Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:56/20.0BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:06/05/2025
Relator:TERESA COSTA ALEMÃO
Descritores:JUROS COMPENSATÓRIOS
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
LIQUIDAÇÃO DOS JUROS JUNTAMENTE COM A LIQUIDAÇÃO DE IMPOSTO
INTERPRETAÇÃO DOS NÚMEROS 8 E 9 DO ARTIGO 35. ° DA LEI GERAL TRIBUTÁRIA.
Sumário:I – Está cumprido o dever legal de fundamentação se na liquidação de juros compensatórios estão explicitados o motivo da liquidação (ter havido retardamento da liquidação de parte ou da totalidade do imposto, por facto imputável ao sujeito passivo - arts. 89º do CIVA e 35º da LGT) e se constam a indicação do imposto em falta sobre o qual incidem os juros, o período a que se aplica a taxa de juro, a taxa de juro aplicável ao período (feita por remissão para a taxa dos juros legais fixada nos termos do art. 559º nº 1 do CCivil) e o valor dos juros;
II - Para que sejam devidos juros compensatórios exige-se um nexo de causalidade adequada entre o seu comportamento e a falta de recebimento pontual de prestação, sendo certo que, a factualidade necessária ao preenchimento do referido conceito de culpa identifica-se com aquela que subjaz à correção da matéria tributável, ao próprio comportamento declarativo, e se o mesmo dimana inclusive de uma autoliquidação;
III - Dependendo a responsabilidade por juros compensatórios do nexo causal adequado entre o atraso na liquidação e a atuação do contribuinte, bem como da possibilidade de formular um juízo de censura à sua atuação, quer seja a título de dolo ou negligência, in casu, encontra-se, perfeitamente, patenteada e densificada essa culpa nos aludidos atos de liquidação;
IV - O facto é subjetivamente imputável ao sujeito passivo, recaindo, por conseguinte, um juízo de censura ou reprovação da conduta do agente, porquanto podia e devia, nas circunstâncias do caso, ter agido de forma diversa e em cumprimento dos prazos constantes na lei, logo inversamente ao aduzido nas alegações de recurso encontra-se patenteado, de forma suficiente e perfeitamente identificável, o iter inerente ao juízo de censura que legitimou a emissão dos atos em contenda. Ademais, nada foi alegado, com a devida substanciação fática, que permitisse inferir a inexistência de culpabilidade, logo, existindo retardamento do imposto e nexo de causalidade adequada entre o seu comportamento e a falta de recebimento pontual de prestação, sem qualquer causa de exclusão da culpa, e estando tais pressupostos objetivos e subjetivos densificados nos atos de liquidação, há que secundar o entendimento do Tribunal a quo;
V - Numa situação de autoliquidação, como é bom de ver, o conjuntamente liquidado não poderá ter o alcance de simultaneidade temporal, mas sim no sentido de ter uma expressão quantitativa alocada ao imposto, realidade que, in casu, se verifica. Aliás, estabelecer-se uma interpretação legal da parte final do normativo em contenda, no sentido de fazer precludir o direito da AT à liquidação dos juros compensatórios, atentaria contra a ratio do preceito e da finalidade dos referidos juros, que pretendem, justamente, sancionar o retardamento da liquidação de imposto.
VI - O desiderato subjacente ao plasmado no nº 8 se coaduna com razões de segurança jurídica e igualdade, como explica JOSÉ MARIA FERNANDES PIRES, em anotação ao normativo em análise que “[r]efere o legislador que os juros compensatórios se liquidam conjuntamente com o imposto, estando integrados neste. Quer isto dizer que os juros compensatórios estão sujeitos aos mesmos prazos de caducidade e prescrição, gozam dos mesmos privilégios que o imposto ao qual se encontram associados e são imputáveis, não só ao devedor originário, como também aos responsáveis solidários e subsidiários nos mesmos termos que o próprio imposto”.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

F.........., LDA., m. i. nos autos, veio interpor recurso da sentença, proferida em 23 de Novembro de 2023, pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou improcedente a impugnação deduzida contra o acto de liquidação de juros compensatórios (de IVA) n° 00.........., referente ao 1.º trimestre de 2017.

A Recorrente termina as alegações de recurso formulando as conclusões seguintes:

«A) A douta sentença de que aqui se recorre considerou erradamente que "Pelo que, também, no presente caso, tem de entender-se que não existe qualquer situação de falta de fundamentação da liquidação de juros compensatórios, uma vez que não existe qualquer elemento que possa colocar em crise a compreensão da decisão tomada pela AT e, nesta medida, a capacidade da Impugnante para elaborar a melhor defesa perante a liquidação em causa."Concluindo, a douta sentença que in casu estavam preenchidos todos os requisitos exigíveis para a validade dos atos de liquidação sindicados, não se verificando o alegado vício de falta de fundamentação.

B) Acrescentando, ainda, o Tribunal a quo na douta sentença que " Assim, considerando que nos termos do artigo 35° n° 1da LGT, são devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação da totalidade do imposto devido, os juros compensatórios apenas poderiam ser liquidados pela Administração em momento posterior àquela autoliquidação, pelo que no presente caso, interpretar a parte final da disposição ínsita no n° 8 do artigo 35° da LGT, como tendo o alcance de fazer precludir o direito da Fazenda Pública à liquidação dos juros compensatórios atentaria contra a ratio do preceito e da finalidade dos referidos juros, que pretendem sancionar o retardamento da liquidação. De resto, não se afigura que aquele n° 8 tenha, em qualquer circunstância, o alcance que a Impugnante lhe atribui, tendo antes, como finalidade a clarificação de que a liquidação de juros compensatórios está intrinsecamente ligada à divida do imposto, com base na qual é emitida."

C) Concluindo, erroneamente, o Tribunal a quo que se encontrava cumprido o n° 9 do artigo 38° da LGT. E em consequência determinou improcedente a impugnação judicial. Ora, salvo o devido respeito, não pode a Recorrente conformar-se com tal decisão.

D) Em 22 de novembro de 2019, foi a aqui Recorrente notificada do ato de liquidação de juros compensatórios número 00.........., referente a Imposto sobre o Valor Acrescentado, IVA do período de exercício de 201703T, no montante de €26.211,29 (vinte e seis mil duzentos e onze euros e vinte e nove cêntimos).

E) Ora, os juros compensatórios podem definir-se como os que constituem compensação para o credor, por certas utilidades concedidas ao devedor, tendo a função de completar a indemnização devida, assim, reparando o credor prejudicado do ganho perdido, até que tenha conseguido a reintegração do seu crédito.

F) No âmbito do direito tributário os juros compensatórios podem configurar-se como tendo a natureza de uma verdadeira cláusula penal legal, aparecendo como um agravamento "ex lege" ao imposto, sendo incluídos na liquidação deste e arrecadados juntamente com ele, tendo os mesmos prazos de cobrança, e estando sujeitos ao mesmo prazo prescricional, sobre ambos podendo incidir o cálculo de juros de mora (cfr. prescreve o artigo 83° do CPPT e artigo 38° da LGT).

G) Neste sentido, a responsabilidade pelo pagamento de juros compensatórios depende da existência de uma situação em que exista uma dívida de imposto (que serve de base ao cálculo dos juros), verificados os seguintes pressupostos: (i) Atos ou omissões que levem a um atraso na estruturação de uma liquidação; ou (ii)Não pagamento de imposto que deva ser efetuado antecipadamente (sem prévia notificação do sujeito passivo pela administração tributária); ou (iii) Não pagamento de imposto que foi retido ou que devia ter sido retido e entregue à administração tributária; ou(iv) Reembolso superior ao devido; ou (v) Atraso na liquidação ou entrega do imposto ou reembolso indevido imputáveis ao sujeito passivo, isto é, quando exista nexo de causalidade entre a atuação do contribuinte e aquele atraso ou reembolso; ou (vi) Que o retardamento ou reembolso seja imputável ao contribuinte a título de culpa.

H) Acresce que, nos termos do disposto no artigo 35° n° 9 da LGT, na liquidação de juros compensatórios devem ser discriminados os montantes da dívida do imposto e dos juros explicando-se com clareza o respetivo cálculo e distinguindo-se de outras prestações devidas. Esta exigência de demonstração do cálculo dos juros compensatórios integra-se no dever geral de fundamentação expressa e acessível dos atos lesivos constitucionalmente imposto (cfr. artigo 268° n° 3 da Lei Fundamental).

I) O conhecimento integral do itinerário valorativo e cognoscitivo seguido pela entidade que liquidar os juros compensatórios não dispensará: a) A indicação do montante dos juros, separado do montante de tributo; b)Os termos iniciais e final da contagem dos juros; c) A taxa e as taxas e os períodos a que se reporta cada uma delas, se não for a mesma, a taxa aplicada para cálculo da totalidade dos juros. d) A indicação dos diplomas leais que consagram a responsabilidade por juros compensatórios e os que preveem as taxas aplicadas. e) A situação fática violadora da lei, que justifica a liquidação dos juros ou os factos que levaram a Autoridade Tributária a concluir que o atraso na liquidação se deveu a atuação culposa do sujeito passivo.

J) Assim, da breve análise dos atos de liquidação dos juros compensatórios objeto dos presentes autos, se constata que os mesmos não se encontram devidamente fundamentados, nomeadamente, não alega a Autoridade Tributária qualquer facto que justifique a liquidação dos juros compensatórios, nem se a atuação do contribuinte foi culposo. E porquê.

K) Desta forma, e contrariamente ao defendido na sentença ora colocada em crise, verifica-se nos atos de liquidação aqui sindicados uma violação clara e inequívoca do estatuído no artigo 35° da Lei Geral Tributária.

L) Acresce que, a ilegalidade dos atos de liquidação de juros compensatórios, resulta, ainda da circunstância de estes não se encontrarem integrados na própria dívida do imposto, ou seja, do facto de terem sido liquidados autonomamente.

M) Com efeito, nos atos de liquidação de juros compensatórios consta a menção de que os mesmos foram praticados nos termos do artigo 96° do Código do IVA e do artigo 35° da LGT.

N) Esta natureza dos juros compensatórios, como componente da dívida global dos impostos, resulta hoje, com evidência do preceituado no artigo 35° n° 8 da LGT.

O) Pois que, dispõe o artigo 8° daquele artigo 35° da LGT que "os juros compensatórios integram-se na própria dívida do imposto, com a qual são conjuntamente liquidados."

P) Desta forma, andou mal o Tribunal a quo, ao considerar que os juros compensatórios apenas poderiam ser liquidados pela Autoridade Tributária em momento posterior àquela autoliquidação. Pois que, sendo o IVA um tributo que funciona em conta corrente, aquando da entrega da declaração de substituição pela recorrente é emitida uma liquidação adicional de IVA.

Q) E nessa liquidação adicional de IVA emitida na sequência da entrega da Declaração de Substituição de IVA para além de constar o valor do imposto a entregar ou do reembolso a que o sujeito passivo terá direito, deve constar também a liquidação dos juros compensatórios. O que no caso aqui em apreço não sucedeu.

R) Consequentemente, por os atos de liquidação de juros compensatórios, ora impugnados, terem sido praticados de forma autónoma dos atos de liquidação de IVA, a existir, a que respeitam, são os mesmos contrários à lei, e por tal violadores do disposto nos números 8 e 9 do artigo 35° da Lei Geral Tributária, devendo em conformidade, e também por esta razão, serem anulados.

S) Pelo que, com a devida vénia, sempre terá de se afirmar que andou mal o Tribunal a quo, ao considerar que os atos de liquidação de juros compensatórios ora impugnados, seriam de manter na ordem jurídica. Concomitantemente, impõe-se a substituição da sentença recorrida, por outra que considere nulos os atos de liquidação de juros compensatórios por violação do disposto no artigo 35° da Lei Geral Tributária.

Nestes termos e nos mais de Direito, sempre com o mui douto suprimento de V/ Exas. deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e consequentemente ser revogada a sentença proferida pelo Tribunal a quo e substituída por outra que declare nulos os atos de liquidação adicional de juros compensatórios ora impugnados.»


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A Recorrida não apresentou contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que a Recorrente remate a sua alegação (art. 639.º do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do referido tribunal.
Assim, atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, temos que, no caso concreto, as questões a decidir são as de saber se o Tribunal recorrido errou no seu julgamento quando decidiu não sofrerem os actos de liquidação de juros compensatórios de falta de fundamentação e não violarem o disposto nos nºs 8 e 9 do artigo 35º da LGT.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.

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II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. De facto

A decisão recorrida fixou a seguinte factualidade:

A) Em 15.15.2017, a Impugnante submeteu a declaração periódica de IVA n° 11.........., referente ao 1° trimestre do exercício de 2017, não tendo apurado imposto a entregar ao Estado ou crédito de imposto a recuperar - [facto não controvertido];

B) Em 15.11.2019, a Impugnante apresentou uma declaração de substituição (n° 11..........), da declaração identificada na alínea que antecede, tendo apurado a autoliquidação a favor do Estado, para aquele período de tributação, no montante de € 261.510,00 [cf. fls. 6/7 do PA, a fls, 36/44 dos autos];

C) Em 20.11.2019, foi emitida a liquidação de juros compensatórios de IVA, n° 20….. (demonstração de acerto de contas n° 20…….), referente ao período 2017.03T, no valor de € 26.193,98 - [cf. documento n° 1, junto com a petição inicial, a fls. 7 dos autos];

D) A liquidação de juros compensatórios, ora impugnada, não foi regularizada, no prazo de pagamento voluntário, pelo que, foi instaurado em ordem à sua cobrança coerciva, o processo de execução fiscal n° 30…….. (20…..) - [cf. PA, a fls. 36/44 [8] dos autos];


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Refere, ainda, a sentença recorrida que “Inexistem quaisquer factos com relevância para a decisão, atento o objeto do litígio, que devam julgar-se como não provados.

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Quanto à motivação da matéria de facto, a sentença tem o seguinte teor: “Quanto aos factos dados como provados, a convicção do Tribunal alicerçou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos e no processo administrativo apenso, tal como se foi fazendo referência a propósito de cada uma das alíneas do probatório.

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Nos termos do art. 662.º n.º 1 do CPC, e por tal se relevar necessário para a apreciação do presente recurso, adita-se ao probatório o seguinte facto:

E) O documento a que se refere a alínea C) supra tem o seguinte teor:


“(texto integral no original; imagem)”


II. De Direito
A presente decisão versa sobre a impugnação, por parte da Recorrente, do acto de liquidação de juros compensatórios relativos à entrega fora de prazo de declaração periódica de substituição de IVA referente ao 1.º trimestre de 2017.

As questões que foram apreciadas e decididas foram a falta de fundamentação das liquidações de juros compensatórios, bem como a ilegalidade, por alegada violação do n.º 8 do artigo 35.º da LGT, que alegadamente exige que os juros sejam liquidados conjuntamente com o imposto.

Quanto à alegada falta de fundamentação, a sentença entendeu que a AT indicou os elementos exigidos por lei: o valor do imposto, o período dos juros, a taxa aplicável, a base legal e o facto imputável à impugnante, sendo que, de acordo com a jurisprudência do STA, tal é suficiente para cumprir o dever de fundamentação.
Quanto à integração dos juros com o imposto, considerou que os juros compensatórios podem, em regra, ser liquidados com o imposto. No entanto, neste caso, como houve uma autoliquidação tardia por parte da impugnante, os juros foram liquidados autonomamente e posteriormente pela AT — o que é legalmente admissível, sendo que n.º 8 do art.º 35.º da LGT não impede essa liquidação autónoma nestas circunstâncias.
Entendeu, pois, que “estão verificados os requisitos exigíveis para a validade dos atos de liquidação de juros compensatórios, pois que, considerando que a Impugnante procedeu à entrega de uma declaração periódica de IVA, de substituição à primitiva declaração entregue [cf. alíneas A), B) e C) do probatório], referente ao primeiro trimestre de 2017, o nexo de imputação ao contribuinte do retardamento da liquidação está bem patenteado na fundamentação, e que, em suma, resulta do retardamento da liquidação do imposto devido, em virtude do atraso na autoliquidação e retardamento do pagamento do imposto, em violação das normas estabelecidas no Código do IVA.
Ou seja, quanto à culpa da Impugnante, a mesma não carece de ser expressamente invocada, porquanto o n° 1 do artigo 35° da LGT, apenas exige que o retardamento da liquidação seja imputável ao sujeito passivo. (…) e que foi a própria Impugnante a efetuar a autoliquidação do imposto em causa fora do prazo devido, tem a mesma perfeita consciência de que o retardamento da liquidação em causa lhe é imputável, sendo certo que, em momento algum, invoca qualquer facto justificativo para o retardamento da mesma
Concluiu, por isso, estarem verificados os requisitos exigíveis para a validade do acto de liquidação (de juros compensatórios), por que estarem explicitados todos os elementos que integram a respectiva fundamentação mínima exigível.

Sobre a alegada ilegalidade por liquidação autónoma dos juros (n.º 8 do artigo 35.º da LGT), ficou consignado na sentença recorrida que “a liquidação de juros compensatórios não poderia ter sido efetuada pela Administração Tributária no momento em que a Impugnante autoliquidou o IVA em causa, uma vez que esta autoliquidação foi contemporânea da entrega da declaração de substituição.
Assim, considerando que, nos termos do artigo 35.°, n.° 1 da LGT, são devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação da totalidade do imposto devido, os juros compensatórios apenas poderiam ser liquidados pela Administração em momento posterior àquela autoliquidação, pelo que no presente caso, interpretar a parte final da disposição ínsita no n° 8 do artigo 35° da LGT, como tendo o alcance de fazer precludir o direito da Fazenda Pública à liquidação dos juros compensatórios, atentaria contra a ratio do preceito e da finalidade dos referidos juros, que pretendem sancionar o retardamento da liquidação.
De resto, não se afigura que aquele n.° 8 tenha, em qualquer circunstância, o alcance que a Impugnante lhe atribui, tendo, antes, como finalidade a clarificação de que a liquidação de juros compensatórios está intrinsecamente ligada à dívida do imposto, com base na qual é emitida.

A Recorrente discorda do assim decidido, em suma, pelas seguintes razões:
- Entende que a sentença considerou erradamente que os actos estavam devidamente fundamentados, sendo que a AT não demonstrou factos que justificassem a liquidação dos juros compensatórios, nem comprovou culpa do contribuinte.
- Invoca os artigos 35.º, n.º 9 da LGT e 268.º, n.º 3 da CRP, que exigem a indicação clara do montante dos juros e imposto, o período de contagem dos juros, a taxa(s) aplicada(s), a base legal da liquidação e a situação concreta que justifique a imputação da responsabilidade ao contribuinte.
Quanto à alegada violação do artigo 35.º, n.ºs 8 e 9 da LGT, defende que os juros compensatórios foram liquidados autonomamente, contrariamente ao que prevê a lei, já que o n.º 8 do artigo 35.º da LGT estabelece que os juros devem integrar a dívida do imposto e ser liquidados conjuntamente com ela e, como o IVA funciona em conta corrente, aquando da entrega da declaração de substituição, a AT deveria ter liquidado simultaneamente o imposto e os juros compensatórios, o que não aconteceu.

Vejamos, pois, desde já adiantando que, sobre estas mesmas questões este Tribunal já se pronunciou, numa situação com a mesma base factual e jurídica, sendo as partes as mesmas, apenas diferindo o período de imposto, no Acórdão proferido no processo n.º 1611/21.4BELRS, de 21-11-2024, no qual a ora relatora foi segunda adjunta. Em tal Acórdão ficou consignado o seguinte (de notar que sempre que a situação concreta dos presentes autos o exigir, este Tribunal disso fará menção no local próprio do Acórdão):
Comecemos por aferir se o Tribunal a quo incorreu no erro de julgamento atinente à falta de fundamentação formal dos juros compensatórios, começando por convocar o respetivo quadro normativo.
Dispõe o atual artigo 96.º (correspondente ao anterior artigo 89.º) do CIVA que:
“1. Sempre que, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação ou tenha sido recebido reembolso superior ao devido, acrescem ao montante do imposto juros compensatórios nos termos do artigo 35º da lei geral tributária.
2 - Sempre que o imposto liquidado pelos serviços ou pelo sujeito passivo não seja pago até ao termo dos prazos legais estabelecidos, são devidos juros de mora nos termos do artigo 44.º da lei geral tributária.”

Atenta a aludida remissão há que ter presente o disposto no artigo 35.º da LGT, sob a epígrafe de “juros compensatórios” do qual dimana que:
“1 - São devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária.
2 - São também devidos juros compensatórios quando o sujeito passivo, por facto a si imputável, tenha recebido reembolso superior ao devido.
3 - Os juros compensatórios contam-se dia a dia desde o termo do prazo de apresentação da declaração, do termo do prazo de entrega do imposto a pagar antecipadamente ou retido ou a reter, até ao suprimento, correção ou deteção da falta que motivou o retardamento da liquidação.
4 - Para efeitos do número anterior, em caso de inspeção, a falta considera-se suprida ou corrigida a partir do auto de notícia.
5 - Se a causa dos juros compensatórios for o recebimento de reembolso indevido, estes contam-se a partir deste até à data do suprimento ou correção da falta que o motivou.
6 - Para efeitos do presente artigo, considera-se haver sempre retardamento da liquidação quando as declarações de imposto forem apresentadas fora dos prazos legais.
7 - Os juros compensatórios só são devidos pelo prazo máximo de 180 dias no caso de erro do sujeito passivo evidenciado na declaração ou, em caso de falta apurada em ação de fiscalização, até aos 90 dias posteriores à sua conclusão.
8 - Os juros compensatórios integram-se na própria dívida do imposto, com a qual são conjuntamente liquidados.
9 - A liquidação deve sempre evidenciar claramente o montante principal da prestação e os juros compensatórios, explicando com clareza o respetivo cálculo e distinguindo-os de outras prestações devidas.
10 - A taxa dos juros compensatórios é equivalente à taxa dos juros legais fixados nos termos do n.º 1 do artigo 559.º do Código Civil”.
No concreto particular do dever de fundamentação dos atos administrativos, importa ter presente que a fundamentação é, desde logo, uma imposição constitucional, porquanto a CRP, no n.º 3, do seu artigo 268.º, garante aos administrados o direito a uma fundamentação expressa e acessível de todos os atos que afetem direitos ou interesses legalmente protegidos.
Ao nível dos atos tributários, encontra-se, especificamente, previsto no artigo 77.º, da LGT, cujos n.ºs 1 e 2 determinam que:
“1 - A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.
2 - A fundamentação dos atos tributários pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”.

Como salientam DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES E JORGE LOPES DE SOUSA, “(…) a fundamentação deve proporcionar ao destinatário do ato a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela autoridade que praticou o ato, de forma a poder saber-se claramente as razões por que decidiu da forma que decidiu e não de forma diferente” (cfr. Lei Geral Tributária, Anotada e Comentada, Encontro da Escrita, 4.º edição, 2012, página 675).

Assim, a fundamentação terá de ser expressa, clara e congruente (neste sentido vide Acórdãos do STA, de 17.03.2011, proc. n.º 0964/10, de 12.03.2014, proc. n.º 01674/13, de 09.09.2015, proc. n.º 01173/14, integralmente disponíveis para consulta em www.dgsi.pt).

“[C]omo é consensual na jurisprudência, as exigências de fundamentação não são rígidas, variando de acordo com o tipo de acto e as circunstâncias concretas em que este foi proferido: o acto estará suficientemente fundamentado quando o administrado, colocado na posição de destinatário normal – o bonus pater familiae de que fala o art. 487º nº 2 do C.Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de impugnação, e de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efectivo controle da legalidade do acto, aferindo do seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual.
Significa isto que a fundamentação, ainda que feita por remissão ou de forma muito sintética, não pode deixar de ser clara, congruente e encerrar os aspectos, de facto e de direito, que permitam conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela Administração para a determinação do acto” (Vide Acórdão do STA, proferido no processo nº 01674/13, de 12 de março de 2014, disponível para consulta em www.dgsi.pt).

Sendo de relevar, neste concreto particular, que na liquidação de juros compensatórios emitida por iniciativa da AT, cabe a esta o ónus da prova da reunião dos respetivos pressupostos, concretamente, tem de demonstrar o preenchimento dos elementos objetivos (ter havido atraso na liquidação de imposto, taxa, número de dias) e de um elemento subjetivo (o facto ser imputável ao sujeito passivo, a título de dolo ou negligência).
No âmbito dos elementos objetivos, importa ressalvar que a Jurisprudência do STA e dos TCA, vem entendendo, de forma uniforme, que no respeitante aos juros compensatórios, as exigências de fundamentação sejam reduzidas ao mínimo, entendendo-se, nesse âmbito, que uma liquidação de juros compensatórios se encontra fundamentada quando indicar a quantia sobre a qual os mesmos incidem, o período de tempo considerado para a liquidação e a taxa ou taxas aplicadas, com menção desses elementos no próprio ato de liquidação ou por remissão para documento anexo (Vide, designadamente, Acórdãos do STA, de 21.4.2010, proc. n.º 743/09; de 16.10.2010, proc. n.º 830/10; de 30.11.2011, proc. n.º 619/11; de 29.2.2012, proc. n.º 928/11; e de 14.2.2013, proc. n.º 645/12).

Como sumariado no acórdão do STA proferido no processo n.º 0805/15, datado de 09 de março de 2016: “Está cumprido o dever legal de fundamentação se na liquidação de juros compensatórios estão explicitados o motivo da liquidação (ter havido retardamento da liquidação de parte ou da totalidade do imposto, por facto imputável ao sujeito passivo - arts. 89º do CIVA e 35º da LGT) e se constam a indicação do imposto em falta sobre o qual incidem os juros, o período a que se aplica a taxa de juro, a taxa de juro aplicável ao período (feita por remissão para a taxa dos juros legais fixada nos termos do art. 559º nº 1 do CCivil) e o valor dos juros”
Por outro prisma, e em conformidade com o plasmado no já citado nº 1, do artigo 35.º da LGT, a imposição e legitimação dos juros compensatórios exige um nexo de causalidade adequada entre o seu comportamento e a falta de recebimento pontual de prestação, sendo que a conduta do sujeito passivo deve ser censurável a título de dolo ou negligência, devendo, em todo o caso, indagar-se se a culpa está ou não excluída em concreto (Vide Acórdão do STA, proferido em Plenário, no processo nº 01490/13, de 22.01.2014).
Donde, para que sejam devidos juros compensatórios exige-se um nexo de causalidade adequada entre o seu comportamento e a falta de recebimento pontual de prestação (Vide Acórdão do STA, proferido em Plenário, no processo nº 01490/13, de 22.01.2014). Sendo certo que, a factualidade necessária ao preenchimento do referido conceito de culpa identifica-se com aquela que subjaz à correção da matéria tributável, ao próprio comportamento declarativo, e se o mesmo dimana inclusive de uma autoliquidação (Vide, designadamente, Acórdão do TCA Sul, proferido no processo nº 02414/08, de 05.05.2009).

Feitos estes considerandos, e transpondo os mesmos para o caso vertente dimana inequívoco que as liquidações de juros compensatórios sub judice, não enfermam da arguida falta de fundamentação formal.

Senão vejamos.

Do recorte probatório dos autos, dimana que os atos de liquidação resultam de autoliquidações realizadas fora do prazo legal de entrega das respetivas declarações periódicas de IVA (cfr. artigo 41.º, nº1, alínea b), do CIVA), e não, inversa e erroneamente ao propugnado pela Recorrente, de liquidações adicionais decorrentes de entrega de declarações substituição. (no caso concreto, a liquidação resultou de entrega de declaração de substituição – cfr. pontos C. e E. do probatório)]
Com efeito, promana da aludida da factualidade assente que a 07 de julho de 2021, a Impugnante, ora Recorrente, apresentou a declaração periódica de IVA relativa ao período de 2018/03T, na qual apurou o montante de €79.350,00 de IVA a entregar ao Estado, e bem assim a declaração periódica de IVA relativa ao período 2018/09T, na qual apurou o montante de €51.750,00 de IVA a entregar ao Estado, tendo sido objeto do competente pagamento.
Em resultado das asserções fáticas supra expendidas, a 19 de julho de 2021, a Impugnante, ora Recorrente, foi notificada dos dois atos de liquidação de juros compensatórios em contenda, nos valores de €10.000,59, e de €5.477,67 [no caso dos autos, a Impugnante foi notificada de um acto de liquidação de juros compensatórios, nos valores de € 26.211,29 – ponto E) aditado], dos quais resulta, de forma perentória, a identificação do ato, do período de imposto, a concreta delimitação do período temporal, com clara menção à razão justificativa da sua emissão, concretamente, “retardamento da liquidação do imposto”, com referência à taxa e ao valor final a pagar, mediante alusão específica ao valor de imposto em falta.
Dimanando, outrossim, no item epigrafado de “fundamentação”, as premissas de facto e de direito, inerentes à sua emissão, delas fluindo, de forma clara, os normativos que a legitimam, contemplando, in fine, a menção às garantias processuais e formas de reação. Logo, face ao supra expendido é, por demais evidente, que as liquidações em análise não padecem da arguida falta de fundamentação formal.
Com efeito, dependendo, como visto, a responsabilidade por juros compensatórios do nexo causal adequado entre o atraso na liquidação e a atuação do contribuinte, bem como da possibilidade de formular um juízo de censura à sua atuação, quer seja a título de dolo ou negligência, in casu, encontra-se, perfeitamente, patenteada e densificada essa culpa nos aludidos atos de liquidação.
Note-se que, “[q]uando uma determinada conduta constitui um facto qualificado por lei como ilícito, deverá fazer-se decorrer do preenchimento da hipótese normativa, por ilação lógica, a existência de culpa, na forma pressuposta na previsão do tipo de ilícito respectivo.” (Vide, designadamente, Acórdão TCAS, proferido no processo nº 120/12, de 24.03.2022.)

Destarte, dimanando da factualidade, que foi, justamente, a atuação ativa da Recorrente que legitimou os atos de liquidação, porquanto, foi o próprio que incumpriu o prazo de entrega das respetivas declarações periódicas de IVA, está, portanto, fundamentada essa conduta censurável.
Noutra formulação, dir-se-á que o facto é subjetivamente imputável ao sujeito passivo, recaindo, por conseguinte, um juízo de censura ou reprovação da conduta do agente, porquanto podia e devia, nas circunstâncias do caso, ter agido de forma diversa e em cumprimento dos prazos constantes na lei, logo inversamente ao aduzido nas alegações de recurso encontra-se patenteado, de forma suficiente e perfeitamente identificável, o iter inerente ao juízo de censura que legitimou a emissão dos atos em contenda.
Ademais, nada foi alegado, com a devida substanciação fática, que permitisse inferir a inexistência de culpabilidade, logo, existindo retardamento do imposto e nexo de causalidade adequada entre o seu comportamento e a falta de recebimento pontual de prestação, sem qualquer causa de exclusão da culpa, e estando tais pressupostos objetivos e subjetivos densificados nos atos de liquidação, há que secundar o entendimento do Tribunal a quo.
Improcede, assim, a arguida falta de fundamentação formal.

Prosseguindo.
Analisemos, ora, o erro de julgamento atinente ao facto dos atos de liquidação não se encontrarem integrados na própria dívida do imposto, ou seja, do facto de terem sido liquidados autonomamente, em clara desconformidade com o consignado no artigo 35.º, nº 8 da LGT.
Atentemos, para o efeito, na fundamentação jurídica constante na decisão recorrida e que esteou a improcedência deste vício.
Na sentença visada é, desde logo, convocada a situação particular da autoliquidação a qual, naturalmente, reclama uma interpretação do normativo tendo por base esse pressuposto, nela se doutrinando que “[n]ão obstante o que vem estatuído neste normativo legal, não pode desatender-se aqui à circunstância de, na base das liquidações impugnadas, estar uma situação de retardamento da liquidação consubstanciada na entrega para além do prazo previsto para o efeito das declarações periódicas de IVA e, por conseguinte, da autoliquidação pela Impugnante do imposto aí apurado e devido ao Estado, motivo pelo qual as liquidações de juros compensatórios em causa não poderiam ter sido liquidadas conjuntamente com o imposto.” [no caso concreto, é o seguinte o teor da sentença, embora perfeitamente similar: “Considerando que no presente caso estamos perante uma autoliquidação de imposto, efetuada em momento posterior ao que era devido, como decorre das alíneas A), B) e C) do probatório.
Destarte, resulta, com meridiana clareza que a liquidação de juros compensatórios não poderia ter sido efetuada pela Administração Tributária no momento em que a Impugnante autoliquidou o IVA em causa, uma vez que esta autoliquidação foi contemporânea da entrega da declaração de substituição.
Assim, considerando que, nos termos do artigo 35.°, n.° 1 da LGT, são devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação da totalidade do imposto devido, os juros compensatórios apenas poderiam ser liquidados pela Administração em momento posterior àquela autoliquidação, pelo que no presente caso, interpretar a parte final da disposição ínsita no n° 8 do artigo 35° da LGT, como tendo o alcance de fazer precludir o direito da Fazenda Pública à liquidação dos juros compensatórios, atentaria contra a ratio do preceito e da finalidade dos referidos juros, que pretendem sancionar o retardamento da liquidação..”]
Mais relevando, em termos de ratio legis que “[o] sentido daquela norma é o de estabelecer que os juros compensatórios se integram na própria divida de imposto a que respeitam, estando intrinsecamente ligada à mesma, com base na qual é emitida, designadamente para efeitos de contagem dos prazos de caducidade e de prescrição”. [a sentença destes autos, tem, nesta matéria, o seguinte percurso fundamentador: “De resto, não se afigura que aquele n.° 8 tenha, em qualquer circunstância, o alcance que a Impugnante lhe atribui, tendo, antes, como finalidade a clarificação de que a liquidação de juros compensatórios está intrinsecamente ligada à dívida do imposto, com base na qual é emitida.”]
Concluindo, assim, que “[o] facto de as liquidações de juros compensatórios em causa terem sido materializadas em atos subsequentes à autoliquidação do imposto devido pela Impugnante, como sucedeu, não lhes retira a sua natureza nem o que verdadeiramente está na sua origem, ou seja, o retardamento da liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido por facto imputável ao sujeito passivo, inexistindo a invocada violação do disposto no n.º 8 do artigo 35.º da LGT.”
E, de facto, nenhuma censura merece a decisão recorrida inexistindo o aduzido erro de julgamento atinente à alegada violação do artigo 35.º, nº8, da LGT, porquanto, por um lado, a letra da lei terá, naturalmente, de ter em conta a situação fática que lhe subjaz, e por outro lado, porque em nada foi desvirtuada a ratio subjacente ao nela consignado.
Como é consabido, o ato tributário tem sempre como suporte e base uma situação de facto concreta, a qual se encontra prevista abstrata e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto e inerentes juros, logo é preciso aquilatar, de forma casuística, se a mesma é passível de subsunção nessa previsão.
In casu, e conforme já foi devidamente retratado anteriormente, na génese da liquidação dos juros compensatórios encontra-se uma situação de falta de cumprimento das obrigações declarativas e competente entrega do imposto devido nos prazos legais, logo, como é bom de ver, a liquidação dos juros compensatórios surge nessa decorrência, tendo, naturalmente, de ser ulterior à mesma.
Destarte, o termo “conjuntamente liquidados” terá de ser interpretado no sentido de que, sendo a liquidação de imposto objeto de liquidação adicional por parte da AT a mesma deverá ser objeto de liquidação, em regra, conjuntamente.
Logo, numa situação de autoliquidação, como é bom de ver, o conjuntamente liquidado não poderá ter o alcance de simultaneidade temporal, mas sim no sentido de ter uma expressão quantitativa alocada ao imposto, realidade que, in casu, se verifica.
Aliás, estabelecer-se uma interpretação legal da parte final do normativo em contenda, no sentido de fazer precludir o direito da AT à liquidação dos juros compensatórios, atentaria contra a ratio do preceito e da finalidade dos referidos juros, que pretendem, justamente, sancionar o retardamento da liquidação de imposto.
Note-se, ademais, que o desiderato subjacente ao plasmado no nº8 se coaduna com razões de segurança jurídica e igualdade, como explica JOSÉ MARIA FERNANDES PIRES, em anotação ao normativo em análise que “[r]efere o legislador que os juros compensatórios se liquidam conjuntamente com o imposto, estando integrados neste. Quer isto dizer que os juros compensatórios estão sujeitos aos mesmos prazos de caducidade e prescrição, gozam dos mesmos privilégios que o imposto ao qual se encontram associados e são imputáveis, não só ao devedor originário, como também aos responsáveis solidários e subsidiários nos mesmos termos que o próprio imposto”.

No fundo o que se pretende contemplar no normativo visado é que os juros compensatórios têm a mesma natureza do imposto, integrando-se na própria dívida do imposto, estando, assim, sujeitos aos direitos, e privilégios, particularmente, no domínio dos prazos de caducidade e prescrição. Logo, o que é perentório é que não se desvirtue o caráter de estrita dependência existente entre a liquidação de imposto e a de juros compensatórios, sabendo, justamente, que a liquidação de juros compensatórios emitida pela AT está umbilicalmente ligada à existência de uma concreta liquidação de imposto devido pelo contribuinte.
Logo, a situação em análise em nada subverte e contende com o teor do consignado no aludido normativo, inexistindo, por conseguinte, o aludido vício de violação de lei.

Tratando-se de situação perfeitamente similar à dos presentes autos, por economia de meios, visando a interpretação e aplicação uniforme do direito (cf. art. 8.º n.º 3 do Código Civil), acolhemos a argumentação jurídica do acórdão citado, o que vale por concluir que, com esses exactos fundamentos, o recurso improcede mantendo-se a sentença recorrida.

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III. DECISÃO

Face ao exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.


Registe e notifique.




Lisboa, 05 de Junho de 2025


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[Teresa Costa Alemão]


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[Ana Cristina Carvalho]


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[Tiago Brandão de Pinho]