Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:
I – RELATÓRIO
A S... - FUTEBOL, SAD, em 15 de setembro 2023, apresentou junto do Tribunal Arbitral do Desporto, pedido de arbitragem necessária, pugnando, a final, pela revogação do Acórdão proferido pela Demandada na parte em que a condena pela prática de uma infração disciplinar pp pelo artigo 183°, n.° 2, do RD LPDP, em sanção de multa do montante de 12.240.
Por Acórdão Arbitral de 2 de abril de 2024 foi decidido, por maioria, Julgar o recurso procedente, e, consequentemente, revogar a decisão disciplinar condenatória recorrida, proferida pelo CDFPFP, que havia condenado a Demandante na referida pena.
Correspondentemente, veio a Federação Portuguesa de Futebol Recorrer para esta Instância, em cujo Recurso, concluiu:
“1. O presente recurso tem por objeto o Acórdão Arbitral proferido pelo Colégio Arbitral constituído junto do Tribunal Arbitral do Desporto, notificado em 2 de abril de 2024, que julgou procedente o recurso apresentado pela ora Recorrida, que correu termos sob o n.ºs........, e revogou o Acórdão do Conselho de Disciplina que a havia sancionado.
2. Em concreto, a Recorrida foi sancionada, pelo Conselho da Disciplina da FPF, porquanto por ocasião do jogo oficialmente identificado sob o n.º ... (...................), entre a B... - Futebol SAD e a S... - Futebol, SAD, a contar para a l3ª jornada da Liga Portugal .BB.................. houve comportamentos incorretos por parte dos adeptos da Recorrida, por incumprimento dos seus deveres de vigilância e formação, em concreto, arremesso de tochas e cadeiras para o terreno de jogo.
3. Andou mal o Tribunal a quo ao não dar como provado que o arremesso das tochas e cadeira para o retângulo e para o terreno de jogo foram protagonizados por adeptos do S..., porquanto e desde logo, tal resulta da prova produzida nos autos.
4. O relatório do árbitro é claríssimo ao afirmar que quem procedeu ao arremesso dos engenhos pirotécnicos e da cadeira: foram os adeptos afetos à equipa visitante.
5. Também no relatório do delegado a indicação de que foram adeptos da equipa visitante a perpetrar os comportamentos descritos, é evidente.
6. De acordo com o artigo 13.º, al. f) do RD da LPFP, um dos princípios fundamentais do procedimento disciplinar é o da "f) presunção de veracidade dos factos constantes das declarações e relatórios da equipa de arbitragem e do delegado da Liga, e por eles percecionados no exercício das suas funções, enquanto a veracidade do seu conteúdo não for fundadamente posta em causa" (destaques nossos), sendo que, o valor probatório qualificado a que o RD da LPFP alude constitui um mecanismo regulamentar compreendido e justificado pelo cometimento de funções particularmente importantes aos árbitros e delegados da LPFP, a quem compete representar a instituição no âmbito dos jogos oficiais, cumprindo e zelando pelo cumprimento dos regulamentos, nomeadamente em matéria disciplinar (ainda que isso possa não corresponder aos interesses egoísticos dos clubes).
7. Ademais, de acordo com o artigo 10.º, n.º 1, al. f) do Regulamento de Arbitragem das competições organizadas pela LPFP compete à equipa de arbitragem "Elaborar o boletim de jogo, mencionando todos os incidentes ocorridos, antes, durante ou após o jogo, bem como os comportamentos imputados aos jogadores, treinadores, médicos, massagistas, dirigentes e demais agentes desportivos que constituam fundamento de sanções disciplinares, bem como eventuais alterações ao plano de viagem e sua justificação". Por sua vez, de acordo com o artigo 65.º do Regulamento de Competições da LPFP, concretamente o seu n.º 2, al. i) compete aos Delegados indicados pela LPFP para cada jogo “elaborar e remeter à Liga um relatório circunstanciado de todas as ocorrências relativas ao normal decurso do jogo, incluindo quaisquer comportamentos dos agentes desportivos findo o jogo, na flash interview".
8. Assim, quando a equipa de arbitragem ou os Delegados da LPFP colocam nos respetivos relatórios que os comportamentos perpetrados por adeptos de determinada equipa levaram ao retardamento do reinicio do jogo, tal afirmação é necessariamente feita com base em factos reais, diretamente visionados pelos mesmos no local.
9. Tudo o acima exposto, não significa que os Relatórios do Árbitro e dos Delegados da LPFP contenham uma verdade completamente incontestável: o que significa é que o conteúdo do Relatório, conjuntamente com a apreciação do julgador por via das regras da experiência comum, são prova suficiente para que o Conselho de Disciplina forme uma convicção acima de qualquer dúvida de que a Recorrente incumpriu os seus deveres.
10. Quer isto dizer que, não se está perante uma verdade incontestável dos factos descritos nos relatórios da equipa de arbitragem e dos delegados da LPFP, podendo aquela veracidade ser colocada em causa sendo, para tal, necessário carrear meios de prova que fundadamente, é dizer, fundamentadamente, com motivo sério, com razão, coloquem em crise aquela factualidade.
11. Ora, salvo o devido respeito pela posição adotada pela maioria do Colégio de Árbitros, a mesma revela-se incorreta.
12. Os Relatórios de Jogo e demais elementos juntos aos autos são perfeitamente (e mais do que) suficientes e adequados para sustentar a punição da Recorrida no caso concreto, como aliás bem entendeu já o TAD em (variada) jurisprudência anterior.
13. Não esqueçamos que existe uma presunção de veracidade do conteúdo do relatório do jogo e do Relatório de arbitragem, constante do artigo 13.e, al. f) do RD da LPFP, que significa que o conteúdo dos mesmos, conjuntamente com a apreciação do julgador por via das regras da experiência comum e demais prova coligida, são (ou podem ser) prova suficiente para que o Conselho de Disciplina forme uma convicção acima de qualquer dúvida de que a Recorrida incumpriu os seus deveres.
14. Para abalar essa convicção, cabia à Recorrida apresentar contraprova, essa é uma regra absolutamente clara no nosso ordenamento jurídico, prevista desde logo no artigo 346.º do Código Civil e que em nada briga com os princípios de que o ónus da prova recai sobre quem acusa nem com o princípio da presunção da inocência, conforme jurisprudência já assente do STA.
15. Refira-se ainda que do conteúdo dos Relatórios de Jogo elaborado pelos Delegados da Liga e pelo Árbitro, juntos aos autos, é possível extrair diretamente duas conclusões: (i) que o .F.................. incumpriu com os seus deveres, senão não tinham os seus adeptos perpetrado condutas ilícitas (violação do dever de formação); (ii) que os adeptos que levaram a cabo tais comportamentos eram apoiantes do .F.................., o que se depreendeu por manifestações externas dos mesmos (única forma dos árbitros, delegados identificarem os espectadores).
16. Isto significa que para concluir que quem teve um comportamento incorreto foram adeptos da Recorrida e não adeptos dos clubes adversários em cada jogo (e muito menos de um clube alheio a estes dois, o que seria altamente inverosímil), o Conselho de Disciplina tem de fazer fé no relatório da equipa de arbitragem e dos delegados, o qual tem presunção de veracidade, como vimos, que são absolutamente claros ao atribuir o comportamento incorreto a adeptos do S....
17. Por tudo o acima exposto, no que diz respeito ao recurso às regras da experiência comum e máximas da lógica e razão, não vislumbramos como pôde o TAD decidir como decidiu no presente caso. Em especial, cabe sublinhar, que como é expressamente afirmado na decisão do CD, o recurso a tais regras foi acompanhado de meios de prova (bastante) consistente.
18. Em suma, atento a todo o supra exposto, deve ser alterado os pontos 4) e 5) (e consequentemente, o ponto 6), que é uma conclusão de direito) da matéria de facto dada como não provada do Acórdão recorrido e ser dado como provado o seguinte: "Os engenhos pirotécnicos e a cadeira indicados, foram despoletados e arremessados por adeptos da equipa s..., assim identificados pelo facto de se situarem no sector da bancada ser exclusivamente destinado e ocupado por estes (Bancada Topo Norte)" e "A Recorrente não cuidou para que os seus referidos adeptos e simpatizantes não entrassem e permanecessem no referido recinto desportivo com objetos não autorizados, designadamente os referidos materiais pirotécnicos (tochas e potes de fumo), que acabaram por arremessar e fazer rebentar, bem como evitar o arremesso da cadeira, tudo nas circunstâncias de tempo, modo e lugar indicadas em 2), 3) e 4, supra."
19. As medidas in formando e in vigilando dos adeptos aptas para prevenir o mau comportamento dos mesmos são aquela que, in casu, são aptas a produzir o resultado, sendo que a Recorrida não junta qualquer prova concreta do muito que alega, pelo que, ao contrário do que refere, não resulta da prova carreada para os autos que a Recorrida cumpriu com todos os deveres que sobre si impendem, quedando por demonstrar, por exemplo, a punição pela Recorrida dos seus associados infratores, ou o incentivo do espírito ético e desportivo junto dos seus adeptos, especialmente junto dos grupos organizados - como afirma a Recorrida - grupos que a Recorrida nem sequer pugna pela respetiva legalização.
20. Tendo em consideração a jurisprudência citada, bem como o facto de que os Relatórios de jogo e demais elementos de prova juntos aos autos serem perentórios a referir que os comportamentos descritos foram perpetrados por adeptos da equipa visitante (aqui Recorrida), e que aqueles relatórios têm uma força probatória fortíssima em sede de procedimento disciplinar, cabia à Recorrida fazer prova que contrariasse aquela que consta dos autos e que leva à conclusão de que as condutas ilícitas foram feitas por espetadores seus adeptos ou simpatizantes e que foram violados os deveres que sobre si impendiam.
21. É ainda importante frisar que a tese sufragada pela Recorrida e pelo TAD, a vingar, é um passo largo para fomentar situações de violência e insegurança no futebol e em concreto durante os espetáculos desportivos, porquanto diminuir-se-á acentuadamente o número de casos em que serão efetivamente aplicadas sanções, criando-se uma sensação de impunidade em que pretende praticar factos semelhantes aos casos em apreço e ao invés, mais preocupante, afastando dos eventos desportivos, quem não o pretende fazer, em virtude do receio da ocorrência de episódios de violência.
22. O Acórdão recorrido merece a maior censura e deve ser revogado, sendo substituído por outro que reconheça a legalidade e acerto da decisão proferida à Recorrida mantendo, assim, a sanção aplicada.
Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis,
Deverá o Tribunal Central Administrativo Sul alterar a factualidade dada como provada no Acórdão recorrido e, em sequência, dar provimento ao recurso e revogar o Acórdão Arbitral proferido, com as devidas consequências legais, assim se fazendo o que é de lei e de justiça.”
O S... - Futebol SAD veio apresentar as suas Contra-alegações de Recurso, nas quais concluiu:
“A. O recurso interposto pela Demandada, ora Recorrente, Federação Portuguesa de Futebol, tem por objeto o Acórdão proferido pelo Colégio Arbitral constituído junto do Tribunal Arbitral do Desporto que julgou procedente o recurso apresentado pela Recorrida S... - Futebol, SAD, que correu termos no TAD sob o número de Processo.........
B. Por força dessa Decisão arbitral foi revogada a deliberação do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol que condenara a Recorrida pela prática de uma infração disciplinar "Arremesso de objetos com reflexo no jogo" p. e p. pelo artigo 183º, n.º 1 e 2, do RD LPFP com consequente aplicação de sanção de multa de € 12.240,00, por violação dos deveres ínsitos no artigo 35º, n.º 1, alíneas b), c) e o) RC LPFP.
C. Inconformada com a decisão do Colégio Arbitral, aduz a Recorrente que o Acórdão recorrido deve ser revogado por alegado erro na apreciação dos factos, bem como por erro na interpretação e aplicação do direito, defendendo, em suma, por um lado, que resulta inequivocamente demonstrado nos autos que foram adeptos da Recorrida os autores dos factos e, por outro, que a ora Recorrida não cumpriu seus deveres in formando e in vigilando.
D. Os relatórios dos árbitros e delegados não fazem prova da autoria dos arremessos, nem tão-pouco permitem concluir com um grau de certeza razoável que os autores dos arremessos são adeptos da S... SAD.
E. A equipa de arbitragem e os delegados da Liga, posicionados no relvado, não identificaram, nem estavam em condições de identificar, atento o local e a distância a que se encontravam da bancada, os concretos autores dos arremessos descritos, pelo que, nessa parte, os relatórios não contêm factos diretamente percecionados pela equipa de arbitragem ou pelos delegados da Liga, mas, sim, tão-somente, conclusões que aqueles tiraram com base em raciocínio probabilístico.
F. Os árbitros e delegados limitaram-se a concluir que pelo simples facto de os arremessos terem tido origem numa bancada previamente destinada a adeptos da Recorrida, tais arremessos teriam sido feitos por adeptos da S... SAD.
G. É ao julgador que compete apreciar os factos e deles retiraras devidas conclusões e não à equipa de arbitragem ou aos delegados presumirem factos (que não percecionaram) e que são essenciais para o apuramento da eventual responsabilidade dos clubes/sociedades desportivas.
H. Não tendo sido possível identificar os concretos autores dos arremessos através da sua identificação civil; nem sendo possível, por via de qualquer presunção legal, presumir a qualidade de adepto da Recorrida pelo simples facto de estar em determinada bancada, por não existir qualquer presunção legal nesse sentido; nem, em concreto, ser possível operar qualquer presunção judicial que permita inferir que a autoria dos arremessos proveio de adeptos da Recorrida, mas apenas de determinada bancada, estamos perante uma situação de dúvida para lá do razoável que não permite concluir pela condenação da Recorrida, dando-se, assim, cumprimento ao princípio do in dubio pro reo. Sem prescindir:
I. A Recorrente insiste na tese de que a Recorrida violou os seus deveres in formando e in vigilando, porquanto não cuidou para que os referidos adeptos não entrassem e permanecessem no recinto desportivo com os referidos materiais pirotécnicos, nem evitou o seu arremesso.
J. A S... SAD provou que desenvolve várias ações para incentivar o espírito ético e de fair play, cumprindo os seus deveres in formando, e mesmo quando é equipa visitante, a S... SAD faz-se acompanhar pelo Diretor de Segurança ou pelo Diretor de Segurança Adjunto e pelo OLA, e desenvolve outras ações, em cooperação com o organizado da competição e com o promotor do espetáculo desportivo, cumprindo assim, também, os seus deveres in vigilando nos jogos disputados fora de casa.
K. Não dispunha, contudo, a S... SAD de poder para, de facto, prever e evitar tais comportamentos, por não lhe ser humana e praticamente possível garantir, apesar de todos os esforços e medidas tomados, a não verificação do arremesso das tochas por parte de determinado ou determinados adeptos.
L. A Recorrente ignora as regras de prova em matéria sancionatória e inverte o ónus da prova a seu favor, afirmando que é à Recorrida que compete provar quais as medidas concretas que realizou no referido jogo para evitar os comportamentos dos adeptos sub judicio. É, porém, à Recorrente que compete a identificação e a prova de que existiam medidas concretas que a Recorrida poderia e deveria ter realizado, e não o fez, e que tais medidas tendo sido executadas seriam adequadas a evitar o comportamento dos adeptos, o que não logrou fazer.
M. Não tendo sido produzida a mencionada prova, a conclusão de que a Recorrida violou tais deveres de zelo, de informação, de formação só seria possível se aceitássemos a tese da responsabilidade objetiva dos clubes/sociedades desportivas por condutas dos seus sócios/simpatizantes.
N. Tese que não é defensável e que o Tribunal Arbitral cuidou (e bem) de afastar veemente, ao considerar a culpa dos clubes e sociedades desportivas é essencial e imprescindível à sua eventual responsabilização por comportamentos dos seus adeptos.
O. Por todo o exposto, o Tribunal Arbitral a quo apreciou corretamente dos factos e interpretou e aplicou bem o Direito ao decidir revogar a deliberação disciplinar recorrida por considerar não estarem preenchidos os pressupostos de que depende a prática da infração disciplinar p. e p. pelo citado artigo 183.º, n.º 1 e 2, do RD LPFP, concluindo assim pela absolvição.
Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá o recurso interposto pela Recorrente ser julgado inteiramente improcedente e, em consequência, mantida a Decisão arbitral bem como a absolvição da Recorrida, com todas as devidas consequências legais, assim se fazendo inteira JUSTIÇA”
O Ministério Público, já neste Tribunal, notificado em 27 de maio de 2024, veio a emitir Parece no mesmo dia, no qual, a final, se pronuncia no sentido da “improcedência do presente recurso”.
II – Objeto do recurso:
Em face das conclusões formuladas, cumpre decidir se o Tribunal Arbitral do Deporto incorreu em erro ao julgar procedente o pedido de revogação do Acórdão recorrido, impondo-se verificar as questões atinentes à fundamentação jurídica da decisão ora sob recurso, proferida em sede do TAD, mormente no que respeita aos vícios que lhe são imputados pela Recorrente/FPF.
III - Fundamentação De Facto:
No acórdão recorrido foi julgada provada e não provada a seguinte factualidade:
“1) No dia 14 de agosto de 2023, realizou-se, no Estádio B……, no Porto, o jogo oficialmente identificado sob o n.° ... (...................), entre a B... - Futebol SAD e a S... - Futebol, SAD, a contar para a Ia jornada da Liga Portugal .BB..................;
2) No capítulo das ocorrências, do Relatório do Arbitro consta o seguinte (fis. 68): “Comportamento do público Aos 22 minutos da primeira parte, foi retardado o recomeço de jogo por 30 segundos para retirar uma tocha atirada para o terreno de jogo por parte dos adeptos afetos à equipa visitante. (...)
Aos 30 minutos da segunda parte, foi retardado o recomeço de jogo por um minuto, para retirar uma tocha atirada para o terreno de jogo por parte dos adeptos afetos à equipa visitante.
(...)
Aos 45+13 minutos da segunda parte, foi retardado o recomeço de jogo por um minuto para retirar uma cadeira atirada para o terreno de jogo por parte dos adeptos afetos à equipa visitante.
(...)’’
3) E do Relatório do Delegado o seguinte (fls. 65):
“Ocorrências:
Uma das quatro Tochas arremessadas às 21h08, da bancada Topo Norte, exclusivamente destinada a adeptos da equipa visitante, S..., caiu dentro do retângulo de jogo, numa altura em que o mesmo se encontrava interrompido, retardando o reinicio do mesmo em 30 segundos. Não causou qualquer dano.
(...)
Um dos dois Potes de Fumo arremessados às 21h08, da bancada Topo Norte, exclusivamente destinada a adeptos da equipa visitante, S..., caiu dentro do retângulo de jogo, numa altura em que o mesmo se encontrava interrompido, retardando o reinicio do mesmo em um minuto. Não causou qualquer dano.
(...)
Às 22h50, após a obtenção do terceiro golo da equipa visitada, B... FC, foi arremessada da bancada Topo Norte, exclusivamente destinada a adeptos da equipa visitante, S..., o tampo de uma cadeira que caiu dentro do retângulo de jogo, numa altura em que o mesmo se encontrava interrompido, retardando o reinicio do mesmo em um minuto. Não causou qualquer dano.”
(Não há no original os Pontos 4, 5 e 6).
7) Tendo presente a factualidade descrita na documentação oficial de jogo, maxime nos Relatórios de Árbitro e de Delegado, e após a concessão de prazo para o exercício do direito de audição prévia, a SAD Recorrente foi sancionada, por decisão sumária proferida no dia 18 de agosto 2023, em formação restrita, publicitada no Comunicado Oficial n.° .... da LPFP, com multa no valor de €12.240 nos termos do artigo 183.°, n°s 1 e 2 (Arremesso de objetos com reflexo no jogo), do RDLPFP, com menção à violação dos deveres inscritos no artigo 35.°, n° 1, al. b), c) e o) do RCLPFP.;
8) Para além desta sanção e na sequência do mesmo desafio, a Recorrente foi ainda punida com a multa no valor de 7.650€ por violação do disposto na alínea b) do n° 1 do artigo 187° (Comportamento incorreto do público), do RDLPFD;
9) À data dos factos, a Recorrente tinha averbado no seu registo disciplinar, várias condenações transitadas em julgado pela prática de infrações disciplinares, sendo certo que a última condenação pelo ilícito disciplinar p. e p. no artigo 183.°, n.° 1 do RDLPFP ocorreu em 30.04.2023.
10) A Recorrente promoveu, entre 2014 e 2018, junto de alguns jovens e adeptos, ações de sensibilização, quer de comunicados, quer de cartazes, alguns colados em entradas de estádios não identificados e, em 20.04.2023 foi noticiado no jornal desportivo R... que "S... anuncia pedido de desculpas ao I... por arremesso de tochas pelos adeptos".
Factos não provados:
(Numeração de acordo com o original)
4) Os engenhos pirotécnicos e a cadeira indicados, foram despoletados e arremessados por adeptos da equipa S..., assim identificados pelo facto de se situarem no sector da bancada ser exclusivamente destinado e ocupado por estes (Bancada Topo Norte). (Facto Suprimido, ao abrigo do artigo 662.º, n.º 1 do CPC)
5) A Recorrente não cuidou para que os seus referidos adeptos e simpatizantes não entrassem e permanecessem no referido recinto desportivo com objetos não autorizados, designadamente os referidos materiais pirotécnicos (tochas e potes de fumo), que acabaram por arremessar e fazer rebentar, bem como evitar o arremesso da cadeira, tudo nas circunstâncias de tempo, modo e lugar indicadas em 2), 3) e 4, supra.
6) A Recorrente agiu de forma livre, consciente e voluntária, bem sabendo que ao não evitar a ocorrência dos referidos factos perpetrados pelos seus adeptos e simpatizantes e ao não adotar as medidas preventivas adequadas e necessárias a impedir os comportamentos referidos em 2), 3) e 4), incumpriu deveres legais e regulamentares, nomeadamente de segurança e de prevenção da violência que sobre si impendiam, enquanto clube participante no dito jogo de futebol.
IV – Fundamentação De Direito:
No que aqui releva, sumariou-se no Acórdão Arbitral Recorrido:
“(…) • O dever jurídico de garante que onera a esfera jurídica do clube desportivo configura um dos pressupostos jurídicos do juízo subjetivo de imputação jurídica e punição do clube a título de autoria pelo cometimento dos ilícitos praticados peio terceiro (o sócio ou simpatizante), nos termos do artigo 183° do RDLPFP, com fundamento na violação pelo clube do dever jurídico de garante da observância dos deveres elencados no artigo 35° do Regulamento das Competições da LPFP;
• É o sócio ou simpatizante do clube quem materializa o ilícito disciplinar imputado ao clube desportivo a título de autoria, ao realizar uma das diversas descrições materiais de ação dolosa constantes do artigo 183° do RDLPFP associadas à violação do dever jurídico de garante do clube desportivo no âmbito do elenco de deveres especificados no citado artigo 35° do Regulamento das Competições da LPFP;
• A aferição da qualidade de sócio ou simpatizante poderia, resultar de uma de três hipóteses:
a) Em primeiro lugar, que o sócio ou simpatizante executor do ilícito disciplinar fosse uma pessoa singular devidamente identificada no processo disciplinar através da sua identidade civil para, por seu intermédio, se fazer a imputação funcional do comportamento ilícito desse sócio ou simpatizante, devidamente identificado, ao clube desportivo (pessoa coletiva) - o que não sucedeu in casu:
b) Poderíamos igualmente chegar a tal conclusão por via de uma presunção legal, que consabidamente não se encontra acolhida na norma legal: c) Na ausência de presunção de legal suscetível de ser mobilizada para o caso sub judice, restar-nos-ia o recurso à presunção judicial, que é admissível em processo penal, e, por maioria de razão, no âmbito do processo sancionatório;
• O que resulta objetivamente do Relatório do Árbitro (fls. 68) e do Relatório do Delegado (fls. 65) é que as tochas, os potes de fumo e o tampo duma cadeira que foram arremessados para o recinto de jogo provieram da bancada do topo norte, destinada a adeptos da equipa visitante. Tendo por base os Relatórios do Árbitro e do Delegado ao Jogo, e respeitando a presunção de veracidade que decorre da alínea f) do artigo 13.° do RDLPFP, o que poderá ser dado como assente é que os engenhos pirotécnicos e a cadeira foram arremessados da Bancada Topo Norte e não que tais engenhos e a cadeira tenham sido efetivamente arremessados por sócios ou simpatizantes/adeptos do clube visitante;
• Na ausência de qualquer menção concreta constante de tais Relatórios no tocante aos presumíveis responsáveis pelos arremessos dos objetos que permita inferir, com razoável base de segurança, que tais adeptos eram simpatizantes do clube visitante, não poderemos chegar a tal conclusão apenas e tão só pelo facto de tais objetos terem sido arremessados de uma bancada reservada a adeptos do clube visitante, sendo que tal ónus da prova caberia à Demandada, e não à Demandante, sob pena de inversão das regras do ónus da prova, razão pela qual não se verifica um dos elementos típicos do artigo 183° do RDLPFP;;
• Nenhuma prova se produziu que permitisse concluir que a Demandante não fez tudo o que estava ao seu alcance para evitar o arremesso das referidas tochas e cadeira, existindo até uma contradição entre o facto de se dar como provado que a Demandante realiza ações de sensibilização e repudia esse tipo de comportamentos e a conclusão que depois daí se retira, qual seja a de que a Demandante não fez tudo que estava ao seu alcance para evitar esses comportamentos;
• O entendimento contrário - no sentido de que a Demandante violou tais deveres de zelo, de informação, de formação -, só seria alcançável no caso concreto se postulássemos a tese de uma putativa responsabilidade objetiva dos clubes/sociedades desportivas por condutas dos seus sócios/simpatizantes, assente numa obrigação de resultado, traduzida na imposição dirigidas a tais pessoas coletivas de evitar a todo o custo a prática de tais comportamentos, tese que se nos afigura insustentável, uma vez que o princípio da culpa prefigura-se como pedra basilar do edifício jurídico- penal e do direito disciplinar, com expressa consagração no artigo 13° do Código Penal (CP) e inequívoco reconhecimento no artigo 17o, 1, do RD LPFP;
• Para que haja responsabilização dos clubes/sociedades desportivas à luz do artigo 183.°, n.ºs 1 e 2 do RDLPFP, por violação dos deveres previstos no artigo 35.°, n.° 1, do RCLPFP, é fundamental que se prove a culpa de tais pessoas coletivas na violação dos deveres aí consignados, sendo que essa prova impende sobre a Demandada - todavia, in casu, a matéria de facto dada como provada não permite concluir pela violação, por parte da Demandante, dos deveres previstos no artigo 35.°, n.° 1, do RCLPFP, pelo que, também por esta via, sempre teria que se revogar a decisão a quo.”
Correspondentemente, decidiu-se no Acórdão Recorrido:
“Pelo exposto decide-se:
- Julgar o presente recurso totalmente procedente, e, consequentemente, revogar a decisão disciplinar condenatória recorrida, proferida pelo CDFPFP, que havia condenado a Demandante pela prática de uma infração disciplinar pp pelo artigo 183°, n.° 2, do RD LPDP, em sanção de multa do montante de €12.240.”
Vejamos:
O recurso em análise interposto pela Recorrente Federação Portuguesa de Futebol, tem por objeto o Acórdão proferido pelo Colégio Arbitral constituído junto do Tribunal Arbitral do Desporto - TAD, que julgou procedente o recurso apresentado pela Recorrida S... - Futebol, SAD naquele Tribunal Arbitral e que nele correu termos sob o número.........
Refira-se desde já que, ao contrário do constante, nomeadamente, do sumário do Acórdão do Tribunal arbitral onde se pode ler que “resulta objetivamente do Relatório do Árbitro (…) que as tochas, os potes de fumo e o tampo duma cadeira que foram arremessados para o recinto de jogo provieram da bancada do topo norte, destinada a adeptos da equipa visitante”, o relatório do arbitro é mais objetivo, ao afirmar incontornavelmente que o “Comportamento do público Aos 22 minutos da primeira parte, foi retardado o recomeço de jogo por 30 segundos para retirar uma tocha atirada para o terreno de jogo por parte dos adeptos afetos à equipa visitante. (...)
Aos 30 minutos da segunda parte, foi retardado o recomeço de jogo por um minuto, para retirar uma tocha atirada para o terreno de jogo por parte dos adeptos afetos à equipa visitante.
(...)
Aos 45+13 minutos da segunda parte, foi retardado o recomeço de jogo por um minuto para retirar uma cadeira atirada para o terreno de jogo por parte dos adeptos afetos à equipa visitante.
Analisando a matéria de facto fixada, como transcrito já supra, não foi considerada provada a seguinte factualidade:
"4) Os engenhos pirotécnicos e a cadeira indicados, foram despoletados e arremessados por adeptos da equipa S..., assim identificados pelo facto de se situarem no sector da bancada ser exclusivamente destinado e ocupado por estes (Bancada Topo Norte).
5) A Recorrente não cuidou para que os seus referidos adeptos e simpatizantes não entrassem e permanecessem no referido recinto desportivo com objetos não autorizados, designadamente os referidos materiais pirotécnicos (tochas e potes de fumo), que acabaram por arremessar e fazer rebentar, bem como evitar o arremesso da cadeira, tudo nas circunstâncias de tempo, modo e lugar indicadas em 2), 3) e 4, supra.".
Como se afirmou preliminarmente, os referidos factos não provados assentam num equivoco, pois que, pelo menos a equipa de arbitragem deu nota no seu relatório, da circunstância dos controvertidos objetos arremessados para o campo, terem sido provenientes “dos adeptos afetos à equipa visitante”, no caso, adeptos da S... SAD.
Se no relatório da equipa de arbitragem se afirma inequívoca e expressamente que os objetos foram arremessados “por parte dos adeptos afetos à equipa visitante”, tal, no mínimo, determinará que seja suprimido o facto não provado 4, o que aqui se fará, ao abrigo do artigo 662.º, n.º 1 do CPC, irrelevando e dando-se por não escrito os demais factos não provados, por conterem matéria conclusiva.
Efetivamente, nos termos do artigo 13.º, al. f) do RD da LPFP, um dos princípios fundamentais do procedimento disciplinar é o da "f) presunção de veracidade dos factos constantes das declarações e relatórios da equipa de arbitragem e do delegado da Liga, e por eles percecionados no exercício das suas funções, enquanto a veracidade do seu conteúdo não for fundadamente posta em causa".
Aqui chegados, entende-se que os Relatórios de Jogo e demais elementos juntos aos autos são suficientes e adequados para sustentar a punição da Recorrida no caso concreto, como entendido pela FPF.
Assim, reitera-se, existe e prevalece uma presunção de veracidade do conteúdo do relatório do jogo e do Relatório de arbitragem, constante do artigo 13.º al. f) do RD da LPFP, o que significa que o conteúdo dos mesmos, conjuntamente com a apreciação do julgador por via das regras da experiência comum e demais prova coligida, são prova suficiente para que possa ser adotada uma posição inequívoca e transparente.
Aliás o STA já afirmou a este respeito, no Acórdão de 4 de abril de 2019, proferido no Proc. 040/18.3BCLSB que:
"(…) é indubitável que, no domínio do direito disciplinar desportivo, vigora o princípio geral da "presunção de veracidade dos factos constantes das declarações e relatórios da equipa de arbitragem e dos delegados da Liga, e por eles percecionado no exercício das suas funções, enquanto a veracidade do seu conteúdo não for fundadamente posto em causa" [art.º 13.º, al. f), do RD].
Esta presunção de veracidade, que se inscreve nos princípios fundamentais do procedimento disciplinar, confere, assim, um valor probatório reforçado aos relatórios dos jogos elaborados pelos delegados da LPFP relativamente aos factos deles constantes que estes tenham percecionado.
E não se vê que o estabelecimento desta presunção seja inconstitucional, quando o Tribunal Constitucional, no Ac. n° 391/2015, de 12/8 (publicado no DR, II Série, de 16/11/2015), considerou que, mesmo em matéria penal, são admissíveis presunções legais, desde que seja conferida ao arguido a possibilidade de abalar os fundamentos em que a presunção se sustente e desde que para tal baste a contraprova dos factos presumidos, não se exigindo a prova do contrário.
Aliás, tal como o Tribunal Constitucional entendeu para a situação idêntica da do juízo dos autos de notícia (cf, entre muitos, o Ac. de 6/5/87 in BMJ 367.2-224; o Ac. de 9/3/88 in DR, II Série, de 16/8/88; o Ac. de 30/11/88 in DR, II Série, de 23/2/89; o Ac. de 25/1/89 in DR, II Série, de 6/5/89; o ,Ac. de 9/2/89 in DR, II Série, de 16/5/89; e o Ac. de 23/2/89 in DR, II Série, de 8/6/89), cremos que a presunção de veracidade em causa - que incide sobre um puro facto e que pode ser ilidida mediante a criação, pelo arguido, de uma mera situação de incerteza - não acarreta qualquer presunção de culpabilidade suscetível de violar o principio da presunção de inocência ou de colidir com as garantias de defesa do arguido constitucionalmente protegidas (art.º 32.º, nºs. 2 e 10, da CRP).
Com efeito, o valor probatório dos relatórios dos jogos, além de só respeitarem, como vimos, aos factos que nele são descritos como percecionados pelos delegados e não aos demais elementos da infração, não prejudicando a valoração jurídico-disciplinar desses factos, não é definitiva mas só "prima facie" ou de "ínterim", podendo ser questionado pelo arguido e se, em face dessa contestação, houver uma "incerteza razoável" quanto à verdade dos factos deles constantes, impõe-se, para salvaguarda do princípio "in dubio pro reo", a sua absolvição.
Assim, o acórdão recorrido, ao considerar que não se poderia atender à presunção que resultava do citado art. 213.º, al. f), para os relatórios dos jogos elaborados pelos delegados da LPFP, incorreu no erro de direito que lhe é imputado (cf, neste sentido, os Acs. deste STA de 18/10/2018 - Proc. n.º 0144/17.OBCLSB, de 20/12/2018 - Proc. n.2 08/18.0BCLSB, de 21/2/2019 - Proc. n.º 033/18.0BCLSB e de 21/3/2019 - Proc. n.º 75/18.6BCLSB).(…)”.
Incontornavelmente, e tal como consta do relatório elaborado pela equipa de arbitragem e do relatório de ocorrências dos delegados da LPFP, os árbitros e os delegados da Liga afirmam inequivocamente que as controvertidas condutas foram perpetradas por adeptos afetos à S..., SAD, o que determinou a abertura do correspondente procedimento sumário.
Incompreensivelmente, o TAD afirma que os factos em que se baseou o Conselho de Disciplina para punição por aplicação do artigo 183º do RD da FPF não são suficientes para sustentar a verificação da prática da infração, em face do que mal teria andado o Conselho de Disciplina ao dar como provado que o arremesso das tochas para o terreno de jogo foram protagonizados por adeptos do S....
Com base na factualidade já abundantemente descrita e transcrita o Conselho de Disciplina instaurou o competente processo sumário à Recorrida e sancionou-a com multa por os seus adeptos terem arremessado objetos, sendo que, nos termos do artigo 258.º, n.º 1 do RD da LPFP, o processo sumário é instaurado tendo por base o relatório da equipa de arbitragem, das forças policiais ou dos delegados da Liga, ou ainda com base em auto por infração verificada em flagrante delito.
De acordo com o artigo 13.º, al. f) do RD da LPFP, um dos princípios fundamentais do procedimento disciplinar é o da “f) presunção de veracidade dos factos constantes das declarações e relatórios da equipa de arbitragem e do delegado da Liga, e por eles percecionados no exercício das suas funções.”
De acordo com o artigo 10.º, n.º 1, al. f) do Regulamento de Arbitragem das competições organizadas pela LPFP compete à equipa de arbitragem "Elaborar o boletim de jogo, mencionando todos os incidentes ocorridos, antes, durante ou após o jogo, bem como os comportamentos imputados aos jogadores, treinadores, médicos, massagistas, dirigentes e demais agentes desportivos que constituam fundamento de sanções disciplinares, bem como eventuais alterações ao plano de viagem e sua justificação".
O referido não significa que os Relatórios do Árbitro e dos Delegados da LPFP constituam um dogma, insuscetível de ser contrariado, pois que pode ser apresentada prova consistente que permita ilidir a referida presunção, o que não foi feito, que não de modo meramente conclusivo.
Importa, efetivamente, responsabilizar os clubes pelos comportamentos ilícitos dos seus adeptos.
Incontornavelmente, e como resulta do Artº 172.º, n.º 1 do RD da LPFP:
"Os clubes são responsáveis pelas alterações da ordem e da disciplina provocadas pelos seus sócios ou simpatizantes nos complexos, recintos desportivos e áreas de competição, por ocasião de qualquer jogo oficial."
Relativamente à legislação conexa com a referida matéria, alude-se à Lei n.º 39/2009, de 30 de julho, com as ulteriores alterações, a qual estabelece o regime jurídico do combate à violência, ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espetáculos desportivos.
A responsabilidade dos clubes pelas ações dos seus adeptos ou simpatizantes está desde logo prevista no artigo 46.º do referido diploma.
Por outo lado, é o próprio Artº 79º nº 2 da CRP que refere que “Incumbe ao Estado, em colaboração com as escolas e as associações e coletividades desportivas, promover, estimular, orientar e apoiar a prática e a difusão da cultura física e do desporto, bem como prevenir a violência no desporto."
Correspondentemente e a um nível infraconstitucional e regulamentar, refere o artigo 10.º do Regulamento de Prevenção da Violência - Anexo VI do RCLPFP, que “1. São condições de permanência dos espetadores no recinto desportivo: a) cumprir o presente regulamento, o regulamento interno de segurança e de utilização dos espaços públicos do recinto desportivo; b) manter o cumprimento das condições de acesso e segurança, previstas no artigo anterior; (...) i) não arremessar quaisquer objetos ou líquidos para o interior do recinto desportivo. (...)".
Entendeu o Tribunal Arbitral que o Conselho de Disciplina da FPF não suportou a sua decisão punitiva em prova suficiente.
Em qualquer caso, resulta dos Relatórios elaborados pela equipa de arbitragem e pelos Delegados da LPFP, que as controvertidas condutas disciplinarmente puníveis foram praticadas por adeptos da S... – SAD.
Independentemente do juízo que se possa fazer do referido normativo, é incontornável que resulta do Artº 133º alínea f) do RD da LPFP que os relatórios elaborados pela equipa de arbitragem e pelos Delegados da FPF gozam da presunção de veracidade.
Correspondentemente, resulta do Artº 65º nº 9º alínea i) do Regulamento de Competições da LPFP que compete aos Delegados indicados pela LPFP para cada jogo "elaborar e remeter à Liga um relatório circunstanciado de todas as ocorrências relativas ao normal decurso do jogo, incluindo quaisquer comportamentos dos agentes desportivos findo o jogo, na flash interview".
Do mesmo modo, determina o artigo 10.º, n.º 1, al. f) do Regulamento de Arbitragem das competições organizadas pela LPFP que compete à equipa de arbitragem "Elaborar o boletim de jogo, mencionando todos os incidentes ocorridos, antes, durante ou após o jogo, bem como os comportamentos imputados aos jogadores, treinadores, médicos, massagistas, dirigentes e demais agentes desportivos que constituam fundamento de sanções disciplinares, bem como eventuais alterações ao plano de viagem e sua justificação”.
É manifesto que a recorrida decisão não atendeu à presunção de veracidade regulamentarmente estabelecida para os relatórios da equipa de arbitragem e dos delegados da LPFP, sem prejuízo, naturalmente, da referida presunção ser ilidível.
Assim, não poderia, quer o acórdão arbitral, quer a S... SAD refugiar-se em meras afirmações conclusivas, cabendo-lhe o ónus, sendo caso disso, de contrariar a presunção.
Aqui chegados, atento o direito invocado e a Jurisprudência dominante, entende-se que importa adotar uma postura que evite que se gere e consolide um ambiente no desporto, suscetível de consolidar alguma impunidade permissiva, impeditiva de que se gere uma franca e desejável ambiência de convivência entre todos os agentes desportivos, em face do que se considera que merece censura o entendimento adotado pelo Tribunal a quo.
Efetivamente e em concreto, entende-se que caberia à SAD fazer prova que contrariasse aquela que consta dos autos e que leva à conclusão de que as condutas ilícitas foram perpetradas por adeptos seus, e por quem, até prova em contrário, terá de responder.
Como se afirmou já reiteradamente, a presunção legal que permite responsabilizar a SAD é legalmente admissível em sede de direito sancionatório, sem prejuízo da eventual contraprova, o que desde logo permite afastar uma eventual colisão com os princípios da presunção de inocência e in dubio pro reo.
Isso mesmo decorre do Acórdão do STA n.º 297/18 e nº 08/18.0BCLSB, de 20.12.2018, no qual se sumariou que “A presunção de veracidade dos factos constantes dos relatórios dos jogos elaborados pelos delegados da LPFP que tenham sido por eles percecionados, estabelecida pelo art. 13º, alínea f) do Regulamento Disciplinar da LPFP, conferindo ao arguido a possibilidade de abalar os fundamentos em que ela se sustenta mediante a mera contraprova dos factos presumidos, não é inconstitucional.”
Mais se discorreu no discurso fundamentador deste último Acórdão do STA referenciado:
“Esta presunção de veracidade, que se inscreve nos princípios fundamentais do procedimento disciplinar, confere, assim, um valor probatório reforçado aos relatórios dos jogos elaborados pelos delegados da LPFP relativamente aos factos deles constantes que estes tenham percecionado.
E não se vê que o estabelecimento desta presunção seja inconstitucional, quando o Tribunal Constitucional, no Ac. n.º 391/2015, de 12/8 (publicado no DR, II Série, de 16/11/2015), considerou que, mesmo em matéria penal, são admissíveis presunções legais, desde que seja conferida ao arguido a possibilidade de abalar os fundamentos em que a presunção se sustente e desde que para tal baste a contraprova dos factos presumidos, não se exigindo a prova do contrário.
Aliás, tal como o Tribunal Constitucional entendeu para a situação idêntica da fé em juízo dos autos de notícia (cf., entre muitos, o Ac. de 6/5/87 in BMJ 367.º-224; o Ac. de 9/3/88 in DR, II Série, de 16/8/88; o Ac. de 30/11/88 in DR, II Série, de 23/2/89; o Ac. de 25/1/89 in DR, II Série, de 6/5/89; o Ac. de 9/2/89 in DR, II Série, de 16/5/89; e o Ac. de 23/2/89 in DR, II Série, de 8/6/89), cremos que a presunção de veracidade em causa – que incide sobre um puro facto e que pode ser ilidida mediante a criação, pelo arguido, de uma mera situação de incerteza – não acarreta qualquer presunção de culpabilidade suscetível de violar o princípio da presunção de inocência ou de colidir com as garantias de defesa do arguido constitucionalmente protegidas (art.º 32.º, nºs. 2 e 10, da CRP). Com efeito, o valor probatório dos relatórios dos jogos, além de só respeitarem, como vimos, aos factos que nele são descritos como percecionados pelos delegados e não aos demais elementos da infração, não prejudicando a valoração jurídico-disciplinar desses factos, não é definitiva mas só “prima facie” ou de “ínterim”, podendo ser questionado pelo arguido e se, em face dessa contestação, houver uma “incerteza razoável” quanto à verdade dos factos deles constantes, impõe-se, para salvaguarda do princípio “in dúbio pro reo”, a sua absolvição.”
Já o mesmo STA em Acórdão de 21 de fevereiro de 2019, no processo n.º 033/18.OBCLSB, afirmou que "A presunção de veracidade dos factos constantes dos relatórios dos jogos elaborados pelos delegados da Liga Portuguesa Futebol Profissional [LPFP] que tenham sido por eles percecionados, estabelecida pelo art. 13.º, al. f), do Regulamento Disciplinar da LPFP [RD/LPFPJ, conferindo ao arguido a possibilidade de abalar os fundamentos em que ela se sustenta mediante a mera contraprova dos factos presumidos, não infringe os comandos constitucionais insertos nos arts. 2.º, 20.º, n.º 4, e 32.º, n.ºs 2 e 10, da CRP e os princípios da presunção de inocência e do in dubio pro reo. (...) Cabe aos clubes de futebol/sociedades desportivas a demonstração da realização por parte dos mesmos das ações e dos concretos atos destinados à observância daqueles deveres e, assim, prevenirem e eliminarem a violência, e isso sejam esses atos e ações desenvolvidos em momento anterior ao evento, sejam, especialmente, imediatamente antes ou durante a sua realização".
A prova por meio de presunção judicial não implica a imposição de uma verdade processual, independentemente e, se necessário, em detrimento da verdade material, mas antes constitui um meio de chegar à verdade material, diferente da prova direta, não constituindo uma derrogação ou sequer um afrouxamento da regra «in dubio pro reo».
Por outro lado, e como igualmente sumariado no Acórdão do STA nº 0607/10, de 21-10-2010, “A condenação do arguido em processo disciplinar não exige uma certeza absoluta, férrea ou apodítica da sua responsabilidade, bastando que os elementos probatórios coligidos a demonstrem segundo as normais circunstâncias práticas da vida e para além de uma dúvida razoável. Nos juízos de facto a emitir num processo disciplinar, é lícito à Administração, e até obrigatório, usar das presunções naturais que se mostrem adequadas.”
Efetivamente, em função da prova produzida e disponível e em função da referida presunção, entendeu legitimamente o Conselho de Disciplina da FPF que os factos puníveis perpetrados haviam praticados por adeptos do S..., identificados como tal, principalmente pela equipa de arbitragem, mas também pelos Delegados da LPFP, mormente por se encontrarem em área reservada a adeptos daquele clube/SAD e devidamente identificados, determina que se entenda que o acórdão recorrido merece censura.
Não se diga que os clubes não podem ser responsabilizados por factos praticados pelos seus adeptos, pois tal responsabilização deriva de uma evolução salutar no fenómeno desportivo e que visa a diminuição da violência no desporto e intima os clubes a tomarem medidas para assegurar que tais factos não se verifiquem.
* * * Assim, sem necessidade de acrescida argumentação, entende-se ser de revogar o Recorrido Acórdão Arbitral, proferido pelo Colégio Arbitral constituído junto do Tribunal Arbitral do Desporto, em face do facto de se não reconhecer que a deliberação proferida pelo Conselho de Disciplina da FPF mereça a censura que lhe foi imputada, sendo que teve por objetivo impedir a consolidação e sedimentação de um pernicioso ambiente de impunidade permissiva.
V - Decisão
Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção Social da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal, conceder provimento ao recurso da FPF, revogando-se o Acórdão Arbitral proferido pelo Colégio Arbitral constituído junto do Tribunal Arbitral do Desporto, mantendo-se a deliberação condenatória do Conselho de Disciplina da FPF.
Custas pela SAD.
Lisboa, 20 de junho de 2024
Frederico de Frias Macedo Branco
Maria Julieta França
Maria Helena Filipe |