Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:547/09.3BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:04/03/2025
Relator:SUSANA BARRETO
Descritores:OPOSIÇÃO
REVERSÃO
GERÊNCIA DE FACTO
Sumário:I - A responsabilidade dos gerentes das sociedades pelas dívidas sociais nasce aquando do respetivo facto tributário, e rege-se pela lei ao tempo vigente.
II - Para a responsabilização do gerente pelas dívidas da sociedade importa verificar se o revertido exerceu efetivamente as funções de gerente da sociedade, gerindo a empresa e exteriorizando a vontade da mesma perante terceiros.
III - O ónus da prova do exercício efetivo de funções de gerente por parte do revertido, recai sobre a Fazenda Pública.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:


I – RELATÓRIO

Vem a Fazenda Pública, interpor recurso da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou procedente a oposição apresentada por S…, à execução fiscal n.º 361120060107191 e apensos, originariamente instaurada contra a sociedade “N… – Equipamentos Telecomunicações, Lda.”, por dívidas de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), que contra si reverteram, no montante global de € 35 233,15.

Nas alegações de recurso apresentadas, a Recorrente formulou as seguintes conclusões:

«Visa o presente recurso reagir contra a douta Sentença proferida em primeira instância, porquanto a mesma julgou não se verificarem os pressupostos da responsabilidade subsidiária e pela procedência da oposição ficando prejudicado os demais fundamentos de oposição.
A. O Ilustre Tribunal “a quo” começou por ancorar-se nos documentos juntos aos autos e não impugnados que assentam em cada alínea do probatório. Assim como, quanto à prova testemunhal, que do conjunto dos depoimentos ficou demonstrado: que o mentor da sociedade devedora originária e do grupo de sociedades era C…; que este exercia domínio sobre a oponente, enquanto trabalhadora; que este tinha ascendente sobre os trabalhadores que escolheu para serem sócios minoritários, sendo por estes encarado como seu líder como era o caso da oponente.
B. Por outro lado, em sede de direito, entendeu que a questão decidenda que melhor garantia os interesses da Oponente era a relativa aos pressupostos da reversão, começando pelo conhecimento desta, ao abrigo do art.124.° n.°2 al. a) do CPPT. E que face a ter culminado no entendimento de procedência da oposição, ficaram prejudicadas o conhecimento dos demais fundamentos da oposição.
C. A douta sentença recorrida entende que o exercício de facto da gerência nunca foi exercido pela Oponente, porque apesar da Fazenda Pública ter tentado demonstrar que o modelo de gestão das sociedades de C… foi desenhado com o que veio realmente a passar-se quanto ao afastamento dos gerentes sócios minoritários das tomadas de decisão, esta circunstância não afasta a realidade que a gerência das sociedades sempre foi exercida por C..., numa relação de domínio, e que irreleva o facto dos gerentes sócios minoritários, como a Oponente, o aceitarem para obterem um maior ganho, traduzindo na tomada de decisão por aquele que tinha maior experiência e que demonstrava ter já alcançado sucesso com a gestão de empresas. Assim como, é referido que nada vale que a gerência tenha sido voluntariamente depositada em C..., por isso não afastar a questão de o exercício de facto não ter sido levado a cabo pela Oponente e por não existir uma relação paritária entre a Oponente e C.... Concluindo, que a Oponente continuou assumir-se como trabalhadora de C... e que continuou assim a ser vista pelos seus alegados colegas, e aceitando ordens de C....
D. Previamente, atente-se que na douta Sentença exarada pelo Tribunal "a quo”, existe erro na enumeração dos factos dados como provados, porquanto verifica-se uma repetição dos factos a), b), c), d), e).
E. Ora, importa desde já afirmar que a douta sentença exarada pelo Tribunal ““a quo”, não deu como provado que existem testemunhas que têm um litígio idêntico ao em apreço. Ou seja, as testemunhas M…, D… e V…, também foram sócios-gerentes com 49% e C... com 51% em sociedades no âmbito da N.... Sendo certo que, tal facto decorre dos seus depoimentos.
F. As testemunhas tem um interesse direto que a decisão seja favorável à Recorrida, por se tratar de uma situação idênticas às suas, vislumbrando-se uma utilização à posteriori.
G. Por outro lado, a douta Sentença exarada pelo Tribunal “a quo”, não valorou corretamente a prova testemunhal produzida em sede de audiência, porquanto entende-se que se deram como provados outros factos, nomeadamente como provado uma maior densificação do facto provado g). Entende-se que o apresentado como provado no facto g) não espelha a produção da prova testemunhal. Por outras palavras, entendemos que resulta da prova testemunhal mais factos sobre a questão dos cheques.
H. Nessa senda, decorre do depoimento de M..., que como era necessário a assinatura de 2 gerentes (conforme consta do registo comercial), a Oponente, ora Recorrida, assinava os cheques e depois os cheques eram preenchidos e o C... assinava a seguir.
I. No depoimento de V...decorre que era M... quem apresentava os cheques para assinatura dos gerentes das várias sociedades, inclusive a Oponente.
J. Alguns cheques já vinham preenchidos e que quando não estavam preenchidos, era referido que era para pagamentos correntes. Que tinham consciência e até brincavam que assinavam de cruz. Que inicialmente todos os gerentes, inclusive a Oponente, perguntavam para que eram os cheques, e que depois deram como normal esse procedimento da assinatura em branco. Assinaram vários livros de cheques.
K. Por sua vez, do depoimento de P…, decorre que a Oponente tinha que assinar sempre os cheques e depois assinados pelo C..., e que só assim se faziam todos os pagamentos da sociedade.
L. Continuando, a douta Sentença exarada pelo Tribunal “a quo”, não valorou corretamente os seguintes factos mencionados no depoimento de M...:
- Que a proposta de sociedade de C..., foi uma oportunidade aos mais antigos trabalhadores para progredirem e ganharem mais dinheiro.
- Os sócios-gerentes das várias sociedades receberam veículos para circular, designadamente um Audi A4, e quando renunciaram à gerência tiveram que entregar o veículo.
- A função da Oponente era a negociação de contratos, tinha conhecimento de todas as vendas, pelo que não podia não ter conhecimento da sociedade.
M. No depoimento do D…, não foi valorado corretamente os factos referido:
- A Oponente tinha acesso ao programa informático como usurária e comercial.
- A Oponente era Diretora Comercial.
- Os Gerentes, inclusive a Oponente, aceitaram que fosse o C... a comandar os destinos das sociedades.
- Também refere que os gerentes passaram a poder circular num Audi A4.
N. Quanto ao V…, não foi valorado corretamente os seguintes factos:
-Q uando as sociedade foram criadas, inclusive a sociedade em apreço, foi definida a organização e modo de gestão, e que todos concordaram que fosse C... ser o principal decisor.
O. Posto isto, douta Sentença exarada pelo Tribunal “a quo”, incorreu em erro de julgamento, ao não valorar que a sociedade obrigava-se com a intervenção conjunta dos dois gerentes, ao não considerar na sua decisão o facto provado da al.g) na densificação referida, ao não valorar que à data da constituição da sociedade já estava acordado e do conhecimento geral sobre organização e gestão centralizada em C..., ao não dar como provado que a Oponente era a responsável pelo acompanhamento e coordenação das actividades comerciais da devedora originária, ao não valorar que recebeu um Audi A4 por ser gerente, ao não dar como provado que a Oponente assinava documentos em nome da sociedade, como a declaração de início de actividade ao não valorar que a Oponente assinava cheques em branco e preenchidos, ao não valorar que brincavam com a assinatura dos cheques de “cruz” , ao considerar de irrelevante a aceitação da Oponente no afastamento das tomadas de decisão, ao desconsiderar que a Oponente aceitou toda a situação na gerência para obter um maior ganho por C... ter mais experiência e demonstrar sucesso na gestão de empresas, e em suma, ao interpretar o conjunto de depoimentos no sentido dos factos dado como provados e do raciocínio explanado de que o único gerente de facto foi C....
P. Importa enaltecer que as testemunhas ouvidas pelo tribunal tem situações idênticas de responsabilidade subsidiária a correr os devidos termos, ou seja, em suma, as testemunhas também foram sócias minoritárias em sociedades em que o capital social e a gerência também era partilhado com C..., havendo dessa forma, uma coordenação argumentativa, e quiçá um aproveitamento entre os vários processos, sempre com o mesmo libelo de imputação da gerência de facto a C....
Q. A amplitude fática e questão controvertida dos pressupostos de reversão, do presente processo, encontra-se a ser discutida noutros processos judiciais em virtude da repetição de relações, intervenientes e do mesmo grupo empresarial, e conforme dos autos, por essa ordem de ideias, haver um aproveitamento probatório nos processos de oposição n.° 594/09.5BESNT e 545/09.7BESNT.
R. Nos presentes autos ficou provado que os cheques eram assinados pela Oponente. Sendo que deveria ter sido dado como provado que a sociedade devedora originária obrigava-se com a assinatura dos dois gerentes, tinha consciência da amplitude da sua assinatura, da assinatura de cheques em branco e ainda que a Oponente assinou a declaração de início de actividade.
S. No processo 594/09.5BESNT, esta questão de assinatura de documentos, aí facto provado E), e da exteriorização/vinculação da sociedade foi devidamente esmiuçada no seu entendimento e alocado à situação fática, e que culminou na improcedência da oposição.
T. Nessa conformidade, por acompanharmos na íntegra, conforme já tínhamos demonstrado em sede contestatória, e ainda pela clara explanação que importa ora elevar, cita-se a douta sentença proferida no processo de oposição 594/09.5BESNT, quanto a esta parte.
U. Ora, resulta da matéria de facto assente que desde a sua constituição a sociedade devedora originária sempre se obrigou com a assinatura dos dois gerentes, facto que foi confirmado na alegação do próprio Oponente que afirmou ter aposto a sua assinatura em diversos documentos, sempre que tal lhe era solicitado, quer pelo sócio C... quer pelo departamento financeiro, tendo tal facto disso corroborado pela testemunhas ouvidas pelo tribunal [cf.al.E) do probatório], nomeadamente assinado cheques em branco.
V. Assim, verifica-se que a sociedade sempre se vinculou com a assinatura de outro sócio para além de C.... Tendo os demais sócios-gerentes assinado documentação vária na qualidade de responsáveis legais da sociedade “N… - INFORMÁTICA E SERVIÇOS, LDA.”, inclusivamente em requerimentos apresentados junto da AT [cf. al.E) do probatório].
W. Apesar do Oponente ter vindo invocar que nunca lhe foi concedido acesso a qualquer informação financeira da sociedade, e que nunca teve qualquer tipo de intervenção nos destinos financeiros da devedora originária, certo é que tal justificação não retira a esses actos de vinculação e representação da sociedade perante terceiros o carácter de verdadeiros actos de gestão, já que nada resulta dos autos que tais pessoas - os gerentes, neles incluindo o ora Oponente, não tivessem capacidade de entendimento suficiente para as consequências dos seus actos, ou que assinassem coagidos a tal, ou que apenas o fizessem por se encontrarem numa posição de inferioridade determinada pelo exercício especial poder de decisão, factos que não vêm sequer alegados.
X. Assim, há que concluir, em face dos elementos trazidos aos autos, que a assinar documentos da sociedade, o fazia conscientemente, participando de modo activo na vida da sociedade. A menor participação nos destinos da sociedade deve-se apenas a uma decisão por parte deste sócio-gerente em dedicar-se a outro departamento da sociedade, uma vez que disse que lhe cabia a função de orientar, programar e dirigir o departamento de formação e suporte. Ora orientar e dirigir, tal como programar, são condutas, ou funções, que impõem capacidade de decisão, de optar por fazer de um modo em vez de outro, de calendarizar, de controlar a concretização das decisões tomadas.
Y. Conforme relatado pelas testemunhas, os vários sócios-gerentes das demais sociedade do grupo “N…" confiaram nas capacidades de gestão do sócio-gerente C..., por entenderem que o mesmo seria o “supra sumo" (nas palavras das testemunhas) do negócio, e que os tinha “aliciado" (também nas palavras das testemunhas) a aderir a um negócio que prometia uma retribuição financeira a cada um desses sócios de valor considerável, pelo que todos eles passaram um “cheque em branco" ao referido sócio para agir na sociedade. Mas com essa autorização, esses sócios, tal como o oponente, praticaram acto de representação externa da sociedade, vinculando a mesma.
Z. Tais factos não podem deixar de ser demonstrativos de que o Oponente exerceu, de facto, a gerência da sociedade “N… - INFORMÁTICA E SERVIÇOS, LDA", no período em que terminou o prazo de pagamento voluntário das dívidas em cobrança coerciva no processo de execução fiscal a que se referem os presentes autos, ocorrendo , por isso, o pressuposto legal relativo à legitimidade que permite a reversão da execução contra si.
AA. Ora, alega apenas o Oponente que a insuficiência patrimonial da devedora originária adveio de uma actuação descuidada do sócio-gerente C... e do departamento financeiro, contudo tal argumento, como foi referido anteriormente não pode ser julgado procedente uma vez que, na qualidade de gerente, recai sobre o Oponente deveres de vigilância e de cuidado sobre a situação financeira da sociedade que, por omissão do próprio, não foram cumpridos.
(…)
BB. Consequentemente, improcede a argumentação invocada pelo Oponente quanto à sua ilegitimidade enquanto responsável subsidiário, nos termos do n.°1 do art. 24.° da LGT.
CC. Conforme decorre dos supra referidos factos que também se deve dar como provados, deve-se concluir que a Oponente aceitou ser sócia-gerente de uma sociedade com C..., por ver aí uma oportunidade para enriquecer e melhorar as suas condições de vida.
DD. A Oponente, a par das testemunhas na mesma situação, via C... como um génio naquela área de atividade, e por isso aceitou constituir a sociedade devedora originária com a respetiva a respetiva organização e modo de gestão. Assim, C... ficou detentor 51% e a Oponente com 49% da sociedade, havendo sempre uma opinião final de C... na gestão da sociedade. Assim, desde a constituição da sociedade que a Oponente aceitou esta organização, abstendo-se de uma gestão mais próxima por sua livre iniciativa e total consciência.
EE. Recorde-se que a sociedade devedora originária tinha como escopo a venda de telecomunicações, ocupando a Oponente a função de diretor ou responsável pelas vendas. Dessa forma, a Oponente era a responsável pela a atividade da sociedade, estando a par das vendas operadas, definia estratégias e traçava de objetivos.
FF. Melhor, dos depoimentos, decorre que a constituição da sociedade devedora originária foi proposta de C... à Oponente, como forma de premiar o seu trabalho, e dessa forma constituir um veículo societário próprio para o departamento das vendas. Dessa forma, a Oponente e seu trabalho ganhavam autonomia, deixando a Oponente de ser uma mera responsável de um departamento de uma sociedade, para passar a ser administradora de uma sociedade que se dedica às vendas, e que por sua vez cobrava comissões pelas vendas às restantes sociedades relacionadas com o grupo.
GG. Tal organização foi perfilhada pelas restantes testemunhas nas sociedade que tiverem com C.... Ou seja, cada testemunha advinha de uma área de especialidade, e com a criação das sociedades, tornaram-se sócios-gerentes a par de C....
HH. De facto, a Oponente jamais se preocupou com a gestão próxima da sociedade, optanto por uma gestão à distância e de representatividade em C..., por nele depositar as qualidades de génio. Veja-se que a Oponente por ter passado a ser sócia- gerente, teve direito a conduzir diariamente um Audi A4.
II. Assim como, quanto à assinatura dos cheques em branco, a Oponente e as testemunhas brincavam com o facto de assinarem de cruz.
JJ. Ora, aqui chegados, verificamos que a Oponente não se importou com a organização e modo de gestão escolhido até começar a haver desconfianças e problemas. Até lá aceitava com bom grado tudo o que era bom, e só quando a situação negativa chegou a seu poder, optou, como agora, afirmar que não era gerente e responsabilizar na íntegra C....
KK. Portanto, a Oponente aceitou desde início o modo de organização e gestão da sociedade, aceitou as vantagens decorrentes da sua posição de sócia-gerente, desempenhava funções de chefia e administração na sociedade ao ser a mentora da sua área de atividade relacionada com as vendas, e por fim, tinha cabalmente consciência da validade da assinatura de documentos e cheques em branco, sendo de atentar, que brincava com essa situação com as testemunhas que também estavam na mesma situação.
LL. No caso concreto, em suma, existe uma analogia com a citada sentença, ou seja, da valoração que deve ser dada à assinatura de um determinado número de gerentes nos documentos da sociedade, designadamente quando impõe-se uma exigência legal, espelhada no registo comercial, da sua assinatura para a representatividade e vinculação da sociedade perante terceiros.
MM. A Oponente tinha cabal consciência e aceitação do modo de organização e gestão da sociedade, com a responsabilidade de coordenar as vendas e C... de coordenar as restantes situações.
NN. Assim sendo, é entendimento da Representação da Fazenda Pública que o Tribunal “a quo”, com a decisão ora em crise, violou o disposto nos art. 24. ° n.°1 da LGT, ao considerar que não estão verificados os pressupostos da responsabilidade subsidiária, na vertente do não exercício da gerência de facto, e considerar a procedência da oposição.

Pelo que se peticiona o provimento do presente recurso, revogando-se a decisão ora recorrida, assim se fazendo a devida e acostumada
JUSTIÇA!»


Nas contra-alegações a Recorrida termina pedindo: «deverá a Fazenda Pública sancionada com taxa de justiça agravada, nos termos do 531.º do CPC, sendo ordenada a apresentação de novas alegações em que as respetivas conclusões cumpram, minimamente, a respetiva função de condensação».

A Recorrente Fazenda Pública, respondeu espontaneamente, peticionando o desentranhamento do requerimento da Recorrida dos presentes autos, argumentando ser legalmente inadmissível a junção aos autos da peça apresentada em resposta às alegações de recurso da Recorrente.

O recurso da sentença foi admitido com subida imediata nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso apresentado.

As partes foram notificadas para nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 665.º n.º 2 e n.º 3 do CPC, se pronunciarem sobre o conhecimento em substituição das questões consideradas prejudicadas pelo Tribunal recorrido.


Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.


II – Fundamentação

Cumpre, pois, apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, que fixam o objeto do recurso.

Assim, na falta de especificação no requerimento de interposição do recurso, nos termos do artigo 635/3 do Código de Processo Civil, deve-se entender que este abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao Recorrente. O objeto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (artigo 635/4 CPC). Assim, todas as questões de mérito que tenham sido objeto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objetiva e materialmente excluídas dessas conclusões e devem considerar-se definitivamente decididas e, consequentemente, delas não pode conhecer o Tribunal de recurso.

Atento o exposto, e tendo presentes as conclusões de recurso apresentadas, importa decidir se a sentença padece de erro de julgamento de facto e na aplicação do direito, ao considerar procedente a oposição, com fundamento na falta de verificação dos pressupostos da responsabilidade subsidiária da Oponente e ora Recorrida.


II.1- Dos Factos

O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

a) «Através da Ap. 06/20050218 foi registado o contrato de sociedade N… - Equipamentos de Telecomunicações, Lda., ficando o capital de 25.000,00 euros dividido em duas quotas, uma de 12.750,00 euros, atribuída a C..., e outra de 12.250,00euros, atribuída à oponente, ficando ambos os sócios designados como gerentes (cfr. documento de fls. 30 dos autos);
b) Através da Ap. 1/20060804 foi registada a cessação de funções da aqui oponente (cfr. documento de fls. 30 e 31 dos autos);
c) A oponente começou a trabalhar para a “C… – Equipamentos de Telecomunicações, Lda.”, em 08/04/2002 (cfr. documento de fls. 42 e 43 dos autos);
d) A relação da oponente com C... iniciou-se como trabalhadora (cfr. depoimento de V…);
e) A sociedade “C… – Equipamentos de Telecomunicações, Lda. ”, era uma sociedade “de C...” (cfr depoimento das testemunhas V…, M... e P…);
a) Aos sócios das sociedades do perímetro de sociedades de C..., não eram disponibilizados aos elementos da contabilidade (cfr. depoimento da testemunha M...);
b) M... Duarte, que trabalhava na área da contabilidade, não tinha ordens para dar informações aos sócios do perímetro das sociedades N..., que não C..., (cfr. depoimento da testemunha M...);
c) Os sócios das sociedades do perímetro de empresas de C..., não tinham acesso à informação financeira (cfr. depoimento da testemunha D…);
d) Os serviços de contabilidade era assegurados por empresa da mulher de C... (cfr. depoimento da testemunha V...
e) O sistema informático de gestão comercial das sociedades do perímetro de sociedades de C..., foi desenhado para que apenas este pudesse obter todas as informações que nele se incluíssem (cfr. depoimento de V…);
f) C... era quem tomava decisões na sociedade N... (cfr. depoimento das testemunhas M... e D…);
g) Os cheques eram, muitas vezes, assinados pelos gerentes sócios minoritários das sociedades do perímetro, sem estarem preenchidos (cfr. depoimento da testemunha V…);
h) A 21/11/2006 foi instaurado o PEF n.º3611200601076191, contra a N..., Lda., por dívida de IVA, no valor de 20.202,85 euros (cfr. documento de fls. 79 do PEF apenso);
i) Encontram-se apensados ao PEF identificado na alínea anterior, o PEF n.º3611200701002023, 3611200701012819, 3611200701014030, e, 3611200701065831 (cfr. cota de fls. 226 do PEF apenso);
j) A 09/10/2008 foi proferido despacho a ordenar a notificação da oponente para se pronunciar previamente à reversão, no PEF n.º3611200601076191 e apensos (cfr. documento de fls. 113 do PEF);
k) A oponente respondeu através de requerimento, entregue a 22/10/2008, que se dá por reproduzido (cfr. documento de fls. 125 a 142 do PEF apenso)
l) A 09/12/2008 foi proferido despacho de reversão contra a oponente, no PEF n.º3611200601076191 e apensos, onde se lê no campo reservado aos fundamentos: “conforme fundamentação constante de informação anexa ao despacho de reversão que se anexa (…)” (cfr. documento de fls. 25 dos autos)
m) Do documento anexo ao despacho de reversão, lê-se, além do mais (cfr. documentos de fls. 28 dos autos):

«Imagem em texto no original»




n) A 08/12/2008 foi emitido ofício de citação no PEF n.º3611200601076191, dirigido à oponente, na qualidade de revertida, por dívidas da sociedade N... Equipamentos Telecomunicações Lda., no valor de 35.233,15euros (cfr. documento de fls. 25 dos autos);»


Quanto a factos não provados, na sentença exarou-se o seguinte:

«Não há factos alegados e não provados com interesse para a decisão da causa.»

E quanto à motivação da decisão de facto, consignou-se:

«Os factos provados assentam na análise crítica dos documentos juntos aos autos e não impugnados, conforme se indica em cada alínea do probatório.
No que respeita à prova testemunhal, importa referir que as testemunhas demonstraram conhecer o dia-a-dia da sociedade devedora originária, assim como de outras sociedades do perímetro de sociedades de C..., visto que tais empresas funcionavam num open space, onde as testemunhas V…, D… trabalhavam com a oponente, mantendo as testemunhas relações profissionais nas áreas que funcionavam em complementaridade.
Do conjunto dos depoimentos e pela forma como os mesmos foram descrevendo a realidade vívida por todos os que fizeram parte dos projectos de C..., ficou demonstrado de forma clara para o Tribunal, que o mentor da sociedade devedora originária e do grupo de sociedades em que se inseria, era C..., e que as sociedades foram criadas para que este mantivesse o controlo sobre a actividade desenvolvida, e sobre os sócios envolvidos nas várias sociedades do grupo.
Ficou também demonstrado que C... exercia domínio sobre a oponente e sobre a generalidade daqueles que com ele trabalhavam enquanto sócios minoritários das sociedades criadas, era quem tomava decisões, quem determinava quanto se ganhava, que viaturas se conduzia, que informação era disponibilizada aos gerentes sócios minoritários, o que era conciliado com os próprios serviços de contabilidade, controlados pela sua mulher. Em suma, tinha o domínio total da sociedade devedora originária, tendo mesmo a testemunha M..., afirmado que se mantinham todos a trabalhar para o C..., sendo que por isso só obedecia a este, e não aos demais sócios minoritários das várias sociedades N....
Da prova testemunhal foi possível ainda determinar que C... tinha ascendente sobre os trabalhadores que escolheu para serem sócios das sociedades do perímetro, sendo por estes encarado como seu líder, como era o caso da oponente.
Por fim releva também referir que todos os depoimentos foram consentâneos, prontos, sem hesitações, e permitiram demonstrar a realidade onde a devedora originária se incluía, o que foi essencial à descoberta da verdade material.»


II.2 Do Direito

Antes do mais, relativamente ao pedido da Recorrida no sentido da Recorrente vir a ser sancionada com taxa de justiça agravada, nos termos do 531.º do CPC, sendo ordenada a apresentação de novas alegações em que as respetivas conclusões cumpram, minimamente, a respetiva função de condensação, sem maior densificação por parte da Recorrida, desde já se indefere a aplicação da referida sanção, por considerarmos que as 40 conclusões apresentadas não são demasiado prolixas, nem exageradas em número.

Vejamos agora:

Nas alegações de recurso a ora Recorrente suscita o erro na enumeração dos factos dados como provados na sentença recorrida, porquanto diz verificar-se uma repetição dos factos a), b), c), d), e). E, desde já diremos que tem razão, no que alega.

Basta a mera leitura do probatório sob a epígrafe factos provados supratranscrito para se verificar que efetivamente há uma repetição da numeração das alíneas, lapso que aqui se anota e retifica no sentido de as primeiras alíneas passarem a estar numeradas com as letras maiúsculas A), B), C) D) e E), mantendo-se a numeração das restantes.

Todavia, o referido lapso não tem influência na decisão, nem a ora Recorrente lhe atribui qualquer outro efeito.

Prosseguindo:

Alega a Recorrente que a sentença recorrida que julgou procedente a oposição judicial, incorreu em erro de julgamento na apreciação da matéria de facto e de direito, por a Autoridade Tributária e Aduaneira ter reunido indícios a seu ver suficientes para se concluir pela verificação dos pressupostos de que depende reversão, tendo demonstrado, nomeadamente, o exercício da gerência de facto da sociedade por parte da revertida.

A Recorrente não impugna expressamente a matéria de facto, mas alega erro de julgamento de facto, trazendo argumentos destinados a desvalorizar o depoimento das testemunhas ouvidas, procurando abalar a sua credibilidade, e consequentemente, embora não o alegue expressamente infere-se pretender a desconsideração dos factos que na sentença foram dados como provados com base naqueles depoimentos, factos esses que, todavia, não indica nem identifica, não fazendo referência a alíneas concretas do probatório.

Argumenta a ora Recorrente que as testemunhas M..., D… e V…, que não foram diretamente ouvidas mas cujos depoimentos foram aproveitados das declarações prestadas em outras duas ações que correram termos no mesmo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, tinham interesse direto na decisão porquanto se encontravam na mesma situação da ora Recorrida, sendo por sua vez sócios minoritários de empresas do mesmo grupo económico e vieram, também eles, a ser executados por reversão, nos processos de execução fiscal instaurados contra aquelas outras empresas do grupo N... por dívidas tributárias.

Esta circunstância, porém, foi ponderada pelo Tribunal «a quo» embora em sentido diverso do propugnado pela ora Recorrente.

Com efeito, consignou-se na motivação da matéria de facto supratranscrita, que as testemunhas tinham conhecimento do quotidiano da sociedade e do funcionamento das demais empresas do grupo porquanto os respetivos «escritórios» funcionavam no mesmo espaço físico («open space») e credíveis: «todos os depoimentos foram consentâneos, prontos, sem hesitações, e permitiram demonstrar a realidade onde a devedora originária se incluía, o que foi essencial à descoberta da verdade material.»

Não tendo sido trazidos pela ora Recorrente outros elementos de prova que permitissem deles retirar outras ou diferentes ilações, improcedem os argumentos da ora Recorrente no sentido de desvalorizar os depoimentos recolhidos.

Depois, e apesar de não impugnar formalmente a matéria de facto fixada na sentença recorrida, insurge-se a Recorrente contra a redação da alínea g) dos factos provados, mas não sugere nenhuma redação alternativa, apenas apresenta as conclusões que em seu entender se deviam retirar daquele facto, no sentido de se concluir pela prática de atos de gerência por parte da ora Recorrida.

A verdade é que, insiste-se, não foi impugnada a matéria de facto fixada na sentença, mas alegado apenas o erro de julgamento. Assim sendo, melhor nos pronunciaremos infra, a propósito do ónus da prova, sobre o que dos factos fixados se concluiu.

Estabilizada a matéria de facto fixada na sentença, vejamos agora quanto ao alegado erro de julgamento.

É jurisprudência firme dos Tribunais Superiores que a responsabilidade dos gerentes das sociedades pelas dívidas sociais nasce aquando do respetivo facto tributário, e rege-se pela lei ao tempo vigente (1-Ac. STA, 2ª Secção, Proc nº 022598, de 1999.06.02, disponível em www.dgsi. pt).

Como resulta dos factos provados e não é facto controvertido, as dívidas da sociedade cujo pagamento está agora a ser exigido à Opoente e ora Recorrida são respeitantes a IVA dos períodos de 2006 e 2007, pelo que ao caso é aplicável é o previsto no artigo 24º da Lei Geral Tributária (LGT) que entrou em vigor em 1 de janeiro de 1999

Dizia o nº 1 do artigo 24º da LGT, que tem por epígrafe Responsabilidade dos membros de corpos sociais e responsáveis técnicos

1 - Os administradores, diretores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da sociedade se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.

Assim, nos termos do nº 1 do artigo 24º da Lei Geral Tributária (LGT) para acionar a responsabilidade subsidiária não é suficiente a mera gerência ou administração de direito, mas sim o exercício da gestão de facto.

Prevê ainda, esta norma, dois regimes de responsabilidade subsidiária dos administradores ou gerentes: relativamente a dívidas cujo facto constitutivo tenha ocorrido no período do exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento tenha terminado depois deste exercício [alínea a) do nº 1 do citado artigo 24º LGT] ou vencidas no período do seu mandato [alínea b) do mesmo artigo].

Como tem salientado a jurisprudência dos Tribunais Superiores, da qual se cita aqui apenas o Acórdão do STA, de 2013.10.16, Proc. nº 0458/13, disponível em www.dgsi.pt, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova: (i) incumbe em qualquer dos casos à AT comprovar a alegação de exercício efetivo do cargo e a culpa do revertido na insuficiência do património da pessoa coletiva ou ente fiscalmente equiparado para a satisfação da dívida tributária, quando esta se tenha constituído no período de exercício do cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado após aquele exercício [alínea a) do nº 1 do artigo 24º da LGT]; (ii) incumbe ao revertido comprovar que não lhe é imputável a falta de pagamento pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do cargo [alínea b) do nº 1 do artigo 24º da LGT].

Assim, para a responsabilização do gerente pelas dívidas da sociedade importa, pois, verificar se o revertido exerceu efetivamente as funções de gerente da sociedade, gerindo a empresa e exteriorizando a vontade da mesma perante terceiros, condições que cumpre averiguar casuisticamente, ou caso a caso.

No caso concreto ora em análise não é facto controvertido, nem vem posto em causa, que a Opoente e ora Recorrida foi nomeada gerente da sociedade e inscrita como tal junto do registo comercial, desde a sua constituição até a renúncia em agosto de 2006 [cf. alíneas A) e B) dos factos provados].

Cumpria então responder à questão sobre se o Opoente e ora Recorrido exerceu a administração de forma efetiva, com tudo o que isso implica de assunção dos destinos da sociedade, praticando os atos de disposição e administração inerentes ao cargo, sendo certo que o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, compete à Fazenda Pública e deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efetivo exercício da gerência (cf. Ac. do Pleno da Secção do CT do STA, de 2007.02.28, Proc. nº 01132/06, disponível em www.dgsi.pt).

Foi a esta questão que na sentença recorrida se procurou dar resposta, decisão com a qual a Recorrente se não conformou e de que vem interposto o presente recurso.

Como já referimos supra, a Recorrente não impugna a matéria de facto dada como provada mas insurge-se, sim, contra a valoração que lhe foi dada na decisão recorrida, defendendo nas conclusões das alegações de recurso que não deveria ter sido valorado o depoimento das testemunhas ouvidas, e que deveria ter sido dada maior relevância a que a sociedade se vinculava com a assinatura de dois gerentes, facto que consubstancia na assinatura de cheques (ainda que admita que não estivessem preenchidos quando foram assinados pela ora Recorrida) e de esta ter subscrito a declaração de início de atividade.

Ora se é certo que que a ora Recorrida não é muito convincente quando nega o exercício da gerência de facto a verdade é que o ónus da prova recaía aqui sobre a Fazenda Pública.

Contudo, a ora Recorrente não conseguiu demonstrar que a Opoente era gerente efetivo da empresa, não bastando para o efeito a mera nomeação como gerente da empresa. Teria de ter demonstrado a prática de atos com caráter de continuidade, efetividade, durabilidade, regularidade, com poder de decisão e com independência das funções exercidas. Nesse sentido vejam-se, nomeadamente os recentes acórdãos deste TCAS de 2022.03.10, proferidos nos processos nº 901/13.6BELLE e de 2022.09.29, processo nº 97/11.8BELRS, os quais subscrevemos na qualidade de 1ª Adjunta. (disponíveis em www.dgsi.pt).

Com efeito, a Autoridade Tributária e Aduaneira antes da reversão não reuniu elementos bastantes e suficientes para se dar como provado o exercício efetivou ou a gestão de facto da sociedade por parte da Opoente e ora Recorrente com independência e de que esta praticou atos de representação da empresa perante terceiros.

Apesar de vir alegado que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, a verdade é que antes do despacho de reversão a ora Recorrente não cuidou de reunir elementos do exercício da gerência efetiva ou de facto da Opoente e ora Recorrida. Defendendo, antes, que a Opoente, que tinha o título de gerente e que deveria ter tido um comportamento pro-ativo e tomado medidas efetivas de conservação do património societário, argumentando que a Opoente, com o seu comportamento omissivo, deve ser responsabilizada pela insuficiência patrimonial para solvência das dívidas tributárias.

Ora, na sentença recorrida foi dado por provado que a Opoente e ora Recorrida:

- Em 2002.04.08, a Opoente e ora Recorrida começou a trabalhar para a C… – Equipamentos de Telecomunicações, Lda.;
- Em 2005.02.18, a sociedade N... S.P: - Equipamentos de Telecomunicações, Lda., foi matriculada na Conservatória do Registo Comercial respetiva;
- Eram sócios da sociedade N... S.P: - Equipamentos de Telecomunicações, Lda., a Opoente e C..., com quotas de 49% e 51%, respetivamente;
- A contabilidade era assegurados por empresa da mulher de C...;
- Estas sociedades faziam parte do grupo empresarial N... gerida por C..., sócio maioritário das sociedades que o integravam;
- Os demais sócios das sociedades que constituíam o grupo não tinham acesso à informação contabilística e/ou financeira das sociedades;
- Os cheques eram, muitas vezes, assinados pelos gerentes sócios minoritários das sociedades do perímetro, sem estarem preenchidos.

Em face do quadro factual dado como provado na sentença recorrida decidiu-se que não se encontravam reunidos os pressupostos da responsabilização subsidiária do Opoente. Diz no segmento que aqui interessa:

«(…)
No caso dos autos, contudo, é possível concluir que tal como invocado pela oponente, o exercício de facto da gerência nunca foi por si exercido.
Na verdade, apesar da FP ter tentado demonstrar que o modelo de gestão das sociedades de C... foi desenhado com o que veio realmente a passar-se quanto ao afastamento dos gerentes sócios minoritários das tomadas de decisão, e que tal foi aceite nomeadamente pela oponente, esta circunstância não afasta a realidade dos factos no que concerne ao exercício da gerência de facto da sociedade pela oponente, e que, como sublinhado pela FP, nunca ocorreu. O que ficou demonstrado, mesmo a instâncias da FP, é que a gerência das sociedades, sempre foi exercida por C..., numa relação de domínio sobre aqueles que foram seus trabalhadores, e irreleva neste aspecto o facto de os gerentes sócios minoritários, como a oponente, o aceitarem para obterem um maior ganho, traduzido na tomada de decisão por aquele que tinha maior experiência e que demonstrava ter já alcançado sucesso com a gestão de empresas.
A verificação da gerência de facto é objectiva e a sua análise destituída de qualquer valoração ético-moral, ou sancionatória.
Assim de nada vale o argumento da FP, que tentou demonstrar que a gerência foi voluntariamente depositada em C..., pois olvida que os sócios minoritários, como a oponente, na verdade nunca tiveram escolha, e por isso não afasta a essencialidade da questão, o exercício de facto da sociedade não foi levada a cabo pela oponente, e não o foi porque não existia uma relação paritária entre a oponente e C..., que era quem controlava o grupo de sociedade N..., e que tinha sido seu patrão, mantendo um ascendente sobre a oponente.
De sublinhar, como está provado, que o exercício da gerência de direito pela oponente decorreu apenas durante menos de dois anos, tempo insuficiente para inverter aquela situação de desigualdade.
Em suma, a oponente continuou a assumir-se como trabalhadora de C..., e continuou assim a ser vista pelos colegas do grupo, nomeadamente por aqueles que apenas levavam informação contabilística e fiscal a C..., só deste aceitando ordens.
(…)»

Como resulta do excerto transcrito, para a procedência da oposição foi decisiva a falta de prova da gerência de facto, cujo ónus recaía sobre a Fazenda Pública e que a prova feita pelo Opoente e contra a qual se insurge a ora Recorrente nas alegações apenas serviu para reforçar a convicção do tribunal no sentido de esta não ter exercido efetivamente a gerência da empresa naquele período temporal e, logo, não estarem reunidos os pressupostos da responsabilização subsidiária.

Assim, resulta da matéria dada como provada, que quem exercia a gerência de facto da sociedade era o outro sócio-gerente C..., que dava ordens e instruções à Opoente e ora Recorrida para assinar os cheques, sem estarem preenchidos, vulgo cheques em branco. Esta constatação, todavia, resulta da prova carreada para os autos pela própria Opoente e ora Recorrida. Precisava de ser melhor contextualizada, não se sabendo que cheques eram esses ou que outra documentação assinou, e em que medida com a sua atuação contribuía para o controlo dos destinos da sociedade, gerência de facto que sempre negou ao longo do processo.

Mas tal não permite a inversão do ónus da prova que recaía sobre a ora Recorrente sendo certo que não carreou para os autos qualquer prova da gerência efetiva ou de facto do Opoente.

O decidido na sentença recorrida, aliás, em nada contraria o entendimento a que se chegou no já nos acórdãos deste Tribunal Central Administrativo Sul proferidos nos processos nº 594/09.5BESNT (disponível em www.dgsi.pt). e 545/09.7BESNT (inédito), respeitantes ao mesmo grupo empresarial e em que houve o aproveitamento da prova testemunhal produzida neste processo. Também nos presentes autos resultou provado que a Recorrida não era a gestora efetiva da sociedade devedora originária.

Não estavam, pois, como se decidiu na sentença recorrida, reunidos os pressupostos de que depende a responsabilização subsidiária da Opoente e ora Recorrida pelas dívidas da sociedade.

A sentença recorrida não merece, pois, a censura que lhe é feita.

Em face do exposto, é de julgar improcedente o recurso jurisdicional e, consequentemente, é de confirmar a sentença recorrida.


Relativamente à condenação em custas importa considerar que nos termos dos artigos 527/1 CPC: a decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa (…).

Assim, atento o princípio da causalidade, consagrado no artigo 527/2, do CPC, aplicável por força do artigo 2º, alínea e), do CPPT, as custas são pela Recorrente, que ficou vencido.


Sumário/Conclusões:

I - A responsabilidade dos gerentes das sociedades pelas dívidas sociais nasce aquando do respetivo facto tributário, e rege-se pela lei ao tempo vigente.
II - Para a responsabilização do gerente pelas dívidas da sociedade importa verificar se o revertido exerceu efetivamente as funções de gerente da sociedade, gerindo a empresa e exteriorizando a vontade da mesma perante terceiros.
III - O ónus da prova do exercício efetivo de funções de gerente por parte do revertido, recai sobre a Fazenda Pública.


III - Decisão

Termos em que, face ao exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente que decaiu.

Lisboa, 3 de abril de 2025

Susana Barreto

Luísa Soares

Isabel Vaz Fernandes