Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:574/12.3BECTB
Secção:CA
Data do Acordão:10/09/2025
Relator:LUÍS BORGES FREITAS
Descritores:MOBILIDADE
EXTINÇÃO DE SERVIÇO
MATÉRIA DE FACTO
PRINCÍPIO DO APROVEITAMENTO DOS ATOS ADMINISTRATIVOS
Sumário:I - Ao invocar que determinado decreto-lei não previu quaisquer serviços desconcentrados ao nível local, no caso, na Guarda, a sentença recorrida não apelou a uma realidade fáctica, mas sim a uma realidade normativa.
II - O capítulo IV da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro, dedicado à mobilidade geral, não é aplicável em situações de extinção do serviço de origem.
III - O princípio do aproveitamento dos atos administrativos não torna legal o que é ilegal; apenas justifica, no âmbito do regime então vigente, que se recuse a consequência invalidante da ilegalidade cometida.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Social
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Subsecção Social do Tribunal Central Administrativo Sul:


I
C........ intentou, em 13.12.2012, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, ação administrativa especial contra o Ministério da Educação e Ciência, peticionando a anulação do despacho «de 31 de Agosto de 2012 exarado pelo Senhor Secretário de Estado do Ensino e da Administração Escolar, que determinou a deslocação do local de trabalho do requerente da Guarda para Coimbra».
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Por sentença proferida em 18.8.2017 o tribunal a quo julgou a ação improcedente.
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Inconformado, o Autor interpôs recurso daquela sentença, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões, que se transcrevem:

1ª A sentença em recurso, ao defender que o Recorrente podia ser obrigado a deslocar-se do concelho da Guarda para qualquer parte do país só porque o seu serviço tinha sido extinto, incorre em vários erros jurídicos e atropelos à lei, razão pela qual sempre terá que ser revogada.
Com efeito,
2ª Começa por enfermar da nulidade prevista na alínea b) do n 1 do art° 615° do CPC por não ter especificado nem dado por provado um facto que era absolutamente essencial para a decisão de direito que alcançou, uma vez que para poder concluir que não restava ao Recorrente outra alternativa que não ir para Coimbra, teria que ter especificado e dado por provado que não existia qualquer outro serviço no concelho da Guarda que o pudesse receber.
3ª Na verdade, averiguar da inexistência de outros serviços (no concelho da Guarda) para onde o Recorrente pudesse ir trabalhar era um facto absolutamente essencial para a decisão de direito alcançada pelo Tribunal a quo - a legalidade da mudança do Recorrente da Guarda para Coimbra -, pelo que para alcançar a conclusão de direito que alcançou o aresto em recurso tinha obrigatoriamente de ter especificado e dado por provado que não existiam quaisquer outros serviços carenciados de técnicos superiores no concelho da Guarda.
4ª Tanto mais que o Recorrente afirmou que havia outros locais no concelho da Guarda onde pudesse trabalhar e a entidade recorrida contraditou este facto, pelo que sempre estaríamos perante um facto controvertido que não foi submetido a prova.
5ª Pelo que o aresto em recurso incorreu em flagrante erro de julgamento de facto, sendo a factologia dada por provada claramente insuficiente para alicerçar a decisão de direito alcançada, uma vez que, não tendo especificado nem provado um facto - se existiam ou não outros serviços no concelho da Guarda onde o Recorrente pudesse ser reafecto - que era absolutamente essencial para a decisão de direito que foi alcançada - a legalidade do acto impugnado que ordenou a sua ida para o concelho de Coimbra -, não pode este douto Tribunal Central Administrativo deixar, caso entenda que o conhecimento de tal facto não atenta contra o princípio do dispositivo, de ordenar a baixa dos autos à Ia instância para que tal facto seja submetido a contraditório e a prova pelas partes, sob pena de, não estando provado que tais serviços não existem, não se poder concluir pela legalidade da ordem de transferir o Recorrente para outro concelho.
Acresce, ainda, que
6ª O aresto em recurso incorreu em flagrante erro de julgamento ao considerar que o Recorrente podia ser colocado em qualquer sítio do país só porque o seu serviço tinha sido extinto, pois tal interpretação viola frontalmente a garantia dada ao trabalhador pelo art° 29°/5/b)i) da Lei n° 53/2006 de que não teria que trabalhar noutro concelho (que não o seu) quando o seu serviço fosse extinto.
Com efeito,
7ª A Lei 53/2006 determinava que em caso de extinção do serviço quem não fosse colocado noutro serviço (v. art° 1272), seria colocado em mobilidade especial, mas com a garantia de que não saía do seu concelho - v. In fine o artº 2975/b)i) da referida Lei nº 53/2006.
8ª De igual forma, também o regime da mobilidade interna (consagrado à data nos arts° 59° e ss. da Lei 12-A/2008) impediria que o Recorrente fosse deslocado contra a sua vontade do concelho da Guarda para o de Coimbra por ultrapassar os limites de despesa e tempo de deslocação impostos pelo art° 61° da Lei n° 12-A/2008.
Por isso mesmo,
9ª Seja por que prisma for, o entendimento sufragado pelo Tribunal a quo de que o Recorrente podia ser colocado em qualquer parte do país não tem qualquer apoio na lei.
Por fim,
10ª O Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao aplicar o princípio do aproveitamento dos actos administrativos e não anulando o acto impugnado mesmo depois de ter concluído que este violava o princípio da audiência prévia.
Com efeito,
11ª Por imperativo legal, a audiência dos interessados tem sempre que se realizar, exceto nas situações expressamente definidas no art° 103° do CPA, sendo manifesto que nos presentes autos não estamos perante nenhuma delas, pelo que sempre teria que se ter realizado a referida audiência prévia, tanto mais que a entidade recorrida não justificou a inexistência ou dispensa da dita audiência.
12ª Para além disso, mesmo que por hipótese se entendesse que o Tribunal a quo poderia recorrer ao princípio do aproveitamento dos actos administrativos para justificar o não cumprimento da audiência dos Interessados, ainda assim teria incorrido em erro de julgamento.
13ª Com efeito, como é Jurisprudência pacífica dos nossos mais autorizados Tribunais, tal princípio só permite desconsiderar a audiência quando for inequívoco que decisão tomada era a única possível - ónus de alegação e de prova essa que recai sobre a Administração - e que, por norma, só acontecerá quando o procedimento se iniciou a requerimento do interessado e se for insusceptível de acrescentar algo de novo e útil à posição anteriormente manifestada (v. neste sentido, Ac°s deste TCA Sul de 24 -02-2016, Proc, n° 12747/15; de 13-112014, Proc. n° 08021114; de 17-09-2013, Proc. n° 01510/06; de 22-06-2006, Proc. n.° 7027/03 e de 27-01-2005).
Ora,
14ª Não estamos perante qualquer pretensão apresentada pelo interessado mas sim perante uma decisão "surpresa" que amputou um direito reconhecido ao Recorrente, pelo que sempre deveria ter sido ouvido sobre o projecto de decisão.
Para além disso,
15ª Mesmo que se entendesse que o Tribunal a quo poderia recorrer ao princípio do aproveitamento dos actos administrativos para "sanar" aquela ilegalidade, ainda assim teria incorrido em erro de julgamento, pois a decisão administrativa alcançada não era a única possível - antes pelo contrário, não era sequer a solução legalmente admissível.
16ª Pelo que mal andou o Tribunal a quo ao negar relevância anulatória aos erros cometidos pela entidade recorrida, pois a verdade é que estes erros interferiram com o conteúdo da decisão impugnada.
Nestes Termos,
Deve ser concedido provimento ao presente recurso e revogada a Sentença recorrida, com as legais consequências. Assim será cumprido o direito e feita JUSTIÇA!
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O Recorrido apresentou contra-alegações, cujas conclusões igualmente se transcrevem:

Não obstante da lei não resultar que sobre o Recorrido impenda o ónus de formular conclusões, porquanto, a esta parte, o legislador limitou-se, tão-somente, a fazer alusão ao Recorrente, contudo, o Recorrido, por uma questão de paridade processual, conclui da seguinte forma:
I - A sentença recorrida comporta uma tal coerência que só por mero descuido de leitura (desintegrando-se as partes do seu todo e, por conseguinte, dissecando-se do horizonte “do todo” singelas partes desgarradas, onde o respetivo sentido, quiçá, se conspurque), se poderá conjeturar uma dissidência similar à perfilhada pelo Recorrente.
II - O Tribunal a quo, no âmbito da respetiva decisão e fundamentação, fez um enquadramento jurídico em consonância com os ditames do processo subsuntivo, considerando os preceitos legais avocados pela factualidade constante dos autos, documentos não impugnados, demonstrada e assente.
III - A decisão judicial impugnada moveu-se em prol da realização da justiça, atentos os interesses conflituantes subjacentes à relação material controvertida, decidindo em conformidade com o regime jurídico aplicável, sem descurar a apreciação de quaisquer factos relevantes para responder à questão de sempre: quid iuris?
IV - As questões de facto erigidas pelo Recorrente, tendentes à construção de uma base factual para sustentar uma possível subsunção jurídica nos preceitos legais que elegeu para a respetiva fundamentação de direito, reconduzem-se ao seguinte:
a - Havia ou não outro serviço na Guarda onde colocar o Recorrente?
b - Resulta ou não provado que o ato impugnado justifica as razões que obrigavam (e obrigam como obrigaram) o Recorrente a ir para Coimbra?
No entanto;
V - Compulsando quer a decisão impugnada, e respetiva fundamentação, quer os documentos constantes dos autos e não impugnados, conclui-se que a resposta às questões, referidas na conclusão anterior, está de todo prejudicada fosse qual fosse o sentido da resposta.
Na verdade;
VI - O Recorrente foi nomeado definitivamente como técnico superior de 1.a classe da carreira de técnico superior do quadro único do pessoal dos serviços centrais, regionais e tutelados do Ministério da Educação.
Na verdade;
VII - O Recorrente, por efeitos da nomeação definitiva, em 12/08/2000, ficou afeto à Direção Regional de Educação do Centro e aí foi colocado fazendo parte integrante dos respetivos recursos humanos e do correlativo mapa de pessoal.
Na verdade;
VIII - O Recorrente não obstante ter ficado afeto à DREC prestou, transitoriamente, serviço no Centro da Área Educativa da Guarda, na Coordenação Educativa da Guarda, ora no Agrupamento de Escolas de S. Miguel da Guarda, na Equipa de Apoio às Escolas da Guarda, "...por conveniência de serviço e, o avaliar pelos presentes autos, também, por conveniência do próprio.
XIX - Não nos parece que o Recorrente tenha impugnado o segmento decisório segundo o qual: “ ... apenas se verificou a extinção do serviço onde o autor, muito embora sendo recurso humano do mapa de pessoal da DREC (cfr. fls. 60, 61, 67, do PA) e aí (na DREC) sendo colocado por força da aceitação da nomeação (cfr. fls. 47 e 48 do PA) se encontrava a exercer funções por conveniência de serviço e, a avaliar pelos presentes autos, também, por conveniência do próprio ../'(sublinhado e destacados nossos).
XX - Ao não impugnar tal enxerto decisório tem-se o mesmo por assente, e que mesmo que impugnado o fosse, sempre a deslocação para Coimbra era a única solução possível, pois, a Administração não está cometida à obrigação de criar e/ou manter um serviço por conveniência do funcionário!
Na verdade;
XXI - Os Centros das Áreas Educativas e as Coordenações Educativa, a nível nacional, extinguiram-se por força das sucessivas leis orgânicas do Ministério da Educação.
XXII - Ou seja ex vi extinção dos referidos serviços, onde se encontrava, transitoriamente e "...por conveniência de serviço e, a avaliar pelos presentes autos, também, por conveniência do próprio. ” o Recorrente regressou, naturalmente, ao serviço onde, por efeitos da nomeação, foi colocado e aceitou a respetiva nomeação, ou seja, à DREC.
XXIII - Todas as demais questões avocadas aos autos, designadamente em sede de Recurso, e que não as focalizadas nas conclusões anteriores, são, apenas, “árvores soltas” de uma floresta (a sentença), “arrancadas" pelo Recorrente e “plantadas” num local (o recurso) onde se pretende fazer esvair o sentido, alcance e fundamentação da sentença!
XXIV - Atento ao circunstancialismo de facto e de direito, o Recorrente teria sempre de passar a exercer as suas funções no local para onde foi provido, não se exigindo a sua concordância, pois não se lhe aplica o disposto no artigo 61°, da Lei n.° 12-A/2008.
XXV - A eventual existência de outros serviços do ME na Guarda não demandaria, ipso factu, que o Recorrente neles pudesse vir a prestar serviço, pois, como se extinguiram os locais encontrava, transitoriamente, “...por conveniência de serviço e, a avaliar pelos presentes autos, também, por conveniência do próprio. ” tal não significa que a conveniência de serviço se mantivesse.
XXVI - O Recorrente, que no Recurso se resguarda com a Guarda, e com tal Guarda se guarda como se de um escudo protetor se tratasse, profissionalmente, é técnico superior do quadro único do Ministério da Educação e, por efeitos da nomeação definitiva, em 12/08/2000, ficou afeto à Direção Regional de Educação do Centro, não sendo um recurso humano, nem da Guarda nem da área geográfica da sua alegada residência.
XXVII - O Recorrente admitindo que teria de passar a exercer as suas funções no local para onde foi provido, ou seja na DREC, não se exigindo a sua concordância, pois, não se lhe aplica o disposto no artigo 61.° da Lei n.° 12-A/2008, é de todo fútil colocar as questões a saber:
a - Havia ou não outro serviço na Guarda onde colocar o Recorrente?
b - Resulta ou não provado que o ato impugnado justifica as razões que obrigavam (e obrigam como obrigaram) o Recorrente a ir para Coimbra?
XXVIII - Pelo que o ME não pode criar um local na circunscrição geográfica onde o Recorrente alega residir, para que este possa ter um emprego junto da sua residência, sob pena de ter de fazer uma revolução Copernicana em torno da legislação de um Estado de Direito, que a todos, e sem exceção, vincula.
TERMOS EM QUE O PRESENTE RECURSO DEVE IMPROCEDER.
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Com dispensa de vistos, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos Juízes Desembargadores adjuntos, vem o processo à conferência para julgamento.


II
Nas suas alegações de recurso o Recorrente veio invocar a violação da garantia da não saída do seu concelho, por força do disposto no artigo 29.º/5/b)/i) in fine da então vigente Lei n.º 53/2006, de 7 de dezembro. Trata-se, no entanto, de vício não conhecido na sentença recorrida. Ou seja, o recurso contém uma questão nova.

De acordo com o disposto no artigo 627.º/1 do Código de Processo Civil, «[a]s decisões judiciais podem ser impugnadas por meio de recursos». Portanto, e como vem sendo pacificamente reconhecido, na jurisprudência e na doutrina, o objeto do recurso é a decisão judicial, no concreto juízo que formulou sobre as pretensões que lhe foram submetidas, não sendo admissíveis, salvo quando sejam de conhecimento oficioso, questões não suscitadas nem discutidas em 1.ª instância. Questões novas, portanto. Tal significa que o fundamento do recurso aqui em causa não poderá ser conhecido.

A essa conclusão não se opõe a invocação, pela sentença recorrida, da extinção do serviço. Esse facto não altera o objeto do processo, que igualmente condiciona o objeto do recurso.

Deste modo, as questões que se encontram submetidas à apreciação deste tribunal de apelação consistem em determinar:

a) Se a sentença recorrida é nula;
b) Se ocorre a alegada insuficiência da matéria de facto;
c) Se existe erro de julgamento sobre a matéria de direito:

i) Na apreciação do vício decorrente da violação dos limites impostos pelo artigo 61.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro;
ii) Por se ter recusado a consequência invalidante do vício decorrente da preterição da audiência dos interessados.


III
A matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte:

1) Por despacho de 18/01/1996 da Secretária-geral do Ministério da Educação o autor foi nomeado em comissão extraordinária, pelo período de um ano, por urgente conveniência de serviço com efeitos desde a data do despacho, estagiário da carreira técnica superior do quadro único do pessoal dos organismos e serviços centrais, regionais e tutelados pelo Ministério da Educação.
2) Por despacho de 12/11/1997 da secretária-geral da Secretaria-Geral do Ministério da Educação, o autor foi nomeado definitivamente como técnico superior de 2.ª classe da carreira técnica superior, após aprovação em estágio e na sequência de concurso do quadro único do pessoal dos organismos e serviços centrais, regionais e tutelados do Ministério da Educação, por urgente conveniência de serviço.
3) Do termo de aceitação de nomeação consta o seguinte:
“Ministério - Serviço/organismo
da Educação
Identificação do Nomeado C........
Cargo/Categoria Técnico Superior de 2.ª classe da carreira técnica superior
(…)
Aceitação Data e local: 98-01-05, Direcção Regional de Educação do Centro”
4) Pelo despacho n.º 5357/2000 (2.º série) de 30/05/2000 da secretária-geral adjunta do Ministério da Educação, publicado no D.R. Apêndice n.º 105, II Série, n.º 171, de 26/07/2000 o autor foi nomeado definitivamente, precedendo concurso, técnico superior de 1.ª classe da carreira de técnico superior do quadro único do pessoal dos serviços centrais, regionais e tutelados do Ministério da Educação, com efeitos à data do despacho.
5) Do termo de aceitação de nomeação de 12/08/2000 consta o seguinte:
“Ministério - Serviço/organismo da Educação Identificação do Nomeado C........ de A…
Cargo/Categoria Técnico Superior de 1.ª Classe
(…)
Aceitação Data e local: 2000/08/12, Direcção Regional de Educação do Centro.
6) Por despacho de 29/12/2003 do secretário-geral da Secretária-geral do Ministério da Educação publicado no DR II Série, n.º 45, Apêndice n.º 26 de 23/02/2004 foi o autor nomeado definitivamente, precedendo concurso, como técnico superior principal da carreira técnica superior do quadro único do pessoal dos serviços centrais, regionais e tutelados do Ministério da Educação.
7) Do termo de aceitação de nomeação consta o seguinte:
“Ministério - Serviço/organismo da Educação
Identificação do Nomeado C........
Cargo/Categoria Técnico Superior principal da carreira técnica superior
(…)
Aceitação Data e local: 2004/03/17, Direcção Regional de Educação do Centro”.
8) Do PA apenso aos autos consta o seguinte ofício de 15/04/2008 dirigido ao autor:
“Em reposta à carta de V. Ex.a datada de 10-04-2008, comunica-se que se deve apresentar na Direcção Regional de Educação do Centro, sita na Rua General Humberto Delgado, n.º 319, uma vez que a Coordenação Educativa da Guarda foi extinta, não fazendo V. Ex.a parte Equipa de Apoio às Escolas da Guarda que entretanto foi constituída. Mais se informa que, no caso de não ser viável, neste momento a deslocação para Coimbra, poderá V. Exa integrar, temporariamente, o grupo que se encontra nas instalações da ex-Coordenação Educativa no desenvolvimento de tarefas no âmbito da gestão documental e arquivo”.
9) Em 26/06/2008 o autor subscreveu o seguinte requerimento:
““C......... Técnico Superior Principal do Quadro Único de Pessoal dos Organismos e Serviços Centrais, Regionais e Tutelados do Ministério da Educação, afecto à Direcção Regional de Educação do Centro e a prestar serviço na ex-Coordenação Educativa da Guarda, informado pelo Coordenador da Equipa de Apoio às escolas da Guarda informado pelo Coordenador da Equipa de Apoio às Escolas da Guarda no passado dia 23 de que por solicitação dessa Direcção Regional deveria apresentar-se em Coimbra no dia 30 de Junho de 2008, onde passaria a exercer funções ou, em alternativa, indicar uma Escola onde exercerá transitoriamente funções, até ao eventual deferimento da prorrogação solicitada da equiparação a bolseiro.
Em face de tal “notificação” encetou contactos com membros dos órgãos de gestão de três Escolas, no sentido de os auscultar sobre o assunto.
Realizadas tais diligências o Técnico Superior Principal em cumprimento da solicitação superior, indica por ordem de preferência os estabelecimentos de Ensino seguintes:
1- Escola Secundária Dr. Ramiro Salgado, em Torre de Moncorvo (ex-CAE de Bragança);
2- Escola Secundária Tenente-Coronel Adão Carrapatoso, em Vila Nova de Foz Côa (ex-CAE do Douro Sul);
3- Escola Básica dos Segundo e Terceiro Ciclos de São Miguel da Guarda (ex-CAE da Guarda)”.
10) Pelo despacho n.º 6306, de 30/03/2010, o Secretário de Estado da Educação proferiu o seguinte despacho: “Considerando que C........, técnico superior do mapa de pessoal da Direcção Regional de Educação do Centro, em contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, requereu a equiparação de bolseiro (…)”.
11) Em 20/04/2011 pelo Secretário de Estado da Educação, foi proferido despacho de concessão de “prorrogação da equiparação a bolseiro fora do País, pelo período de seis meses, a C........, técnico superior do mapa de pessoal da Direcção Regional de Educação do Centro, na modalidade de dispensa total do exercício de funções”.
12) Através do ofício datado de 10/09/2012 a Direcção Regional de Educação do Centro notificou o Autor do seguinte:
“Assunto: despacho de autorização para a deslocação do local de trabalho do técnico superior C........ para o edifício da Direcção Regional de Educação do Centro, em Coimbra.
Para os devidos efeitos legais, serve o presente para informar V. Ex.a que, por despacho de 31 de Agosto de 2012 exarado pelo Senhor Secretário de Estado do Estado do Ensino e da Administração Escolar, foi autorizada a deslocação do seu local de trabalho para o edifício da Direcção Regional de Educação do Centro, em Coimbra, decorrente das alterações ocorridas na Orgânica do Ministério da Educação e Ciência. Nestes termos, comunica-se a V. Ex.a que deverá apresentar-se na sede desta Direcção Regional de Educação, no próximo dia 13 de Setembro para efeitos de início de funções neste Serviços”.
13) Em 28 de Setembro de 2012 o autor apresentou junto da entidade demandada um requerimento invocando sério prejuízo que sofreria se tal mobilidade forçada se verificasse - nos termos dos nºs 3 e 10 do artº 61° da Lei 12-A/2008, na redacção introduzida pela Lei 55-2010, de 31 de Dezembro, requerimento ao qual anexou Declaração Médica subscrita pelo seu médico psiquiatra atestando que o A. apresenta "...um quadro ansioso depressivo grave, instalado sequencialmente à problemática de índole laboral (transferência de serviço) pelo que o paciente referido não tem à data actual condições mínimas inerentes ao exercício das suas funções laborais ...".
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Ao abrigo da faculdade concedida pelo artigo 662.º/1 do Código de Processo Civil, ex vi artigo 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, adita-se aos factos provados os seguintes:

14. As equipas de apoio às escolas foram desativadas em setembro de 2011 (confissão
– artigo 44.º da contestação – e informação de fls. 2 e 3 do processo administrativo);
15. Não obstante a Equipa de Apoio às Escolas da Guarda, tal como as demais, tenha sido desativada em setembro de 2011, o Recorrente manteve-se a exercer funções na Guarda, na área de gestão do arquivo, integrado no Setor de Tratamento do Acervo Documental da Direção Regional de Educação do Centro (confissão – artigos 45.º a 47.º e 87.º da contestação - e fls. 4 a 9 do processo administrativo);
16. Em 28.8.2012 a Diretora Regional de Educação do Centro submeteu à consideração do Secretário de Estado do Ensino e da Administração Escolar parecer do qual consta, nomeadamente, o seguinte (fls. 2 do processo administrativo).

«Considerando as alterações à Orgânica do MEC e a situação de isolamento do Técnico Superior relativamente aos demais trabalhadores em funções equiparadas, julgo que é de deslocar o local de trabalho do Técnico para o edifício da Direção Regional de educação do Centro, em Coimbra (…)»;

17. Em 31.8.2012 o Secretário de Estado do Ensino e da Administração Escolar exarou despacho com o seguinte teor: «Concordo» (fls. 2 do processo administrativo).


IV
Da alegada nulidade da sentença recorrida

1. De acordo com o Recorrente, «a acção foi julgada totalmente improcedente por se entender que tendo o local de trabalho do Recorrente na Guarda se extinguido, ele teria obrigatoriamente que ir trabalhar para Coimbra pois não havia qualquer outro local de trabalho mais perto da sua residência para onde pudesse ir». Portanto, a sentença recorrida teria «obrigatoriamente de ter especificado e dado por provado que não existiam quaisquer outros serviços carenciados de técnicos superiores no concelho da Guarda». Mas não o fez. Assim, conclui que «[o] aresto em recurso enferma da nulidade prevista na alínea b) do nº 1 do artº 615º do CPC por não ter especificado nem dado por provado um facto que era absolutamente essencial para a decisão de direito que alcançou, uma vez que para poder concluir que não restava ao Recorrente outra alternativa que não ir para Coimbra, o Tribunal teria que ter especificado e dado por provado que não existia qualquer outro serviço no concelho da Guarda que o pudesse receber».

2. Não lhe assiste razão. Na verdade, a sentença recorrida não afirmou que «não havia qualquer outro local de trabalho mais perto da sua residência para onde pudesse ir». Disse, sim, que «o Decreto Regulamentar n.º 25/2012 de 17/02 aprovou a orgânica da Direcção-Geral da Administração Escolar revogando o Decreto Regulamentar n.º 31/2007 de 29/03, prevendo no seu art.º 1.º, n.º 1 e 2 que a Direcção-Geral da Administração Escolar é um serviço central da administração directa do Estado dotado de autonomia administrativa, dispondo de cinco unidades orgânicas desconcentradas, de âmbito regional, com a designação de Direcção de Serviços Região Norte, Direcção de Serviços Região Centro, Direcção de Serviços Região Lisboa e Vale do Tejo, Direcção de Serviços Região Alentejo e Direcção de Serviços Região Algarve, não prevendo quaisquer serviços desconcentrados ao nível local, ou seja, no que ao caso releva, na Guarda. Assim, teria o autor de passar a exercer as suas funções no local para onde foi provido, não se exigindo a sua concordância, não se lhe aplica, pois, o disposto no artigo 61.º da Lei n.º 12-A/2008» (destaque e sublinhado nossos).

3. O que é bem diferente, portanto, daquilo que o Recorrente lhe imputa. A sentença recorrida não apelou a uma realidade fáctica – como invoca o Recorrente -, mas sim a uma realidade normativa, consubstanciada na falta de previsão legal de serviços desconcentrados ao nível local, nomeadamente na Guarda. Improcede, portanto, a nulidade arguida.


Da alegada insuficiência da matéria de facto

4. Alega ainda o Recorrente que a sentença recorrida «incorreu em flagrante erro de julgamento de facto, sendo a factologia dada por provada claramente insuficiente para alicerçar a decisão de direito alcançada, uma vez que, não tendo especificado nem provado um facto - se existiam ou não outros serviços no concelho da Guarda onde o Recorrente pudesse ser reafecto - que era absolutamente essencial para a decisão de direito que foi alcançada - a legalidade do acto impugnado que ordenou a sua ida para o concelho de Coimbra -, não pode este douto Tribunal Central Administrativo deixar, caso entenda que o conhecimento de tal facto não atenta contra o princípio do dispositivo, de ordenar a baixa dos autos à 1ª instância para que tal facto seja submetido a contraditório e a prova pelas partes, sob pena de, não estando provado que tais serviços não existem, não se poder concluir pela legalidade da ordem de transferir o Recorrente para outro concelho».

5. Ora, o Recorrente parte do pressuposto de que «a acção foi julgada improcedente e a ordem de ida para Coimbra (acto impugnado) considerada legal precisamente pelo facto de o Tribunal considerar que não existiam tais serviços». No entanto, e como já se viu, essa inexistência foi afirmada, apenas, no preciso contexto da falta de previsão legal de «serviços desconcentrados ao nível local, ou seja, no que ao caso releva, na Guarda»

6. Por outro lado, e independentemente do mais, sobressai, decisivamente, o seguinte: o facto alegadamente em falta teria de ter sido alegado por quem, e por essa razão, manifesta a insuficiência da matéria de facto. O que não é o caso, como resulta da leitura da petição inicial.


Da alegada violação dos limites impostos pelo artigo 61.º da Lei n.º 12-A/2008

7. O capítulo IV da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro, é dedicado à mobilidade geral (todas as referências sem menção da origem reportam-se à indicada lei e levam em conta as alterações que ocorreram até à Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro). Interessa-nos, no caso, a mobilidade interna a órgãos ou serviços, a qual opera quando estão em causa trabalhadores de entidades incluídas no âmbito de aplicação da referida lei (diversamente, haverá «lugar à celebração de acordo de cedência de interesse público quando um trabalhador de entidade excluída do âmbito de aplicação objectivo da presente lei deva exercer funções, ainda que a tempo parcial, em órgão ou serviço a que a presente lei é aplicável e, inversamente, quando um trabalhador de órgão ou serviço deva exercer funções, ainda que no mesmo regime, em entidade excluída daquele âmbito de aplicação» - artigo 58.º/1).

8. A mobilidade interna reveste as modalidades de mobilidade na categoria e de mobilidade intercarreiras ou categorias – artigo 60.º/1 – e tem sempre como elemento justificador a existência de conveniência para o interesse público (artigo 59.º/1) (interesse público que, em boa verdade, terá de subjazer a qualquer decisão dos órgãos da Administração Pública, como atualmente resulta do artigo 4.º do Código do Procedimento Administrativo e já decorria do Código do Procedimento Administrativo de 1991, também no seu artigo 4.º).

9. Ora, e na linha do entendimento da sentença recorrida, o regime da mobilidade interna regulado no capítulo IV da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro, nada tem a ver com a mobilidade determinada, ainda que de forma não imediata, pela extinção de um serviço.

10. Note-se, aliás, que o artigo 61.º estabelece que «é dispensado o acordo do trabalhador para efeitos de mobilidade interna, em qualquer das suas modalidades, quando:

a) Se opere para órgão, serviço ou unidade orgânica situados no concelho do seu órgão, serviço ou unidade orgânica de origem ou no da sua residência;
b) O órgão, serviço ou unidade orgânica de origem ou a sua residência se situe no concelho de Lisboa ou no do Porto e a mobilidade se opere para órgão, serviço ou unidade orgânica situados em concelho confinante com qualquer daqueles;
c) Se opere para qualquer outro concelho, desde que se verifiquem cumulativamente as seguintes condições, aferidas em função da utilização de transportes públicos:

i) Não implique despesas mensais para deslocações entre a residência e o local de trabalho, em ambos os sentidos, superiores a 8 % da remuneração líquida mensal ou, sendo superiores, que não ultrapassem as despesas mensais para deslocações entre a residência e o órgão, serviço ou unidade orgânica de origem;
ii) O tempo gasto naquelas deslocações não exceda 25 % do horário de trabalho ou, excedendo-o, não ultrapasse o tempo gasto nas deslocações entre a residência e o órgão, serviço ou unidade orgânica de origem».

11. No entanto, consta do n.º 3 que «[o] disposto na alínea c) do número anterior não é aplicável quando o trabalhador invoque e comprove que da mobilidade interna lhe adviria prejuízo sério para a sua vida pessoal».

12. Daqui resulta que, não se verificando as condições das alíneas a) e b), e afastada que fosse a hipótese da alínea c), por demonstração do referido prejuízo sério para a vida pessoal do trabalhador, nada poderia ser feito, ainda que o serviço tivesse sido extinto. O que, naturalmente, não pode ser.

13. Por outro lado, a mobilidade interna tem uma duração máxima de 18 meses, salvo as situações bem delimitadas previstas no artigo 63.º/1. Portanto, o regime em causa não é convocável no caso dos autos. Não pode, por isso, ter-se por violado um regime inaplicável.


Da alegada errada aplicação do princípio do aproveitamento dos atos administrativos

14. A sentença recorrida considerou violado o direito de audiência prévia consagrado no artigo 100.º do Código do Procedimento Administrativo de 1991. No entanto, considerou que «não se afiguram dúvidas de que o teor e conteúdo decisório do acto impugnado não poderia ser outro ainda que tivesse sido dada a oportunidade para o Autor se pronunciar antes da decisão final», «[p]elo que, a preterição da audiência prévia, na situação vertida nos autos, se degrada em mera irregularidade insusceptível de produzir os efeitos invalidantes invocados pelo Autor, improcedendo, assim, a alegada ilegalidade. Assim sendo, bem andou a administração, não tendo sido cometidas quaisquer ilegalidades».

15. Antes de mais, importa afirmar que o princípio do aproveitamento dos atos administrativos não torna legal o que é ilegal. Apenas justifica que se recuse a consequência invalidante da ilegalidade cometida. Daí que não se possa dizer que «bem andou a administração, não tendo sido cometidas quaisquer ilegalidades».

16. Por outro lado, também se julga que não se poderá afirmar que «não se afiguram dúvidas de que o teor e conteúdo decisório do acto impugnado não poderia ser outro ainda que tivesse sido dada a oportunidade para o Autor se pronunciar antes da decisão final». É que a realidade diz-nos o contrário.

17. Na verdade, não obstante a extinção sucessiva do Centro da Área Educativa da Guarda, da Coordenação Educativa da Guarda e da Equipa de Apoio às Escolas da Guarda, nunca nada sucedeu em termos de deslocação do Recorrente para Coimbra.

18. Pelo contrário, mesmo levando em conta o evento mais recente. Na verdade, não obstante a Equipa de Apoio às Escolas da Guarda, tal como as demais, tenha sido desativada em setembro de 2011, o Recorrente manteve-se a exercer funções na Guarda, na área de gestão do arquivo, integrado no Setor de Tratamento do Acervo Documental da Direção Regional de Educação do Centro. Apenas quase um ano depois, mais precisamente em 31.8.2012, é que vem a ser tomada a decisão de «deslocar o local de trabalho» do Recorrente para o edifício da Direção Regional de Educação do Centro, em Coimbra.

19. Portanto, no contexto em que foi tomada, a decisão assumiu natureza discricionária, não se podendo concluir que teria sido a mesma «ainda que tivesse sido dada a oportunidade para o Autor se pronunciar antes da decisão final».


V
Em face do exposto, acordam os Juízes da Subsecção Social do Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, na parte em que recusou a consequência invalidante da preterição da audiência dos interessados, e julgar a ação procedente, anulando o ato impugnado (ato de 31.8.2012 do Secretário de Estado do Ensino e da Administração Escolar, através do qual decidiu «deslocar o local de trabalho do [ora Recorrente] para o edifício da Direção Regional de Educação do Centro, em Coimbra»).

Custas pelo Recorrido, em ambas as instâncias (artigo 527.º/1 e 2 do Código de Processo Civil).


Lisboa, 9 de outubro de 2025.

Luís Borges Freitas (relator)
Teresa Caiado
Maria Helena Filipe