Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 824/14.1BELLE |
| Secção: | CA |
| Data do Acordão: | 11/20/2025 |
| Relator: | ILDA CÔCO |
| Sumário: | |
| Votação: | UNANIMIDADE |
| Indicações Eventuais: | Subsecção Administrativa Social |
| Aditamento: |
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| Decisão Texto Integral: | Acórdão
I – Relatório AA intentou, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, acção administrativa comum contra o Estado Português, pedindo a condenação do réu a pagar-lhe “as quantias de: a. 57.118,59 euros, correspondente às verbas indicadas supra nos nºs 36, 40 e 71; b. Os juros vencidos sobre aquela quantia, à taxa legal, no montante de 16.728,14 euros; c. Os danos não patrimoniais (ou morais) por cada um dos itens especificados supra no nº89, em montantes a fixar pelo tribunal; d. Os juros moratórios que se vencerem desde a data da citação até integral pagamento”. Por decisão proferida em 11/11/2016, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé julgou verificada a “ilegalidade da cumulação de pretensões” e, em consequência, absolveu a entidade demandada da instância quanto a todos os pedidos formulados. Por Acórdão deste Tribunal Central Administrativo Sul de 01/06/2017, a decisão proferida em 11/11/2016 foi revogada. Remetidos os autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, foi proferido despacho saneador, com identificação do objecto do litígio e enunciação dos temas da prova, e realizada a audiência de julgamento. Por sentença proferida em 03/10/2019, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé julgou a acção improcedente e absolveu o réu dos pedidos. Inconformada, a autora interpôs recurso da sentença para este Tribunal Central Administrativo Sul, terminando as alegações de recurso com as seguintes conclusões, que se transcrevem: i. A douta sentença reconhece que se verificam os pressupostos legais da responsabilidade civil – facto ilegal, ilícito, culposo – por força da aposentação compulsiva invalidada a que a autora foi submetida durante oito anos; ii. Como superiormente julgado no douto acórdão do TCAS de 01/06/2017 (1ª espécie, 2º Juízo, 1ª secção administrativa, de que foi Relator o Venerando Desembargador Paulo Pereira Gouveia), nos presentes autos a autora formula dois pedidos em cumulação real, decorrentes do ato administrativo invalidado e da lentidão anormal do processo administrativo em que tal invalidade foi julgada; iii. No art. 43 da p.i. estão calculados os juros devidos a título de atraso de pagamento das remunerações em 16.127,00 euros, quantia que é indicada no pedido formulado a final, na alínea b) do peticionário, devendo ser julgada nos presentes autos, como decidido no douto acórdão do TCAS; iv. Pelo pagamento num só momento das remunerações devidas em quase 8 anos, a autora recebeu quantia líquida menor, do que se tivesse recebido mensal e pontualmente, por força das retenções de IRS a taxa indicada pelo montante global, prejuízo que foi necessária e suficientemente causado pelo ato ilícito de aposentação compulsiva; v. Deve concluir-se que a autora tem direito a ser compensada em montante igual a tal diferença –vide acórdão do TCAS de 16/04/2015, proc. 11925/15, in dgsi.pt – correspondente a 40.506,30 euros, montante especificados no art. 40 da p.i. e devidamente peticionado; vi. Como declarado na alínea NN dos factos provados, “A A. suportou com honorários e despesas do Ilustre Mandatário no âmbito do mandato judicial no processo 190/07.1... a quantia de €15.375,00 euros, correspondentes a €12.500,00 de honorários e a €2.875,00 de IVA”; vii. Todavia, a douta sentença não se pronuncia sobre tal questão, como também não se pronuncia sobre as taxas pagas nos referidos autos, peticionadas na alínea a), por referência aos arts. 70 e 71 da p.i.; viii. Trata-se, salvo melhor entendimento, de omissão de pronúncia, que deve ser suprida, condenando-se o Estado a pagar a tais títulos as quantias de 15.375,00 e de 461,40 euros – vide neste sentido Ac. TCAS, de 08/05/2014, Proc. n.º 08642/12, in dgsi.pt; ix. No acórdão penal referido nos factos provados, provou-se que a arguida estava realmente afetada no seu comportamento por doença do foro psiquiátrico, quando cometeu os factos que originaram tanto o processo disciplinar, como o processo crime – donde o bem fundado da douta decisão judicial que invalidou a decisão de aposentação compulsiva, que não decorreu apenas de uma omissão formal do processo disciplinar, mas também de um contexto factual pertinente em sede de medida da pena disciplinar, com relevância decisiva na atenuação especial da pena, a ponto de, por 4 crimes patrimoniais graves em abstrato, a pena aplicada foi de 600 dias de multa; x. A sentença penal liberta: delimitando a gravidade do crime através da pena, a condenação é ela própria uma via de reintegração social – foi o que ocorreu com a autora ao longo de todo o processo; xi. falta em que a autora incorreu jamais justificariam a medida drástica de aposentação compulsiva – como aliás sucede algumas vezes, em casos semelhantes, documentados em vários acórdãos dos Tribunais Administrativos e até na prática disciplinar da Administração Pública; xii. Não se compreende qual a parte dos danos morais especificados no art. 89 da p.i. que a douta sentença considera confundir-se com o processo crime (multa de 600 dias a 5€ diários, no total de 3000,00€) ou no processo disciplinar (que não houve, pelo menos devidamente instruído) – confusão que inquina a douta sentença de nulidade; xiii. Na verdade, todos aqueles itens estão provados e resultam da evidência e das regras da experiência comum, em nada se confundem com aspetos da vida que não contendam e decorram direta e necessariamente da aposentação compulsiva invalidada; xiv. Pela sua gravidade e reiteração ao longo de 8 anos, deve julgar-se adequada a indemnização global por danos morais em 75.000,00 euros. Consequentemente, deve a douta sentença ser revogada, por ilegalidade, nulidade e omissão de pronúncia e substituída por douto acórdão que condene o Estado Português a pagar à recorrente as quantias peticionadas. O Estado Português apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem: 1. A Autora considera nula a sentença por esta não ter considerado os danos não patrimoniais por si sofridos na sequência do processo disciplinar de que foi alvo – o que considera suceder por o Tribunal a quo ter incorrido em confusão. 2. Contudo, a sentença não é ambígua ou obscura porquanto só tem um sentido e uma interpretação: o Réu Estado não é responsável por quaisquer danos indemnizáveis e, por isso, foi absolvido dos pedidos. 3. A Recorrente considera que a liquidação do IRS efectuada aquando da reposição dos salários que deixou de perceber no período em que se manteve a pena de aposentação compulsiva que lhe havia sido aplicada foi correcta e cumpriu as regras tributárias em vigor mas, ainda assim, causou-lhe prejuízos porque, se tivesse recebido mensalmente o seu ordenado, não teria sido sujeita a uma taxa de IRS tão elevada (o que, diga-se, entra em contradição com o que alegara na petição inicial, onde considerara que a liquidação do IRS havia sido mal feita). 4. A argumentação encerra em si uma contradição insanável: ou a taxa foi bem aplicada e, assim, não teve qualquer prejuízo, ou a taxa de IRS foi mal aplicada e, com isso, procedeu ao pagamento de uma quantia a título daquele imposto que não deveria ter pago. 5. Desta forma o que está em causa é a aplicação da taxa de IRS aos montantes que lhe foram entregues, o que, conforme resulta do art.º 97.º, n.º 1, al. a), do CPPT está subtraído à competência deste Tribunal Administrativo. 6. Muito embora na sentença se tenha concluído não dever ser apreciado o pedido feito em sede de pagamento de juros porquanto o mesmo não consta do petitório quando, na verdade, tal pedido foi efectivamente efectuado, o certo é que a questão em apreço é absolutamente inócua tendo em conta a decisão tomada: é que, não tendo sido atribuída qualquer indemnização à Autora, nomeadamente no que respeita à liquidação de IRS, não há que calcular qualquer montante a título de juros. 7. É verdade que a douta sentença não se pronunciou quanto ao valor peticionado a título de honorários, muito embora tenha dado como provado (mal, como referido no recurso subordinado por nós apresentado) que a Autora pagou a título de honorários pelos serviços prestados no âmbito do processo judicial n.º 190/07 a quantia de € 15.375 euros. 8. Não obstante, nesta sede sempre se dirá que o julgamento que se faça quanto a esta questão deverá ter em conta que não foi apresentada qualquer prova de que o mandatário da Autora tenha, efectivamente, despendido as horas e tenha efectuado as deslocações referidas no art.º 68.º da Petição Inicial e que fundamentam o pedido efectuado porquanto em momento algum foi apresentada nota discriminativa dos honorários, obrigatória face ao disposto no art.º 100.º, n.º 2, do Estatuto da Ordem dos Advogados então em vigor (aprovado pela Lei n.º15/2005, de 26/01). 9. Verificando-se que o Mandatário da Autora não apresentou peças processuais que justifiquem o alegado trabalho efectivo, e ainda o período em relação ao qual interveio (apenas durante o tempo que o processo correu os seus termos no TAF de Loulé, já que não teve qualquer intervenção relevante no TCA Sul), o valor demandado é manifestamente excessivo, pelo que nunca deveria ser atendida a totalidade do valor indicado, mas antes um valor adequado ao efectivo trabalho por ele prestado. 10. Não consta da sentença que a Autora se tenha sentido humilhada e triste por causa do processo disciplinar de que foi alvo, ou que tenha sofrido danos não patrimoniais por causa desse mesmo processo (que qualifica de iníquo e desproporcional) pelo que, com base nestes factos, nunca poderia o Estado Português ser condenado no pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais sofridos por causa do processo disciplinar que veio a ser anulado. 11. Não concordando a Autora com os factos provados teria que impugnar a matéria de facto, cumprindo o ónus consagrado no art.º640.º do Código de Processo Civil, o que não fez, nomeadamente (a) não identificou quaisquer pontos de facto considerados incorrectamente julgados; (b) não indicou os meios probatórios que deveriam ter levado o Tribunal a considerar provados os factos reveladores dos danos não patrimoniais por si sofridos; e (c) não indicou os factos que deveriam ter sido julgados provados. 12. Está vedada, assim, ao Tribunal a alteração da matéria de facto provada na sentença e, com base na matéria provada tal como está, não se provou a existência de qualquer dano decorrente da actuação do estado Português. 13. Mesmo que assim não se considere, a verdade é que não se provou qualquer nexo de causalidade entre o processo disciplinar de que a Recorrente foi alvo e danos não patrimoniais eventualmente existentes porquanto os sentimentos de tristeza e de humilhação, de acordo com as regras de experiência comum, terão resultado do processo crime – público e noticiado – de que foi alvo e que culminou com a sua própria condenação, não colhendo o argumento que aquele foi libertador e, por isso, insusceptível de causar embaraço ou vergonha. 14. Não há igualmente qualquer atraso na justiça que determine a necessidade de atribuição de reparação à Recorrente. 15. Em primeiro lugar porque não foram provados quaisquer factos dos quais se infira a ocorrência de danos por parte da ora recorrente por causa da delonga injustificada na administração da justiça, não tendo esta, nas alegações apresentadas, invocado quaisquer elementos de prova que determinassem uma apreciação fáctica diversa, ou indicado factos que considerasse que se deveriam ter dado como provados e que não o foram, assim não cumprindo o ónus imposto pelo art.º 640.º do CPC. 16. Por outro lado, na sentença foi efectuada uma detalhada análise do processo judicial que correu os seus termos neste TAF e no TCA Sul, verificando-se que em primeira instância nunca o processo esteve parado de forma significativa, tendo sempre avançado a um ritmo normal e dentro dos prazos razoáveis – menos de 3 anos, prazo este considerado adequado pelas instâncias europeias e nacionais em numerosa jurisprudência facilmente consultável em www.dgsi.pt. 17. Não se diga igualmente que a apresentação de recurso por uma das partes constituiu um acto deliberado de falta de colaboração com a justiça e um ataque à contra-parte porquanto o mesmo traduziu, apenas, o uso de um direito constitucionalmente consagrado – o direito ao recurso, o direito a que outra instância apreciasse uma situação de facto com cuja resolução jurídica não se concordou. 18. Considerando, por um lado, a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem que tem qualificado como razoável a duração média global da lide de 4 a 6 anos, e, por outro, que o processo esteve cerca de 4 anos em apreciação no TCA Sul, tribunal instalado há pouco tempo e rapidamente inundado com um número invulgar de recursos, fruto de uma crescente litigância da área administrativa que não era de todo expectável, temos que a duração global daquele processo não saiu de forma significativa das balizas estabelecidas no que tange à duração aceitável de processos e que, por isso, não existe ilicitude ou culpa capazes de sustentar a responsabilidade do Estado Português – como bem se decidiu na sentença em crise. O Estado Português interpôs recurso subordinado da sentença, terminando as alegações de recurso com as seguintes conclusões, que numerámos e se transcrevem: 1. O presente recurso subordinado reporta-se a dois segmentos da decisão proferida: por um, lado, a prova do facto sob a alínea NN e, por outro, a conclusão de que o Estado Português agiu de forma ilícita e culposa. 2. Assim, provou-se na douta sentença, sob a alínea NN dos factos provados, que “A A. suportou com honorários e despesas do Ilustre Mandatário no âmbito do mandato judicial no processo 190/07.1... a quantia de €15.375,00 euros, correspondentes a €12.500,00 de honorários e a €2.875,00 de IVA (cfr. fls. 111 dos autos);” 3. Salvo o devido respeito, este facto nunca poderia ter sido considerado provado. 4. Em primeiro lugar porque, nos termos do disposto no art.º 100.º, n.º 2, do Estatuto da Ordem dos Advogados (na versão então em vigor), a única forma de comprovar os serviços efectivamente prestados é através de uma nota discriminativa de honorários, sendo que tal nota discriminativa nunca foi apresentada nem junta a estes autos. 5. Tendo o recibo de pagamento sido o único elemento de prova que sustentou o facto acima indicado (e que está junto a fls. 110 dos autos, e não 111 como, certamente por lapso, se escreveu na sentença), verifica-se que o mesmo é manifestamente insuficiente para o fazer. 6. Depois, a Autora e ora Recorrente alega que tal pagamento correspondeu a serviços prestados ao longo de mais de 9 anos no âmbito do processo judicial 190/07 quando, na verdade, tal processo teve a duração de cerca de 6 anos e 10 meses. Trata-se, por isso, de um facto que foi alegado de forma contraditória e que, à falta de qualquer outro elemento de prova, deveria ter determinado que o facto descrito no ponto NN fosse dado como não provado. 7. Acresce que aquele facto provado contém em si mesmo uma contradição: é que se refere que a A. pagou de despesas e honorários uma determinada quantia, mas, analisando o recibo pago, verifica-se que todo o valor ali mencionado se reporta exclusivamente a honorários. Assim, não se compreende como foi possível englobar o item despesas naquela alínea quando nem sequer o recibo detalha ou refere sequer tais despesas. 8. Cabia à Autora fazer prova dos factos por si alegados, o que não logrou fazer, pelo que o facto acima indicado deverá ser retirado da matéria tida como assente e ser dado como não provado. 9. Em sua substituição poderá ser dado como provado que a Autora procedeu ao pagamento de € 15.375 euros ao seu mandatário. 10. Ao decidir como decidiu violou a douta sentença o disposto no art.º 342.º, n.º1, do Código Civil, e no art.º 100.º, n.º 2, do Estatuto da Ordem dos Advogados, na versão então em vigor (aprovada pela Lei n.º 15/2005, de 26/01); 11. Tendo em conta a circunstância de o concreto acto administrativo ter sido produzido antes da entrada em vigor da Lei n.º 67/2007, cabe sublinhar que se aplica o regime da Lei n.º 48051 de 1967, e que este, ao contrário do diploma que rege agora esta matéria, não contemplava qualquer presunção de culpa (leve) quanto à actuação do agente; dito de outro modo, no regime anteriormente vigente a prova da culpa estava a cabo da parte que a invocava, não tendo que ser a administração a provar não ter actuado com culpa (leve). 12. Na sentença ora em crise entendeu-se que a ilicitude da conduta se fundou na não determinação da realização de exame pericial depois de terem sido juntos diversos relatórios médicos, e que essa mesma circunstância determina, igualmente, a consideração de ter havido uma actuação culposa - ou seja, a anti juridicidade da conduta (anti juridicidade porque determinante da nulidade do processo disciplinar) fez presumir de imediato a existência de uma conduta ilícita e culposa. 13. Como é consabido existem duas formas de encarar a ilicitude e a culpa como pressupostos da responsabilidade civil extracontratual: uma mais tradicional, segundo a qual a ilicitude se consubstancia numa contrariedade objectiva do comportamento do agente face aos ditames da ordem jurídica, e a culpa como uma censurabilidade subjectiva, ou seja, enquanto um juízo de censura ao lesante (porque podia e devia ter actuado de modo diverso); do outro lado surge uma outra de acordo com a qual a própria ilicitude tem uma dimensão subjectiva, afirmando-se que a existência da ilicitude pressupõe uma necessária consideração de que o comportamento do agente violou um dever por lhe ser exigível a adopção de outro comportamento. 14. O conceito menos tradicional tem sido o que prevalece, nos nossos dias, quer na doutrina, quer na jurisprudência, assumindo-se desta forma como dominante e segundo o qual ilicitude e culpa não podem ser dissociados. 15. Assim, para verificar se uma determinada conduta é ilícita mostra-se necessário perceber se o agente violou os deveres de diligência e de cuidado que lhe eram exigíveis. 16. Determina o art.º 487.º do Código Civil que “a culpa é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso” e, em direito administrativo, tem-se entendido que “o conceito de “bonus pater famílias” na diligência exigível a um funcionário ou agente típico, isto é, respeitador da lei e dos regulamentos e das “legis artis” aplicáveis aos actos ou operações materiais que tem o dever de praticar (…)”. 17. Encontrando-se na ilicitude esta dimensão subjectiva, e compreendendo os parâmetros dentro dos quais se deve apreciar a conduta do agente do Estado, cabe perguntar se se deve qualificar como ilícita toda a conduta da qual tenha resultado a prática de um acto que, por se ter considerado ilegal, foi expurgado da ordem jurídica – e a resposta terá de ser negativa. 18. No caso concreto verifica-se que os exames médicos juntos no Processo Disciplinar foram suficientes para apurar a imputabilidade da ora Autora no âmbito do processo-crime em que a mesma foi condenada, conforme resulta do probatório. Ou seja, um colectivo de três Juízes considerou que aqueles exames eram suficientes, no que foi confirmado pelo Tribunal da Relação de Évora, depois de, nas conclusões de recurso, a ora Autora ter questionado a sua imputabilidade. 19. O facto de um funcionário administrativo ter chegado a idêntica conclusão, no sentido de que os exames existentes eram suficientes para considerar que a ora Autora era imputável (ainda que em sede jurisdicional se tenha concluído ser necessária a realização de um exame), não pode nunca levar a que se considere que não agiu com o zelo e os conhecimentos a que estava obrigado e de que era capaz, ou seja, de que agiu com culpa. 20. Não nos esqueçamos que “a referência ao titular do órgão, funcionário ou agente zeloso e cumpridor revela que o modelo abstracto do comportamento devido, para efeito de aferir a existência de culpa, é o titular do órgão medianamente diligente; sendo assim, a culpa não tem de ser avaliada segundo elevados padrões de competência técnica, de profissionalismo ou de eficiência (que deveriam ser idealmente os critérios de exigência de qualquer actuação administrativa), mas segundo o que seria normalmente exigível, nas circunstâncias do caso, para quem detém a qualidade de titular de órgão administrativo ou funcionário.” (Carlos Cadilha, Regime da Resp. Civil Extracontratual do Estado…, p. 198). 21. A tudo isto acresce que a determinação da realização de um exame pericial não determina, de per se, que a decisão proferida no processo disciplinar fosse diferente da que foi tomada: tratou-se, pois, quando muito, de um vício procedimental porquanto se traduziu na omissão de uma diligência que, na perspectiva do Tribunal, seria essencial para a boa decisão da causa. Mas essa diligência não determinaria, automaticamente, que a decisão tomada fosse ao encontro da pretensão da ora Autora. 22. Entendemos, assim, que os factos apurados e dados como provados não permitem concluir que o Estado Português actuou de forma ilícita e culposa. 23. Ao decidir como decidiu a douta sentença incorreu em erro de julgamento de direito, por errada interpretação e aplicação dos arts. 2.º, 4.º e 6.º do Decreto-Lei n.º 48051, de 21 de Novembro de 1967, e art.º 483.º do Código Civil (CC) quanto aos pressupostos da ilicitude e da culpa, preceitos estes que violou. Pelo exposto, deverá ser dado provimento ao presente Recurso subordinado e determinar-se: a. A retirada do facto NN) da sentença e a sua substituição por outro que refira que “A autora pagou a quantia de € 15.375 euros ao seu mandatário, Dr. BB”; b. Que o Estado Português não actuou de forma ilícita ou culposa no âmbito do processo disciplinar no qual foi produzido o acto administrativo declarado nulo por sentença proferida do processo n.º190/07.1... A autora apresentou contra-alegações no recurso subordinado, formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem: a. O MP reconhece o documento fiscal (recibo verde de honorários junto com a p.i.), que não impugnou, pelo que reconhece que a quantia paga pela autora é relativa ao processo dos autos, cuja bondade não impugnou, por laudo de honorários ou qualquer outro tipo de prova; b. Consequentemente falece em absoluto o argumento do MP – art. 346 do CC e art. 446, nº 3, do CPC; c. Dos factos provados nas alíneas A) a DD) se prova que o advogado desempenhou funções efectivas e relevantes naqueles autos – que estão apensos ao processo principal, com todos os articulados e intervenções do advogado, e que o MP não impugnou; d. O art. 100, nº 2, do anterior Estatuto da Ordem dos Advogados regulava exclusivamente as relações dos advogados com os clientes, sendo certo que a nota de honorários é dispensável quando há acordo entre o advogado e o cliente, como dispõe o mesmo estatuto e tem sido julgado pela nossa jurisprudência – vide acórdão da Relação do Porto de 15/02/2012 (proc. 2415/09.0...-B.P1); e. Como à saciedade demonstra o douto acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, nº 06324/10, proferido nos autos em causa, a decisão de aposentação compulsiva violou o direito de defesa em processo disciplinar, de modo grosseiro, por mera cogitação e sem ponderação das doenças que afligiam a funcionária – o que necessariamente afetou não só o procedimento, como a decisão disciplinar, de modo atroz; f. No processo criminal 212/05.0... KKK, de Loulé, foi dado por provado que a arguida agiu sob um surto psicótico que condicionou a sua atuação, motivo que relevou para a suavização da pena (multa) pelo Tribunal da Relação de Évora, como consta dos autos; g. Mutatis mutandis, se em sede penal a doença relevou, relevaria também, apurada que fosse, no processo administrativo: Donde o processo criminal indicia também o erro grosseiro para efeitos de culpa nos presentes autos. h. Está provado que houve violação de norma legal, no âmbito do direito de defesa em processo disciplinar, pelo que está verificada a ilicitude, nos termos do art. 6 do Decreto-Lei n.º 48051. i. Houve também violação do princípio da boa fé, fixado no art. 762, nº 2, do Código Civil. j. Donde se conclui pela culpa negligente e grosseira, bem decidindo a sentença recorrida, nesta parte, na senda da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, como se apura designadamente do acórdão de 30/10/1990 (proc. 014198) e do acórdão do TCAN de 27/01/2017 (proc. 00129/08.7..., ambos consultáveis em dgsi.pt). Termos em que deve o recurso subordinado ser julgado improcedente. * Com dispensa de vistos, nos termos do disposto no n.º4 do artigo 657.º do CPC, vem o processo à conferência para julgamento. * II – Questões a decidir Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da respectiva alegação, as questões decidir são as seguintes: i. saber se a sentença recorrida padece de nulidade (recurso independente); ii. saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento de facto, devendo ser alterado o facto da alínea NN) da factualidade provada (recurso subordinado) iii. saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento de direito, em virtude de o Estado não ter actuado de forma ilícita ou culposa no âmbito do processo disciplinar no qual foi praticado o acto administrativo declarado nulo pela sentença proferida no Processo n.º190/07.1..., que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé (recurso subordinado); iv. saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento de direito, em virtude de se encontrarem preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado pelo exercício da função administrativa, designadamente, o dano, devendo o Estado ser condenado a pagar à recorrente principal as quantias peticionadas (recurso independente). * III – Fundamentação 3.1 – De Facto A decisão da matéria de facto que consta da sentença recorrida tem o seguinte teor: II-1- Factualidade provada: Dos documentos e elementos constantes dos autos, com interesse para a decisão da causa e de acordo com as soluções plausíveis de direito, julgo provada a seguinte factualidade: A. Em 16/01/2007, foi praticado pelo ... e da Justiça, o acto que determinou a aposentação compulsiva da A. (por consulta do processo 190/07.1...); B. A A. apresentou, em 02/04/2007, neste Tribunal, acção administrativa especial na qual pediu a declaração de nulidade do despacho referido na alínea precedente, com fundamento em manifesta ilegalidade e omissão de diligência essencial para a defesa e para a boa decisão da causa (por consulta do processo 190/07.1...); C. A acção foi distribuída e adquiriu o nº de processo, 190/07.1... (por consulta do processo 190/07.1...); D. A remessa de citação ao Réu para contestar ocorreu em 11 de Abril de 2007, tendo o mesmo dado entrada da sua contestação em 15 de Maio de 2007 (consulta do processo 190/07.1...); E. A notificação ao Ministério Público determinada no art. 85° do CPTA ocorreu em 5 de Junho de 2007 (consulta do processo 190/07.1...); F. Em 4 de Julho de 2007, os autos foram conclusos à Mma. Juíza, que proferiu despacho a dispensar a inquirição de testemunhas no dia 9 de Julho de 2007 (consulta do processo 190/07.1...); G. Em 18 de Julho de 2007 deu entrada um requerimento subscrito pela ora A., o qual foi apreciado por despacho de 11 de Outubro de 2007 (sendo que os autos haviam sido conclusos em 20 de Julho de 2007) (consulta do processo 190/07.1...); H. Após cumprimento do despacho, foram os autos conclusos à Mma. Juíza em 13 de Dezembro de 2007, tendo a mesma proferido despacho em 28 de Fevereiro de 2008 (consulta do processo 190/07.1...); I. Na sequência da notificação do despacho anterior, em 17 de Março de 2008, a A. deu entrada de recurso em 4 de Abril de 2008 (consulta do processo 190/07.1...); J. Em 21 de Abril de 2008 foi aberta conclusão à Mma. Juíza que, por despacho de 23 de Abril de 2008, determinou a notificação do Réu para, querendo, contra-alegar (consulta do processo 190/07.1...); K. As contra-alegações do Réu deram entrada em 12 de Junho de 2008 e, por despacho de 17 de Junho de 2008, foi o Recurso admitido, tendo sido atribuído ao mesmo efeito suspensivo (consulta do processo 190/07.1...); L. Em 5 de Dezembro de 2008, foram os autos remetidos ao TCA Sul, tendo sido presentes ao Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto para parecer (consulta do processo 190/07.1...); M. Em 27 de Janeiro de 2009, foram os autos conclusos ao Mm.° Juiz Relator do TCA Sul que, por despacho de 5 de Fevereiro de 2009, rejeitou o recurso interposto (consulta do processo 190/07.1...); N. Em 26 de Março de 2009, foram os autos remetidos a este TAF de Loulé (consulta do processo 190/07.1...); O. Em 31 de Março de 2009, foram conclusos à Mma. Juíza que, nesse mesmo dia, ordenou a notificação das partes para apresentação de alegações (consulta do processo 190/07.1...); P. Em 28 de Abril de 2009, a A. apresentou as suas alegações escritas (consulta do processo 190/07.1...); Q. Em 29 de Abril de 2009, foi o Réu notificado para apresentar as suas alegações, o que aconteceu em 27 de Maio de (consulta do processo 190/07.1...); R. Em 22 de Junho de 2009, foram os autos conclusos (consulta do processo 190/07.1...); S. Em 3 de Setembro de 2009, foi proferida sentença dando razão à A., a qual foi notificada às partes e ao Ministério Público em 16 de Setembro de 2009 (consulta do processo 190/07.1...); T. Em 21 de Outubro de 2009 deu entrada um recurso elaborado pelo Réu, e, em 20 de Janeiro de 2010, foram os autos conclusos (consulta do processo 190/07.1...); U. Nessa mesma data, a Mma. Juíza determinou a notificação da A., a qual, em 15 de Fevereiro de 2010, deu entrada das respectivas contraalegações (consulta do processo 190/07.1...); V. Foram os autos conclusos em 25 de Março de 2010 e, por despacho de 26 de Março de 2010 foi o recurso admitido e determinada a remessa dos autos ao TCA Sul, o que veio a suceder em 29 de Abril de 2010 (consulta do processo 190/07.1...); W. Chegados ao TCA Sul, foram os autos apresentados ao Sr. Procurador-Geral Adjunto em 17 de Maio de 2010, e apresentados ao Sr. Juiz Relator em 8 de Junho de 2010 (consulta do processo 190/07.1...); X. Os autos foram com vistos aos Srs. Juízes em 14, 17 e 21 de Junho de 2010 (consulta do processo 190/07.1...); Y. Em 22 de Setembro de 2010 foram os autos cobrados ao Mm.° Juiz Relator, porquanto o mesmo foi movimentado, e apresentado a um novo Juiz Relator em 22 de Setembro de 2010 (consulta do processo 190/07.1...); Z. De seguida, os autos foram com vistos autos demais Srs. Juízes, os quais apuseram o seu visto em 23 e 27 de Setembro de 2010 (consulta do processo 190/07.1...); AA. Em 1 de Junho de 2012 e 11 de Outubro de 2013, os autos foram cobrados ao Sr. Juiz Relator para junção de requerimento apresentado pelo Mandatário da A., a indicar nova morada, e novamente conclusos (consulta do processo 190/07.1...); BB. Em 6 de Fevereiro de 2014 foi proferido acórdão, que manteve a decisão da primeira instância e remetidos a este Tribunal (consulta do processo 190/07.1...); CC. Em 04/04/2014, foram os autos conclusos à Mma. Juíza, tendo a mesma proferido despacho a determinar “à conta” em 07/04/2014 (consulta do processo 190/07.1...); DD. A A. não apresentou qualquer requerimento a pedir a aceleração do processo, quer na 1ª instância, quer no tribunal de recurso (consulta do processo 190/07.1...); EE. Entre 2010 e 2014 foram distribuídos no Tribunal Central Administrativo Sul em média, anualmente, cerca de 200 processos (cfr. fls. 183e 184 dos autos); FF. Em cumprimento do Acórdão que confirmou a sentença que declarou a nulidade do acto administrativo que determinou a aposentação compulsiva, a A. foi reintegrada em Maio de 2014 nos quadros da Direcção-Geral de Reinserção Social e Serviços Prisionais, na qualidade de técnica superior principal da carreira técnica superior de reinserção social (cfr. fls. 158 a 162 dos autos); GG. A Direcção-Geral de Reinserção Social e Serviços Prisionais, após a reintegração referida na alínea precedente, autorizou o pagamento à A. do valor de €170.858,69, sobre o qual foram aplicados descontos (IRS; ADSE; CGAposentações) no valor de €90.254,06, dos quais resultou valor a receber de €80.604,63 (cfr. doc. 2 junto com a p.i.); HH. A A. tem uma filha, que no ano lectivo de 2006/2007 estava inscrita no curso de Direito, na Faculdade de Direito de (cfr. fls. 72 e 73 dos autos) II. A A. auferia rendimentos do seu trabalho enquanto funcionária do Ministério da Justiça com a remuneração bruta mensal de €1641,79 (14 meses por ano) (cfr. fls. 78 dos autos); JJ. A partir do acto de aposentação compulsiva, a A. passou a receber uma pensão de €445,53 (cfr. fls. 83 a 87 dos autos); KK. Entre 2006 e 2013, a A. teve como rendimento global, o valor de: €23.452,20; €18.820,63; €16.557,82; €16.557,82; €11.623,42; €6.926,42 e €6.484,02 (cfr. documento junto com requerimento de 26/04/2018 nos presentes autos); LL. Na reposição de remunerações identificada na alínea FF) foi aplicada a taxa de retenção em vigor em 2014, para um rendimento anual de €170.000,00, no valor de 44,5% (cfr. fls. 66 e 67 dos autos); MM. Em 2008 foi alvo de execução judicial movida por CC, na qual reclamava a dívida de €38.512,28 e ao abrigo da qual foi penhorada a fracção autónoma designada pela ... do prédio urbano descrito sob o nº ... e inscrito sob o artigo matricial nº ... da freguesia de ... e concelho de Loulé da propriedade da A. (cfr. fls. 89 a 96 dos autos); NN. A A. suportou com honorários do Ilustre Mandatário no âmbito do mandato judicial no processo 190/07.1... a quantia de €15.375,00 euros, correspondentes a €12.500,00 de honorários e a €2.875,00 de IVA (cfr. fls. 111 dos autos) – alterada em conformidade com a decisão da impugnação da matéria de facto; OO. Em 17/10/2014, foi emitido “Relatório Médico” por médico Neurologista e Psiquiatra, Dr. DD ..., no qual se pode ler: “A doente acima identificada foi seguida por mim anteriormente por sintomas depressivos. Em 03.09.2014 a doente apresentou-se novamente em consulta. A Srª AA encontra-se ainda a fazer alguma medicação antidepressiva ligeira mas apresenta humor eutímico, bom nível de energia e motivação, boa capacidade de ressonância afectiva. Não se verificaram perturbações formais ou de conteúdo do pensamento nem perturbações sensoriais. A Srª AA encontra-se presentemente num estado psíquico normal e sem sintomas. A doente encontra-se do ponto de vista psiquiátrico capaz de reiniciar a actividade profissional.” (cfr. fls. 71 dos autos); PP. No processo crime que correu termos no 2º Juízo Criminal de Loulé, a A. foi acusada criminalmente pelos Serviços do Ministério Público da Comarca de Loulé dos seguintes crimes: “um crime de furto pp pelo artigo 203º nº 1 do Código Penal; 4 crimes de falsificação de documento previsto e punido pelo artigo 256º nº 1 alíneas a) e nº 3 do Código Penal e 4 crimes de burla previsto e punido pelo artigo 217º nº 1 do Código Penal, sendo dois deles qualificados pelo valor e pps pelo artigo 218º nº 1 do mesmo diploma legal” (cfr. fls. 130 a 138 dos autos); QQ. No referido processo crime, ficaram provados os seguintes factos:
[IMAGEM; NA íNTEGRA NO ORIGINAL]
(…) (cfr. fls. 139 a 144 dos autos); RR. Em 12/05/2009, no 2º juízo Criminal de Loulé foi proferida sentença na qual se decidiu que: (…) [IMAGEM; NA ÍNTEGRA NO ORIGINAL]
(cfr. fls. 139 a 220 dos autos); SS. Tal decisão foi objecto de recurso, tendo o Tribunal da Relação de Évora proferido Acórdão onde ficou decidido o seguinte:
(cfr. fls. 221 a 268 dos autos) II-2. Factualidade não provada: Não se provaram os seguintes factos: A. A A. despendia em média 750 euros mensais, com deslocações, habitação, propinas, livros, alimentação, etc; B. A A. vivia dos rendimentos do seu trabalho enquanto funcionária e da renda de um apartamento, quando arrendado, não tendo outros rendimentos - na parte relativa à renda do apartamento. C. Teve de adiar consultas médicas, compra de medicamentos e deixou de efectuar exames médicos, pondo em perigo a saúde. D. A A. atrasou pagamentos a médicos e ao Fisco; E. Para obter liquidez, começou por pedir o auxílio da família, e teve de dar em penhor as suas jóias e objectos de ouro, na RRR, em Faro; F. Ficou desempregada e não pôde empregar-se, por estar doente e ter a sua imagem pessoal manchada com tão gravosa pena. G. A doença impedia-a também de exercer a maior parte das actividades profissionais, pois não podia permanecer de pé por longos períodos, mantinha estados de confusão e tinha falta de força física. Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados. Fundamentação do julgamento: Quanto aos factos provados a convicção do Tribunal fundou-se na documentação junta aos autos, bem como, da consulta do processo judicial 190/07.1... das posições apresentadas pelas partes nos articulados e do depoimento das testemunhas. Foi relevante o depoimento da filha da A. pois, não obstante a relação familiar com a mesma, foi também quem lidou directamente com os factos invocados pela A. Confirmou que estava a estudar em Lisboa, para cujos custos a A. contribuía segundo a mesma, enquanto esteve empregada. Relevou também para prova dos factos, o depoimento de colegas de trabalho da A. quanto à situação emocional da mesma anteriormente ao acto de aposentação compulsiva, após este e a sua reintegração depois da declaração de nulidade de tal acto. Para os factos não provados relevou a falta de apresentação de prova documental, nomeadamente para despesas específicas e com quantias descriminadas invocadas pela A., bem como, do depoimento das testemunhas que em certas situações foi insuficiente para fazer prova dos factos invocados. * 3.2 – De Direito 3.2.1 – Da nulidade da sentença Alega a recorrente principal que a sentença recorrida não se pronúncia sobre os honorários e despesas que suportou com o seu Mandatário, bem como sobre as taxas pagas no Processo n.º190/07.1..., peticionadas na alínea a), por referência aos artigos 70.º e 71.º da petição, o que constitui omissão de pronúncia que deve ser suprida, condenando-se o Estado a pagar as quantias de €15.375,00 e €461.40. A recorrente principal imputa, assim, à sentença recorrida a nulidade prevista na alínea d) do n.º1 do artigo 615.º do CPC, nos termos da qual a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. A nulidade da sentença prevista na norma citada constitui a sanção legal para o incumprimento do disposto no artigo 608.º, n.º2, do CPC, a saber: “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”. Na presente acção, a autora, ora recorrente principal, pede, entre o mais, a condenação do réu no pagamento da quantia de €57.118,59, “correspondente às verbas indicadas supras nos nºs 36, 40, 70 e 71”, sendo que, nos artigos 70.º e 71.º da petição inicial, é alegado o seguinte: “70. A autora suportou com despesas do defensor e mandatário no âmbito do procedimento disciplinar e do processo administrativo de anulação da decisão disciplinar a quantia de 15.375,00 euros, correspondentes a 12.500,00 de honorários e a 2.875,00 de IVA – doc. nº22. 71. A autora suportou taxas de justiça de 144 euros na acção administrativa, de 144 euros na providência cautelar e de 153 euros nas contra-alegações de recurso, bem como despendeu 20,40 numa certidão judicial (doc. nº1), no total de 461,40 euros”. Atento o assim alegado e peticionado, uma das questões a decidir nos presentes autos era a de saber se assistia à autora o direito a ser indemnizada pelas despesas que suportou com o seu Mandatário, bem como com as taxas de justiça, o que pressupunha, a montante, que se considerassem verificados os dois primeiros pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, quais sejam, o facto ilícito e a culpa. Importa referir que a autora fundamentou a sua pretensão indemnizatória, por um lado, na ilicitude da decisão que lhe aplicou a pena disciplinar de aposentação compulsiva, estando aqui em causa a responsabilidade civil extracontratual do Estado pelo exercício da função administrativa, e por outro, na demora do Processo n.º190/07.1..., que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, o que se enquadra na responsabilidade civil extracontratual do Estado pelo exercício da função jurisdicional, concretamente, pelo atraso na administração da justiça. Não obstante ter fundamentado a sua pretensão em factos ilícitos diversos, a autora não imputou os danos que alega ter sofrido a cada um desses factos, ou seja, não distinguiu entre os danos resultantes da prática do acto administrativo que reputa de ilícito e os danos decorrentes da demora do Processo n.º190/07.1... Na sentença recorrida, o Tribunal a quo apreciou os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado pelo exercício da função administrativa, tendo concluído que não se encontra preenchido o pressuposto do dano, bem como os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado pelo atraso na administração da justiça, concluindo que não se encontra preenchido o pressuposto da ilicitude. Não obstante, como já referimos, a autora não ter imputado os danos que alega ter sofrido a cada um dos factos ilícitos que integram a causa de pedir da acção, o Tribunal a quo, em sede de apreciação dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado pelo exercício da função administrativa, reproduziu, além do mais, o alegado nos artigos 70.º e 71.º da petição inicial, enquadrando, assim, o pedido indemnizatório relativo às despesas suportadas pela autora com o seu Mandatário e com as taxas de justiça no âmbito da responsabilidade civil pelo exercício da função administrativa. Ora, tendo concluído que se encontravam preenchidos os pressupostos da ilicitude e da culpa, o Tribunal a quo, em sede de apreciação do pressuposto do dano, não podia deixar de se pronunciar sobre a questão de as despesas suportadas pela autora com o seu Mandatário e com as taxas de justiça constituírem, ou não, um dano indemnizável. Verifica-se, no entanto, que o Tribunal a quo omitiu a referida pronúncia, apenas se pronunciando sobre os juros de mora e o montante pago em sede de IRS, nada referindo quanto às despesas suportadas pela autora com o seu Mandatário e com as taxas de justiça. Acrescente-se que, no quadro da apreciação do pressuposto do nexo de causalidade, o Tribunal a quo faz referência, em termos genéricos, aos danos patrimoniais e não patrimoniais, nada referindo, também aqui, sobre as mencionadas despesas. Assim sendo, considerando que o Tribunal a quo não se pronunciou, como deveria, sobre a questão de saber se assistia à autora o direito a ser indemnizada pelas despesas que suportou com o seu Mandatário e com as taxas de justiça, concretamente, se tais despesas constituem, ou não, um dano indemnizável, impõe-se concluir que a sentença recorrida padece da nulidade prevista na alínea d), do n.º1, do artigo 615.º, devendo tal questão ser conhecida por este Tribunal de recurso [artigo 149.º do CPTA], o que se fará quando conhecermos do erro de julgamento. Alega, ainda, a recorrente que “não se compreende qual a parte dos danos morais especificados no art. 89 da p.i. que a douta sentença considera confundir-se com o processo crime (multa de 600 dias a 5€ diários, no total de 3000,00€) ou no processo disciplinar (que não houve, pelo menos devidamente instruído) – confusão que inquina a douta sentença de nulidade”. Embora a recorrente não indique, por referência ao disposto no artigo 615.º, n.º1, do CPC, a causa de nulidade que imputa à sentença recorrida, é de admitir que, com o assim alegado, pretende imputar à sentença a causa de nulidade prevista na 2.ª parte, da alínea c) do n.º1 daquele artigo. Com efeito, nos termos do artigo 615.º, n.º1, alínea c), do CPC, “É nula a sentença quando: c) os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”. Atento o disposto na norma citada, conclui-se que a ambiguidade ou obscuridade que constitui causa de nulidade da sentença é apenas aquela que torne a decisão ininteligível, ou seja, “quando a decisão e o raciocínio que lhe está subjacente (o silogismo judiciário) não se logra entender, por surgir como enigmático, impenetrável, inacessível” [Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 31/03/2022, proferido no Processo n.º812/06.1...]. Como pode ler-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11/10/2022, proferido no Processo n.º77/18.2...-C.C1.S2, “ocorrerá ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível, i.e., não compreensível: se (i) de uma parte da decisão se puder retirar mais do que um sentido – ambiguidade; se (ii) não se puder retirar sentido algum – obscuridade”. Na sentença recorrida, em sede de apreciação dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual pelo exercício da função administrativa, após se ter concluído que a autora “não conseguiu provar os danos que invocou”, consta, designadamente, o seguinte: “De acordo com as regras de experiência comum, em abstracto, a prática do ato declarado nulo, tem a aptidão por si só para provocar danos na esfera jurídica da A., pois existiu, objectivamente, uma descida de rendimento mensal pela diminuição do valor que a mesma auferia como vencimento, não obstante, para os danos invocados, patrimoniais e não patrimoniais, contribuiu não apenas a decisão de aposentação compulsiva que foi declarada nula, mas também, outros factos, como a situação emocional e psicológica, decorrentes da prática dos factos, de que foi acusada no exercício das suas funções, que originou o processo crime e o processo disciplinar e que foram admitidas pela mesma, conforme resulta da factualidade provada. Aliás, do depoimento das testemunhas resultou que a mesma se sentia “envergonhada” e deprimida pelo decurso de processo crime aliado depois ao processo disciplinar. E que, já antes do processo disciplinar, havia um estado depressivo e situações de desequilíbrio emocionais”. O Tribunal a quo não considerou, assim, que os danos morais se “confundem com o processo-crime” ou “no processo disciplinar”, mas, o que é diferente, que o estado emocional da recorrente resultou, também, do decurso daquele processo e que, “já antes do processo disciplinar, havia um estado depressivo e situações de desequilíbrio emocional”. Não se verifica, assim, qualquer ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível, pelo que se impõe concluir que a sentença recorrida não padece da nulidade prevista na 2.ª parte, da alínea c), do n.º1, do artigo 615.º do CPC. * 3.2.2 – Da impugnação da decisão da matéria de facto Nos termos do artigo 640.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, “1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes”. A norma citada estabelece o ónus que impende sobre o recorrente que impugne a decisão da matéria de facto, sendo que o ónus previsto no n.º1, designado de ónus primário, tem como função delimitar o objecto da impugnação, razão pela qual o seu incumprimento determina a rejeição imediata da impugnação da matéria de facto. Relativamente à modificabilidade da decisão da matéria de facto, o artigo 662.º, n.º1, do CPC, aplicável ex vi do n.º3 do artigo 140.º do CPTA, estabelece o seguinte: “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”. Alega o recorrente subordinado que o facto da alínea NN) da factualidade provada nunca poderia ter sido considerado provado, uma vez que, por um lado, nos termos do disposto no artigo 100.º, n.º2, do Estatuto da Ordem dos Advogados, a única forma de comprovar os serviços efectivamente prestados é através de uma nota discriminativa de honorários e, por outro, a recorrente alega que tal pagamento correspondeu a serviços prestados ao longo de mais de 9 anos no âmbito do processo judicial 190/07, quando, na verdade, tal processo teve a duração de cerca de 6 anos e 10 meses, tratando-se, pois, de um facto que foi alegado de forma contraditória. Vejamos. A alínea NN) da factualidade provada tem o seguinte teor: “A A. suportou com honorários e despesas do Ilustre Mandatário no âmbito do mandato judicial no processo 190/07.1... a quantia de €15.375,00 euros, correspondentes a €12.500,00 de honorários e a €2.875,00 de IVA (cfr. fls. 111 dos autos)”. O facto da alínea NN) da factualidade foi considerado provado com base na Factura/Recibo n.º... de 30/07/2014, emitida por BB, Mandatário da autora/recorrente, no valor total de €15.375,00, onde consta, no campo relativo aos dados do serviço prestado, o seguinte: “mandato judicial relativo a Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, o Proc. nº190/07.1... 2º Juízo, 2ª Secção do Tribunal Central Administrativo do Sul, com o nº6324/10”. Ora, a norma do artigo 100.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei n.º15/2005, de 26 de Janeiro, em vigor à data dos factos em causa nos autos, cujo n.º2 estabelece que “na falta de convenção em contrário, o advogado apresenta ao cliente a respectiva conta de honorários com discriminação dos serviços prestados”, não consagra qualquer limitação aos meios de prova do pagamento dos honorários dos advogados, de tal forma que, como pretende o recorrente, a “única forma de comprovar os serviços efectivamente prestados é através de uma nota discriminativa de honorários”. Com efeito, a mencionada norma não só, como resulta da sua inserção sistemática no Estatuto da Ordem dos Advogados, apenas é aplicável no quadro da relação dos advogados com os clientes, como, o que é determinante, nada estabelece no sentido de que a prova dos serviços prestados e do pagamento dos honorários apenas pode ser efectuada através da nota discriminativa de honorários, excluindo outros meios de prova. Assim sendo, a norma do artigo 100.º do Estatuto da Ordem dos Advogados não obstava a que o facto relativo ao pagamento de honorários fosse considerado provado com base numa Factura/Recibo, emitida para efeitos fiscais, o qual constitui um meio de prova idóneo a provar o referido pagamento. Por outro lado, a invocada contradição entre o alegado pela autora quanto ao período temporal em que foram prestados os serviços e a duração do Processo n.º190/07.1..., que resulta da factualidade provada, não contende com a idoneidade do mencionado documento para provar que a autora pagou ao seu Mandatário a quantia nele aposta pelo mandato judicial exercido no referido processo. Em suma, atenta a duração do Processo n.º190/07.1..., não poderia ser considerado provado, como não foi, que o pagamento efectuado diz respeito a serviços prestados ao longo de mais de 9 anos no âmbito daquele processo, podendo, no entanto, ser considerado provado, como foi, que a autora suportou a quantia de €15.375.00 com os honorários do seu Mandatário. Assim, improcede a pretensão do recorrente subordinado no sentido do facto da alínea NN) da factualidade provada ser considerado não provado. Alega, ainda, o recorrente subordinado que o facto da alínea NN) contém uma contradição, uma vez que se refere que a autora pagou de despesas e honorários uma determinada quantia, mas, analisando o recibo pago, verifica-se que todo o valor ali mencionado se reporta exclusivamente a honorários, pelo que, em substituição daquele facto, poderá ser dado como provado que a autora procedeu ao pagamento de €15.375.00 ao seu mandatário. Na Factura/Recibo supra identificado, consta, no canto inferior esquerdo, que a importância foi recebida a título de honorários, pelo que assiste razão ao recorrente subordinado quando refere que o valor ali mencionado se reporta exclusivamente a honorários, sendo que, aliás, o pagamento das despesas efectuadas pelos advogados no quadro do exercício do mandato judicial não se encontram sujeitas a IRS, não constando, assim, das facturas/recibos emitidos para efeitos fiscais. Não obstante, resultando do mencionado documento que a quantia nela aposta foi recebida a título de honorários e que diz respeito ao mandato judicial relativo ao Processo n.º190/07.1..., do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, a alteração da alínea NN) da factualidade provada deve limitar-se à eliminação da referência a despesas. Procede, pois, parcialmente a pretensão do recorrente subordinado quanto à alteração da alínea NN) da factualidade provada, que passa a ter a seguinte redacção: “A A. suportou com honorários do Ilustre Mandatário no âmbito do mandato judicial no processo 190/07.1... a quantia de €15.375,00 euros, correspondentes a €12.500,00 de honorários e a €2.875,00 de IVA”. * 3.2.3 – Do erro de julgamento de Direito Como referimos quando apreciámos a questão da nulidade da sentença recorrida, a autora fundamentou a sua pretensão indemnizatória, por um lado, na ilicitude da decisão que lhe aplicou a pena disciplinar de aposentação compulsiva, estando aqui em causa a responsabilidade civil extracontratual do Estado pelo exercício da função administrativa, e por outro, na demora do Processo n.º190/07.1..., que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, o que se enquadra na responsabilidade civil extracontratual do Estado pelo exercício da função jurisdicional, concretamente, pelo atraso na administração da justiça. Na sentença recorrida, o Tribunal a quo apreciou os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado pelo exercício da função administrativa, tendo concluído que não se encontra preenchido o pressuposto do dano, bem como os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado pelo atraso na administração da justiça, concluindo que não se encontra preenchido o pressuposto da ilicitude, pelo que a acção foi julgada improcedente. A autora interpôs recurso independente da sentença para este Tribunal Central Administrativo Sul, imputando à sentença recorrida erro de julgamento, em virtude de se encontrarem preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado pelo exercício da função administrativa, designadamente, o dano, devendo o Estado ser condenado a pagar as quantias peticionadas. A recorrente nada alegou no sentido de infirmar o decidido pelo Tribunal a quo quanto à falta de preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado pelo atraso na administração da justiça, pelo que o assim decidido não integra o objecto do recurso, tendo transitado em julgado. Por sua vez, o Estado interpôs recurso subordinado da sentença, impugnando a decisão da matéria de facto e imputando-lhe, em suma, erro de julgamento, quanto à apreciação dos pressupostos da ilicitude e da culpa relativamente à responsabilidade civil extracontratual do Estado pelo exercício da função administrativa. Não estabelecendo a legislação processual a ordem pela qual devem ser conhecidos os recursos independente e subordinado, cabe a este Tribunal “averiguar por que ordem os mesmos devem ser apreciados, pois que o resultado de qualquer deles poderá repercutir-se no outro independentemente da sua natureza subordinada ou autónoma” [António Santos Abrantes Geraldes, in “Recursos em Processo Civil”, 7.ª Edição Actualizada, página 123]. Assim, atendendo a que os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual são de verificação cumulativa, cumpre decidir, em primeiro lugar, do erro de julgamento, suscitado no recurso subordinado, relativo à apreciação dos pressupostos da ilicitude e da culpa, uma vez que, caso se verifique aquele erro, ou seja, caso se conclua que não se encontram preenchidos aqueles pressupostos, o pedido indemnizatório terá de improceder, ficando, deste modo, prejudicado o conhecimento da questão do preenchimento do pressuposto do dano, suscitada no recurso independente. Vejamos, então, em primeiro lugar, se, como pretende o recorrente no recurso subordinado, não se encontram preenchidos os dois primeiros pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado pelo exercício da função administrativa, quais sejam, a ilicitude e a culpa. À data em que foi aplicada à recorrente a pena de aposentação compulsiva, acto ilícito em que aquela fundamenta a sua pretensão indemnizatória, encontrava-se em vigor o regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e das demais pessoas colectivas públicas constante do Decreto-lei n.º48051, de 21 de Novembro de 1967. A responsabilidade civil extracontratual do Estado por actos de gestão pública tem por referência o regime geral de responsabilidade constante do Código Civil, sendo-lhe aplicável o disposto nos artigos 483.º a 510.º e 562.º a 572.º deste Código, sem prejuízo das regras constantes do Decreto-lei n.º48051, de 21 de Novembro de 1967. Nos termos do artigo 2.º, n.º1 do Decreto-lei n.º48051, de 21 de Novembro de 1967, “O Estado e demais pessoas colectivas públicas respondem civilmente perante terceiros pelas ofensas dos direitos destes ou das disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, resultantes de actos ilícitos culposamente praticados pelos respectivos órgãos ou agentes administrativos no exercício das suas funções e por causa desse exercício”. O artigo 6.º do mesmo diploma legal define a ilicitude nos seguintes termos: “Para os efeitos deste diploma, consideram-se ilícitos os actos jurídicos que violem as normas legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis e os actos materiais que infrinjam estas normas e princípios ou ainda as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração”. O conceito de ilicitude constante da norma citada confunde-se com o de ilegalidade, na medida em que se qualificam como ilícitos os actos que violem normas legais e regulamentares, pelo que, como adverte o Professor Gomes Canotilho, in “O problema da responsabilidade do Estado por actos lícitos”, Almedina, 1974, “temos de precaver-nos contra a completa equiparação da ilegalidade à ilicitude, sugerida pela redacção do artigo 6º”. Com efeito, “a violação dos preceitos jurídicos não é, por si só, fundamento bastante da responsabilidade. Quer se exija a violação de direitos subjectivos, quer a violação dum dever jurídico ou funcional para com o lesado, quer ainda uma falta da administração, faz-se intervir sempre um elemento qualificador e definidor de uma relação mais íntima do indivíduo prejudicado com a administração do que a simples legalidade e regularidade do funcionamento dos órgãos administrativos. Assim, nem toda a ilegalidade implicará ilicitude, para efeitos indemnizatórios, havendo ilegalidades veniais (ex: o vício de forma e a incompetência rationae personae) que não abrem direito a uma indemnização”. Quanto à culpa, o artigo 4.º, n.º1, do referido Decreto-lei, estabelece o seguinte: “A culpa dos titulares do órgão ou dos agentes é apreciada nos termos do artigo 487.º do Código Civil”, o que significa que a culpa, na falta de outro critério legal, é apreciada pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso. O terceiro e o quarto pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado são o dano, como lesão patrimonial e não patrimonial, e o nexo de causalidade entre o facto e o dano. Os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas públicas por facto ilícito são, assim, em tudo idênticos aos pressupostos da responsabilidade civil constantes do artigo 483.º do Código Civil, a saber: facto ilícito, culpa, dano e nexo de causalidade entre o facto e o dano. Na sentença recorrida, relativamente aos pressupostos da ilicitude e da culpa, consta, designadamente, o seguinte: “Das decisões judiciais proferidas e em face dos factos apurados nos autos, é possível extrair que o acto impugnado, foi declarado nulo, porque violou o direito de defesa da A. no âmbito do procedimento disciplinar, uma vez que, havendo dúvidas sobre a particularidade do quadro clínico da A., susceptíveis de afastar a sua imputabilidade, era necessário recorrer a provas de que a A. agiu na plenitude das suas funções, ou seja, através da perícia psiquiátrica e médico-legal solicitada pela A. e indeferida pelo instrutor do processo. (…) Em face dos factos apurados verifica-se que a ilegalidade descrita afectam, directamente, os direitos e interesses legítimos da A., sendo, por isso, a actuação, ilícita. Conforme já se decidiu no Acórdão do TCA Sul nº08875/12 de 05/04/2018, “a prática de um ato administrativo, que desrespeita as normas legais aplicáveis, enfermando de nulidade, declarada judicialmente, com força de caso julgado, afectando directamente a esfera jurídica da ora A., tem de ser configurada como ilicitude.” Pelo que, encontra-se verificado o pressuposto da ilicitude. No que se refere ao pressuposto da culpa, agir com culpa, significa “actuar em termos de a conduta do agente merecer a reprovação ou censura do direito.” (…) Assim, o comportamento que constitui o facto ilícito gerador dos danos sofridos pela A., é também ele culposo, sendo censurável no plano ético, porquanto uma Administração zelosa e cumpridora teria atuado em conformidade com as normas legais aplicáveis (cfr. Acórdão do TCA Sul de nº08875/12 de 05/04/2018), o que também se verifica”. Alega o recorrente subordinado que os exames médicos juntos no processo disciplinar foram suficientes para apurar a imputabilidade da autora no âmbito do processo-crime em que a mesma foi condenada, pelo que o facto de um funcionário administrativo ter chegado a idêntica conclusão, no sentido de que os exames existentes eram suficientes para considerar que a autora era imputável, não pode nunca levar a que se considere que não agiu com o zelo e os conhecimentos a que estava obrigado e de que era capaz, ou seja, de que agiu com culpa. Como resulta da factualidade provada, a acção de impugnação do acto que determinou a aposentação compulsiva da autora “com fundamento em manifesta ilegalidade e omissão de diligência essencial para a defesa e para a boa decisão da causa”, foi julgada procedente, tendo sido declarada a nulidade daquele acto [cfr. alíneas A), B) e S) da factualidade provada]. Tendo sido judicialmente declarada, por sentença transitada em julgado, a nulidade do acto que aplicou à autora a pena de aposentação compulsiva, este acto não pode deixar de ser considerado ilegal, no âmbito da acção de responsabilidade civil extracontratual do Estado pelo exercício da função administrativa, para efeitos de apreciação do preenchimento do pressuposto da ilicitude, o qual, no entanto, como resulta do que já referimos, não se resume à mera ilegalidade. A ilicitude do acto que aplicou a pena de aposentação compulsiva resulta, tal como concluiu o Tribunal a quo, em conformidade com o decidido na acção de impugnação daquele acto, de ter sido violado o direito de defesa da autora no âmbito do procedimento disciplinar. Ora, e tendo presente o alegado pelo recorrente subordinado, não resulta da factualidade provada que os exames médicos juntos no processo disciplinar foram suficientes para apurar a imputabilidade da autora no âmbito do processo-crime em que a mesma foi condenada, o que significa que o pressuposto de que o recorrente subordinado parte para concluir pela inexistência de culpa não se encontra demonstrado. Por outro lado, o alegado pelo recorrente subordinado sobre a realização de um exame pericial não determinar, necessariamente, que a decisão do processo disciplinar fosse diferente da que foi tomada releva em sede de apreciação do pressuposto da ilicitude, sendo que, como resulta do que já referimos, o acto que aplicou à autora a pena de aposentação compulsiva foi declarado nulo por sentença transitada em julgado, não podendo, agora, na acção de responsabilidade civil extracontratual, ser discutida a ilegalidade daquele acto. No âmbito do procedimento disciplinar, a omissão de uma diligência essencial para a descoberta da verdade viola o direito de defesa do arguido, independentemente de qualquer juízo de certeza sobre a realização da diligência alterar o sentido da decisão, bastando a mera possibilidade de tal acontecer, pelo que o acto de aplicação da pena, sem que tenha sido realizada a diligência, consubstancia um acto ilícito. Assim sendo, resta-nos concluir, tal como concluiu o Tribunal a quo, que se encontram preenchidos os pressupostos da ilicitude e da culpa, não padecendo, pois, a sentença recorrida do erro de julgamento que lhe é imputado no recurso subordinado. Vejamos, então, se a sentença recorrida padece do erro de julgamento que lhe é imputado no recurso independente, para o que importa ter presente o que consta da sentença relativamente ao pressuposto do dano, concretamente, quanto aos danos patrimoniais, a saber: “O Réu, veio a ressarcir a A., aquando da sua reintegração, das remunerações devidas entre a aposentação compulsiva e a sua reintegração. Ainda que a mesma não tenha, segundo alega, pago juros de mora, a que alegadamente estaria obrigada, a A. deveria, no prazo próprio e em meio judicial próprio, pedir a condenação da mesma ao pagamento em falta com fundamento em incumprimento do judicialmente determinado e não, como o veio aqui fazer, com fundamento em responsabilidade civil extracontratual. Aliás, não obstante, na descrição dos factos a A. ter feito referência aos referidos juros, depois, a final, no pedido, apenas pede a condenação da Réu ao pagamento da quantia paga a mais em sede de IRS, e as despesas tidas com o Ilustre Mandatário e com as taxas de justiça e certidão judicial. Pelo que, tal pedido não pode ser apreciado. Mais se refira que, quanto ao montante pago em sede de IRS, não caberá a este Tribunal apurar da sua razão, uma vez que, se a A. tem algo a reclamar sobre o montante alegadamente pago a mais, por aplicação de determinada taxa, deveria ter impugnado tal situação junto da Autoridade Tributária competente e, in extremis, ao Tribunal Tributário. Pelo que, tal dano, a existir, também não pode ser, nesta sede, apreciado. Da prova produzida nos autos verifica-se que a A. teve não conseguiu provar os danos que invocou. Por isso, não se verifica o pressuposto do dano”. O Tribunal a quo considerou, assim, e em primeiro lugar, que a autora não pediu a condenação do réu no pagamento dos juros de mora relativos ao atraso no pagamento das remunerações e, em segundo lugar, quanto ao alegado valor pago em excesso em sede de IRS, que a recorrente deveria ter impugnado “tal situação junto da Autoridade Tributária competente”. Alega a recorrente principal que, no artigo 43.º da petição inicial, estão calculados os juros devidos a título de atraso de pagamento das remunerações, quantia que é indicada no pedido formulado a final, na alínea b) do “peticionário, devendo ser julgada nos presentes autos, como decidido no douto acórdão do TCAS”. Nos artigos 42.º e 43.º da petição inicial, foi alegado o seguinte: “42. Sucede ainda que não foram pagos os juros moratórios devidos pelo atraso do pagamento das remunerações, contados de cada mês de remuneração até efectivo pagamento da parte líquida em 2014. 43 Os juros contados desde Fevereiro de 2007 até Julho de 2014, à taxa de 4%, ascendem a 16.127,00 euros”. O pedido formulado a final tem o seguinte teor: “Nestes termos e nos mais de direito, deve a acção ser julgada procedente e em consequência ser o Estado a pagar à autora as quantias de: a) 57.118,59 euros, correspondente às verbas indicadas supra nos n.ºs 36, 40, 70 e 71; b) Os juros vencidos sobre aquela quantia, à taxa legal, no montante de 16.728,14; c) Os danos não patrimoniais (ou morais) por cada um dos itens especificados supra no nº89, em montantes a fixar pelo tribunal; d) Os juros moratórios que se vencerem desde a data da citação até integral pagamento”. O pedido de condenação no pagamento de juros formulado na alínea b) reporta-se, assim, à quantia referida na alínea a), a qual, por sua vez, diz respeito, como resulta da remissão para os artigos 36.º, 40.º, 70.º e 71.º da petição inicial, ao abono de família mensal relativo ao período compreendido entre Fevereiro de 2007 e Março de 2010 (artigo 36.º), ao valor pago em excesso em sede de IRS (artigo 40.º), às despesas com o defensor e Mandatário (artigo 70.º) e às taxas de justiça pagas no processo judicial (artigo 71.º). Verifica-se, assim, que não obstante o alegado quanto aos juros de mora pelo atraso no pagamento das remunerações, a autora não pediu o pagamento de tais juros no pedido formulado a final, uma vez que, na alínea a) do pedido, não remete para os artigos da petição inicial que se referem àqueles juros e, na alínea b), apenas pede o pagamento de juros sobre “aquela quantia”, qual seja, a quantia indicada em a). Nesta medida, não pode proceder a alegação da recorrente principal no sentido de que pediu a condenação do réu no pagamento de juros de mora devidos pelo atraso no pagamento das remunerações. Alega, ainda, a recorrente principal que sofreu um prejuízo decorrente de as suas remunerações terem sido pagas num só ano, tendo a taxa aplicada sido muito superior à que seria normalmente devida, sendo que, como já referimos, quanto ao alegado valor pago em excesso em sede de IRS, o Tribunal a quo considerou que a recorrente devia ter impugnado “tal situação junto da Autoridade Tributária competente”. Atento o assim alegado, cumpre referir que a recorrente parte de um pressuposto errado, qual seja, o de que a diferença entre a taxa de retenção na fonte aplicada à quantia de €170.858,69 e a taxa que seria aplicada a cada uma das remunerações caso as mesmas lhe tivessem sido pagas mensalmente representa, sem mais, um prejuízo. Com efeito, a retenção na fonte tem a natureza de pagamento por conta do imposto devido a final [artigo 97.º, n.º3, do Código do IRS], pelo que a aplicação de uma taxa de retenção na fonte superior àquela que seria aplicada caso as remunerações fossem pagas mensalmente não significa que o valor do imposto pago a final seja, também ele, superior. O facto de as remunerações devidas à recorrente terem sido pagas de uma só vez, no ano de 2014, apenas implicaria que o imposto a pagar a final fosse superior àquele que seria pago caso tais remunerações tivessem sido pagas mensalmente nos anos de 2007 a 2014, se a taxa de imposto, a que se refere o artigo 68.º do CIRS, aplicável aos rendimentos do ano de 2014, fosse superior às taxas de imposto vigentes nos anos de 2007 a 2013. Em suma, o pagamento das remunerações relativas aos anos de 2007 a 2013 de uma só vez apenas poderia dar origem a um prejuízo para a recorrente caso o imposto que pagou no ano de 2014 fosse superior ao imposto que teria pago caso tais remunerações lhe tivessem sido pagas naqueles anos. Ora, da factualidade provada resulta que, na reposição das remunerações, foi aplicada a taxa de retenção em vigor em 2014, para um rendimento anual de €170.000,00, no valor de 44,5% [alínea LL) da factualidade provada], nada tendo sido alegado e, consequentemente, provado sobre o imposto pago a final naquele ano de 2014, bem como sobre o imposto que a recorrente teria pago em cada um dos anos a que se reportam as remunerações caso as mesmas lhe tivessem sido pagas mensalmente nesses anos, o que se mostrava essencial para aferirmos se o pagamento de todas as remunerações no ano de 2014 implicou que a recorrente pagasse mais de IRS, sofrendo, deste modo, um prejuízo. Assim, atenta a factualidade provada, não podemos concluir que a recorrente sofreu um dano decorrente de as remunerações relativas aos anos de 2007 a 2013 lhe terem sido pagas, de uma só vez, no ano de 2014. Alega, também, a recorrente que o recorrido deve ser condenado a pagar-lhe as quantias de €15.375.00 e de €461.40, relativas, respectivamente, aos honorários do seu Mandatário e às taxas de justiça pagas no Processo n.º190/07.1... A questão que se coloca, assim, é a de saber se as despesas com honorários de advogado e custas processuais consubstanciam um dano indemnizável em sede de responsabilidade civil extracontratual do Estado. Ora, a questão enunciada já foi decidida em diversos Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo e deste Tribunal Central Administrativo Sul, sendo que, a partir do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 05/03/2020, proferido no Processo n.º0284/17.5..., se formou jurisprudência constante no sentido de que as despesas com honorários de advogado e custas processuais não constituem um dano indemnizável em sede de responsabilidade civil extracontratual do Estado. Como pode ler-se no referido Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, “(…) na esteira da atrás referida jurisprudência do STJ, entendemos que do sistema legal vigente – em princípio coerente e obedecendo a um pensamento unitário – resulta que é através da compensação devida a título de custas de parte que são reembolsadas as despesas realizadas pela parte vencedora com o mandato judicial e quando o legislador pretendeu que essas despesas fossem integralmente ressarcidas indicou expressamente as situações em que tal ocorria e a parte sobre que impendia a obrigação. Nestes termos, prevendo a lei, especificamente, a sua compensação através das custas de parte, não podem os aludidos honorários ser considerados danos causados por acto ilícito e não se verificando nenhuma das referidas situações excepcionais, tal compensação só pode ser obtida ao abrigo do regime das custas de parte. (…) Refira-se, finalmente, que as razões que a corrente jurisprudencial maioritária adoptada por este STA reitrou do ínfimo valor da procuradoria que era atribuída à parte vencedora para ressarcimento das despesas com o seu advogado e da isenção de custas (e, consequentemente, da procuradoria) das entidades administrativas não têm hoje validade, dado estas terem deixado de beneficiar de tal isenção e, como vimos, aquelas despesas estarem integradas nas custas de parte que não são afectadas pela eventual isenção de que beneficie a parte vencida (cfr. art.º 4.º, n.º7, do RCP). Portanto, entendendo-se que, na indemnização devida à parte vencedora a título de responsabilidade civil não é de incluir a importância decorrente das despesas com os honorários do seu advogado que, estando sujeitas a um regime específico, só podem ser compensadas através das custas de parte nos termos previstos no Código de Processo Civil e Regulamento das Custas Processuais, terá de proceder a presente revista”. No mesmo sentido, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 29/10/2020, Processo n.º02582/09.2..., 13/05/2021, Processo n.º01045/16.4..., 10/02/2022, Processo n.º01354/17.5..., e 04/05/2023, Processo n.º0438/05.7..., e os Acórdãos deste Tribunal Central Administrativo Sul de 26/11/2020, Processo n.º534/17.8..., 07/11/2022, Processo n.º22/20.5... e 17/11/2022, 95/21.3... Assim, e acompanhando a jurisprudência citada, impõe-se concluir que despesas suportadas pela recorrente com os honorários do seu Mandatário e com taxas de justiça não consubstanciam um dano indemnizável em sede de responsabilidade civil extracontratual, pelo que irrelevam para aferir do preenchimento do pressuposto do dano, não assistindo, pois, à recorrente o direito ao pagamento de uma indemnização relativa aos honorários do Mandatário e às taxas de justiça. Por fim, alega a recorrente que tem direito a ser indemnizada por danos morais “pelos itens indicados no art. 89 da p.i.”. No artigo 89.º da petição inicial, a recorrente alegou o seguinte: “A autora tem direito a indemnização por danos morais pelos seguintes itens: a. Por ter sido aposentada sem fundamento quando sofria de doença grave que carecia de cuidado médico e que afectara o seu discernimento; b. Por ter sido impedida de exercer a sua profissão e de desempenhar as suas funções de funcionária pública durante sete anos e quatro meses consecutivos; c. Por ter sido colocada numa situação de precariedade, perdendo 2/3 do seu rendimento mensal, com abrupto corte da qualidade de vida e incumprimento de obrigações que havia assumido anteriormente; d. Por ter sido forçada a desfazer-se de bens pessoais que muito estimava, tendo-os primeiramente penhorado para obter liquidez e, depois, entregado para solver uma dívida; e. Por ter aguardado sete anos e 4 meses pela decisão judicial; f. Pelo sofrimento emocional, derivado das dificuldades económicas e causada pela situação de desemprego e desocupação em que esteve colocada; g. Pela humilhação pública de, ao longo de sete anos e 4 meses, ter passado por aposentada compulsiva; h. Por ter perdido a sua imagem bancária, ao ter caído em incumprimento de obrigações que assumira com a banca” Ora, o facto de a recorrente ter sido aposentada sem fundamento, impedida de exercer a sua profissão e colocada numa situação de precariedade, perdendo 2/3 do seu rendimento mensal, a que se referem as alíneas a) a c) do artigo 89.º da petição inicial, não consubstanciam, enquanto tais, danos não patrimoniais, podendo, eventualmente, constituir fonte de danos. Também, o facto de a recorrente ter sido forçada a desfazer-se de bens pessoais que muito estimava, podendo, embora, traduzir-se num dano patrimonial, correspondente à perda do valor dos bens, não constitui, enquanto tal, um dano não patrimonial. Por outro lado, o facto de a recorrente ter aguardado sete anos e quatro meses pela decisão judicial [alínea e) do artigo 89.º da petição inicial], ou seja, e em suma, a duração do processo judicial, apenas releva em sede de responsabilidade civil extracontratual do Estado pelo atraso na administração da justiça, e já não para efeitos de responsabilidade civil extracontratual do Estado pelo exercício da função administrativa, única que está em causa no presente recurso. Por fim, os factos que se referem ao sofrimento emocional, humilhação pública e perda de imagem bancária [alíneas f) a h) do artigo 89.º da petição inicial] não resultaram provados nos autos [cfr. decisão da matéria de facto]. Com efeito, na decisão da matéria de facto da sentença recorrida, que não foi impugnada no presente recurso, não constam quaisquer factos relativos aos danos não patrimoniais sofridos pela autora, ora recorrente, em consequência da aplicação da pena de demissão. Se, como alega a recorrente no presente recurso, os problemas de saúde e perturbações psicológicas que sofria se agravaram “pela medida ilícita que lhe foi aplicada” e se “a perda do trabalho aumentou a depressão e o isolamento pessoal, como o estatuto social e a dignidade”, tal não resulta da factualidade provada, na certeza de que as regras da experiência comum, a que a recorrente faz apelo, apenas relevam em sede de apreciação da decisão da matéria de facto, que, como já referimos, a recorrente não impugnou. Em suma, não constando da factualidade provada quaisquer factos relativos aos danos não patrimoniais, a recorrente deveria ter impugnado a decisão da matéria de facto, o que não fez, limitando-se, grosso modo, a alegar que sofreu danos e que os “itens [a que se refere o artigo 89.º da petição inicial] correspondem a factos provados na sentença, confundindo factos susceptíveis de causar danos não patrimoniais – v.g., a perda de 2/3 do seu rendimento mensal – com danos com esta natureza. Assim, não resultando da factualidade provada que a recorrente tenha sofrido os danos não patrimoniais que alega, impõe-se concluir, tal como concluiu o Tribunal a quo, que não se encontra preenchido o pressuposto do dano, não padecendo, assim, a sentença recorrida do erro de julgamento que lhe é imputado pela recorrente principal. Atento o exposto, cumpre negar provimento ao recurso principal e ao recurso subordinado, confirmando-se, ainda que com diferente fundamentação, a decisão recorrida. * IV – Decisão Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam em conferência os juízes da Subsecção Social da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso independente e ao recurso subordinado, confirmando a sentença recorrida. Custas do recurso principal pelo recorrente principal e custas do recurso subordinado pelo recorrente subordinado. * Lisboa, 20/11/2025 Ilda Côco Rui Pereira Maria Helena Filipe |