41º, n.º 7, da Lei do TAD)


I – RELATÓRIO


J …………………., Presidente da Futebol Clube Porto SAD ( FCP SAD) com os demais sinais dos autos, intentou no Tribunal Arbitral do Desporto (TAD), em 14/05/24, contra a Secção Profissional do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol(SPCDFPF), uma ação de impugnação de ato administrativo, com requerimento de providência cautelar, pedindo nesta ação cautelar o decretamento de suspensão de eficácia da decisão proferida pela Entidade Demandada, em 10/05/24 que, no âmbito do processo disciplinar nº 82-23-24 e do recurso hierárquico impróprio nº23/23-24, condenou o requerente na sanção de suspensão de trinta e cinco (35) dias de suspensão e, acessoriamente, na pena de multa no montante de €5.610,00, pela prática da infração p. e p. no artigo 136.º nºs1 e 3, ex vi artigo 112, nº1 e 54, nº1, todos do Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional (doravante RDLFPF).

O pedido cautelar vem restrito à parte em a SPCDFPF condena o requerente na pena de suspensão pelo período de trinta e cinco (35) dias.

Juntou o acórdão proferido pelo Pleno da Secção Profissional do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol, procuração forense e comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida.

Após o recebimento dos autos neste Tribunal, foi proferido despacho com data de 16/05/24, a solicitar à Federação Portuguesa de Futebol a apresentação do processo disciplinar nº 82/23-24, tendo esta remetido o link para consulta do mesmo.

O Requerente da providência veio alegar, essencialmente, e no que concerne ao requisito do fumus boni iuris que a decisão suspendenda é ilegal por ter sido proferida em clara violação do direito de liberdade de expressão, consagrado no artigo 37º, nº1 da CRP, pois mais não fez do que emitiruma opinião própria sobre as (erradas) decisões tomadas pelas equipas de arbitragem nos jogos que expressamente identificou”…, num jogo polémico que “fez correr muita tinta na imprensa desportiva nos dias que se seguiram”. Refere, a este propósito, a reversão da decisão, após consulta ao VAR, de grande penalidade marcada a favor do F…… -SAD no jogo que disputou com o E……………..- Futebol SAD, no passado dia 30 de abril, a expulsão do guarda-redes D …………., a expulsão do jogador F ……………….. e, bem assim, a expulsão do jogador B ……………., da equipa do Estoril.

O Requerente defende que os “juízos de valor e imputações de factos” que expressou não se encontram “ totalmente desprovidos de base factual”, nem encerram em si qualquer gravidade suscetível de preencher o tipo de infração disciplinar por que veio a ser punido; são – isso sim – expressões admissíveis no quadro do “exercício do direito fundamental à liberdade de expressão e ao direito à critica”, ainda que marcadas por um “subjetivismo, impulsividade e emotividade inegáveis”.

Defende, assim, que a sua condenação é ilegal, mostrando-se verificado o fumus boni iuris.

Já no que concerne ao requisito do periculum in mora, aduz que a decisão condenatória permite consolidar uma situação fortemente lesiva e restritiva dos seus direitos, uma vez que fica “impedido de estar presente na zona técnica dos recintos desportivos em que se disputem jogos oficiais, desde duas horas antes do início de qualquer jogo oficial e até 60 minutos após o seu termo, bem como inibido de intervir publicamente em matérias relacionadas com as competições desportivas(…)”, sendo certo que “sempre foi uma figura presente e activa na vida do Clube, sendo seu hábito acompanhar de perto a equipa técnica e os jogadores sobretudo nos dias de jogo, designadamente deslocando-se à zona técnica (e, em concreto, ao balneário) por forma a poder conversar pessoalmente com os jogadores e treinador, motivando- os e dando-lhes apoio moral sempre que necessário”.

Realça o Requerente que ver-se-á “impedido de estar presente no jogo entre a S…………… …………… - Futebol, SAD e a F……………. SAD, bem como no importantíssimo jogo da Final da Taça de Portugal”, o primeiro evento agendado para o próximo dia 18 de maio ( e não 19, como afirma, atento o comunicado oficio nº282, da Liga Portugal) e o segundo marcado para o dia 26 do corrente mês. Tal configura, no seu entendimento, um “elevado e inegável prejuízo pessoal e coletivo”, considerando até tratar-se dos últimos jogos a que o Requerente assistirá na qualidade de Presidente [do Conselho de Administração da Futebol Clube do Porto - Futebol, SAD. SAD].

Afirma, ainda, o Requerente que a manutenção da decisão condenatória vai perpetuar de “forma concreta, grave e irreparável reputação profissional e pessoal do Demandante, assim colocando em risco a sua honra, imagem e credibilidade”.

Conclui, assim, que “conjugando a demora na decisão final que se antecipa de revogação, dada a ilegalidade da condenação, como ainda os danos iminentes para o Requerente serem graves e merecerem uma tutela cautelar, haverá de se decretar a presente providência cautelar de suspensão da execução do acto decisório sancionatório de suspensão, pelo período de 35 dias, proferido em 30/04/2024 pela Secção Profissional do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol, e mantido pelo acórdão ora recorrido”.


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II. DA INTERVENÇÃO DO PRESIDENTE DO TCA SUL


Por despacho do Exmo. Presidente do TAD, de 15/05/24, foram os autos remetidos a este TCA Sul para apreciação e decisão, na constatação de não ser viável, em tempo útil, a constituição do colégio arbitral.

Vejamos se estão reunidos os pressupostos que justificam a intervenção do Presidente do TCA Sul.

O artigo 41.º da Lei do TAD, sob a epígrafe “procedimento cautelar”, estatui no seu n.º 7 que “consoante a natureza do litígio, cabe ao presidente do Tribunal Central Administrativo do Sul ou presidente do Tribunal da Relação de Lisboa a decisão sobre o pedido de aplicação das medidas provisórias e cautelares, se o processo ainda não tiver sido distribuído ou se o colégio arbitral ainda tiver constituído”.

Refere o Exmo. Presidente do TAD, no despacho por si proferido, que:

«Texto no original»

(…)

No caso sub judice afigura-se como seguro o entendimento assumido da impossibilidade de constituição do colégio arbitral em tempo de dar resposta útil ao que vem cautelarmente peticionado, atentos os prazos legalmente estabelecidos (v. supra). Face aos prejuízos que o ora Requerente alega e à sua imediata continuidade temporal, terá que concluir-se que está preenchida a condição de que depende a intervenção do Presidente do TCA Sul, ou seja, a verificação da impossibilidade da constituição do colégio arbitral em tempo útil (cfr. artigo 41.º, n.º 7 da Lei do TAD).


*


III. DA DISPENSA DA AUDIÇÃO DA REQUERIDA E DOS REQUERIMENTOS PROBATÓRIOS


De acordo com o n.º 5 do artigo 41.º da Lei do TAD, “[a] parte requerida é ouvida dispondo, para se pronunciar, de um prazo de cinco dias quando a audição não puser em risco sério o fim ou a eficácia da medida cautelar pretendida”.

E o artigo 366.º, n.º 1, do CPC estabelece que: “[o] tribunal ouve o requerido, exceto quando a audiência puser em risco sério o fim ou a eficácia da providência”.

Como ensina José Lebre de Freitas, a “[u]tilidade, fim ou eficácia apontam no mesmo sentido: a audiência do requerido não deve ter lugar quando, com ela, haja o risco de se frustrar o efeito prático que concretamente se pretende atingir, isto é, quando o conhecimento da pretensão cautelar pelo requerido ou a demora no deferimento da providência resultante da observância da contraditoriedade aumente o perigo da lesão grave e de difícil reparação que a providência visa evitar” (cfr. Código de Processo Civil Anotado, vol. 2, 2001, p. 24).

A dispensa de audição da parte contrária, que integra um poder-dever do juiz, exige, também, a explicitação das razões que sustentam o entendimento de que essa audição colocará “em risco sério o fim ou a eficácia da providência”.

Donde, considerando que a audição da entidade requerida, por força do prazo injuntivamente fixado no artigo 41.º, n.º 5 da Lei do TAD neste preceito, que é de 5 dias (a que acrescerá o prazo de multa processual pela eventual prática tempestiva do ato), não pode ser legalmente encurtado e é suscetível de pôr em risco a eficácia da medida cautelar pretendida – o primeiro dos jogos abrangidos pela presente providência ocorrerá no próximo dia 18 do corrente mês; ou seja, no próximo sábado – dispensa-se oficiosamente, a audição da Requerida, ao abrigo do disposto no artigo 366.º, n.º 1, do CPC, procedendo-se de imediato à apreciação do mérito da presente providência cautelar.

Considera-se, ainda, face às questões em discussão nos autos e à prova já produzida que, para além da junção aos autos do processo disciplinar nº 82-23/24 por nós determinada, nenhuma outra produção de prova se mostra necessária para a decisão da causa.


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IV. DA INSTÂNCIA


As partes são legitimas e o processo é o próprio.

Não existem exceções ou outras questões prévias que devam ser, desde já, conhecidas e que obstem à apreciação do mérito da providência requerida.

Atenta a natureza indeterminável dos interesses em discussão no presente processo, nos termos previstos no art. 34.º, n.ºs 1 e 2, do CPTA, fixa-se ao presente processo o valor de EUR 30.000,01.


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V. FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

Compulsados os autos, julgo suficientemente indiciados os seguintes factos com relevo para a decisão:

A) Em 10/05/2024 foi proferido o acórdão do Conselho de Disciplina, Secção Profissional, da Federação Portuguesa de Futebol, que julgou improcedente o Recurso Hierárquico Impróprio (nº………./23-24) interposto, por Jorge N ………, da decisão singular proferida no Processo Disciplinar nº……….-23/24 que o condenou “ pela prática de uma infração disciplinar p. e p. nos termos das disposições conjugadas dos artigos 136.2, nº 1 e nº 3 [Lesão da honra e da reputação e denúncia caluniosa], com referência aos artigos 112º, n.º 1, 54.º, n.º 1, todos do RDLPFP, na sanção de suspensão de 35 (trinta e cinco) dias e acessoriamente na sanção de multa de 55 (cinquenta e cinco) UC pela prática do ilícito imputado, correspondente ao valor de € 5 610,00 (cinco mil, seiscentos e dez euros). cfr. documento n.º 1, junto com a p.i. e que se dá por integralmente reproduzido.

B) Do acórdão supra consta como factualidade provada a seguinte (idem):

1. No dia 30.03.2024 disputou-se o jogo oficialmente identificado sob o nº………., entre a E……………- Futebol, SAD e a F ………….. - Futebol, SAD, a contar para 27ª jornada da Liga Portugal Betclic - cfr. fis. 17 e 30.

2.A equipa de arbitragem nomeada para o predito jogo foi composta por A ………….., Árbitro principal, P …………, Assistente 1, N ……….., Assistente 2, P ………, 4.º Árbitro, T …………., VAR, An …………., AVAR, e L ……….., Observador - cfr. fis. 17.

3.O Arguido J …………………… é Presidente do Conselho de Administração da Futebol …………… - Futebol, SAD.

4. No final do jogo identificado em 1º o Arguido deu uma conferência de imprensa aos jornalistas presentes na sala de imprensa do Estádio ……………………… Mota e proferiu as seguintes declarações: «O nosso treinador não vem aqui por causa do estado de revolta que existe neste momento no balneário, entendemos que não estava em condições nem era prudente aqui viesse. O que se passou nesta jornada é realmente o corolário do que vem acontecendo já há muitas. Inventou- se o VAR na esperança de que o VAR funcionasse... (...) e hoje um penálti flagrante, porque é uma cotovelada que o jogador do E………. dá no S ……………... Foi então ao VAR fazer asneiras e retificar uma coisa que estava certa. O Sr. T …………….. já ano passado com o G………… nos fez perder um campeonato. O Sr. T ………………. tem a fama de ser o melhor VAR, mas não é e o Sr. T ……………… em vez de estar preocupado em fazer campanha, como foi fazer ao Dragão pelo Sr. F ……………., devia preocupar-se em arbitrar, em ser correto nas suas chamadas aos árbitros e não falsear resultados como aconteceu hoje. Se isto não é penálti, realmente penálti só se for o D……….. na Luz, onde aí foi o VAR que chamou. Há que ter em atenção porque o VAR não pode servir para dar emprego a árbitros despromovidos a árbitros reformados sem qualidade. E porque tem fama de que é o melhor faz sistematicamente coisas destas e induz o árbitro em erro. Acho que depois da má imagem que a arbitragem portuguesa deixou internacionalmente em Madrid, com este arbitro A …………. no jogo Espanha-Brasil, acho que depois daquela vergonha que se viu no Bernabéu, este árbitro não tinha condições para hoje estar a apitar. O F ……………. tem sido vergonhosamente prejudicado, sobretudo pelos VAR's e espero que o Sr. F ………., mesmo com toda a campanha do Sr. T …………. reflita e veja se realmente tem mão nisto ou se não tem é melhor dar lugar a outro. Muito obrigado a todos.» - cfr. fis. 4-5 e 35. (bolds e sublinhado no no original)

5.As declarações do Arguido, prestadas em direto em diversos órgãos de comunicação social, nomeadamente no canal televisivo desportivo «Sport TV», tiveram ampla repercussão pública, tendo sido objecto de artigo na edição online do jornal «Record» - cfr. fis. 4-5 e 35.

6.O Arguido agiu deforma livre, consciente e voluntária, bem sabendo que, através de meios de comunicação social, estava a ser desrespeitoso e lesava a honra e consideração da equipa de arbitragem mencionada no artigo 2º desta Acusação, afetando as relações entre agentes desportivos, o princípio da ética desportiva e o bom funcionamento das competições profissionais de futebol em que o próprio Arguido se encontra envolvido.

7.À data dos factos, o Arguido tinha os antecedentes disciplinares reproduzidos a fis. 33.

15. Da decisão recorrida, que não deu qualquer facto como não provado, consta a seguinte motivação:

«(...) 14. A motivação, além da confissão integral e sem reservas (e sendo esta o meio probatório apto para a confissão de toda a factualidade relevante, incluindo o respeitante ao estado subjetivo/anímico do Arguido constante e descrito supra em 6.º pois não poderia ser outra a vontade e conhecimento de um agente desportivo, ademais muito experiente neste quadro fatual), alicerça-se no apreciação conforme às regras da experiência comum conjugada com toda a prova carreada para os autos (incluindo o teor dos relatórios oficiais de jogo), bem como na transcrição das declarações conformes à visualização das imagens e som colhidas durante a conferência de imprensa, cujo teor o Arguido nem contesta, e toda a prova concreta e especificadamente elencada a propósito de cada item/ponto/facto, inexistindo qualquer facto com relevo que não tenha sido considerado provado. (...)».

C) A sociedade F ……………., Futebol, SAD, participa, através da sua equipa principal de futebol sénior, nas competições profissionais, disputando na época desportiva de 2023/2024 a Liga Portugal Betclic e a Taça de Portugal.

D) Do calendário desportivo a disputar pelo Futebol Clube do Porto, Futebol, SAD, constam os seguintes jogos oficiais:

a) S ……………… – Futebol, SAD vs F ………...- Futebol SAD, a 34ª jornada e última, da Liga Portugal Betclic- época 2023/2024- a realizar no dia 18/05/2024, no Estádio Municipal de Braga, conforme comunicado oficial nº282, que se transcreve, na parte relevante:

«Quadros no original»

b) Final da Taça de Portugal Placard, a realizar no próximo dia 26/05/24, no Estádio Nacional entre F ……….. - Futebol SAD vs. S ……………. –Futebol SAD,

«Imagem no original»

conforme consulta in https://resultados.fpf.pt/

Nada mais importa indiciariamente provar.


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- De Direito

Como se deixou dito na decisão do Presidente do TCA Sul, de 20/01/23, no processo nº 17/23.7 BCLSB, consultável em https://www.dgsi.pt, “Nos termos do disposto no art. 41.º, n.º 1, da Lei do Tribunal Arbitral do Desporto, aprovada pela Lei n.º 74/2013, de 6 de Setembro, “[o] TAD pode decretar providências cautelares adequadas à garantia da efetividade do direito ameaçado, quando se mostre fundado receio de lesão grave e de difícil reparação, ficando o respetivo procedimento cautelar sujeito ao regime previsto no presente artigo”. E, de acordo com o n.º 9 desse artigo, “[a]o procedimento cautelar previsto no presente artigo são aplicáveis, com as necessárias adaptações, os preceitos legais relativos ao procedimento cautelar comum, constantes do Código de Processo Civil”.

Dispõe o art. 368.º do CPC:

1- A providência é decretada desde que haja probabilidade séria da existência do direito e se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão.

2 - A providência pode, não obstante, ser recusada pelo tribunal quando o prejuízo dela resultante para o requerido exceda consideravelmente o dano que com ela o requerente pretende evitar.

3 - A providência decretada pode ser substituída por caução adequada, a pedido do requerido, sempre que a caução oferecida, ouvido o requerente, se mostre suficiente para prevenir a lesão ou repará-la integralmente.

4 - A substituição por caução não prejudica o direito de recorrer do despacho que haja ordenado a providência substituída, nem a faculdade de contra esta deduzir oposição, nos termos do artigo 370.º.

Como já se deixou estabelecido anteriormente, são requisitos essenciais destas providências cautelares (cfr., i.a., a decisão de 5.11.2021, proc. n.º 130/21.5BCLSB):

a) A titularidade de um direito que releva do ordenamento jurídico desportivo ou relacionado com a prática do desporto; e

b) O receio fundado da lesão grave e de difícil reparação desse direito.

Sendo que esta titularidade do direito, deve ser séria; ou seja, no sentido de que ao requerente da providência lhe venha a ser reconhecida razão, ainda que essa análise deva ser feita – como não podia deixar de o ser, face à natureza deste meio processual – sob os ditames próprios de uma summario cognitio. Dito de modo diverso, é pressuposto (cumulativo) do decretamento da providência a probabilidade séria (fumus boni juris), embora colhida a partir de análise sumária (summaria cognitio) e de um juízo de verosimilhança, de o direito invocado e a acautelar já existir ou de vir a emergir de acção constitutiva, já proposta ou a propor.

Por sua vez, na demonstração do grau de probabilidade ou verosimilhança em relação à existência do direito invocado pelo requerente da providência, concorre não só o acervo probatório constante do processo e que se revele adequado a formar a convicção do julgador quanto ao grau de probabilidade de existência do direito invocado, como a jurisprudência tirada sobre casos análogos e cuja decisão seja proferida por referência ao mesmo quadro normativo. Não poderá afirmar-se a “probabilidade séria da existência direito” invocado, se esse mesmo direito não é reiteradamente reconhecido nas acções principais que sobre ele versam.

É certo que o fumus boni iuris decorre da suficiência da mera justificação dos fundamentos do mesmo. Mas, como se escreveu no ac. de 19.09.2019 do TR de Guimarães, proc. n.º 97/19.0T8VNC.G1: “na aferição de tal requisito, bem como dos demais, deve ter-se sempre presente uma perspectiva de instrumentalidade hipotética, isto é, de que a composição final e definitiva do litígio no processo respectivo possa vir a ser favorável ao requerente”.

No caso concreto, o Requerente alega, nos termos que melhor constam da p.i., que a sanção punitiva é ilegal.

Sustenta tratar-se de uma decisão proferida em violação do direito de liberdade de expressão, consagrado no artigo 37º, nº1 da CRP, pois o Requerente mais não fez do que emitir “uma opinião própria sobre as (erradas) decisões tomadas pelas equipas de arbitragem nos jogos que expressamente identificou” e “num jogo polémico”. O Requerente defende que os “juízos de valor e imputações de factos” que expressou não se encontram “totalmente desprovidos de base factual”, nem encerram em si qualquer gravidade suscetível de preencher o tipo de infração disciplinar por que veio a ser punido; são – isso sim – expressões admissíveis no quadro do “exercício do direito fundamental à liberdade de expressão e ao direito à critica”, ainda que marcadas por um “subjetivismo, impulsividade e emotividade inegáveis”.

Defende, assim, que a sua condenação é ilegal, mostrando-se verificado o fumus boni iuris.

Vejamos, então, se ocorre, ou não, probabilidade séria da existência do direito invocado.

Importa sublinhar que estamos no domínio cautelar, por definição de natureza instrumental, com prova sumária e perfunctória. A apreciação que é feita em sede de procedimento cautelar assenta, assim, num mero juízo de verosimilhança. Ao apreciar a providência, o tribunal “não se baseia sobre a certeza do direito do requerente, mas apenas sobre uma probabilidade séria da existência desse direito (fumus boni iuris; summaria cognitio; não verdadeira prova, mas simples justificação)” (cfr. Manuel A. Domingues de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, reimpressão, 1993, p. 9).

O Requerente foi condenado pela prática de infração disciplinar prevista no artigo 136º, nº1 e 3 do RDLPFP, nos termos do qual:


Artigo 136.º

Lesão da honra e da reputação e denúncia caluniosa


1. Os dirigentes que pratiquem os factos previstos no n.º 1 do artigo 112.º contra órgãos da Liga Portugal ou da FPF respetivos membros, elementos da equipa de arbitragem, clubes, dirigentes, jogadores, demais agentes desportivos ou espectadores, são punidos com a sanção de suspensão a fixar entre o mínimo de um mês e o máximo de dois anos e, acessoriamente, com a sanção de multa de montante a fixar entre o mínimo de 50 UC e o máximo de 300 UC.

2. Os dirigentes que pratiquem os factos previstos no n.º 1 do artigo 112.º-A são punidos com a sanção de suspensão a fixar entre o mínimo de seis meses e o máximo de três anos e, acessoriamente, com a sanção de multa de montante a fixar entre o mínimo de 50 UC e o máximo de 300 UC.

3. Em caso de reincidência, os limites mínimo e máximo das sanções previstas nos números anteriores são elevados para o dobro.

4. Caso as infrações previstas nos n.ºs 1 e 2 sejam praticadas através de meios de comunicação social, nomeadamente em programa televisivo ou radiofónico que se dedique exclusiva ou principalmente à análise e comentário do futebol profissional, as sanções nele previstas são elevadas para o dobro.

(…)” – sublinhado nosso.

Por sua vez, dispõe o artigo 112º, nº1 do mesmo Regulamento que:


Artigo 112.º

Lesão da honra e da reputação dos órgãos da estrutura desportiva e dos seus membros


1. O clube que use de expressões, desenhos, escritos ou gestos injuriosos, difamatórios ou grosseiros para com órgãos da Liga Portugal ou da FPF e respetivos membros, árbitros, dirigentes, clubes e demais agentes desportivos, nomeadamente em virtude do exercício das suas funções desportivas, assim como incite à prática de atos violentos, conflituosos ou de indisciplina, é punido com a sanção de multa de montante a fixar entre o mínimo de 75 UC e o máximo de 350 UC.

Sobre a responsabilidade disciplinar do Arguido, ora Requerente, consta da decisão do CD da FPP, no processo nº 23 –23/2024, além do mais, o seguinte:

“(…)

20. Vejamos o que se expôs na decisão recorrida:

“ (…)

18. Com efeito, a conduta do Arguido, dirigente desportivo sujeito aos deveres gerais de respeito, urbanidade e lealdade/consideração para com os demais participantes em competições profissionais, nomeadamente para com os elementos da arbitragem, bem sabe que regulamentarmente a violação de tais deveres pode constituir infração mais grave, e.g. de lesão da honra/reputação quando profere afirmações, em especial como as partes destacadas na acusação e supra igualmente destacadas e sublinhadas em sede de factos considerados provados (cfr. o vertido no ponto 4.º de § Factos Provados), que consistem na invocação de alegados erros de arbitragem, para concluir que tal árbitro em concreto (T ………….) que “já ano passado com o G……… nos fez perder um campeonato (…) não falsear resultados como aconteceu hoje (…) . O FC Porto tem sido vergonhosamente prejudicado, sobretudo pelos VAR´s e espero que o Sr. F …….. [Presidente do Conselho de Arbitragem da FPF], mesmo com toda a campanha do Sr. T ………….. reflita e veja se realmente tem mão nisto ou se não tem é melhor dar lugar a outro”.

19. Ou seja, imputa à arbitragem uma concreta intenção de prejudicar a equipa do Arguido, ou como refere “falseando o resultado”, como aliás havia sido o causador da equipa ter perdido o campeonato na época anterior, constituindo tal saga uma verdadeira “campanha” daquele árbitro concreto contra a equipa do Arguido.

20. Não está em causa, como bem salienta o Arguido no seu Memorial de Defesa, e conforme à jurisprudência nacional e do TEDH pelo mesmo citada, a liberdade de expressão do Arguido para poder apontar o que, na sua perspetiva, constituem erros graves da arbitragem. O que até poderia fazer mesmo com alguma acutilância sem com isso houvesse qualquer responsabilidade disciplinar porquanto tal atuação ainda se encontra no âmbito do permitido ao abrigo da liberdade de expressão.

21. O que já não se pode permitir, sendo por isso proibido, é concluir que tais, alegados, erros decorrem de uma intenção, propósito ou vontade dos elementos de arbitragem tenham em prejudicar a equipa do Arguido, beneficiando propositadamente as demais.

22. É esta intenção e esta relação de causalidade ou conexão entre alegados erros e um claro propósito de prejudicar a equipa do Arguido (“uma campanha” para “falsear o resultado”), em benefício de outras adversárias, que conduzem precisamente à esfera do proibido e que, como tal, tem de ser sancionado porquanto afetar o núcleo da isenção e imparcialidade que a arbitragem pressupõe e que sendo posta em causa lesa igualmente a imagem e credibilidade das competições, além de contribuir para o crescimento de perigos efetivos de fenómenos de violência desportiva – qual combustível despejado em cima de uma fogueira incandescente de paixões, por vezes descontroladas, de alguns ainda que poucos adeptos, que degeneram em atividades criminosas (que põem em perigo a vida e integridade física e moral dos demais) além de violarem o fair play.

23. É indubitável, por isso, que tais expressões encerram um juízo depreciativo e difamatório que viola a dignidade e a honra profissionais dos agentes visados, mas acima de tudo valores desportivos que são inerentes ao exercício da função de arbitragem, como seja o da imparcialidade e idoneidade.

24. Para que ocorra a intenção de difamar outrem, basta que as expressões usadas tenham um sentido ou uma conotação social que, por si só, sejam idóneas a externar a tal falta de consideração e respeito, o que, sem dúvida, acontece com as expressões utilizadas em concreto ao explorarem alegados erros das diversas arbitragens para concluírem, precipitadamente, a existência de uma intenção clara de desfavorecer alguma equipa (como a do Arguido), em detrimento de favorecer outras equipas.

25. O Arguido atuou livremente e sem constrangimentos, até porque atuou no âmbito de uma conferência de imprensa para a qual nem estava vinculado a comparecer (e onde nem é habitual a ela comparecerem os Presidentes de Clubes), pelo que bem sabia do caráter excecional daquela iniciativa e da respetiva repercussão mediática, como de resto veio a suceder, pelo que bem conhecendo a carga desvaliosa das suas expressões e do caráter violador das normas que tal correspondia, foi porque sabia e quis agir de tal modo, ou seja, com dolo direto.

(…)”.

21. Acompanha-se tudo quanto foi expendido na decisão recorrida, por, no entender deste Conselho, ter elegido a solução certa. Na verdade, lidas as declarações não é possível acompanhar a conclusão de que as mesmas “mais não constituindo do que uma crítica objetiva à atuação profissional de determinados agentes desportivos” (ponto 46 das alegações) e de que “ nenhuma das expressões utilizadas atinge a bitola da relevância disciplinar.”

(…)

23. As declarações produzidas pelo Recorrente e que recuperam outras intervenções do VAR T …………….. na época anterior 7 , são gravosas em si porque desde logo levantam a suspeição de desfavorecimento intencional da Futebol ……………, Futebol SAD no que concerne à arbitragem, condicionando os resultados desportivos nas competições em que se encontra envolvida.

(..)

É esta a bitola que a jurisprudência dos Tribunais Superiores tem aplicado de forma uniforme na análise de críticas à arbitragem, ou seja, a presença ou não do elemento da intencionalidade dolosa do árbitro para favorecer ou prejudicar algumas equipas.

27. E tal intenção resulta do sentido social das expressões usadas e do conhecimento desse sentido por quem as proferiu. Nestas declarações, ao afirmar que os alegados erros cometidos pelos árbitros não decorreram de mera negligência (…) ,J …………………, está a insinuar que os árbitros e VAR para além de atuarem em desfavorecimento propositado da F………….., SAD, como se referiu, não adotaram critérios de objetividade e imparcialidade em jogos com a intervenção de outros clubes, isto é, insinua que os árbitros (em concreto, T ………….), de forma premeditada, beneficiam outras equipas que disputam as competições profissionais de futebol. As declarações em causa têm intrinsecamente a acusação de que eventuais erros de arbitragem foram intencionais ou que têm uma intenção de propositadamente prejudicar a sua equipa e de beneficiar outras, designadamente quando se refere aos erros do VAR. Estas expressões vão muito além da critica objetiva à atuação profissional de quem quer que seja.

28. É, pois, de concluir, que o Recorrente atuou com conhecimento e vontade de (i) proferir as declarações, que adquiriram ressonância pública, porque foram prestadas em conferência de imprensa que teve lugar após o final de um jogo, transmitida em direto em diversos órgãos de comunicação social, nomeadamente no canal televisivo desportivo «Sport TV», tendo sido também objecto de artigo na edição on-line do jornal «Record», como, aliás, bem enfatiza a decisão recorrida: (“25. O Arguido atuou livremente e sem constrangimentos, até porque atuou no âmbito de uma conferência de imprensa para a qual nem estava vinculado a comparecer (e onde nem é habitual a ela comparecerem os Presidentes de Clubes), pelo que bem sabia do caráter excecional daquela iniciativa e da respetiva repercussão mediática, como de resto veio a suceder, pelo que bem conhecendo a carga desvaliosa das suas expressões e do caráter violador das normas que tal correspondia, foi porque sabia e quis agir de tal modo, ou seja, com dolo direto.“), e de (ii) adotar aquele concreto comportamento, agindo dolosamente no sentido de atingir a honra do árbitro envolvido, assumindo, inclusivamente, potencialidade para gerar um crescente desrespeito pela arbitragem em geral. Declarações estas que a jurisprudência, abordando o contexto social do desporto, em particular o futebol, vem negando atribuir-lhe qualquer estatuto de exceção dentro do Estado de Direito português.

(…)

Não está em causa o direito do Recorrente em avaliar e criticar publicamente determinadas arbitragens, quando não concorde com o sentido das decisões tomadas. A arbitragem está, como qualquer outra atividade sujeita a apreciações sobre o desempenho dos seus profissionais. Mas tal não significa que, sob a capa de discordância, se propalem juízos depreciativos que ponham em causa a honorabilidade, competência e imparcialidade com que determinado agente deve exercer a sua função. Por isso não se podem acompanhar as alegações do Recorrente quando afirma que “25. Tudo o que o arguido faz, na realidade, é comentar (em termos depreciativos, é certo) a prestação profissional do VAR T ……………., atribuindo-lhe a responsabilidade por decisões que considera estarem tecnicamente incorrectas.”, e “46. (…) mais não constituindo do que uma crítica objetiva à actuação profissional de determinados agentes desportivos.”

34. As referidas declarações só se podem considerar justificadas pelo direito à liberdade de expressão caso assentem numa base de facto mínima convincente. A mera existência de erros na arbitragem não constitui uma base factual sólida e convincente das declarações no sentido de que os erros dos árbitros ( em concreto, de T……………..), nos jogos em que a F………… SAD participou, foram cometidos de forma dolosa. Dito de outra forma, não tendo ficado provado que os alegados erros do(s) árbitro(s) foram cometidos com dolo, as declarações não podem deixar de se considerar como ofensivas da honra e reputação. O mesmo é dizer que J ………….., com as declarações que proferiu, exorbitou a sua liberdade de expressão e, por isso, não estão, tais declarações, cobertas por uma causa de exclusão da ilicitude”.

A questão que aqui se coloca é, portanto, a de saber se as declarações proferidas pelo Requerente se podem, ou não, reputar como injuriosas, difamatórias ou grosseiras para com o árbitro visado, o Sr. T ………….. O Requerente entende que não; o Conselho Disciplinar entende que sim.

Também nós entendemos que as expressões usadas, tal como foram ditas e no contexto em que ocorreram (leia-se, numa conferência de imprensa que teve lugar após o final do jogo disputado, em 30 de abril de 2024, entre o E ………….. Futebol SAD e o Futebol ……….. – Futebol, SAD, a contar para a 27ª jornada da Liga Portugal Betclic, em que o Futebol ……….. perdeu o jogo), apresentam uma conotação injuriosa e grosseira, sendo ofensivas do respeito e consideração devidos ao árbitro e lesivas da sua honra profissional, já que colocam em causa, intencionalmente, a retidão e imparcialidade devida pelo mesmo na aplicação das regras do jogo.

Vejamos em detalhe, tendo presente o teor das declarações proferidas pelo Requerente e que constam do ponto 4 dos factos provados da decisão do CD. Daí consta, além do mais, que “(….) O que se passou nesta jornada é realmente o corolário do que vem acontecendo já há muitas. Inventou- se o VAR na esperança de que o VAR funcionasse... (...) e hoje um penálti flagrante, porque é uma cotovelada que o jogador do Estoril dá no S …………... Foi então ao VAR fazer asneiras e retificar uma coisa que estava certa. O Sr. T ………….. já ano passado com o G………..nos fez perder um campeonato. O Sr. T…………….tem a fama de ser o melhor VAR, mas não é e o Sr. T …………… em vez de estar preocupado em fazer campanha, como foi fazer ao Dragão pelo Sr. F …………, devia preocupar-se em arbitrar, em ser correto nas suas chamadas aos árbitros e não falsear resultados como aconteceu hoje. Se isto não é penálti, realmente penálti só se for o D …………. na Luz, onde aí foi o VAR que chamou. Há que ter em atenção porque o VAR não pode servir para dar emprego a árbitros despromovidos a árbitros reformados sem qualidade. E porque tem fama de que é o melhor faz sistematicamente coisas destas e induz o árbitro em erro. Acho que depois da má imagem que a arbitragem portuguesa deixou internacionalmente em Madrid, com este arbitro A ……………. no jogo Espanha-Brasil, acho que depois daquela vergonha que se viu no Bernabéu, este árbitro não tinha condições para hoje estar a apitar. O F ………… tem sido vergonhosamente prejudicado, sobretudo pelos VAR's e espero que o Sr. F........, mesmo com toda a campanha do Sr. T .......... reflita e veja se realmente tem mão nisto ou se nõo tem é melhor dar lugar a outro. Muito obrigado a todos.»

Com efeito, afirmar que “O Sr. T …………….. já no ano passado com o G………. nos fez perder um campeonato” ou que “O Sr. T ……………… (…) em vez de estar preocupado em fazer campanha, como foi fazer ao Dragão pelo Sr. F …………….., devia preocupar-se em arbitrar, em ser correto nas suas chamadas aos árbitros e não falsear resultados como aconteceu hoje” ou , ainda, que “O F …………….. tem sido vergonhosamente prejudicado, sobretudo pelos VAR´s”, tem ínsito um juízo de valor de premeditação na prática de erros apontados à atuação do árbitro com a intenção de prejudicar o F....

Na realidade, a alusão à circunstância de o Sr. T ……………., já no ano anterior, ter feito com que o F ………….. tivesse perdido um campeonato, remete-nos para uma alegada continuação no tempo da intenção de prejudicar o F ……….., parecendo que o Sr. T ……….., no jogo de 30 de abril, já tinha, como antes, tal intenção “de fazer perder”.

Por seu turno, afirmar que o visado, T …………., se devia preocupar em arbitrar e “não falsear resultados como aconteceu hoje” remete claramente para a ideia de intencionalidade na pretensão de deturpar/adulterar o resultado do jogo ocorrido naquele dia 30 de abril. Dito de outro modo, ao falsear os resultados, não emergiu o verdadeiro resultado do jogo.

De resto, o Arguido, aqui Requerente, após enumerar algumas situações que considera erros de arbitragem e referir-se à má prestação da arbitragem em ocasiões que não se limitam ao jogo de 30 de abril, afirma que o “F ………… tem sido vergonhosamente prejudicado”, sobretudo pelos VAR´s, o que inculca a ideia, ao menos numa partida de futebol e em contraponto com o adversário, de favorecer outra parte. A própria alusão “à campanha” que alegadamente o Sr. T …………… andava preocupado em fazer em vez de arbitrar e a alusão indireta a outro clube e a um penalti, nos termos em que surgem feitas, remete-nos para atuações que enviesam os resultados do F ……….. que vão para além do mero juízo objetivo.

Não se trata de uma mera opinião própria sobre erros de arbitragem, de uma mera e isenta enunciação de erros de arbitragem/VAR ou unicamente de uma crítica dura ou contundente, marcada pelo “subjetivismo, impulsividade e emotividade inegáveis”, com acolhimento na liberdade de expressão e no direito à crítica. Há uma imputação dos erros com o intuito de prejudicar os resultados do F ………., falseando a verdade desportiva (pelo árbitro em questão).

A liberdade de expressão não admite que se ofenda a honra profissional, desde logo através de insinuações, tantas vezes uma forma eficaz de a mesma ser posta em causa (vide, José Faria e Costa, in Comentário Conimbricense do Código Penal, parte especial, TI, Coimbra Editora, pág. 612).

Da análise que fazemos da jurisprudência do STA, proferida em casos idênticos ao que aqui se analisa, resulta que este Tribunal Superior tem vindo a entender que o uso de expressões que não se limitam a enunciar factos objetivos ou a exprimir opiniões acerca da sua qualificação à luz das regras do jogo e que afetam a honra e reputação dos árbitros, não se encontram justificadas pelo exercício do direito à liberdade de expressão, constituindo, antes, ilícitos disciplinares. Dito de outro modo, apreende-se um padrão de decisão, no sentido de que não consubstancia o ilícito previsto e punido pelo artigo aqui em causa, 112º, nº1 do RD, o comentário ao jogo e às decisões da arbitragem nele praticadas, sempre que tal comentário se limite a apontar erros técnicos (vide, acórdão do STA, de 10/11/22, proferido no processo nº 092/22.1 BCLSB).

Assim, e com interesse para sustentar o nosso entendimento, veja-se o que se decidiu no acórdão do STA de 11/03/2021, proc. n.º 053/20.5BCLSB, acessível em www.dgsi.pt, o seguinte:

“(…) Atendendo à factualidade dada como provada, inexistem dúvidas que foram proferidas e noticiadas declarações que preenchem o tipo de infracção disciplinar previsto no artº 112º do Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional (RDLPFP), como aliás tem vindo a ser repetido por acórdão proferidos neste STA – cfr. Acórdãos de 26.02.2019, in proc. nº 066/18.7BCLSB, de 04.06.2020, in proc. nº 0154/19.2BCLSB, de 21.05.2020, in proc. nº 0139/19.9BCLSB, de 10.09.2020, in proc. nº 038/19.4BCLSB, de 02.07.2020, in proc. nº 0139/19.9BCLSB e, de 29.02.2019, in proc. nº 66/18.7BCLSB.

Com efeito, consignou-se, a este propósito, num caso similar ao dos presentes autos, no Acórdão proferido em 10.09.2020, in proc. 038/19.4BCLSB de que fomos relatora, o seguinte:

«(…) estamos no âmbito de uma responsabilidade disciplinar, que não depende do preenchimento dos tipos legais de crime de difamação ou de injúrias, mas apenas da violação dos deveres gerais e especiais a que estão adstritos os clubes, e respectivos membros, dirigentes e demais agentes desportivos em relação a órgãos da Liga ou da FPF, respectivos membros, e elementos da equipa de arbitragem, entre outos, no âmbito dos regulamentos desportivos e demais legislação aplicável à realização das competições desportivas.

Estes deveres resultam exclusivamente, da conjugação dos artºs 19º e 112º do citado RDLPFP, não sendo necessário o recurso ao Código Penal para preencher o respectivo tipo disciplinar.

No nº 1 do artº 19º do RD em questão, estabelece-se que todos os clubes e agentes desportivos que, a qualquer título ou por qualquer motivo, exerçam funções ou desempenhem a sua actividade no âmbito das competições organizadas pela Liga Portugal «devem manter conduta conforme aos princípios desportivos de lealdade, probidade, verdade e rectidão em tudo o que diga respeito às relações de natureza desportiva, económica ou social».

E no nº 2 da citada norma, prevê-se de forma explícita a inibição daqueles mesmos sujeitos de «exprimir publicamente juízos ou afirmações lesivos da reputação de pessoas singulares ou colectivas ou dos órgãos intervenientes e seus agentes, nas competições organizadas pela Liga».

Ora, as declarações proferidas pelos arguidos visando os árbitros intervenientes, as decisões do Conselho de Arbitragem, designadamente do seu Presidente, não podem, nem devem considerar-se dentro da liberdade de expressão, nem constituir somente um excesso de linguagem “permitida” no mundo do futebol; ao invés, violam o bom nome e a reputação dos visados – árbitros e Presidente do Conselho de Arbitragem – quer perante a comunidade desportiva, quer perante toda a demais comunidade que ouviu e/ou leu as expressões proferidas, tentando ainda fazer uma pressão inadmissível sobre a arbitragem e seus agentes.

Com efeito, a denominada “linguagem desportiva” não permite que se profiram insultos e se façam difamações dirigidas aos árbitros e muito menos a quem os nomeia.

Mal seria que as expressões utilizadas pelos arguidos, se enquadrassem numa crítica meramente opinativa no seio do fervor desportivo, dado que não se limitam a enunciar factos objectivos ou a exprimir opiniões acerca da sua qualificação à luz das regras do jogo; pelo contrário, são de molde, a colocar em crise, quer objectiva, quer subjectivamente, a arbitragem em Portugal, a honra e reputação dos árbitros em questão e, em particular, a do Presidente do Conselho de Arbitragem, configurando insultos, injúrias e difamações em relação aos visados, que extravasam o direito de liberdade de expressão [artº 37º da CRP].

Veja-se a propósito da integração deste género de imputações, o que se deixou consignado no Ac. de 26.02.2019, in proc. nº 066/18.7BCLSB, onde se refere:

«Imputações estas, que atingem não só os árbitros envolvidos, como assumem potencialidade para gerar um crescente desrespeito pela arbitragem e, em geral, pela autoridade das instituições e entidades que regulamentam, dirigem e disciplinam o futebol em Portugal, sendo o sancionamento dos comportamentos injuriosos, difamatórios ou grosseiros necessário para a prevenção da violência no desporto, já que tais imputações potenciam comportamentos violentos, pondo em causa a ética desportiva que é o bem jurídico protegido pelas normas em causa».

E ainda o que se deixou consignado, a propósito da liberdade de expressão e informação, no Acórdão proferido em 04.06.2020, in proc. nº 0154/19.2BCLSB:

«(…)

Naturalmente, a liberdade de expressão e de informação não protege tais imputações, quando as mesmas não consubstanciem factos provados em juízo, ou objetivamente verificáveis, pois aquelas liberdades não são absolutas e tem de sofrer as restrições necessárias à salvaguarda de outros direitos fundamentais, como são os direitos de personalidade inerentes à honra e reputação das pessoas, garantidos pelo nº 1 do art.º 26.º da Constituição.

O disposto nos artigos 19.º e 112.º do RDLPFP não é, por isso, inconstitucional, nem os mesmos podem ser interpretados no sentido de que a liberdade de expressão e de informação se sobrepõe à honra e reputação de todos aqueles que intervém nas competições desportivas organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional, nomeadamente a dos respetivos árbitros, tanto mais que não está em causa a liberdade de expressão e de informação de órgãos de comunicação social independentes, mas da imprensa privada do próprio clube – cfr. art.º 112.º/4 do RDLPFP”. – fim de citação.

Convoca-se, ainda e exemplificativamente, para além da jurisprudência já citada a seguinte:

- no acórdão de 02/07/20, exarado no processo n.º 0139/19.9BCLSB, concluiu-se que: “I – Preenche a infracção disciplinar prevista e punida pelos artºs. 19.º e 112.º do RDLPFP a publicação de um artigo na “newsletter” de um clube desportivo onde se imputa ao VAR uma actuação deliberada de erro com o objectivo de favorecer um clube em detrimento de outro, colocando em causa a sua idoneidade para o exercício das funções que desempenha. II – Os citados preceitos do RDLPFP não podem ser interpretados no sentido de que a liberdade de expressão e de informação se sobrepõe à honra e reputação de todos aqueles que intervêm nas competições desportivas organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional.”. Em causa estava um comunicado com o seguinte teor: “A……… teve uma carreira de árbitro recheada de decisões insustentáveis e, agora como VAR, segue a mesma lamentável tradição. Ontem, na feira, assinalou um penálti a favor do Benfica depois de um toque tão levezinho que fez G……. cair em câmera (sic) lenta, mas fez vista grossa a dois lances na área do B………, um deles uma pisadela clara. Já no ano passado, também na Feira, o mesmo VAR deixou passar um penálti claríssimo sobre H………... Definitivamente, A… parece ter um problema com a imparcialidade, o que pode e deve afastá-lo dos jogos que vão decidir o campeonato”.

- no acórdão de 09/09/21, exarado no processo n.º 050/20.0BCLSB, sumariou-se o seguinte: “Questão diferente [da mera referência a erros de apreciação técnica] é o clube perdedor extravasar do plano objectivo dos erros técnicos implicados no resultado desfavorável e passar para o plano subjectivo, afirmando que os erros técnicos nas faltas assinaladas e omitidas foram levados à prática pela equipa de arbitragem por esta prever e querer o resultado desfavorável que veio a verificar-se, ou seja, imputando aos árbitros um agir claramente pré-ordenado e ilícito à luz do princípio da verdade desportiva, dirigido ao cometimento dos erros técnicos assinalados tendo por finalidade o resultado verificado”.

- no acórdão de 04/02/21, exarado no processo n.º 063/20.2BCLSB, sumariou-se o seguinte: “A modelação das exigências probatórias não deve atender apenas ao binómio ‘declaração factual’/‘juízo de valor’, mas, outrossim, dentro deste último, entre o que são críticas à aptidão profissional de um árbitro e o que são acusações de falseamento do resultado do jogo e do próprio campeonato nacional (ou seja, de corrupção desportiva) com vista a beneficiar um determinado clube”.

Com interesse, neste último aresto, pode ler-se, ainda, que:

“Ora, não se pode negar que os árbitros de futebol se prestam a este escrutínio público constante e atento. Escrutínio que se agravou com a utilização de novas tecnologias cada vez mais aperfeiçoadas, como o VAR, que facilitam a detecção de eventuais erros de arbitragem, com isso tornando os árbitros mais expostos a ideias sobre eles formadas e em larga medida difundidas pelos meios de comunicação social e pelas redes sociais, em especial as ligadas ao mundo futebolístico. Mas, do mesmo passo, não nos podemos esquecer que um árbitro de futebol é um “juiz” em campo, sendo o detentor do poder sancionatório sobre o terreno, exercido em grande parte para proteger os próprios jogadores (cumpre recordar que inicialmente os árbitros envergavam equipamento preto, cor da justiça). É necessário proteger a sua reputação e, concomitantemente, preservar a confiança do público que assiste aos espectáculos de futebol nos árbitros, em particular quando os ataques se tornam excessivamente frequentes e relacionados com hipotéticas e pouco circunstanciadas violações de deveres funcionais com o objectivo de favorecer determinado clube. Não podemos acreditar que aqueles que são os destinatários da informação ou opinião desportivas não sejam capazes de por si só, a partir de declarações objectivas e prudentes, extrair as suas próprias conclusões no que respeita à actuação dos árbitros e das respectivas equipas de arbitragem, havendo necessidade de terceiros os conduzirem a determinadas conclusões”.

Regressando ao caso concreto, partindo da leitura atenta do julgamento da matéria de facto e da sua motivação, tal como constam da decisão do CD da FPF, considerada a apreciação da responsabilidade disciplinar do Arguido, ora Requerente, concluímos – numa análise sumária e perfunctória – que os elementos evidenciados são se molde a sustentar a condenação do Requerente, no sentido de o Requerente ser responsável pelos juízos de valor tecidos acerca dos erros da arbitragem/VAR, pondo em causa a imparcialidade e credibilidade da pessoa em questão. Surgem, nas suas afirmações, suspeitas sobre a atuação do Sr. T ……………… (“falsear” e “já … nos fez perder um campeonato”), prejudiciais a uma equipa, o F ………….., o que é suscetível de ofender a honra e bom nome do árbitro visado. Tais declarações não se limitam ao comentário ao jogo e às decisões da arbitragem nele praticadas, apontando exclusivamente erros técnicos.

Ou seja, temos para nós que as afirmações proferidas pelo ora Requerente, no contexto em que o foram, ultrapassaram claramente o exercício do direito de crítica objetiva ao comportamento do árbitro/VAR. Pelo que o juízo formulado - aqui impugnado pelo Requerente – acerca do efetivo preenchimento dos elementos objetivos e subjetivos do tipo de ilícito disciplinar de referência, devidamente sustentado na motivação supra transcrita, face da jurisprudência que vimos de citar, não se apresenta como errado.

Por outro lado, mesmo considerando a Jurisprudência do TEDH, em concreto firmada a propósito da relevância do valor “liberdade de expressão”, não podemos perder de vista que a previsão da sanção punitiva aplicada em concreto não se esgota na ofensa da honra dos árbitros ou dos agentes desportivos, como também visa a tutela de outros valores, como a prevenção da indisciplina e da violência no desporto. Tem, também, pressuposto, a prevenção de comportamentos social ou desportivamente incorretos. Donde, corresponder, também, a uma necessidade social premente e, por isso, consubstanciar uma compressão razoável ou proporcional do direito de “liberdade de expressão”.

Assim, não surge como provável que a pretensão formulada no processo venha a ser julgada procedente (sem prejuízo de, na ação principal, se proceder a uma análise jurídica mais profunda). Tenhamos presente que estamos no domínio cautelar, “por definição de natureza instrumental, com prova sumária e perfunctória, não sendo, portanto, exigível uma prova total para a decisão cautelar. Essa tarefa instrutória e de produção e decisão da prova ficará reservada para a ação principal, sob pena de se desvirtuar a perfunctoriedade dos processos cautelares”. – cfr. decisão do Presidente do TCA, de 20/01/23, processo nº 17/23.7 BCLSB.

A apreciação que é feita em sede de procedimento de cautelar assenta, assim, num mero juízo de verosimilhança. Ao apreciar a providência, o tribunal “não se baseia sobre a certeza do direito do requerente, mas apenas sobre uma probabilidade séria da existência desse direito (fumus boni iuris; summaria cognitio; não verdadeira prova, mas simples justificação)” (cfr. Manuel A. Domingues de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, reimpressão, 1993, p. 9).

Por outras palavras, a providência requerida não passa o crivo do requisito do fumus boni juris.

Assim sendo, concluindo, não se dando por verificado o requisito do fumus boni iuris, desnecessário se torna, por prejudicado, conhecer do alegado a propósito do periculum in mora (bem como do requisito da proporcionalidade do decretamento da providência que sempre cumpriria apreciar) uma vez que o decretamento da providência sempre depende da sua verificação cumulativa.

Nada mais, nesta sede, cumpre apreciar.


*

VI - DECISÃO

Pelo exposto, decide-se julgar improcedente a providência cautelar requerida.

Custas da responsabilidade do Requerente.

Notifique pelo meio mais expedito; também o TAD.

Lisboa, 17 de março de 2024


A Juíza Presidente,