Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 1248/12.0BELSB |
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Secção: | CA |
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Data do Acordão: | 01/12/2023 |
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Relator: | DORA LUCAS NETO |
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Descritores: | RESPONSABILIDADE MÉDICA; MATÉRIA DE FACTO; (NÃO) VIOLAÇÃO LEGIS ARTIS |
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Sumário: | i) As leges artis, enquanto “normas técnicas” da prática médica, não podem ser analisadas, interpretadas e mobilizadas pelo julgador, como se de normas jurídicas se tratasse, para “determinar” a existência ou não de um ilícito.
ii) As leges artis são, como o nome indica, as “regras da arte” de um determinado domínio extrajurídico e a sua violação é uma questão de facto, apreciada e valorada no âmbito da produção de prova, através dos meios probatórios adequados para o efeito, em regra, a prova testemunhal e pericial. |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:
I. Relatório O A., J. A. B., o R., hospital Doutor Fernando Fonseca, e.p.e. e a interveniente acessória, F. – C. S. S.A., vieram interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, em 01.08.2018, que julgou parcialmente procedente a ação administrativa comum, emergente de responsabilidade civil extracontratual por erro ou negligência médica, intentada pelo A. e na qual havia peticionado «a condenação dos Réus no pagamento de uma indemnização no montante de € 272 274,69 por danos patrimoniais e de € 50 000,00 por danos não patrimoniais» bem como do que viesse a ser apurado em execução de sentença, tudo acrescido de juros vencidos e vincendos até integral pagamento. Em sede de alegações de recurso, o A. concluiu, assim, como se segue – cfr. fls. 946 e ss., do SITAF: «(…) 1. O Tribunal ora recorrido a par do Relatório de perícia do IML, optou por considerar esclarecedor o depoimento da testemunha indicada pelos Réus, Drº J. A. resultando do depoimento desta testemunha, ter alegadamente estado presente na 1ª cirurgia do Autor, não se recordando contudo dos pormenores da mesma, nem tendo sido directamente a fazer a cirurgia ao Autor. 2. A testemunha Drº J. A., afirma e tal afirmação foi aceite como provada pelo Tribunal, que as limalhas metálicas deixadas no interior do joelho do Autor, são causadoras de sinais inflamatórios locais (v.d pág. 12 da sentença, parágrafo segundo). 3. Não considerou, contudo, o tribunal recorrido, o Testemunho do médico de família assistente do Autor e Apelante Drº R. D., que tendo-o seguido antes e pós operatórios, veio esclarecer o seguinte no seu depoimento que se passa a transcrever, nos seus excertos relevantes: Depoimento Testemunha do Autor não considerado pelo tribunal recorrido – Drº R. D. "Adv. Autor: Olhe, nas consultas que ele depois foi tendo consigo quando deixou de ser seguido no hospital, quais são de facto as queixas recorrentes por parte do autor. Testemunha: Impotência funcional, edema e normalmente inchaço a nível do joelho e da perna e sobretudo as algias, queixa-se, o que é compatível digamos com alguma localização de algumas das partículas, em princípio pode estabelecer-se esse nexo de casualidade. Adv. Autor: Dr. eu sei que não é a sua especialidade ortopedia mas presumo que sendo medicina geral que todos os médicos tenham conhecimento do básico do que é uma inflamação do que pode provocar uma inflamação, e é nessa base que eu vou fazer a seguinte pergunta, estes corpos que o senhor doutor já aqui disse que de facto viu que estão presentes no interior do joelho do autor, por esse exame que foi realizado, eles são um factor conexo com esse edemas com inflamações e dores essas limitações ou não? Testemunha: Com essas limitações sim uma vez que esses corpos estranhos se mantem, um processo inflamatório pode ter-se formado, ter-se criado realmente ali uma fibrose e que condiciona digamos a mobilidade com algumas dores. Adv. Autor: Por outras palavras o que que isso significa ter criado uma fibrose? Testemunha: Um processo inflamatório ultrapassou-se uma fibrose, é digamos uma perda de elasticidade dos tecidos que condiciona a perda de alguma mobilidade reduzida. Adv. Autor: Essa perda de elasticidade deve- se a quê? Testemunha: Digamos como consequência de um processo inflamatório interiores de maneira que depois foi ultrapassado, mas que deixou sequela como em todos os processos. Adv. Autor: Olhe, mas esses inchaços recorrentes e as percas de forças durante a marcha, isso deve -se a que, a esse mesmo motivo que acabou de dizer? Testemunha: Ao mesmo motivo, certamente. Adv. Autor: Interiormente esses tecidos ficaram danificados é isso? Testemunha: Podem ter ficado, podem ter ficado de alguma maneira sobretudo no aspecto de quase que diria, que sei lá de aspecto cicatrizado provavelmente o termo não será o mais correto, mas para se assim entender talvez seja este o mais encontro por assim dizer adequado. Adv. Autor: No seu entender, portanto eles punham quase generalizado a presença das limalhas que são inertes e não provocam dores e inflamação e que não tem nada haver como estádio actual do autor, na sua opinião como médico acha que essas partículas são absolutamente inconsequentes ou acha que tem o seu q de conexo com esta realidade Testemunha: Olhe qualquer corpo que ainda que inerte sendo estranho desencadeia por parte do organismo sempre uma reacção, como é evidente, ao qual o organismo pode adaptar melhor ou pior e, portanto, dai o estado do doente também ser melhor ou pior não é. De qualquer maneira ter salvo erro cerca de 60 partículas de corpos estranhos disseminada ali não parece que seja uma situação muito agradável e que não condicione, não condicione nada, portanto tem que houve ali alguma situação inicial. Adv. Autor: e o facto de dizer que é uma articulação, acha que agrava? Testemunha: Claro que sim, sobretudo as partículas interarticulares sobretudo as dores provocadas por aquelas que estão ao longo, digamos das bainhas nervosas de acordo com segundo me recordo com os relatórios elaborados pelas próprias especialidades do hospital que são presenças constante do processo clínico. Adv. Autor: Olhe, esta situação no seu entender acha que tenderia, é ultrapassável ou não? Testemunha: eu penso que é uma situação definitiva, na minha opinião Adv. Autor: Portanto não há nada que se possa fazer? Testemunha: Relativamente as partículas atendendo o número e digamos e a sua larga disseminação e localização eu penso que não. Adv. Autor: Portanto se bem o entendo, o número de partículas neste caso é importante, se fosse um duas três, embora o facto de serem 60 e tal partículas (...) Testemunha: São partículas a mais, tudo depende também das localizações, há enfim situações que podem implicar ter mais queixas do que outras, nem todas tem o mesmo grau de consequência do ponto de vista da limitação funcional e das algias de que ele se queixa. Nem todas tem o mesmo grau de importância sobretudo as interarticulares e as peri nervosas Adv. Autor: E estas são interarticulares. Testemunha: Alguma são, pelo menos pela imagem nesse sentido. 4. É patente neste depoimento, que não foi considerado pelo Tribunal, na sua convicção da matéria de facto provada e por consequência na inerente aplicação do direito, o nexo causal entre os materiais ditos inertes deixados no joelho esquerdo do Apelante e a inflamação constante do mesmo, causadores de dificuldades de mobilidade, inchaço e dor intensa constante de que padece o Apelante. Quadro clínico este impeditivo e restritivo para o Apelante conseguir trabalhar na sua área ou em qualquer outra, fazer as tarefas da sua rotina diária, tais como subir e entrar numa banheira sozinho. 5. Ao contrário do concluído pelo Tribunal recorrido na sua sentença, o estado físico e psicológico do Apelante não se deve a uma convicção, que estas limitações e dores intensas são provocadas pelas limalhas, mas SIM porque, o facto destas, estarem presentes no interior do joelho do mesmo, sendo corpos estranhos criam reacções do organismo às mesmas. 6. Uma dessas reacções e atento o grande número deixado de limalhas - cerca de 60 -, consiste no corpo criar tecido à volta destes corpos, esse tecido (fibrose) ocupa espaço, ocupando espaço, entra em contacto com o envolvente, sendo que os tecidos perdem elasticidade, logo rigidez na articulação e envolvente. 7. Na apreciação da prova o Douto tribunal considerou provado que as referidas limalhas configuram uma complicação possível da técnica utilizada nesta cirurgia e que é frequente ficarem limalhas. 8. Outro entendimento contudo deveria existir na apreciação da prova global, pois o facto de os depoimentos das testemunhas médicos dos Réus, acharem que é possível e frequente, não poderá resultar que é aceitável e normal para o doente. 9. Muito embora não tenha ficado provado que houve desgaste do material, ficou provado que da fricção do fio guia e da shaver ou broca são largadas e deixadas para o interior de um paciente, as referidas limalhas ou partículas metálicas. Acresce que não ficou provado que os Réus tenham no dito consentimento a dar a assinar ao Apelante, o informado de todas estas possíveis e frequentes decorrências da cirurgia. 10. Aliás foi o próprio tribunal que considerou na sua sentença, (v.d pág. 23,1º parágrafo) não ter ficado provado, que se trate de uma complicação necessária e incontrolável e que possa e deva determinar que o joelho intervencionado fique com 58 limalhas metálicas no interior do joelho. 11. Foi o mesmo tribunal que, na sentença (v.d pág. 23, 3º parágrafo), considerou pela prova que o facto da presença das 58 limalhas não pode deixar de integrar uma conduta ilícita por parte dos Réus, porque violadora das legis artis, pois estas têm como vocação a protecção dos direitos e interesses do aqui Apelante, enquanto paciente e destinatário dos cuidados de saúde prestados pelos Réus. 12. Logo os factos que eram relevantes em julgamento para prova da conduta ilícita dos Réus Apelados encontram-se reconhecidos pelo tribunal recorrido, ficando assim, provados pelo Apelante. 13. Na apreciação da prova quanto à Culpa dos Agentes o tribunal considerou que a culpa corresponde à dimensão subjectiva da ilicitude da conduta, enquanto violação das normas de prudência e de aplicação das melhores técnicas. 14. Considerou ainda o tribunal recorrido que a conduta levada a cabo pelo 2º Réu Médico P. L., durante a cirurgia não observou as leges artis aplicáveis, logo agiu com culpa violando as regras técnicas, científicas e de cuidado aplicáveis a este tipo de cirurgia. 15. Descordamos, contudo, do Douto tribunal recorrido quando apesar de dar como provada a conduta ilícita e a culpa, vem depois em completa contradição com a matéria de facto, concluir também que a omissão ilícita deste Réu tenha sido cometida com dolo ou diligência e zelo manifestamente inferiores ao que lhe era exigível. 16. Atento o supra explanado, é patente e demonstrado que um médico cuidadoso e diligente sabendo que a presença de corpos estranhos metálicos numa cirurgia destas é frequente e possível, deveria ter agido com maior zelo e diligência na verificação dos materiais e utensílios utilizados bem como na limpeza do joelho, antes de "fechar" a zona sujeita à cirurgia. Aliás ao contrário do afirmado pelo depoimento da testemunha Drº J. A. que afirmou não ver as limalhas, veja-se que resulta da matéria de facto provada em julgamento e estabelecida na sentença recorrida que tanto são visíveis que na 2ª cirurgia ao Apelante, foram retiradas e limpas algumas limalhas, logo é porque são visíveis. 17. O grande número de limalhas deixadas (cerca de 60), permitiriam ao um médico zeloso e diligente que limpasse as mesmas em maior número possível, minimizando os corpos estranhos deixados no interior do joelho do Apelante. 18. Mas como já se percebeu, para os Réus e classe médica, é normal, aceitável e não vêem qualquer problema. Talvez porque, não é o seu corpo a ser invadido por corpos estranhos, que não estavam lá antes da cirurgia e após a cirurgia passam a estar, para sempre. 19. Não restam dúvidas que houve uma contraditória apreciação e valoração da matéria de facto dada por provada pelo Tribunal recorrido, pois se considerou haver pressupostos de culpa, tinha de considerar estar preenchido o requisito da existência de culpa, mesmo que por omissão negligente e de forma grosseira. 20. Estamos perante um caso típico, do agente que sabe qual o resultado da sua conduta por omissão e mesmo assim, aceita esse resultado. 21. Quanto aos Danos, resultou da matéria provada que o Apelante, antes da cirurgia não tinha as queixas do pós-operatório que mantém até hoje, tinha uma vida profissional, social e familiar normais, que não tem até hoje, nunca tendo recuperado a mobilidade que tinha antes da cirurgia, apenas se movimenta com recurso a canadianas e em percursos pequenos (al. JJ da matéria provada), não consegue conduzir em percursos médios/longos (al. KK idem), deixou de exercer a sua profissão ou qualquer outra (als. HH e II, idem), aos 42 anos foi reformado por invalidez pelo máximo (50% físico 10% psicológico = 60%), encontrando-se a viver com uma pensão de cerca de € 530,00 (inferior ao ordenado mínimo mensal), (als. EE e FF, idem), sofre de dores intensas (al. JJ, idem), sofre dos efeitos secundários das terapêuticas destinadas a diminuir o quadro de dor (al. NN, idem), vive angustiado (als. DD e MM, idem), estando impedido de realizar exames de imagiologia através de ressonâncias magnéticas (al. BB, idem). 22. Não existe qualquer dúvida quanto ao leque de danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo Apelante após as cirurgias e a presença de corpos estranhos no interior do seu joelho, em grande número - cerca de 60. 23. No que concerne ao Nexo causal, mais uma vez esteve mal o tribunal recorrido, na apreciação da prova na sua globalidade, pois não atendeu ao depoimento da testemunha do Apelante, Drº R. D., tendo-se deixado levar pela crença de que os testemunhos dos Réus, médicos aos quais se imputavam os factos, seriam transparentes quanto à realidade médica e sua prática. 24. De facto o tribunal até considerou que não existe controvérsia quanto ao quadro clínico de incapacidade do Apelante pós-operatório mas depois pretende imputar tal quadro a causas psicológicas e até ao que tanto os Médicos gostam de recorrer - embora não o provassem - existência de alterações degenerativas anteriores à cirurgia. 25. É um argumento sobejamente utilizado por Hospitais, médicos e seguradoras que não é nem pode ser aceitável ao comum cidadão que se coloca com confiança nas mãos destes profissionais e instituições. 26. É certo da matéria provada que antes da cirurgia o Apelante levava uma vida normal e tinha uma profissão, auferindo cerca de € 1 000,00 por mês. 27. Também é certo e provado que só após o pós-cirúrgico ficou incapacitado para toda e qualquer profissão, vida normal até nas mais elementares rotinas diárias, vivendo de uma pensão de invalidez, de metade do que auferia acaso pudesse trabalhar. 28. As Limalhas são causadoras de inflamação e dor, conforme o depoimento da testemunha Drº R. D. (Médico assistente do Apelante), que conhecia o Apelante antes e depois da operação ao joelho. A sua existência só por si e pelo grande número presente no interior de uma das articulações mais importantes do nosso corpo (que sustenta tantos dos nossos movimentos diários), causa edemas, inchaços, dor intensas devido à criação de fibroses que atrofiam os tecidos em seu redor e provocam rigidez muscular, logo mobilidade reduzida. 29. A presença de limalhas impede aliás a realização de uma simples Ressonância magnética. 30. Não poderia assim haver quaisquer dúvidas para o tribunal recorrido da existência e verificação de nexo causal entre os Danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo Apelante e as consequências anormais da cirurgia de que foi alvo, deixando-lhe para a vida 60 corpos metálicos estranhos dentro do joelho. 31. Os pressupostos legais exigíveis para a efectivação da responsabilidade civil extracontratual dos Apelantes são: · Facto ilícito - omissão de dever de legis artis pelos Réus (Verificado); · Conteúdo da omissão deste dever funcional: violação das regras técnicas, científicas e de cuidado, aplicáveis a este tipo de cirurgia (Verificado); · Culpa dos Réus na omissão do seu dever porque agiram com diligência e zelo manifestamente inferiores ao que lhes era exigível (Verificado); · Nexo causal entre esta omissão e conduta ilícita e o Paciente/Apelante (Verificado); · Danos patrimoniais e não patrimoniais graves para o Apelante (Verificado). 32. A Douta decisão ora recorrida, muito embora não tenha atendido e valorado a demais prova testemunhal, encontra-se minimamente fundamentada de facto e de direito quanto à verificação dos requisitos cumulativos da responsabilidade civil extracontratual dos Réus, pelo que outra decisão deveria resultar do tribunal recorrido atendendo à matéria de facto dada por provada e à subsunção da mesma, aos normativos legais aplicáveis e suas consequências jurídicas para os Apelados. 33. Estamos perante um Hospital escudado na sua responsabilidade numa Companhia de Seguros com a qual detém uma Apólice que cobre este actos médicos e suas consequências para os utentes, bem como de uma classe de profissionais que aufere talvez o quadruplo do que este Apelante ficou sujeito a auferir até ao final dos seus dias de vida, com uma pensão de invalidez de 60% de incapacidade no valor de € 530,00. 34. Onde está a equidade na fixação do valor indemnizatório atribuído onde se vem justificar o tribunal recorrido, ao atribuir somente a título de danos morais ao Apelante 10 000,00€ dos 50 000,00€ peticionados, negando os danos patrimoniais. 35. Encontramo-nos num claro caso de luta entre Titãs, de um lado um Hospital e classe médica, que além do poder económico detém quanto à prova e argumentos, uma posição privilegiada e do outro lado, o comum cidadão Utente, com parcos recursos económicos, sem acesso a grande parte da prova, sem argumentos técnicos e posição desprivilegiada. 36. De facto o Tribunal "o quo ", atenta a prova testemunhal de ambas as partes - A. e R.- e ainda a prova documental - tendo como suporte legal a Lei nº 67/2007 de 31.12 quanto à culpa dos Réus, a subjectividade e amplitude do livre princípio da apreciação da prova segundo a convicção do julgador, e até submetido à objectividade e forma restrita dessa mesma apreciação, nada mais poderia fazer em fase da prova produzida e consubstanciada nos autos, que julgar a decisão da instância recorrida procedente, na justa medida, em que considerou provada a matéria de facto ( objectiva e restrita ), necessária ao enquadramento legal e de direito, da responsabilidade civil extra- contratual dos Réus. 37. O objecto da acção intentada pelo ora Apelante obrigava o tribunal a apreciar a verificação de factos que apurassem a existência ou não de uma responsabilidade civil extracontratual desta Instituição e seus funcionários, no domínio do exercício por estes das técnicas e protocolos científicos, técnicos e médicos no âmbito da actividade de prestação de cuidados de saúde. E, por conseguinte se os Réus são ou não, responsáveis pelo não cumprimento das legis artis e por conseguinte pelos danos patrimoniais e não patrimoniais causados ao Apelante. 38. A responsabilidade civil destas entidades e agentes tem de ser apreciada à luz do previsto no Artigo 8º nº 1 da Lei nº 67/2007 de 31.12. 39. Para tal, tem de ficar provado o facto ilícito, que no caso em apreço foi a violação do dever funcional de legis artis na intervenção cirúrgica, que pode consistir num acto ou omissão. 40. Nos autos o que está em causa é a responsabilidade dos aqui Apelados por terem com ilicitude, violado as regras de observância das leges artis aplicáveis a este tipo de cirurgia. 41. Ora perante estes preceitos legais e face aos factos dados como provados em sede dos articulados e em sede de audiência de julgamento, o tribunal recorrido deveria ter considerado o preenchimento de todos os requisitos legais e cumulativos da responsabilidade extra-contratual dos Réus, devendo para isso condená-los no pagamento do pedido a título de danos patrimoniais e também a título de danos não patrimoniais, por valor superior ao que foi por este julgado. 42. Existe uma clara contradição na matéria que foi dada como provada pelo tribunal recorrido e a aplicação ao direito, resultando numa absolvição dos Réus quanto aos danos patrimoniais, incompreensível. 43. Todas estas condutas por actos ou omissões são ilícitas porque violadores das regras de cuidado e de prudência que recaem sobre os Réus na sua actividade, com o dever de observância das mais elementares regras de legis artis na cirurgia em questão e suas possíveis consequências para o Paciente, aqui Apelante. 44. Recai sobre os Apelados assegurar que os utentes que se entregam ao seu cuidado, não ficam com um quadro clínico pior do que tinham antes da cirurgia e sobretudo, que não ficam com corpos estranhos, seja qual for a sua natureza, dentro do corpo e em tão grande número. 45. Também na apreciação da verificação de culpa pelos Apelados no acto ilícito, também aqui o douto tribunal deveria ter julgado pela sua existência mesmo que por negligência pois sabiam que ao não observarem as regras de legis artis, tendo por função a protecção dos direitos e interesses do Apelante enquanto destinatário dos cuidados de saúde prestados, ainda assim os aceitaram como resultado que apelidam de normal, necessário e frequente, a saber deixar 60 limalhas metálicas dentro do joelho do Apelante. 46. Necessariamente deveria ter o tribunal recorrido dado por provado o nexo causal entre a conduta ilícita dos Réus e o resultado, bem como a existência dos danos patrimoniais e não patrimoniais provados, decorrentes da cirurgia objecto dos autos, relevantes e suficientes para merecerem a tutela do direito, logo indemnizáveis. 47. Ora, não tendo resultado como provado um dos requisitos (nexo causal) que conduziriam à condenação dos Réus, o tribunal "a quo " interpretou, valorou e aplicou de forma incorrecta o direito com base na matéria probatória dos autos, tendo proferido uma decisão que peca por diminuta na condenação pelos danos não patrimoniais e vazia no que toca aos danos patrimoniais, com a consequente improcedência parcial dos pedidos do autor, agora, Apelante. 48. Como pode aceitar o Apelante que após a verificação da responsabilidade civil extra- contratual dos Réus, não sejam estes condenados a ressarci-lo, por aos 42 anos de idade, ter ficado com a sua vida virada do avesso, com uma incapacidade de 60% para qualquer trabalho, vivendo com € 530,00, afectado na sua rotina diária nas tarefas mais simples, sujeito a dores crónicas intensas e a terapêuticas agressivas contra a dor que lhe causam outros problemas de saúde (gástrico), sabendo que não existe qualquer possibilidade de lhe serem retirados os corpos metálicos estranhos, decorrentes da cirurgia levada a cabo pelos Apelados. 49. Face ao supra explanado deveria o tribunal recorrido ter condenado os Apelados no pagamento de uma indemnização por danos patrimoniais conforme pedido formulado na acção, como única forma de compensação pelos danos sofridos na sua capacidade de trabalho e de ganho. 50. Também no que respeita a danos morais não nos parece com o devido respeito que o valor de € 10.000,00 seja suficiente e equitativo face ao sofrimento já sofrido e aquele sofrimento a que os Apelado "condenaram" o aqui Apelante até ao final da sua vida, na qual não consegue ter qualidade de vida física e psicológica, conforme se verificou. 51. Em suma, o tribunal recorrido deveria ter apreciado a prova na sua globalidade e levado em consideração o depoimento do Médico Drº R. D. - Testemunha do Apelante, julgado preenchidos os requisitos cumulativos da responsabilidade civil extra-contratual dos Apelados e por consequência condenado os mesmos no pagamento do valor peticionado a título de danos patrimoniais e se decidido por condenar os mesmos no pagamento a título de danos morais de valor superior conforme peticionado pelo Apelante ao invés dos parcos € 10.000,00 que fixou, devendo a sentença recorrida ser alterada nos seus precisos termos.(…).»
O R., hospital Doutor Fernando Fonseca, e.p.e., por seu turno, no âmbito do recurso que interpôs, concluiu nos seguintes termos - - cfr. fls 888 e ss., do SITAF: «(…) A) A sentença recorrida padece de violação de lei, por não se terem verificado preenchidos os (necessários) requisitos, cumulativos, da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado (sendo que, basta a não verificação de um requisito para que improceda a responsabilidade civil em causa); B) Com efeito, quando o Relatório da Perícia realizada pelo IML conclui que as limalhas metálicas detetadas no interior do Joelho do Autor é uma complicação possível no tipo de cirurgia a que o Autor foi submetido e que se trata de material inerte causador apenas de sinais inflamatórios locais, jamais se podem dar por preenchidos os requisitos, cumulativos, da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado; em particular, quanto à existência de facto ilícito, da culpa, e do nexo causalidade (segundo a teoria da causalidade adequada) entre o facto e o dano – requisitos, esses, não verificados; C) Ficou dado como provado na sentença, nos pontos X e Y da matéria dada como provada o seguinte: “X - As limalhas detetadas no joelho do autor configuram uma complicação possível e frequente da técnica cirúrgica de ligamentoplastia do cruzado anterior”; “Y – As limalhas metálicas detetadas no joelho do Autor resultam da fricção entre o fio guia metálico e a broca metálica /cfr. Relatório Pericial de fls. 575-577) D) Paralelamente, afigura-se ter inexistido nos autos, qualquer culpa imputável a qualquer serviço do Réu Hospital Professor Doutor Fernando Fonseca; sendo que nem foi suscitado ou dado como provado nos autos qualquer eventual deficiência de material empregue na cirurgia, ou qualquer outro problema de mau funcionamento de serviço integrado no estabelecimento do Réu Hospital; E) Termos em que não poderia o Tribunal a quo decidir no sentido dos requisitos do facto ilícito, da culpa e do nexo de causalidade entre o facto e o dano; F) Termos em que a sentença recorrida deverá ser revogada e substituída por outra que, a final determine a improcedência do pedido. (…)».
Também a F. – C. S. S.A., interveniente acessória nos autos, veio recorrer, tendo concluído nos termos seguintes - cfr. fls 926 e ss., do SITAF: «(…) A. A ora Recorrente tem legitimidade para interpor o presente recurso, na medida em que as suas razões de discordância com a douta sentença estão relacionadas com a verificação dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual que constituem o 1.º Réu na obrigação de indemnizar o Autor, e cujo cumprimento fará nascer um direito de regresso daquele contra a Recorrente, na qualidade de sua seguradora. B. Termos em se deverá considerar que a sentença se repercute directamente na esfera jurídica da Recorrente, nos termos e para os efeitos dos artigos 323.º, n.º 4 e 631.º, n.º 2 do CPC. C. Quanto às razões de discordância com a douta sentença, entende a ora Recorrente que o douto Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento e laborou em erro na apreciação das regras jurídicas aplicáveis ao caso concreto – nomeadamente, no que à verificação dos pressupostos da responsabilidade civil médica diz respeito - por não retirar da factualidade assente, nem tão-pouco da fundamentação de direito gizada, as conclusões que logicamente se impunham. D. De facto, compulsada a matéria de facto dada como provada, e tendo ficado sobejamente demonstrado que a presença de limalhas metálicas no joelho do Autor, para além de inerte, se trata de uma complicação possível e frequente da técnica cirúrgica utilizada pelos Réus, não se alcança como pode o douto Tribunal a quo ter considerado que os Réus violaram as leges artis da medicina, concluindo pela ilicitude da sua conduta. E. Ao considerar verificados os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual e, consequentemente, ao condenar o 1.º Réu no pagamento de uma indemnização no valor de € 10.000,00 a título de danos não patrimoniais, o douto Tribunal a quo lavrou numa confusão entre a possibilidade de mitigar as regras processuais do ónus da prova em casos de prova difícil, admitida pela jurisprudência citada, e a permissão de uma conclusão automática – diga-se, absolutamente inadmissível – quanto ao preenchimento de um dos pressupostos substantivos da responsabilidade civil extracontratual, como a ilicitude. F. Com efeito, dos acórdãos citados não resulta, ao contrário do que parece propugnar o douto Tribunal a quo, que o facto de não se ter atingido um qualquer resultado mínimo a que a Administração se tenha auto vinculado, permita concluir automaticamente pela ilicitude da conduta do profissional de saúde. G. Pelo contrário, aquela jurisprudência reporta-se a casos específicos, em que deve ser admitida a flexibilização das regras do ónus da prova, por a ilicitude da conduta decorrer, de forma evidente, do próprio resultado do acto médico, sem necessidade de ulterior indagação - como por exemplo, no caso em que seja amputado um rim eficiente em vez do rim disfuncional. H. De todo o modo, nos casos vertidos naqueles acórdãos, é sempre possível constatar, ainda que por ilação, uma conduta ilícita, ou seja, um procedimento que poderia e deveria ter sido executado de forma diferente e que, com toda a probabilidade, teria evitado a ocorrência dos danos que motivaram as respectivas acções. I. O que não tem paralelo nos presentes autos, sendo o próprio Tribunal a quo que dá como provado que “as limalhas detectadas no joelho do Autor configuram uma complicação possível e frequente da técnica cirúrgica de ligamentoplastia do cruzado anterior”. J. A argumentação do douto Tribunal falece, assim, por assentar em pressupostos que não se podem retirar da jurisprudência supra citada e que, de todo o modo, não encontram correspondência no caso concreto. K. De resto, sempre se diga que as considerações tecidas pelo douto Tribunal a quo, em sede de fundamentação da sentença, a propósito do preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, encerram profundas incoerências e colidem frontalmente com a matéria de facto dada como provada pelo mesmo, do que resulta evidente a desarmonia que se estabelece entre as premissas e a decisão. L. Em face do que ficou exposto e atenta a matéria de facto dada como provada, impunha-se que o douto Tribunal “a quo” tivesse decidido pela não verificação dos pressupostos da responsabilidade civil extra contratual, nomeadamente, o da ilicitude, da culpa e do nexo causal, assim julgando totalmente improcedente a presente acção. (…)»
Na qualidade de Recorrida, também a F. – C. S. S.A, contra-alegou o recurso interposto pelo A., concluindo que - cfr. fls.998 e ss., do SITAF: «(…) 1. Vem o Recorrente interpor recurso da douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, segundo a qual a ação foi julgada parcialmente procedente. 2. Fá-lo essencialmente por duas ordens de razões: primeiramente, por o Tribunal recorrido não ter valorado o depoimento da testemunha Dr. R. D., seu médico de família, com base no que sustenta a reapreciação da matéria de facto dado daquele testemunho ser evidente a existência de nexo causal entre a presença de limalhas no joelho e as limitações de que o Autor alega padecer. 3. Em segundo lugar, por se encontrarem preenchidos os pressupostos de responsabilidade civil extracontratual dos Réus, em face da matéria dada por assente e das normas legais aplicáveis tidas em consideração pelo Tribunal. 4. Antes mesmo de adentrar na análise de mérito das alegações do Recorrente, que merecem reparo, sempre improcederia o recurso atentas as flagrantes preterições de ordem formal de que enferma. 5. Desde logo porque as críticas aventadas têm única e exclusivamente por referência a valoração dos meios de prova operada pelo Tribunal, sem no entanto serem impugnados pontos concretos da matéria de facto ou pedida a alteração de qualquer das respostas dadas à matéria controvertida. 6. Com efeito, não havendo especificação dos factos incorretamente julgados e indicação da forma como o deveriam ter sido, não deve o presente recurso ser admitido, nos termos do artigo 640.°, n.° 1 do CPC, e na esteira da mais recente e ajuizada jurisprudência. 7. Bem assim, nas alegações do Recorrente não constam nem a indicação do início e do fim dos depoimentos testemunhais em que se baseia nem o início e termo de cada uma das passagens da gravação tidas por essenciais, pelo que não se mostram cumpridos os requisitos vertidos no artigo 640.°, n.° 1, alínea a) do CPC, nessa medida se impondo a imediata rejeição do recurso. 8. Não obstante, ainda assim, improcederia a suposta impugnação da matéria de facto, uma vez que apenas são postas em crise a convicção e interpretação formadas pelo Tribunal, e não, como entende a jurisprudência para efeitos de procedência do recurso nesta parte, o erro manifesto na apreciação da matéria de facto, termos em que a dita impugnação feita pelo Recorrente carece de motivação e, por conseguinte, não deverá o Tribunal ad quem conhecer do recurso. 9. No que toca ao mérito do recurso, o Recorrente principia por criticar a decisão do douto Tribunal a quo ao dar como provado que as limalhas metálicas presentes no joelho causam sinais inflamatórios locais, para o que se socorre de afirmações genéricas de modo a descredibilizar totalmente as testemunhas da ora Recorrida e a classe médica no seu todo. 10. Para tanto, serve-se nomedamente de excertos selecionados e perfeitamente descontextualiazados dos depoimentos das testemunhas apresentadas pela Recorrida quando, na verdade, eles são unânimes na apreciação das características e efeitos das limalhas metálicas e deles simplesmente decorre que está bem presente a consciência de que o material utilizado na intervenção cirúrgica a que o Recorrente foi submetido é inócuo ou inerte e por isso apto a permanecer no corpo humano sem causar prejuízo à saúde do intervencionado. 11. O depoimento do Dr. R. D., no qual o Recorrente essencialmente se baseia, é sobremaneira vago e pouco ou nada conclusivo, assente em meras conjeturas, pelo que não logra demonstrar, ao contrário do pretendido pelo Autor, a existência de nexo de causalidade entre a presença de limalhas e dores e enfatizar a incorreta valoração dos factos pelo Tribunal. 12. Ademais, o diagnóstico feito pela testemunha - cuja especialidade nem é a de ortopedia, mas sim de medicina geral e familiar - é completamente discrepante daquele vertido no relatório da perícia realizada pelo INML, a qual não deixa margem para dúvidas quanto à não afetação e prejudicialidade da presença das limalhas no joelho do Recorrente a todos os níveis da sua vida e à inexistência de consequências para a sua saúde como um todo. 13. Segundo a mais avisada jurisprudência, para o julgador afastar o valor probatório da prova pericial tem de fundamentar de forma especialmente esclarecida a sua divergência face ao juízo pericial, o que in casu não se antevê ser provável suceder. 14. Acresce que o depoimento do Dr. R. D. afronta igualmente os esclarecimentos prestados quer pelo perito do IML, quer por outras testemunhas, a partir dos quais se alcança invariavelmente a mesma conclusão: a de que as limalhas metálicas são inertes, não provocando fibrose ou qualquer tipo de rigidez articular, no fundo, não colocando em causa a recuperação e até mesmo, indo mais longe, a saúde do Recorrente. 15. Para além do mais, o Recorrente peca na exposição da matéria de facto, dado que ressaltam afirmações que denotam alguma imprecisão e até mesmo adulteração dos factos dados como provados, em claro benefício da sua posição. 16. No que concerne os pressupostos da responsabilidade civil, a argumentação aduzida pelo Autor segue a vertida na sentença do Tribunal a quo, pelo que enferma das mesmas contradições e incoerências, tal como melhor se salientou nas alegações de recurso apresentadas pela ora Recorrida. 17. Com efeito, o Tribunal entendeu ter havido violação das leges artis pelos Réus, não obstante tal não resultar da matéria de facto dada como provada nem dos diversos depoimentos testemunhais produzidos em sede de audiência de julgamento, consequentemente não se verificando os pressupostos da ilicitude e da culpa. 18. Assim, o Recorrente, à semelhança do Tribunal, incorreu em clara contradição. 19. Mais, não só o Recorrente, como acima dito, procura descredibilizar os depoimentos valorados pelo Tribunal como, simultanemente, o faz ainda com recurso a afirmações de cariz eminentemente difamatório, com o fito de levantar a suspeição quanto à idoneidade ética e moral dos profissionais de saúde e instituições médicas e, como se não bastasse, também das entidades seguradoras. 20. Chegando mesmo a tecer considerações que insinuam que foram prestadas falsas declarações pelos Réus, o que não é, de todo, admissível. 21. Na aferição do pressuposto da existência de danos, o Recorrente cuida de evidenciar que são manifestos os danos de natureza patrimonial e não patrimonial sofridos em virtude das cirurgias a que foi submetido, contudo desconsidera por completo dados - evidenciados quer pelo Tribunal a quo, quer no relatório de peritagem e pelos depoimentos de inúmeras testemunhas -, no sentido de anteriormente (leia-se, antes da primeira cirurgia) apresentar um quadro de alterações degenerativas. 22. Quanto ao pressuposto do nexo de causalidade, o Recorrente limita-se a sugerir que o Tribunal incorreu em erro na formação da sua convicção quanto aos factos. 23. Por fim, não colhem os argumentos do Recorrente no que toca aos danos não patrimonais, sendo manifestamente excessivos os valores peticionados a esse título. 24. No fundo, e em face de tudo quanto ficou exposto, importa frisar que os depoimentos testemunhais são unânimes quanto à irrelevância da presença das partículas metálicas no joelho do Recorrente, na medida em que não são idóneas a gerar o quadro sintomático por ele descrito. (…)».
O tribunal a quo, a 09.05.2019, proferido despacho de sustentação das nulidades que foram imputadas, pelos Recorrentes, à sentença recorrida - cfr. fls 1063 e ss., do SITAF.
A DMMP junto deste tribunal, notificada nos termos e para os efeitos do n.º 1 do art. 146.º e do n.º 2 do art. 147.º, ambos do CPTA, emitiu pronúncia no sentido do não provimento do recurso do A., e provimento do recurso do R. Hospital e da interveniente Seguradora, defendendo fosse revogada a sentença recorrida e julgada totalmente improcedente a ação. - cfr. fls 1072 e ss., do SITAF.
Colhidos os vistos legais, vem o processo à conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão.
I. 1. Questões a apreciar e decidir As questões suscitadas pela Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em apreciar e decidir se: i) A decisão recorrida é nula – cfr. conclusão constante da alínea K) do recurso interposto pela Recorrente Seguradora, por contradição entre os seus fundamentos e a decisão proferida, ao abrigo do art. 615.º, n.º 1, alínea c), do CPC, e se padece ainda ii.1) de erro de julgamento de facto – cfr. recurso interposto pelo A., conclusões n.º 1 a 12 – e de ii.2) erro de julgamento de direito na apreciação que fez sobre a verificação dos requisitos, cumulativos, da responsabilidade extracontratual dos RR. – invocado por todos os Recorrentes, embora em sentido não sempre coincidente, como melhor explicitaremos infra.
II. Fundamentação II.1. De Facto A matéria de facto constante da sentença recorrida é aqui transcrita ipsis verbis - cfr. fls 853 e ss., do SITAF: «(…) A) A 13.05.2009 o Autor compareceu na Consulta de Ortopedia A, com o Réu P. L., constando dos registos dessa consulta o seguinte: entorse joelho esquerdo com 6 meses de evolução. Cunha colega AP. Tem totura LCA a esq.+Mica+Cp+alt degenerativas do ME (fls. 84); B) A 14 de Julho de 2009 o Autor foi sujeito a uma intervenção cirúrgica no Hospital Prof. Doutor Fernando Fonseca, por indicação do Réu P. L., que foi também o cirurgião responsável pela cirurgia; C) No registo da cirurgia foi indicado no campo “diagnóstico” Rotura do LCA + rotura do menisco interno joelho esquerdo (fls. 86); D) Na cirurgia foi realizada artoscopia do joelho com meniscectomia parcial interna + remoção do coto do ligamento cruzado anterior com radio frequência e ligamentoplastia do ligamento cruzado anterior com enxerto osso-tendão-osso (cfr. fls. 86 e 91 e relatório pericial); E) O Autor teve alta hospitalar e foi encaminhado para o serviço de Medicina Física e de Reabilitação, onde iniciou programa de reabilitação; F) Cerca de 8 semanas após a cirurgia sofreu um traumatismo no joelho esquerdo na piscina das instalações do Réu, durante uma das sessões; G) O Autor foi reobservado na consulta de 9.09.2009 e na consulta de 11.11.2009; H) Consta do registo da consulta de 2.12.2009, com o Réu P. L. o seguinte: “esteve com gripe. Infiltrei tendão rotuliano hoje. Volt a MFR. Volta a esta consulta dentro de 2 meses (fls. 96); I) A 4.01.2010, na sequência das queixas reiteradas do Autor, foi-lhe realizada uma ressonância magnética; J) Durante a realização daquele exame o Autor começou a sentir dores intensas e um sobreaquecimento do joelho; K) Consta do Relatório da ressonância magnética o seguinte: “RM de joelho em DT com lesão do cruzado. Os múltiplos artefactos condicionados pelo material não permitem avaliação do joelho, apenas se pode afirmar que não existe líquido intra articular valorizável” (fls. 97); L) O Autor foi posteriormente encaminhado para a consulta da dor, na qual foi observado pela primeira vez a 13.01.2010, tendo sido diagnosticada uma dor tipo neuropática (cfr. relatório médico de fls. 115); M) Na consulta de 27.01.2010 foi lavrado pelo Réu P. L. o registo seguinte: “mantém tendinite tendão rotuliano. Apesar de ter andado 1 mês bem. Tem detritos de metal no joelho (Lâmina de shaver???). peço TAC+análises pre para tratamento cirúrgico de tendinite rotuliano + artro” (fls. 99); N) Dá-se por reproduzido o Relatório da TAC osteo articular de fls. 98 dos autos, do qual, designadamente o seguinte: “em doente submetido a ligamentoplastia do LCA, identificam-se múltiplos corpos milimétricos metálicos ao longo da face posterior do neoligamento, projectado à linha média anterior, no compartimento posterior, bem como ao longo da porção terminal do tendão rotuliano, alterações com relação com artroscopia? Da restante avaliação assinala-se líquido intra-articular em quantidade ligeira e baixa densidade mineral óssea”; O) Consta do registo da consulta de 10.03.2010, com o Réu P. L. o seguinte: “para artro na próxima 3. Feira para tratamento de tendinite do rotuliano (fls. 100); P) No seguimento da ressonância e de um RX simples realizado ao joelho, foram detectados múltiplos corpos estranhos – 58 partículas metálicas - disseminados no interior do joelho do Autor; Q) A 16 de Março de 2010, por indicação da direcção clinica do Réu Hospital, o Autor foi submetido a outra cirurgia; R) Na segunda cirurgia foram detectadas as seguintes lesões: lesão do corno anterior do menisco interno, por eventual entorse após a cirurgia, artrofibrose discreta do joelho, presença de algumas limalhas visíveis, plastia do neoligamento estável (fls.103 e informação de fls. 123-126); S) Na cirurgia foram realizados os seguintes procedimentos: - meniscectomia parcial interna, remoção de artrofibrose e remoção de limalhas visíveis. Após artroscopia procedeu-se a cirurgia aberta e foram realizadas fasciculações do tendão rotuliano e foragens da extremidade distal da rótula (idem); T) Intervieram na cirurgia o 2º e o 3º Réu (idem); U) Durante o período entre Agosto de 2010 e Janeiro de 2012 o Autor foi acompanhado na consulta da dor e passou a ser observado na consulta externa de ortopedia pelo 3º Réu, responsável pelo serviço; V) A 13.01.2012 foi pedida pelo Réu P. B. uma cintigrafia óssea; W) Dá-se por reproduzido o teor do relatório da cintigrafia óssea de fls. 121 dos autos, da qual consta, designadamente que: “(…) Nas imagens tardias acentuou-se a assimetria com maior captação em todo o joelho esquerdo e discreto foco mais captante no planalto tibial (região interna). Estes aspectos são compatíveis com processo inflamatório de intensidade ligeira a moderada, provavelmente com alterações degenerativas subjacentes, a integrar com os restantes estudos/informação clínica. (…)”; X) As limalhas metálicas detectadas no joelho do Autor configuram uma complicação possível e frequente da técnica cirúrgica de ligamentoplastia do cruzado anterior; Y) As limalhas metálicas detectadas no joelho do Autor resultam da fricção entre o fio guia metálico e a broca metálica (cfr. Relatório Pericial de fls. 575-577); Z) As limalhas metálicas detectadas no joelho do Autor são inertes; AA) As limalhas metálicas detectadas no joelho do Autor podem gerar sinais inflamatórios locais mas não determinam rigidez articular nem dores intensas nem edema, perda de força muscular ou dor crónica; BB) A presença das limalhas metálicas no joelho do Autor não impede a realização de exames de imagiologia, com excepção da ressonância magnética, que pode causar sobreaquecimento; CC) A 08.05.2012 foi emitido o atestado médico de incapacidade multiuso de fls. 122 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido e do qual consta que o Autor é portador de uma incapacidade global permanente de 60%; DD) A 18.06.2016 foi emitido o atestado médico de incapacidade multiuso de fls. 688 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido e do qual consta que o Autor é portador de uma incapacidade global permanente de 60%, sendo de 50% de incapacidade motora; EE) Por despacho de 13.05.2011 foi deferido, pelo Instituto da Segurança Social IP, o pedido de atribuição de pensão por invalidez formulado pelo Autor (fls. 161); FF) O Instituto da segurança social IP pagou ao autor, no período compreendido entre 31.05.2011 e 31.03.2016 o montante de € 29 168,37 a título de pensão por invalidez (fls. 632); GG) À data da realização da primeira cirurgia o Autor exercia a profissão de técnico especializado de Acrílicos; HH) E auferia a remuneração mensal de € 927,00 (cfr. recibo de vencimento de 31.12.2008 de fls. 257 dos autos); II) Após a realização das cirurgias o Autor não voltou a conseguir exercer a sua profissão; JJ) Desde a realização da primeira cirurgia o Autor tem vindo a sofrer de dores intensas no joelho esquerdo (tipo choques eléctricos) e dificuldades na marcha; KK) O Autor apenas consegue andar com recurso a canadianas e em percursos pequenos; LL) Não consegue conduzir em percursos médios e grandes; MM) O Autor era uma pessoa alegre e com energia e, desde as cirurgias, passou a ser uma pessoa triste e angustiada; NN) A terapêutica analgésica e anti-inflamatória a que o Autor tem vindo a ser sujeito tem causado efeitos secundários ao nível do aparelho digestivo e do sistema nervoso; OO) Entre o 1º Réu e a Seguradora I. B. foi celebrado o contrato de seguro titulado pela apólice de fls. 129-132 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido; PP) No dia 10.06.2014 o Autor sofreu uma queda quando regressava a casa, tendo embatido com o rosto no chão e com o joelho, coxa e anca do lado direito; QQ) No dia 11.06.2014 o Autor dirigiu-se ao serviço de urgência central do Hospital de Santa Maria (fls. 344); RR) Em consequência da queda o Autor despendeu com medicamentos a quantia de € 12,03 (fls. 345); Factos não provados: 1) O traumatismo decorreu de um escorregamento do pé do Autor, resultante da existência de alguicidas na base da piscina, por ausência de manutenção e limpeza; 2) A realização da segunda cirurgia teve como objectivo a remoção das partículas metálicas no interior da perna do Autor; 3) O Autor foi informado de que a recuperação não seria total, em razão do excesso de peso e da existência de uma artrose naquele joelho; 4) Os serviços do Réu tenham desmarcaram a consulta da dor e não voltaram a agendar qualquer consulta. 5) O Autor concordou com a cirurgia e eventual ligamentoplastia se durante a artroscopia existisse uma rotura completa do ligamento cruzado anterior; 6) Que o Autor tivesse excesso de peso aquando da realização da cirurgia; 7) Que a queda mencionada em PP) tenha tido origem na falta de forças ao levantar a perna direita e na falta de forças nos braços;» Motivação da matéria de facto: «Para a decisão proferida sobre a matéria de facto foram determinantes os documentos juntos aos autos e mencionados a propósito de cada uma das alíneas do probatório. O Relatório da perícia realizada pelo IML foi particularmente esclarecedor no que respeita às características e efeitos das limalhas metálicas detectadas no interior do joelho do Autor, pois que, a par com o depoimento prestado pelo médico J. A., permitiu concluir que se trata de uma complicação possível no tipo de cirurgia a que o Autor foi submetido e que se trata de material inerte causador apenas de sinais inflamatórios locais. Resultou ainda daquele depoimento, bem como dos esclarecimentos prestados pelo Perito e, bem assim, das declarações prestadas pelo Réu P. L., que é frequente neste tipo de intervenção que fiquem limalhas metálicas após a cirurgia, chegando mesmo a testemunha J. A. a afirmar que com a técnica utilizada, obrigatoriamente ficam limalhas; todos os doentes instrumentados na articulação ficam com limalhas que aparecem na ressonância. Resultou ainda da prova produzida, designadamente do depoimento prestado pela testemunha P. B. R., médico que acompanhou o Autor na fase da reabilitação, que a questão do tendão rotuliano é uma evolução do pós-operatório que acontece com frequência por efeito da carga. Do depoimento da testemunha A. M. R. P., médica que acompanhou o Autor na Unidade da Dor resultou que a dor descrita pelo Autor se caracteriza como uma dor neuropática, que resultou das intervenções cirúrgicas e tem origem na lesão de pequenas fibras, que podem não recuperar na totalidade, o que sucede em cerca de 20 a 30% das cirurgias. Referiu ainda que no caso do Autor, a questão da existência das limalhas, e a convicção que criou quanto à sua influência na recuperação, pode ter condicionado negativamente aquele processo. As testemunhas arroladas pelo Autor, designadamente a namorada e os familiares (irmão e cunhada) foram unânimes nos depoimentos prestados a respeito das características do Autor antes e após a cirurgia, todos tendo referido, com clareza, que o Autor apresenta um quadro doloroso evidente e constante, caracterizado, designadamente, por dores tipo choque eléctrico na perna esquerda. Mais resultou daqueles depoimentos que o Autor se encontra limitado na sua mobilidade, que não consegue dobrar o joelho nem estar de pé durante mais que curtos períodos, e que a limitação física e as dores, a par com a convicção de que tudo é originado pelas limalhas, o fazem viver angustiado e sem motivação.» i) Da nulidade da sentença recorrida, conforme alega a Recorrente Seguradora, por contradição entre os seus fundamentos e o sentido da decisão proferia - cfr. art. 615.º, n.º 1, alínea c), do CPC, ex vi art. 1.º do CPTA. Vejamos. Prescreve o art. 615.°, n.° 1, alínea c), do CPC, que a sentença é nula quando «os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível». Seguindo a jurisprudência dos tribunais superiores, (1)a nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão contemplada nesta alínea c) do n.º 1 do art. 615.º, do CPC, pressupõe um erro de raciocínio lógico da decisão recorrida, em termos que esta seja contrária à que seria imposta pelos fundamentos de facto ou de direito de que o juiz a quo enunciou para a proferir. A contradição geradora de nulidade ocorre, assim, quando os fundamentos invocados na decisão recorrida, conduziriam, em termos lógicos, não ao resultado expresso na decisão, mas a um resultado oposto ou, pelo menos, de sentido diferente, consistindo esta numa contradição entre os fundamentos da decisão, entre si, e não numa contradição entre os factos provados e a decisão, pois que, neste caso, se reconduzirá a um erro de julgamento. Neste pressuposto, no caso em apreço, a incorreta valoração da matéria de facto provada na fundamentação da decisão recorrida que vem invocada pela Recorrente, não integra nem se reconduz à nulidade invocada, mas sim a um eventual erro de julgamento, que como tal será conhecido, e nem existe qualquer contradição lógica entre a fundamentação e a decisão proferida, conforme melhor explicitaremos infra, na apreciação que se fará destas questões em sede de erro de julgamento. Improcede, nestes termos, a suscitada nulidade da decisão recorrida.
ii.1) Do erro de julgamento sobre a matéria de facto – cfr. conclusões n.º 1 a 12 do recurso interposto pelo A. Veio o A. insurgir-se contra a decisão que recaiu sobre a matéria de facto, em virtude de o tribunal a quo não ter valorado o depoimento da sua testemunha, e seu médico de família, Dr. R. D., que, no seu entender, teria sido prova bastante da existência de nexo causal entre a presença das limalhas no seu joelho e todas as limitações de que padece e que resultaram provadas e não apenas de algumas angústias, como se veio a decidir na sentença recorrida. Porém, não só o Recorrente não identifica os concretos pontos da matéria de facto – por referências aos factos provados na sentença recorrida - que considera erroneamente julgados, nas alegações ou nas conclusões, como não indica qual o sentido da decisão que deveria ter sido proferida em relação àqueles mesmos pontos concretos da matéria de facto. Acresce que, tendo sido realizada prova gravada, nas alegações do Recorrente não constam nem a indicação do início e do fim dos depoimentos testemunhais em que se baseia nem o início e termo de cada uma das passagens da gravação tidas por essenciais – cfr., designadamente, fls. 6 e ss. e fls. 10 a 13 e fls. 15 e ss. das suas alegações de recurso e respetivas conclusões n.º 1 a 12. Sobre esta questão, convoca-se a mais recente jurisprudência dos tribunais superiores que, embora reconheça e imponha que se leve a cabo uma apreciação casuística, à luz do princípio da proporcionalidade, é unânime a concluir que(2)não há dúvida de que a impugnação da decisão de facto deve incidir sobre concretos pontos de factos expressamente apontados e precisos, que o Recorrente tem o ónus de identificar. Razão pela qual, para fundamentar a impugnação, deve o Recorrente especificar os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa da recorrida e, sendo caso disso, no caso de prova gravada, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda – cfr. n.º 1 alínea b) e n.º 2, alínea a), do art. 615.º do CPC - devendo ainda especificar a decisão que, no seu entender, deveria ser proferida no que respeita aos factos impugnados – alínea c) do n.º 1 do art. 640.º, do CPC. A inobservância dos apontados requisitos, ónus, é sancionada com a rejeição imediata do recurso na parte afetada – cfr. art. 640º nºs 1 e 2, alínea a), do CPC. Essa cominação parece indiscutível no que toca às especificações mencionadas e previstas no n.º 1 do art. 640.º, dada a sua indispensabilidade, pois que constituem elementos essenciais e necessários à viabilidade da impugnação, em função do que, se torna inevitável e ajustada a rejeição liminar, que surge, aliás, em perfeita consonância com o proémio da norma em causa(4) e da indiscutível inadmissibilidade de recursos genéricos contra a decisão de facto. ii.2) Do erro de julgamento sobre a matéria de direito em que incorreu a sentença recorrida ao ter considerado verificados todos os requisitos da responsabilidade extracontratual dos RR. – cfr. recursos do R. Hospital e da interveniente Seguradora - e, por não verificado o dolo – segundo se percebe das conclusões de recurso do A., n.º 15. 16 e 19 – e apenas parte do nexo de causalidade – cfr. conclusões de recurso do A., n.º 23 e ss. Antes de avançarmos, importa fazer a seguinte precisão: Embora o Recorrente A. alegue, genericamente, que a decisão recorrida padece de erro de julgamento quanto a todos os pressupostos da responsabilidade civil, a verdade é que, em relação ao requisito da ilicitude, culpa, por negligência, e dos danos – a decisão recorrida foi-lhe favorável. Onde claudicou, e apenas em parte, foi pela inverificação da culpa na vertente de dolo e do nexo de causalidade em relação a todos os danos patrimoniais e em relação a alguns dos danos não patrimoniais alegados. Assim sendo, não tendo ficado o A. vencido quanto àquelas questões, carece o A. de interesse em recorrer das mesmas, por estar ausente a pressuposta sucumbência. Avancemos. Todos os recursos, em suma, criticam o silogismo levado a cabo pelo tribunal a quo em relação à culpa e à ilicitude, embora nem sempre no mesmo sentido – cfr. alíneas ii.1) e ii.2) na parte I.1 do presente acórdão. Vejamos então, começando pelos recursos do R. Hospital e da Interveniente Seguradora, pois que, se procederem, fazendo claudicar algum dos requisitos da responsabilidade extracontratual que o tribunal a quo deu por verificados na decisão recorrida – ilicitude e culpa -, claudicará necessariamente a pretensão do Recorrente A., atenta a sua natureza cumulativa. A ação em apreço foi intentada pelo A. com a convicção de que a incapacidade de que padece se deve ao facto de ter ficado com partículas metálicas – limalhas - no interior do joelho, na sequência da realização de uma primeira intervenção cirúrgica a que foi sujeito no Hospital Prof. Doutor Fernando Fonseca, intervenção cirúrgica essa, cujos tempo e o modo está aqui sob escrutínio, pois que, no seu entender, na mesma foram inobservadas as leges artis da medicina por parte dos médicos responsáveis. Sendo certo que «O Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem.» - cfr. art. 22.° da Constituição da República Portuguesa. É no regime de Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas que se encontra plasmado na Lei n° 67/2007 de 31.12 (RRCEE), e no que se prende com a imputação de responsabilidade por danos decorrentes do exercício da função administrativa, dos seus art.s 7.° a 10.°, que se enunciam os requisitos constitutivos, e de verificação cumulativa, deste tipo de responsabilidade pública, são eles: O facto, enquanto elemento básico da responsabilidade, traduzido num comportamento voluntário, podendo consistir numa ação ou numa omissão – cfr. art. 7.°, n° 1, do RRCEE. A ilicitude, que resulta da violação de normas, por via da qual sejam ofendidos direitos ou interesses legalmente protegidos – cfr. art. 9.°, n° 1, do RRCEE. Por se revelar com particular acuidade para o caso em apreço, importa referir que deste n.º 1 resulta também que «embora a desconformidade com regras meramente técnicas não dê azo a um juízo de invalidade, poderá implicar uma obrigação de indemnizar os danos causados pela quebra da tecnicidade devida(…). Assim acontecerá, na maior parte dos casos (embora não exclusivamente, …), em relação a atuações materiais. O exemplo mais paradigmático diz respeito a situações de má prática clínica, em que os pacientes sofrem danos na sua saúde em resultado de erros médicos no decurso de uma operação ou outro tipo de tratamentos. Sempre que tal suceda em hospitais públicos ou outras unidades do Serviço Nacional de Saúde, os tribunais administrativos podem ser chamados (…) arbitrar indemnizações54 por violação das leges ar tis, isto é, dos ensinamentos e regras próprias da medicina.»(5) A culpa, como nexo de imputação ético-jurídico que liga o facto à vontade do agente a título de dolo ou de negligência – cfr. art. 10°, n °1, do RRCEE. O dano, que se traduz na lesão ou prejuízo de ordem patrimonial ou não patrimonial, produzido na esfera jurídica do lesado. E, por fim, o nexo de causalidade entre o facto, por ação ou omissão, e o dano, a apurar segunda a teoria da causalidade adequada. Neste pressuposto, retomemos então o caso em apreço. No quadro factual supra descrito na parte II.1 deste aresto, a sentença recorrida julgou procedente a ação e condenou o R. Hospital «no pagamento ao Autor de uma indemnização no montante de € 10 000,00 por danos não patrimoniais», absolvendo-o dos demais pedidos formulados pelo A., assim como absolveu os restantes RR. de todos os pedidos. Insurgem-se os RR., com o assim decidido, pelas seguintes ordens de razões: Em primeiro lugar porque, dizem, atento, quer o conteúdo das conclusões vertidas no relatório pericial elaborado pelo IML, que, conforme refere na decisão recorrida, «foi particularmente esclarecedor no que respeita às características e efeitos das limalhas metálicas detectadas no interior do joelho do Autor, pois que, a par com o depoimento prestado pelo médico J. A., permitiu concluir que se trata de uma complicação possível no tipo de cirurgia a que o Autor foi submetido e que se trata de material inerte causador apenas de sinais inflamatórios locais » - cfr. fls. 12 da sentença – mas também os esclarecimentos prestados pelo perito e, bem assim, as declarações de parte do 2.° R. – médico -, resultou «que é frequente neste tipo de intervenção que fiquem limalhas metálicas após a cirurgia, chegando mesmo a testemunha J. A. a afirmar que com a técnica utilizada, obrigatoriamente ficam limalhas; todos os doentes instrumentados na articulação ficam com limalhas que aparecem na ressonância » - idem, fls. 12 – e julgou, assim, provados, os seguintes factos: «(…) X) As limalhas detectadas no joelho do Autor configuram uma complicação possível e frequente da técnica cirúrgica de ligamentoplastia do cruzado anterior; Y) As limalhas metálicas detectadas no joelho do Autor resultam da fricção entre o fio guia metálico e a broca metálica (cfr. Relatório Pericial de fls. 575-577); Z) As limalhas metálicas detectadas no joelho do Autor são inertes; AA) As limalhas metálicas detectadas no joelho do Autor podem gerar sinais inflamatórios locais mas não determinam a rigidez articular nem dores intensas me, edema, perda de força muscular ou dor crónica. (…)». Em face do que, não poderia o tribunal a quo, alegam os Recorrentes RR., na análise sobre a verificação dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, nomeadamente da ilicitude, ter concluído, que a existência daquelas limalhas metálicas se apresenta como «uma consequência/resultado manifestamente desajustado em face das finalidades da terapêutica realizada», e que, essa circunstância, «não pode deixar de integrar uma conduta ilícita por parte dos Réus, por violadora das leges artis aplicáveis». – cfr. fls. 23 idem. Atentemos, pois, nos trechos que se transcrevem, no essencial, da justificação de tal decisão: «(…) pese embora resulte dos factos provados que a existência das limalhas configura uma complicação possível e frequente da cirurgia à qual o Autor foi submetido, não ficou provado que se trate de uma complicação necessária e incontrolável inerente à sua realização. Não resulta dos factos provados que a realização de uma cirurgia para tratamento de rotura do LCA e do menisco interno determine, necessariamente, que o intervencionado fique com 58 limalhas metálicas no interior do joelho. Pelo contrário. A existência de 58 limalhas metálicas no interior do joelho do Autor como decorrência da realização da cirurgia para tratamento de uma Rotura do LCA e rotura do menisco interno joelho esquerdo apresenta-se como uma consequência/resultado manifestamente desajustado em face das finalidades da terapêutica realizada, ainda que a existência de limalhas após uma ligamentoplastia (em número não concretamente determinado) configure, como provado, uma complicação possível e frequente. (…)» (sublinhados nossos), para assim concluir, que tal conduta não pode deixar de integrar uma conduta ilícita por parte dos RR. médicos, porque violadora das leges artis aplicáveis. Desde já se adianta que não acompanhamos o assim decidido. Vejamos então porquê. Na responsabilidade civil extracontratual, por ato cirúrgico ilícito, o desvalor da ação do agente - a violação das leges artis – é um dos pressupostos constitutivos da obrigação de indemnizar. Relembremos os factos relevantes dados como provados na sentença recorrida - cfr. matéria de facto supra, ponto II.1 do presente aresto: «X) As limalhas metálicas detectadas no joelho do Autor configuram uma complicação possível e frequente da técnica cirúrgica de ligamentoplastia do cruzado anterior; Y) As limalhas metálicas detectadas no joelho do Autor resultam da fricção entre o fio guia metálico e a broca metálica (cfr. Relatório Pericial de fls. 575-577);» (sublinhados nossos). Nada mais se provou que interesse à decisão acerca da ilicitude. Temos assim que, a partir destes dois únicos factos, o tribunal a quo inferiu que, «[a] existência de 58 limalhas metálicas no interior do joelho do Autor como decorrência da realização da cirurgia para tratamento de uma Rotura do LCA e rotura do menisco interno joelho esquerdo apresenta-se como uma consequência/resultado manifestamente desajustado em face das finalidades da terapêutica realizada, ainda que a existência de limalhas após uma ligamentoplastia (em número não concretamente determinado) configure, como provado, uma complicação possível e frequente.» Isto é, sem prova imediata de quaisquer outros factos, através do mero mecanismo das ilações presuntivas em matéria de facto, partindo apenas do resultado – existência de 58 limalhas no interior do joelho do A. – o tribunal a quo firmou a violação das leges artis. Portanto, cumpre, antes de mais, apreciar da correção do juízo decisório neste ponto e, para nós, a solução encontrada na sentença recorrida não é sustentável, pois que decorre de sentido argumentativo que não merece a nossa adesão e contraria, na verdade, a matéria de facto provada, e não provada, na sentença recorrida. E isto porque, em primeiro lugar, estando processualmente adquirido, pela prova produzida em julgamento, que as limalhas metálicas detectadas, não quaisquer limalhas, mas as limalhas detectadas no joelho do A. configuram uma complicação possível e frequente da técnica cirúrgica levada a cabo no caso em apreço – cfr. alínea X) da matéria de facto supra -, ou seja, não uma limalha, ou uma dúzia, mas sim as concretas 58 limalhas detetadas no joelho do A.. Razão pela qual carece de sustentação a conclusão de que «existência de 58 limalhas metálicas no interior do joelho do Autor (...)apresenta-se como uma consequência/resultado manifestamente desajustado» como decorrência da realização da cirurgia para tratamento de uma Rotura do LCA e rotura do menisco interno joelho esquerdo, pois que, da mesma matéria de facto resulta provado o contrário, «que configuram uma complicação possível e frequente da técnica cirúrgica» - cfr. alínea X) da matéria de facto supra. Resultando dos autos que tal consequência, é concebível, como efeito comum e corrente de um ato cirúrgico desta natureza, num serviço que satisfaça o standard médio exigível e adequado a uma assistência diligente, ao nível da escolha do meio técnico utilizado – cfr. alínea Y) da matéria de facto supra -, em detrimento de outro, da definição da oportunidade e da necessidade da intervenção, da qualidade de equipamento e de perícia da equipa cirúrgica – cfr. alínea X) da matéria de facto supra. Portanto, no caso em apreço, a conclusão a que chegou o tribunal a quo, a partir do resultado – existência de 58 limalhas no joelho do A. -, de violação das leges artis e/ou de prudência comum, não merece o nosso assentimento, em face da matéria de facto provada nos autos, não impugnada. Em segundo lugar, ainda na lógica da sentença recorrida, esta prova por ilação presuntiva em matéria de facto, não tem aptidão para adquirir, neste caso concreto, quanto à sua eficácia, o grau de prova suficiente, pela circunstância já vista de este juízo contrariar a prova realizada nos autos, no sentido, não impugnado, de que a existência das limalhas detetada no joelho do A., são uma consequência normal deste tipo de atos cirúrgicos – cfr. alínea X) da matéria de facto supra. De realçar ainda que os factos provados nas alíneas X) e Y) constituem base probatória bastante de um juízo de certeza quanto à não violação das regras da arte, entendido este, na linha de Alberto dos Reis(6) À luz do quadro normativo actual tudo se resume à intranquilidade e ao inconformismo com que se debate o acórdão recorrido de se confrontar com danos patrimoniais e não patrimoniais muito relevantes, mas que, segundo a factualidade assente, não têm causalidade adequada visível numa conduta ilícita. Por isso, busca pela via da indemnização por perda de chance uma sustentação jurídica para a concessão aos lesados de uma “compensação minimamente digna” por aquele resultado lesivo. Mas esta é uma via que, pelas razões que iremos ver, não é adequada ao âmbito da responsabilidade médica.» Também no caso presente, falece a prova de uma conduta ilícita por parte dos RR. médicos, razão pela qual, e embora o resultado danoso se tenha verificado, imperioso se torna julgar procedentes, quanto a esta questão, os recursos interpostos pelo R. Hospital e interveniente Seguradora. Atenta a natureza cumulativa de todos os requisitos da responsabilidade extracontratual, a não verificação da ilicitude, conforme se acabou de decidir, tornaria inútil o conhecimento dos restantes erros de julgamento imputados à sentença recorrida pelos Recorrentes Hospital e interveniente Seguradora, pois que, mesmo que venham a proceder, nenhuma utilidade terá esta decisão no resultado da ação, pois que, revogada que seja a sentença recorrida pelo verificado erro de julgamento quanto ao pressuposto da ilicitude, a ação terá, necessariamente que improceder. Não obstante, acrescentar-se-á ainda o seguinte: Alegam os Recorrentes RR. que também quanto à apreciação do pressuposto culpa, errou o tribunal a quo, pois que, se num primeiro momento- a fls. 24 da decisão recorrida – considera o 2.° R. violou as leges artis aplicáveis, dando assim por verificado o pressuposto da culpa, num segundo momento conclui que «(…) a matéria de facto não permite concluir que a omissão ilícita tenha sido cometida com dolo ou diligencia e zelo manifestamente inferiores às decorrentes da função, de acordo com um padrão médio de médico cuidadoso e diligente (…)». E, o mesmo erro, alegam, incorre o tribunal a quo quando, absolve também o 1.º R, «por não se ter provado que a conduta levada a efeito durante a cirurgia se tenha revestido de dolo ou diligencia e zelo manifestamente inferiores às decorrentes da função, de acordo com um padrão médio de médico cuidadoso e diligente»- fls. 27 idem. Porém, o que resulta da sentença recorrida é, apenas, e após ter recuperado o que já tinha evidenciado propósito da ilicitude, fazer corresponder a culpa enquanto dimensão subjetiva daquela, pela violação das normas de prudência e de aplicação das melhores técnicas. Por outro lado, devendo a culpa dos titulares de órgãos, funcionários e agentes ser apreciada pela diligência e aptidão que seja razoável exigir, em função das circunstâncias de cada caso, de um titular de órgão, funcionário ou agente zeloso e cumpridor – cfr. art. 10.º n.º1, da Lei n.º 67/2007, de 31.12 – concluiu o tribunal a quo, fazendo apelo, como se disse, ao que havia enunciado a respeito da ilicitude, designadamente quando concluiu que a sua conduta durante a intervenção cirúrgica, na qual interveio o R. P. L., não observou as leges artis aplicáveis, que não podia senão concluir pela verificação do pressuposto da culpa a título, apenas, de mera culpa e não com dolo ou culpa grave pois que «(…) a matéria de facto não permite concluir que a omissão ilícita tenha sido cometida com dolo ou diligência e zelo manifestamente inferiores às decorrentes da função, de acordo com um padrão médio de médico cuidadoso e diligente (…)», para os efeitos do disposto no art. 8º, n.º 1, da Lei nº 67/2007 de 31.12, que rege, sob a epígrafe «Responsabilidade solidária em caso de dolo ou culpa grave» que os titulares de órgãos, funcionários e agentes são responsáveis pelos danos que resultem de ações ou omissões ilícitas, por eles cometidas com dolo ou com diligência e zelo manifestamente inferiores àqueles a que se encontravam obrigados em razão do cargo. Ora, o assim decidido, se no pressuposto em que foi aduzido, nada haveria a apontar, perante o que decidimos supra sobre a inexistência de ilicitude, não pode manter-se. Assim procedendo também, e consequentemente, quanto a esta questão, os recursos do R. Hospital e da Seguradora interveniente. Por fim, alegam ainda os Recorrentes Hospital e Seguradora, aqui acompanhados pelo Recorrente A., embora em sentidos opostos, erro de julgamento na apreciação que foi feita na decisão recorrida sobre o requisito do nexo de causalidade. Em suma, se de um lado temos os primeiros a pugnar pelo sentido de que não poderia o tribunal a quo, num primeiro momento, excluir a verificação do nexo causal entre as lesões e o evento, ao considerar que «o probatório aponta no sentido de que as referidas limalhas ou corpos milimétricos não interferiram, com a recuperação da mobilidade nem são causadoras das dores que o Autor tem vindo a sofrer» - cfr. fls. 25 – e que «os autos não permitem concluir que esse quadro tenha como causa as limalhas metálicas no interior do joelho, antes apontando para alterações degenerativas anteriores e lesões (tendinite) no tendão rotuliano, sem nexo causal com as limalhas detectadas - cfr. fls 26 – dando, inclusivamente, como provado que aquelas partículas são inertes – cfr. facto constante da alínea Z) da matéria de facto -e, num segundo momento, julgar, a respeito dos danos não patrimoniais que «(…) a existência das limalhas no interior do joelho do Autor lhe causou e tem causado angustias (...)” que revestem de gravidade merecedora da tutela do direito, ao abrigo do artigo 496.°, n.° 1 do CC, determinando a condenação do 1.° Réu a pagar ao Autor a quantia de € 10.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais.(…)». Por seu turno, alega o Recorrente A. que tendo o tribunal a quo considerado verificado o nexo de causalidade, este teria de valer para todos os danos que resultaram provados e não apenas para a mais pequena parte destes. Vejamos. O tribunal a quo, após ter enunciado quais os danos que resultaram provados nos autos, a saber «(…) que o Autor, após a realização da cirurgia nunca chegou a recuperar a mobilidade, que apenas se movimenta com o auxílio de canadianas e em percursos pequenos (alínea JJ) do probatório), não consegue conduzir em percursos médios e grandes (KK)), deixou de exercer a sua profissão (ou qualquer outra) e de receber a remuneração respectiva (alíneas HH) e II)), foi reformado por invalidez e encontra-se a receber uma pensão de cerca de 530,00 mensais (alíneas EE) e FF) do probatório). Sofre de dores intensas (alínea JJ)) e dos efeitos secundários da terapêutica destinada a minimizar o quadro doloroso (alínea NN)). Vive angustiado, foi-lhe reconhecida uma incapacidade de 60% (alíneas DD) e MM)). Está impedido de realizar exames de imagiologia através de ressonância magnética (alínea BB)) (…)», na determinação do nexo de causalidade, entre os danos e o evento lesivo, aduz o seguinte: «(…) O nexo de causalidade entre o facto e o dano deve ser apurado segundo a teoria da causalidade adequada, da qual decorre que o facto deve apresentar-se como condição adequada a, em abstracto, produzir o dano. O Autor alegou, no essencial, que a incapacidade de que passou a sofrer, bem como o quadro álgico em que tem vivido, são consequência da existência das limalhas que não só impossibilitaram a sua recuperação como agravaram o seu quadro clínico. Os factos provados não permitem concluir nos termos preconizados pelo Autor. O probatório aponta no sentido de que as referidas limalhas ou corpos milimétricos não interferiram com a recuperação da mobilidade nem são causadoras das dores que o Autor tem vindo a sofrer. A matéria assente refere que as limalhas apenas são passíveis de gerar sinais inflamatórios locais e não determinam rigidez articular ou dores intensas, edema ou perda de força muscular (alínea AA) da matéria assente), não podendo assim estabelecer-se o necessário nexo causal entre a situação de incapacidade e algias do Autor e a realização da cirurgia da qual resultou que ficassem 58 limalhas metálicas no interior do joelho. Acresce que o relatório da cintigrafia óssea da alínea W) refere uma assimetria com maior captação em todo o joelho esquerdo e discreto foco mais captante no planalto tibial, compatível com processo inflamatório de intensidade ligeira a moderada, provavelmente com alterações degenerativas subjacentes, sendo que já eram observáveis alterações degenerativas nos exames realizados antes da realização da 1ª cirurgia (cfr. alínea A)). Na verdade, inexiste controvérsia quanto ao quadro clínico de incapacidade que tem caracterizado a vida do Autor não obstante, os autos não permitem concluir que esse quadro tenha como causa as limalhas metálicas no interior do joelho, antes apontando para alterações degenerativas anteriores e lesões (tendinite) no tendão rotuliano, sem nexo causal com as limalhas detectadas. Assim, não pode concluir-se que a realização da cirurgia e as limalhas que dela decorreram tenham causado ao Autor os danos patrimoniais decorrentes da incapacidade de que passou a sofrer, designadamente os ganhos que deixou de perceber. O mesmo vale para concluir pela inexistência de nexo de causalidade entre a cirurgia e as limalhas e a queda da alínea Q) que, aliás, não se provou que tenha tido como causa a falta de forças nos membros inferiores e superiores (cfr. factos não provados). Já quanto aos danos não patrimoniais e na certeza de que não pode estabelecer-se nexo causal entre a cirurgia (e as limalhas) e o quadro álgico em que o Autor tem vivido, não pode deixar de reconhecer-se que a existência das limalhas no interior do joelho do Autor lhe causou e tem causado angústias, traduzidas também na convicção de que esses corpos estranhos têm concorrido para a não recuperação da mobilidade. Acresce que as limalhas em causa têm impedido o Autor de realizar exames de imagiologia através de ressonância magnética, circunstância também justificativa de angústia e sofrimento, sobretudo para quem sofre de dores intensas no joelho e de incapacidade relacionada com a mobilidade daquele membro inferior (cfr. alíneas BB) e MM)). As angústias descritas, decorrentes da existência das 58 limalhas metálicas no interior do joelho do Autor revestem-se de de gravidade merecedora da tutela do direito nos termos exigidos pelo art. 496º/1 do CC, pois que ultrapassam os meros incómodos ou contrariedades. (…)». Do exposto resulta que, ao contrário do que alegam os Recorrentes Hospital e Seguradora, o nexo de causalidade foi estabelecido e, ao contrário do que alega A., não existe erro na não imputação de todos os danos. Aliás, é aqui que reside o engano de todos os Recorrentes, pois que a sentença recorrida diz duas coisas que se apresentam acertadas e coerentes entre si: Que existe nexo de causalidade, pois que, não fora a cirurgia e o A. não teria ficado com limalhas no joelho intervencionado, e que, não obstante tais limalhas serem causa necessária de alguns danos, não são a causa de todos os danos sofridos pelo A. Ora, no que respeita ao nexo de causalidade, enquanto interação causa/efeito, de ligação positiva, entre a lesão e o dano, através da previsibilidade deste em face daquele, a ponto de poder afirmar-se que o lesado não teria sofrido tal dano se não fosse a lesão - cfr. art. 563.º do Código Civil – não se mostra desrazoável concluir como concluiu o tribunal a quo. Não obstante, e como vimos, falecendo nos autos, por não provado, o requisito da ilicitude, imperioso se torna decidir pela procedência dos recursos interpostos pelos Recorrentes Hospital e Interveniente Seguradora e julgar a ação totalmente improcedente.
III. Decisão Pelo exposto, acordam os juízes da secção do contencioso administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em: a) Negar provimento ao recurso do A.; b) conceder provimento aos recursos do R. Hospital e interveniente Seguradora e, em consequência, c) julgar a ação totalmente improcedente.
Custas pelo Recorrente A.
Lisboa, 12.01.2023 Dora Lucas Neto Pedro Nuno Figueiredo Ana Cristina Lameira
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