Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:391/07.2BELSB
Secção:CT
Data do Acordão:09/12/2024
Relator:TERESA COSTA ALEMÃO
Descritores:DIREITO DE AUDIÇÃO
DISPENSA
Sumário:A dispensa do direito de audição, a que se refere a norma da al. d) do n.º 2 do art. 60.º da LGT, é de aplicar aos casos em que a liquidação é feita integralmente com base nos elementos declarados, só assim se acautelando o direito de participação dos contribuintes previamente à emissão de actos de conteúdo desfavorável.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

A Fazenda Pública veio interpor recurso da sentença proferida em 13 de fevereiro de 2021 pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação deduzida por M........., melhor identificada nos autos, contra o acto de indeferimento da Reclamação Graciosa da liquidação adicional de IVA e Juros Compensatórios do 3º Trimestre de 2000, no valor total de 43.291,22€, e em consequência determinou a anulação da liquidação impugnada nos Autos.

A Recorrente termina as alegações de recurso formulando as conclusões seguintes:

«A) A Recorrida intentou junto do Tribunal Tributário de Lisboa a presente impugnação judicial, visando obter a anulação da liquidação de IVA, relativa ao 3º trimestre do ano 2000, e respetivos juros compensatórios, no valor global de € 43.291,22.

B) Na apreciação do mérito da impugnação judicial o Tribunal a quo concluiu pela procedência do pedido com base no vício de preterição do direito de audição prévia, ficando prejudicada análise dos restantes vícios invocados pela Recorrida na petição inicial.

C) Não pode a Fazenda Pública, com o devido respeito, que é muito, conformar-se com o assim decidido, por ser seu entendimento que in casu, não havia lugar ao direito de audição da Recorrida, antes de efetuada a liquidação que vem impugnada, por a mesma ter tido lugar sem que tenha havido qualquer instrução e, por outro lado, por ser a própria lei que, dispensa tal audição, quando a liquidação seja efetuada com base na declaração do contribuinte, como sucedeu no caso sub judicie.

D) Resulta do art.º 60º da LGT que, os contribuintes, têm direito de audição, antes da liquidação – nº 1, alínea a) – para o que deverá a Administração Tributária comunicar ao sujeito passivo o projeto de decisão e a sua fundamentação, só sendo dispensada essa audição no caso de a liquidação se efetuar com base na declaração do contribuinte ou a decisão do pedido, reclamação, recurso ou petição lhe for favorável – nº 2, alínea a).

E) De acordo com o que resulta do art.º 29º do CIVA (e, bem assim, do disposto nos art.ºs 2º e 4º), temos que, em regra, compete ao sujeito passivo a responsabilidade da liquidação do IVA, impendendo sobre ele a obrigação de periodicamente (mensal ou trimestralmente – cfr.art.º 41º do CIVA) enviar à AT a declaração periódica da qual constarão as operações efetuadas no decurso do exercício da atividade, o imposto devido ou o crédito existente e, bem assim, os elementos que serviram de base ao respetivo cálculo, a qual deve ser acompanhada do montante do respetivo imposto.

F) Não obstante, estatui o art.º 87º do CIVA (correspondente ao anterior art.º 82º), que a AT procede à retificação das declarações dos sujeitos passivos quando fundamentadamente considere que nelas figure um imposto inferior ou uma dedução superior aos devidos, liquidando adicionalmente a diferença.

G) Como se afirma no acórdão do STA de 07/05/03 (processo nº 316/03), “Tal significa que o regime de liquidação e pagamento do IVA é accionado pelo respectivo sujeito passivo com base nos seus próprios elementos, sem que daqui resulte, porém, que a Administração Fiscal fique coarctada pela declaração apresentada pelo sujeito passivo, podendo rectificála e liquidar adicionalmente a diferença relativa ao imposto devido, sempre que, fundadamente, considere que nela figura uma dedução superior ou um imposto inferior ao devido (cfr. artº 82º, nº 1 do CIVA).

H) A este propósito e porque esclarecedor, importa referir aqui o que nos diz o Exmo. Conselheiro Jorge Sousa, in CPPT, anotado, 3ª ed., pág. 653, que se transcreve: "Também relativamente ao IVA, a regra é a cobrança do imposto ser feita na sequência de autoliquidação, nos termos dos arts. 26.º e 40.º do CIVA, sendo o pagamento feito à Direcção de Serviços de Cobrança do Imposto sobre o Valor Acrescentado...".

I) In casu e à data dos factos, resultava do cadastro de contribuintes da AT, que a Recorrida se encontrava enquadrada no regime especial de isenção de IVA, ao abrigo do art.º 53º do CIVA.

J) No caso de um contribuinte, abrangido por este Regime de Isenção, cobrar IVA, uma vez que se trata de IVA indevidamente cobrado (art.º 2º nº 1, alínea c) do CIVA), terá que o entregar nos cofres do Estado no prazo de 15 dias a contar da emissão da fatura, como impõe o nº 2, do art.º 27º do CIVA.

K) A Recorrida procedeu ao envio da declaração periódica referente ao 3º trimestre de 2000, na qual mencionou, o IVA dedutível e o IVA liquidado, invocando que, no ano de 2000, já dispunha de contabilidade organizada, deixando de estar enquadrada no Regime de Isenção do art.º 53º do CIVA.

L) Não obstante, se a Recorrida deixou de cumprir algum dos requisitos do art.º 53º do CIVA, deveria ter comunicado tal facto através da entrega da declaração de alterações, no prazo de 15 dias, como impõe, o art.º 58º, nº 2, alínea c) do CIVA.

M) Encontrando-se a Recorrida, no ano 2000, enquadrada no Regime de Isenção de IVA, não podia, pois, cobrar, nem deduzir IVA. Tendo cobrado IVA, indevidamente, teria que entregar o IVA que liquidou, dado que, estando isento não pode cobrar IVA a terceiros nas suas prestações de serviços ou transmissões de bens, além do que, sendo o IVA um imposto repercutido a terceiros, teria sempre que ser entregue, independentemente, do regime em que estivesse enquadrada.

N) Do mesmo modo, também não poderia deduzir o IVA pago nas suas aquisições, uma vez que o Regime de Isenção do art.º 53º (isenção incompleta) não permite a dedução do imposto suportado a montante.

O) Ao detetar a falta de entrega nos cofres do Estado de todo o IVA liquidado, (€ 50.359,62), não restou a AT, outra solução que não fosse, a emissão da liquidação que vem impugnada, nos termos do disposto no art.º 82º, nºs 1 e 2 do CIVA, (atual art.º 87º), pelo valor de € 41.846,65, correspondente à diferença entre o IVA liquidado (Campo 04 da DP) e o IVA entregue nos cofres do Estado (Campo 93 da DP), isto é € 50.359,62 – € 8.512,97 = € 41.846,65.

P) E, uma vez que foi retardada a liquidação por motivo imputável à Recorrida, foram também liquidados juros compensatórios, nos termos do art.º 89º, nº 1 do CIVA (atual art.º 96º) e art.º 35º da LGT.

Q) Do exposto resulta que, não faz qualquer sentido invocar, aqui, a preterição do direito de audiência prévia àquela liquidação, e muito menos pretender retirar, da alegada omissão de tal ato, quaisquer consequências ao nível da (in)validade da liquidação de imposto impugnada.

R) Pois, dir-se-á como se entende, que a liquidação que vem impugnada foi efetuada com base na declaração entregue pela Recorrida, pelo que estava dispensada de audição prévia, ao abrigo da alínea a), do nº 2, do art.º 60º da LGT.

S) A esta conclusão se chega, sem hesitações, por simples aplicação do disposto no citado art.º 60º, nº 2, alínea a) da LGT, nos termos do qual “É dispensada a audição no caso de a liquidação se efetuar com base na declaração do contribuinte”, o que é claramente o caso em apreço.

T) Neste sentido, e de forma mais desenvolvida e aqui inteiramente aplicável, se afirma no acórdão do TCA SUL, de 17/07/07 (processo nº 1815/07), que “o direito de prévia à liquidação não tem lugar quando não existe nenhuma instrução procedimental, como nos casos em que o imposto é liquidado integralmente, com base na declaração do contribuinte”.

U) Deve recordar-se que a dispensa do direito de audição prévia em casos de autoliquidação encontra expresso apoio legal na LGT, justificando-se plenamente perante a circunstância de, em tal liquidação, a AT não ter intervenção, sendo inexistentes quaisquer diligências de instrução tendentes à decisão do procedimento.

V) Acresce que, é a própria norma da alínea a), do nº 2 do art.º 60º da LGT, diretamente aplicável ao caso, que dispensa a audição no caso de a liquidação se efetuar integramente com base na declaração do contribuinte, como foi no caso quanto ao IVA impugnado.

W) Da análise da notificação da liquidação do IVA que vem impugnado, (junta pela Recorrida como doc. nº 1 com a petição de reclamação graciosa), o mínimo que se poderá afirmar é que, a mesma não teve por base nenhuma situação de liquidação desencadeada pela AT, mas sim pela própria Recorrida, através da entrega da declaração periódica referente ao 3º trimestre de 2000, desta forma se alcançando o montante da liquidação adicional ora impugnada.

X) A liquidação que vem impugnada foi, pois, emitida, com base nos elementos factuais constantes da declaração periódica apresentada pela Recorrida. Assim sendo, temos de concluir que não era obrigatório, nos termos do disposto no art.º 60º, nº 1, alínea a), da LGT, a audição prévia da Recorrida.

Y) A sentença recorrida ao decidir em sentido contrário, considerando procedente a argumentação da Recorrida no que concerne à violação do direito de audição prévia, e, em consequência, determinando a anulação do ato de liquidação que vinha impugnado, incorreu em erro de julgamento por errónea interpretação e aplicação à matéria de facto dada por provada, do disposto no art.º 60º da LGT, impondo-se a sua revogação e substituição por Acórdão que julgue totalmente improcedente a impugnação judicial.

Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., e em face da motivação e das conclusões atrás enunciadas, deve ser dado provimento ao presente recurso, e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, e substituída por Acórdão que, julgue totalmente improcedente a impugnação judicial, com as legais consequências.

Todavia, Decidindo, Vossas Excelências farão, como sempre, a costumada Justiça!»

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A Recorrida, M........., notificada para o efeito, apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões:

«a. O problema em discussão nos presentes autos reside em saber se a liquidação impugnada se efetuou (ou não) com base na declaração da Recorrida e, consequentemente, se a Autoridade Tributária se encontrava (ou não) dispensada de proceder à notificação da Recorrida para exercício do direito de audição prévia à liquidação adicional, nos termos do n.º 2 do art. 60.º da LGT.
b. O Tribunal a quo concluiu, com acerto, não ser “verdade que a liquidação emitida pela Administração Fiscal seja a mesma que a Impugnante apresentou”, asserção que assentou no facto de a liquidação adicional de imposto que é objeto dos presentes autos ser o resultado de outros elementos que não os declarados pelo contribuinte.
c. No caso em apreço, foi exatamente uma interpretação fáctica e jurídica distinta daquela que resultava da (auto)liquidação de IVA apresentada pela Recorrida que veio a motivar a Autoridade Tributária a proceder à liquidação adicional de IVA no valor de € 41.846,65.
d. O ato de liquidação adicional sindicado nos presentes autos promoveu uma correção desfavorável ao contribuinte, gerando uma dívida de imposto superior à resultante do ato de (auto)liquidação promovido pela Recorrida.
e. A matéria de facto dada como provada impede a aplicação da regra ínsita no n.º 2 do art.º 60.º da LGT, a qual desonera a Autoridade Tributária da obrigação de promover a audição prévia dos contribuintes.
f. O afastamento do direito de audição prévia deve ser limitado às situações em que a liquidação de imposto resulta da declaração entregue pelo contribuinte, coincidindo o valor final apurado pela Autoridade Tributária com o valor por aquele declarado, o que não é manifestamente a situação do caso sub judice.
g. O Tribunal a quo decidiu, com acerto, que houve uma interpretação distinta quanto ao tratamento dado a duas faturas emitidas em nome da Impugnante, pelo que a Autoridade Tributária não estava dispensada de chamar a contribuinte a participar na respetiva decisão, motivo pelo qual estamos perante o vício de preterição de formalidade legal por omissão de notificação para exercício do direito de audiência prévia à liquidação conducente à anulabilidade da decisão.
h. A decisão do Tribunal a quo foi acertada e não merece qualquer censura, tendo procedido a uma adequada interpretação e subsunção das normas aplicáveis aos factos dados como provados.
i. Improcedem totalmente as conclusões do recurso apresentado.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente mantendo-se integralmente a sentença recorrida, só assim se fazendo a boa e costumada JUSTIÇA!»





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Notificado, o Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo emitiu parecer no sentido da procedência do recurso
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Sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que a recorrente remate a sua alegação (art. 639º do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do referido tribunal.
Assim, atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, temos que no caso concreto, a questão fundamental a decidir é a de saber se a sentença recorrida errou no seu julgamento quando decidiu que houve violação do direito de audição prévia determinante da anulação da liquidação impugnada.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.

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II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. De facto

A decisão recorrida considerou provada a seguinte factualidade:

A) A Impugnante é uma pessoa singular que exerceu a actividade de “Exploração Florestal” inscrita com o CAE 2012, entre 4/04/1998 a 31/10/2002 – cfr. fls. 53 do Processo Administrativo apenso aos Autos e fls. 38 do Processo de Reclamação apenso aos Autos;

B) Em 6/11/2000, a Impugnante procedeu à entrega da declaração de IVA referente ao 3º trimestre de 2000 - cfr. fls. 43 do Processo Administrativo apenso aos Autos;

C) Na declaração referida na alínea anterior, a Impugnante declarou no Campo “93C” (Imposto a entregar ao Estado) o valor de 8.513,06€ - cfr. fls. 27 do Processo de Reclamação apenso aos Autos;

D) Em data não concretamente apurada, mas antes de 29/10/2004, foi emitida pela AF a liquidação adicional de IVA n.º .........14 em nome da Impugnante, referente ao período de 0009T, no valor de 41.846,65€ - cfr. fls. 50 do Processo de Reclamação apenso aos Autos, cujo conteúdo se dá por reproduzido;

E) Em 29/10/2004, o Serviço de Finanças de Lisboa 4 remeteu para a Impugnante, por carta registada e com aviso de recepção, e para a morada Tv. da Escola A…… em Lisboa, o instrumento constante a fls. 15 do Processo de Reclamação apenso aos Autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, no qual solicitou o pagamento de 43.291,22€ referente ao IVA do 3º trimestre de 2000;

F) A carta referida na alínea anterior veio devolvida com a menção “não reclamado” – cfr. fls. 17 do Processo de Reclamação apenso aos Autos;

G) Em 4/11/2004, foi remetida pela Autoridade Tributária para a morada da Impugnante, para a morada Tv da Escola A......... em Lisboa o instrumento contante a fls. 19 do Processo de Reclamação apenso aos Autos e fls. 54 do Processo de Reclamação apenso aos Autos, a qual veio devolvida com a menção “não reclamado”;

H) Em 28/12/2004, foi afixado o Edital constante a fls. 23 do Processo de Reclamação apenso aos Autos, referente à liquidação adicional de IVA do 3º trimestre do 2000;

I) Em 15/09/2005, a Impugnante apresentou junto do SF de Lisboa 4 a Reclamação Graciosa contra a liquidação adicional de IVA do 3º trimestre de 2000. – cfr. 1 e 2 do Processo de Reclamação apenso aos Autos;

J) A Reclamação Graciosa referida na alínea anterior foi indeferida por despacho de 17/01/2007 - cfr. fls. 71 do Processo de Reclamação apenso aos Autos;

K) Em 25/01/2007, a Direcção de Finanças de Lisboa remeteu, por carta registada com aviso de recepção, a notificação de indeferimento para o mandatário da Impugnante - cfr. fls. 73 do Processo de Reclamação apenso aos Autos;

L) O Aviso de recepção referido na alínea anterior foi assinado a 29/01/2001 – cfr. fls. 74 do Processo de Reclamação apenso aos Autos;

M) Em 30/06/2005, a Impugnante tinha registado como domicílio fiscal na base de dados da Autoridade Tributária a morada da Tv. Da Escola A........., 34, 1 D, em Lisboa – cfr. fls. 36 do Processo de Reclamação apenso aos Autos;

N) A presente Impugnação deu entrada no TT de Lisboa a 14/02/2007 – cfr. fls. 3 dos Autos.»


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No que respeita a factos não provados, nada refere a refere a sentença recorrida

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Quanto à fundamentação da matéria de facto, refere o Tribunal a quo:

«A convicção do Tribunal que permitiu dar como provados os factos acima descritos assentou na análise dos documentos constantes dos Autos, tudo conforme discriminado em cada uma das alíneas dos Factos Assentes, conjugado com o princípio da livre apreciação da prova, entendido como o esforço para alcançar a verdade material, analisando dialecticamente os meios de prova ao seu alcance, procurando harmonizá-los entre si de acordo com os princípios da experiência comum.

Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados.»


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II.2. Enquadramento Jurídico

A sentença recorrida julgou a presente impugnação procedente e, consequentemente, anulou a liquidação impugnada, com fundamento na preterição da formalidade legal do direito de audição antes da liquidação.
Para tanto, considerou que “Dos factos dados como assentes verificamos que a Impugnante apresentou a sua declaração periódica de IVA referente ao 3º trimestre de 2000.
Consta do probatório que a Impugnante mencionou na referida Declaração de IVA do 3º Trimestre de 2000, o valor de 8.513,06€ a entregar ao Estado.
E do probatório que a AF notificou a Impugnante para proceder ao pagamento do IVA do 3º trimestre no valor de 41.846,65€.
Ora, aplicando as normas supra referidas aos factos dados como assentes, resulta pois que a Impugnante tem razão.
Ou seja, não é verdade que a liquidação emitida pela Administração Fiscal seja a mesma que a Impugnante apresentou.
Aparentemente, ouve uma interpretação distinta quanto ao tratamento dado a duas facturas emitidas em nome da Impugnante.
Mas nem isso é claro, porque a AF não é clara na razão da notificação de um valor distinto daquele que a Impugnante declarou na Declaração Periódica de IVA.
Porque de acordo com os valores apresentados pela Impugnante apenas teria que efectuar o pagamento de 8.513,06€.
Mas como a AF considerou que a Impugnante tinha cobrado indevidamente IVA, entendeu notificá-la para entregar nos cofres do Estado o valor que alegadamente cobrou indevidamente. E este procedimento não merce censura.
Mas era necessário convidar a Impugnante para se pronunciar.
Com efeito, um dos pressupostos da obrigatoriedade da audição prévia é a previsão de uma decisão da AF desfavorável aos interesses do contribuinte
E neste caso a Impugnante nem tão-pouco estava à espera dessa decisão, ainda que pudesse estar errada…
Em suma, do probatório resulta que a Impugnante nunca foi ouvida em fase anterior à notificação do valor do IVA a pagar.
Apenas teve conhecimento de tal facto, mas já consumado.
E repare-se que a lei pretende que os contribuintes conheçam antecipadamente as razões dos actos desfavoráveis de que venham a ser destinatários a fim de que estes possam apresentar uma defesa antecipada dos seus interesses, e por esta via, sejam prevenidos litígios entre a AF e os contribuintes.
Claro está que todo a situação da Impugnante face ao regime do IVA é deveras inusitado… mas por essa razão é que a Impugnante deveria ter tido a oportunidade de esclarecer com mais precisão as duvidas suscitadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
Desta feita, procede, assim, a argumentação da Impugnante, no que concerne à violação do direito de audição prévia.

A FP discorda do assim decidido por entender que “a Recorrida procedeu ao envio da declaração periódica referente ao 3º trimestre de 2000, na qual mencionou, o IVA dedutível e o IVA liquidado, invocando que, no ano de 2000, já dispunha de contabilidade organizada, deixando de estar enquadrada no Regime de Isenção do art.º 53º do CIVA.”; que “se a Recorrida deixou de cumprir algum dos requisitos do art.º 53º do CIVA, deveria ter comunicado tal facto através da entrega da declaração de alterações, no prazo de 15 dias, como impõe, o art.º 58º, nº 2, alínea c) do CIVA.”; que, “Encontrando-se a Recorrida, no ano 2000, enquadrada no Regime de Isenção de IVA, não podia, pois, cobrar, nem deduzir IVA. Tendo cobrado IVA, indevidamente, teria que entregar o IVA que liquidou, dado que, estando bens, além do que, sendo o IVA um imposto repercutido a terceiros, teria sempre que ser entregue, independentemente, do regime em que estivesse enquadrada.; que, “Ao detetar a falta de entrega nos cofres do Estado de todo o IVA liquidado, (€ 50.359,62), não restou a AT, outra solução que não fosse, a emissão da liquidação que vem impugnada, nos termos do disposto no art.º 82º, nºs 1 e 2 do CIVA, (atual art.º 87º), pelo valor de € 41.846,65, correspondente à diferença entre o IVA liquidado (Campo 04 da DP) e o IVA entregue nos cofres do Estado (Campo 93 da DP), isto é € 50.359,62 – € 8.512,97 = € 41.846,65.” e que “Da análise da notificação da liquidação do IVA que vem impugnado, (junta pela Recorrida como doc. nº 1 com a petição de reclamação graciosa), o mínimo que se poderá afirmar é que, a mesma não teve por base nenhuma situação de liquidação desencadeada pela AT, mas sim pela própria Recorrida, através da entrega da declaração periódica referente ao 3º trimestre de 2000, desta forma se alcançando o montante da liquidação adicional ora impugnada.”, pelo que “A liquidação que vem impugnada foi, pois, emitida, com base nos elementos factuais constantes da declaração periódica apresentada pela Recorrida. Assim sendo, temos de concluir que não era obrigatório, nos termos do disposto no art.º 60º, nº 1, alínea a), da LGT, a audição prévia da Recorrida.
A Recorrida, por seu turno, discorda deste entendimento, defendendo que “No caso em apreço, foi exatamente uma interpretação fáctica e jurídica distinta daquela que resultava da (auto)liquidação de IVA apresentada pela Recorrida que veio a motivar a Autoridade Tributária a proceder à liquidação adicional de IVA no valor de € 41.846,65.”; que “ O ato de liquidação adicional sindicado nos presentes autos promoveu uma correção desfavorável ao contribuinte, gerando uma dívida de imposto superior à resultante do ato de (auto)liquidação promovido pela Recorrida.”; que “O afastamento do direito de audição prévia deve ser limitado às situações em que a liquidação de imposto resulta da declaração entregue pelo contribuinte, coincidindo o valor final apurado pela Autoridade Tributária com o valor por aquele declarado, o que não é manifestamente a situação do caso sub judice.” e que “O Tribunal a quo decidiu, com acerto, que houve uma interpretação distinta quanto ao tratamento dado a duas faturas emitidas em nome da Impugnante, pelo que a Autoridade Tributária não estava dispensada de chamar a contribuinte a participar na respetiva decisão, motivo pelo qual estamos perante o vício de preterição de formalidade legal por omissão de notificação para exercício do direito de audiência prévia à liquidação conducente à anulabilidade da decisão.

Vejamos pois.
Não é controvertido que a AT não concedeu direito de audição antes da emissão da liquidação impugnada.
A discordância das partes reside no facto de a AT entender que tal direito de audição estava dispensado, em virtude de tal liquidação ter sido feita com base na declaração efectuada pela Impugnante, ao abrigo da norma do art. 60.º n.º 2 a) da LGT.
Dispõe tal normativo, com efeito, que “É dispensada a audição no caso de a liquidação se efectuar com base na declaração do contribuinte (…)”.
Ora, analisados os factos provados, desde logo, resulta evidente que não foi apenas com base na declaração do contribuinte que foi feita a liquidação impugnada.
Na verdade, em tal declaração periódica a Recorrida apurou um determinado imposto a entregar ao Estado (€ 8.513,06) no pressuposto de que estava enquadrada no regime trimestral do IVA (pontos B) e C) do probatório).
A AT, não concordando com tal enquadramento, entendeu que, estando a Recorrida enquadrada no regime de isenção do IVA, não poderia ter liquidado nem deduzido imposto, razão pela qual o imposto que liquidou individamente teria de ser entregue na totalidade ao Estado, tendo efectuado uma liquidação na qual apurou imposto a pagar no montante de € 41.846,65 (ponto D) dos factos provados). Ou seja, a AT alterou (não aceitou) a declaração feita pelo contribuinte.
Isto mesmo resulta claro, até, das conclusões do recurso, acima transcritas, nas quais é notório que a declaração periódica apresentada não foi aceite qua tale, mas corrigida.
Note-se que a dispensa do direito de audição não é de aplicar aos casos em que a liquidação é emitida com base, apenas, em alguns dos elementos factuais constantes da declaração periódica apresentada pela Recorrida, alterando outros. Dito de outra forma, a dispensa do direito de audição a que se refere a norma da al. d) do n.º 2 do art. 60.º da LGT é de aplicar aos casos em que a liquidação é feita integralmente com base nos elementos declarados, só assim se acautelando o direito de participação dos contribuintes previamente à emissão de actos de conteúdo desfavorável.
Ora, como resulta do probatório, tal não é o caso em apreciação, tendo a AT considerado que, contrariamente ao declarado, a Recorrida continuava enquadrada no regime de isenção do art. 53.º do CIVA, o que motivou o apuramento de um imposto a entregar ao Estado num valor superior.
A situação descrita cai, claramente, na norma da alínea a) do n.º 1 do art. 60.º da LGT.
Por isso, não merece qualquer censura a sentença recorrida, que entendeu que, neste caso, houve violação do direito de audição prévia, razão pela qual tem de ser confirmada – o que abaixo, no segmento decisório, se determinará.

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III. DECISÃO

Face ao exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.


Registe e notifique.




Lisboa, 12 de Setembro de 2024


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[Teresa Costa Alemão]


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[Ângela Cerdeira]


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[Tânia Meireles da Cunha - substituição]