Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 246/25.9BELLE |
| Secção: | CT |
| Data do Acordão: | 09/30/2025 |
| Relator: | FILIPE CARVALHO DAS NEVES |
| Descritores: | TUTELA CAUTELAR PROCESSO DE CONTRAORDENAÇÃO |
| Sumário: | I – Os contribuintes podem requerer junto dos tribunais tributários quaisquer providências cautelares, antecipatórias ou conservatórias, que se mostrem adequadas a assegurar a utilidade da decisão a proferir no processo principal. Estas providências visam acautelar o perigo de infrutuosidade ou de retardamento da decisão prolatada no processo principal, ou seja, visam acautelar o perigo da demora na tutela jurídica que possa ser atribuída por via do processo principal, evitando que essa demora provoque lesões graves e irreparáveis. II – A suspensão do processo de execução fiscal instaurado para cobrança coerciva de coima aplicada no âmbito de processo de contraordenação só pode ser obtida mediante prestação de garantia ou concessão da sua dispensa nos termos previstos nas normas tributárias, desde que a legalidade da decisão de aplicação de coima tenha sido sindicada – cf. art.º 97.º, n.º3, alínea a) do CPPT. III – Não tem, assim, viabilidade jurídico-processual o requerimento inicial que foi apresentado pela Recorrente a solicitar a abstenção de realização de diligências executivas por parte da Autoridade Tributária e Aduaneira, pois esta não pode ser impedida, de acordo com o princípio da legalidade, de instaurar e subsequentemente tramitar os processos de execução fiscal que se mostrem necessários para cobrança coerciva das coimas aplicadas em sede de processo de contraordenação tributária. |
| Votação: | Unanimidade |
| Indicações Eventuais: | Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais |
| Aditamento: |
| 1 |
| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul I – RELATÓRIO V… Associados, Advogados, SP, RL, veio apresentar recurso jurisdicional do despacho proferido em 09/05/2025 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal («TAF») de Loulé que indeferiu liminarmente o requerimento inicial de providência cautelar apresentado na sequência da notificação da decisão de aplicação da coima datada de 02/04/2025, proferida no processo de contraordenação («PCO») n.º 11392024060000063306, visando «a suspensão da eficácia do acto administrativo ora posto em causa nos termos do artigo 266.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, bem como dos arts. 112.º e seguintes do CPTA». A Recorrente apresentou alegações, rematadas com as seguintes conclusões: «1. Por sentença datada de 30-04-2025 o tribunal “a quo” rejeitou liminarmente o requerimento inicial da providência cautelar apresentado nos autos, nos termos do disposto na alínea e) do número 2 do artigo 116.º do CPTA, tudo com as demais consequências legais. 2. A Requerente ora Recorrente não se conforma com a sentença de que ora se recorre. 3. Andou mal o tribunal “a quo” ao não produzir a prova testemunhal indicada, pois afigura-se essencial para o apuramento da verdade e para a boa decisão da causa a audição das partes e bem assim das testemunhas arroladas. 4. Os factos carreados para os autos carecem de produção de prova, não se encontrando os presentes autos em condições para serem decididos sem que seja produzida qualquer diligência probatória. 5. Sem prescindir, a sentença recorrida enferma de nulidade por omissão de convocação e de realização da audiência prévia prevista no artigo 87º-A do CPTA. 6. Ao que acresce que da sentença recorrida não constam nenhuns factos dados como provados, nem como não provados, nem a matéria de facto está devidamente motivada. 7. Sendo certo que não foi produzida nenhuma prova nos presentes autos e que existem fatos controvertidos. 8. Evidentemente, a omissão de tal formalidade legal tem manifesta influência no exame e decisão da causa, quer para efeitos de impugnação, quer do seu julgamento, que in casu não se realizou. 9. Deste modo, com a omissão das formalidades referidas, previstas no art. 607.º, n.º 4, do CPC, cometeu-se uma nulidade processual prevista no art. 195.º, n.1, do CPC. 10. Termos em que deverá a sentença recorrida ser revogada nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alíneas c) e d) do Código de Processo Civil. 11. O tribunal “a quo” decidiu rejeitar liminarmente o requerimento inicial por manifesta desnecessidade da cautelar. 12. Andou mal o tribunal “a quo” atento a que se verifica tal tutela cautelar desde logo porquanto os bens da sociedade ora Recorrente encontram-se a ser penhorados. 13. E resulta da consulta do histórico existente no portal da Autoridade Tributária que os processos n.º 1139202401031511, 1139202401097210, 1139202501037219 e 1139202501047710 encontram-se ativos. 14. E inclusive já foram realizadas penhoras dos saldos bancários da sociedade requerente, o que inviabiliza a prossecução da actividade da mesma e poderá inclusive culminar com a insolvência da mesma. 15. Infelizmente a Autoridade Tributária já nos vem habituando a esta forma de agir em que primeiro penhora e apreende todo o património do contribuinte visado e depois logo se recorre, impugna ou deduz oposição. 16. Pelo que encontra-se mais do que justificada a necessidade cautelar dos presentes autos. 17. Pese embora o acto impugnado tenha sido objecto de recurso jurisdicional a verdade é que o recurso apresentado não suspende o processo contraordenacional, nem o processo executivo, nem as subsequentes e consequentes penhoras, podendo mesmo inviabilizar toda a actividade da sociedade recorrente conduzindo-a à insolvência. 18. Motivos pelos quais a Requerente socorreu-se do presente procedimento cautelar por forma a suspender todos os efeitos do acto administrativo aqui impugnado. 19. Não se verificando assim em nosso entender qualquer motivo ou fundamento para rejeição liminar do requerimento cautelar. 20. Nem tão pouco se verifica a manifesta desnecessidade da tutela cautelar. 21. Encontrando-se assim verificados todos os pressupostos para o decretamento da presente providência cautelar, nomeadamente o requerente é titular de um direito 22. O direito/interesse digno de tutela jurídica (expectativa juridicamente tutelada) que carece de ser acautelado. 23. A que acresce que a Requerente tem um fundado receio de que a decisão impugnada possa causar uma lesão grave e sem qualquer tipo de possibilidade de recuperação, nomeadamente a insolvência da sociedade ora Recorrente. 24. As providências cautelares têm como pressupostos gerais e existência de um direito da requerente e o perigo ou lesão de tal direito. 25. Estando assim verificados todos os pressupostos para o decretamento da presente providência cautelar, nomeadamente o requerente ora Recorrente é titular de um direito. 26. A sentença de que ora se recorre viola assim o disposto no artigo 116.º, n.º 2, alínea e) do CPTA. 27. Termos em que e face ao supra exposto deverá a sentença recorrida ser revogada por violação do supra mencionado preceito legal. 28. Sem prescindir e para efeitos de eventual e futuro recurso para o Tribunal Constitucional invoca-se desde já a inconstitucionalidade da interpretação dada pelo tribunal “a quo” ao artigo 116.º, n.º 2, alínea e) do CPTA por violação do artigo 266.º e 268.º da CRP. 29. Assim, a interpretação dada pelo tribunal “a quo” ao artigo 116.º, n.º 2, alínea e) do CPTA é inconstitucional e viola o disposto nos artigos 266.º e 268.º da Constituição, o princípio da legalidade, consagrado no artigo 103.º n.º 2 da CRP; o direito à obtenção de uma decisão em prazo razoável, consagrado no artigo 20.º n.º 4 da CRP; os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança e legítimas expectativas dos administrados, ínsitos no primado do Estado de Direito Democrático. 30. Tais preceitos visam a prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, sendo garantido aos administrados tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos. 31. Termos em que deverá a sentença recorrida ser revogada por a interpretação dada pelo tribunal “a quo” ao artigo 116.º, n.º 2, alínea e) do CPTA ser manifestamente inconstitucional, o que se invoca desde já para efeitos de eventual e futuro recurso para o Tribunal Constitucional. Nestes termos e nos melhores de direito, deverá ser concedido provimento ao presente recurso e ser a sentença recorrida declarada nula e consequentemente deverá ser revogada, ordenando-se que os presentes autos sigam os seus ulteriores termos, assim se fazendo justiça!». * A Exma. Magistrada do Ministério Público («EMMP») pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.* * II – DO OBJECTO DO RECURSO O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações (cf. art.º 635.º, n.º 4 e art.º 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil - «CPC» - ex vi art.º 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário - «CPPT»), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente. Assim, delimitado o objeto do recurso pelas conclusões das alegações da Recorrente, importa decidir se deve ser revogado o despacho de 09/05/2025 proferido pelo Tribunal a quo, com fundamento em erro na interpretação e aplicação do direito. * III – FUNDAMENTAÇÃOIII.A - De facto Embora não tenham sido fixados factos no despacho recorrido, entende-se ser útil elencar as seguintes vicissitudes processuais, dado o seu relevo para a decisão do presente recurso: A. No âmbito do PCO n.º 11392024050000063306 foi proferida decisão de aplicação de coima no valor de 16.093,20 Euros, acrescida de custas no montante de 76,50 Euros - cf. documento n.º1 junto com a petição inicial; B. A decisão de aplicação de coima indicada no ponto A. que antecede foi proferida no seguimento de ação de inspeção realizada pela Autoridade Tributária e Aduaneira («AT») à Recorrente relativamente ao exercício de 2022, no âmbito do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas («IRC») e do Imposto sobre o Valor Acrescentado («IVA») - cf. documento n.º1 junto com a petição inicial e doc. com a ref.ª 005671794 que consta da plataforma Magistratus; C. Em 08/05/2025, a Recorrente apresentou junto do TAF de Loulé processo cautelar contra a AT, pedindo, a final, que o Tribunal ordene «(...) a suspensão da eficácia do acto administrativo ora posto em causa nos termos do artigo 266.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, bem com o dos arts. 112.º e seguintes do CPTA» - cf. doc. com a ref.ª 005671801 que consta da plataforma Magistratus; D. Por despacho de 09/05/2025 do TAF de Loulé foi rejeitada liminarmente a petição inicial referida no ponto que antecede – cf. informação que se extrai, além de outros, do doc. com a ref.ª 005671801 que consta plataforma Magistratus. * Insurge-se a Recorrente contra o despacho recorrido por, alegadamente, padecer de erro de julgamento na aplicação e interpretação do direito, pugnando pela admissão liminar do requerimento inicial apresentado. Sustenta a EMMP junto deste Tribunal que não tem razão a Recorrente, e que, por isso, o despacho recorrido deve ser mantido na ordem jurídica. Apreciemos. Adiantando, desde já, a nossa posição, entendemos que não tem razão a Recorrente. Antes de mais avançarmos, atentemos no discurso fundamentador explanado no despacho recorrido e que permitiu ao TAF de Loulé concluir nos termos em que o fez. Aí se lê, após considerações doutrinais e jurisprudenciais relevantes para o tema em análise, o seguinte: «(…) Ora, a presente providência cautelar não se encontra prevista nem no RGIT nem no RGCO, sendo que no RGIT e no Código de Processo Penal apenas se estatuem as providências cautelares quanto aos meios de prova. Por outro lado, as providências cautelares previstas no CPTA destinam-se assegurar o efeito útil da decisão a proferir nos processos declarativos, nos termos legalmente definidos nesse diploma, bem como nas demais situações expressamente previstas pelo legislador (o que não é o caso). (…) Quer isto dizer, por outras palavras, que, no âmbito do processo judicial tributário, as providências cautelares não permitem ao executado obstar à cobrança coerciva das dívidas, pois tal é apenas assegurado mediante prestação de garantia ou concessão da sua dispensa nos termos previstos nas normas tributárias. Atento ao exposto, conclui-se que o presente meio processual não idóneo para obter o efeito pretendido pela Requerente, uma vez que o seu âmbito de aplicação não se dirige à suspensão dos efeitos de decisões de aplicação de coimas, atenta a manifesta falta de previsão legal.Sem prejuízo do antes exposto, dir-se-á que sempre se verifica a manifesta desnecessidade de tutela cautelar. (…) Ora, tal como se extrai da alínea a) do número 2 do artigo 58.º (“Decisão condenatória”) do RGCO, “ex vi” alínea b) do artigo 3.º do RGIT, “[a] condenação [só] se torna definitiva e exequível se não for judicialmente impugnada (…)”. Consequentemente, a decisão de aplicação da coima só se torna definitiva e, consequentemente, a coima e encargos subjacentes exigíveis, após o termo final do prazo de impugnação judicial, contado a partir da notificação da decisão. (…) Deste modo, com a tempestiva propositura do recurso de contraordenação, a decisão de fixação da coima não se tornará definitiva e, consequentemente, a coima não será exigível. Assim, sendo certo que, nos termos dos números 1 e 2 do artigo 65.º (“Execução da coima”) do RGIT, “[a]s coimas aplicadas em processo de contraordenação tributário são cobradas coercivamente em processo de execução fiscal”, a certidão de dívida só pode ser extraída “[q]uando as coimas, sanções pecuniárias e custas processuais não sejam pagas nos prazos legais (…)” e as decisões definitivas e exequíveis, tal como decorre da alínea b) do artigo 162.º (“Espécies de títulos executivos”) do CPPT. Atento ao exposto, resta concluir que com a tempestiva propositura do recurso de contraordenação, a decisão de aplicação de coima não será definitiva e, consequentemente, não poderá a coima ser cobrada coercivamente. (…) Ora, no caso dos autos, atento ao alegado pela Requerente, ao teor da notificação da decisão e, bem assim, à própria natureza e efeitos da decisão de fixação de coima, dir-se-á, conforme antes exposto, que inexiste um mínimo de necessidade na obtenção da providência que é requerida. No mais, sempre se dirá que os eventuais interesses da Requerente no âmbito da cobrança coerciva da coima, a qual só ocorrerá, sendo caso disso, se a decisão se tornar definitiva (o que não acontece com a propositura do recurso de contraordenação em tempo que a Requerente afirma que irá fazer), são assegurados pelos meios processuais previstos no CPPT para o efeito, em sede de execução fiscal. Atento ao antes exposto, e sem necessidade de mais considerações, por despiciendas, conclui-se pela rejeição liminar do requerimento inicial por manifesta desnecessidade da tutela cautelar, nos termos do disposto na alínea e) do número 2 do artigo 116.º do CPTA. (…)» Perscrutado o discurso fundamentador vertido no despacho recorrido e compulsadas as conclusões das alegações recursivas, evidente é, pois, a conclusão que o recurso jurisdicional interposto não merece provimento, já que a Recorrente não logrou refutar qualquer um dos esteios argumentativos avançados pelo Tribunal a quo para sustentar a rejeição liminar do requerimento inicial. Senão vejamos. Em primeiro lugar, porque as alegações da Recorrente relativas à falta de produção de prova testemunhal (cf. conclusões 3., 4., 7., 8. e 9.) em nada abalam ou infirmam o julgado pelo Tribunal a quo no sentido da rejeição liminar do requerimento inicial, porquanto não relevam para efeitos da avaliação da legalidade do julgado. Em segundo lugar, de igual forma, também as alegações relativas à omissão de convocação e de realização de audiência prévia (cf. conclusão 5.) nada relevam para efeitos de refutação do discurso fundamentador gizado pelo TAF de Loulé para sustentar a rejeição liminar sub judice. Depois, quanto à alegação que «da sentença recorrida não constam nenhuns factos dados como provados, nem como não provados, nem a matéria de facto está devidamente motivada», também não tem razão a Recorrente, não ocorrendo a nulidade processual arguida. Preceitua o art.º 125.º, n.º1 do CPPT que constitui causa de nulidade da sentença a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão. O que corresponde ao regulamentado no art.º 615.º, n.º 1, alínea b), do CPC, segundo o qual «é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e direito que justifiquem a decisão». De convocar, ainda neste particular, o comando constitucional contemplado no art.º 205.º da Constituição da República Portuguesa («CRP»), que prevê que: «As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei». Quanto à falta de fundamentação de facto da sentença, a doutrina tem entendido que o vício em análise apenas se verifica quando ocorra a falta absoluta de especificação dos fundamentos de facto (ou dos fundamentos de direito), o mesmo sucedendo com a jurisprudência dos Tribunais Superiores, a qual aduz que «[P]ara que a sentença padeça do vício que consubstancia esta nulidade é necessário que a falta de fundamentação seja absoluta, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente. Por outras palavras, o que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação, tanto de facto, como de direito. Já a mera insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, podendo afectar o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a ao risco de ser revogada em recurso, mas não produz nulidade. Igualmente não sendo a eventual falta de exame crítico da prova produzida (cfr.artº.607, nº.4, do C.P.Civil) que preenche a nulidade sob apreciação. No processo judicial tributário o vício de não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário.» (neste sentido Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora 1984, reimpressão, Volume V, página 140; entre outros, os acórdãos proferidos pelo Tribunal Central Administrativo Sul, proc. n.º 09420/16, de 29/06/2016, e proc. n.º 61/19.9BCLSB, de 15/07/2025, disponíveis em www.dgsi.pt). No caso que agora nos ocupa, a verdade é que apesar de os factos relevantes não terem sido discriminados e individualizados no despacho recorrido, o certo é que foi convocada a factualidade decisiva para a apreciação liminar do requerimento inicial, razão pela qual está ao alcance do destinatário – a Recorrente – apreender os factos considerados na decisão tomada. Por outro lado, do que vem alegado pela Recorrente neste conspecto não resulta que não tenha percebido ou que tenha sequer dúvidas quanto aos factos relevantes utilizados para fundamentar o julgado recorrido, insurgindo-se somente quanto à sua falta de individualização, donde podemos concluir que compreendeu a motivação explanada. Assim, como visto, a metodologia seguida pelo Tribunal a quo, não comprometendo a clareza do discurso fundamentador, não pode, de forma alguma, projetar os pretendidos efeitos jurídicos. Como é bom de ver, não assiste, portanto, qualquer razão à Recorrente quando aduz que a decisão recorrida padece de nulidade por falta de fundamentação, sendo que ao nível da fundamentação de facto, como é unânime e já evidenciado, na doutrina e na jurisprudência, para que ocorra esta nulidade «não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito» (cf. Antunes Varela, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª edição, pág. 687). E por assim ser, considera-se que está suficientemente fundamentada a presente decisão, porquanto enuncia, de forma perfeitamente inteligível e apreensível pelos respetivos destinatários, os fundamentos factuais (e normativos) da decisão, tornando percetível o iter lógico jurídico-factual seguido, apreciando liminarmente o requerimento inicial, pelo que improcede a arguida nulidade. Em quarto lugar, as alegações que se reportam ao prejuízo para a Recorrente decorrente da alegada penhora de bens (cf. conclusões 12. a 22.) também não são de molde a levar a concluir pelo desacerto da decisão recorrida. É que o processo tributário consagra mecanismos próprios para assegurar a suspensão do processo de execução fiscal, sendo inaplicável nessa sede o regime da tutela cautelar ínsito no Código de Processo nos Tribunais Administrativos («CPTA»). Isso mesmo resulta de forma cristalina do disposto na alínea a) do n.º3 do art.º 97.º do CPPT, que preceitua que: «São também regulados pelas normas sobre processo nos tribunais administrativos: a) As providências cautelares de natureza judicial a favor do contribuinte ou demais obrigados tributários, sem prejuízo do efeito suspensivo de atos de liquidação só poder ser obtido mediante prestação de garantia ou concessão da sua dispensa nos termos previstos nas normas tributárias;». Na nossa perspetiva, pese embora o legislador apenas faça referência na citada norma a «atos de liquidação», cremos que idêntica posição deve ser seguida quando estamos perante a cobrança coerciva de coimas aplicadas em sede de processo de contraordenação tributária, já que nada justifica tratamento jurídico distinto. E apenas assim se assegura um tratamento coerente e uniforme de situações materialmente idênticas, dando prevalência aos mecanismos próprios consagrados no universo do contencioso tributário. Neste conspecto, importa recordar que o art.º 169.º do CPPT, sob a epígrafe «Suspensão da Execução. Garantias», prevê um regime que não difere da medida cautelar consagrada no artigo 120.º, n.º 6 do CPTA, designadamente quando em causa está um ato administrativo do qual decorre o pagamento de uma quantia certa. Com efeito, nestes casos, de acordo com o CPTA, as providências cautelares são adotadas, independentemente da verificação dos requisitos previstos no n.º 1 do mesmo artigo 120.º (ou seja, existência de fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente) se tiver sido prestada garantia por uma das formas previstas na lei tributária. * IV- DECISÃO Termos em que acordam, em conferência, os Juízes da Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso. Custas pela Recorrente. Registe e notifique. Lisboa, 30 de setembro de 2025 (Filipe Carvalho das Neves) (Susana Barreto) (Luísa Soares) |