Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1022/07.6BELSB
Secção:CT
Data do Acordão:01/23/2025
Relator:MARGARIDA REIS
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
IMPOSTO DE SELO
MERCADO MONETÁRIO INTERBANCÁRIO
JUROS INDEMNIZATÓRIOS
ERRO IMPUTÁVEL AOS SERVIÇOS
Sumário:I - No Despacho n.º 20183/88 de 13 de outubro de 1999 do Ministro das Finanças não é feita uma interpretação restritiva das situações de não tributação (por falta de facto tributário) das operações realizadas no âmbito do mercado monetário interbancário (MMI), não resultando do mesmo a sua limitação às operações realizadas entre bancos.
II - Perante a constatação de que as liquidações de imposto de selo em causa se fundam numa interpretação errada do direito aplicável, padecendo de um erro nos pressupostos de direito, encontra-se preenchido o requisito do erro imputável aos serviços, constante do n.º 1 do art. 43.º da LGT.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
I. Relatório

A Fazenda Pública, inconformada com a sentença proferida em 2022-07-11 pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou totalmente procedente a impugnação judicial interposta por D... (PORTUGAL), S.A., tendo por objeto o despacho de deferimento parcial do recurso hierárquico, proferido pelo Subdiretor-Geral dos Impostos em 03.01.2007, interposto contra a decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa nº 400043.9/01 do SF, referentes às liquidações de Imposto do Selo com os nºs 18071, no valor total de 21.213.609$00, respeitante ao exercício de 1997 e n.º 18072, no valor total de 53.523.276$00, relativa ao exercício de 1998, vem dela interpor o presente recurso.

A Recorrente encerra as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:

CONCLUSÕES:

A. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo Tribunal a quo, que julgou procedente a impugnação deduzida por D...PORTUGAL SA, contra a decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa n.º 400043.9/01, interposta na sequência dos atos de liquidação de Imposto Selo n.ºs 18071 e 18072, respeitantes aos anos de 1997 e 1998.

B. A matéria em discussão nos presentes autos prende-se com a não liquidação do Imposto Selo devido sobre o contrato de abertura de crédito celebrado em 31.12.1998, entre o Impugnante, ora recorrido, e a sociedade Factoring “H... SA”.

C. O douto Tribunal decidiu anular as liquidações de imposto selo, defensando que o entendimento da AT labora em lapso, por considerar que está em causa uma isenção de imposto selo criada pelo Despacho nº 20183/88 de 13.10.1999 do Ministro das Finanças, quando assim não é.

D. Ressalvando sempre o devido respeito, que é muito, a Fazenda Pública não pode concordar com o entendimento vertido na douta sentença uma vez que a Fazenda Pública não discute a aplicação do referido despacho, por entender que o mesmo só tem aplicação nas operações realizadas entre bancos, o que não ocorre no caso em apreço, já que, a operação foi realizada entre um banco e uma empresa de Factoring.

E. No entanto, salvo o devido respeito, por opinião diversa, parece-nos evidente, que o Tribunal a quo, não conheceu a verdadeira questão em discussão nos autos, na medida em que não apreciou a qualidade da sociedade Factoring “H... SA”, para atender à eventual aplicação ou não do despacho do Ministro das Finanças n.º 20183/99 de 13 de outubro.

F. Pelo que, não se tendo o Tribunal pronunciado sobre a questão central nos presentes autos, nem tendo justificado as razões do seu não conhecimento, verifica-se que, salvo melhor opinião, a decisão aqui em escrutínio ficou condicionada por manifesta omissão de pronúncia.

G. O Tribunal a quo decidiu ainda condenar a Autoridade Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, todavia, o direito a juros indemnizatórios traduz um dever de indemnização, ligado ao pagamento indevido de tributos e à consequente privação, por mais ou menos tempo, de disponibilidade de capital, o que não ocorreu no caso concreto.

H. No caso em apreço, salvo o devido respeito, não ficou demonstrada, quanto aos atos de liquidação impugnados, a existência de qualquer erro imputável aos serviços, como exige a norma do n.º 1, do artigo 43.º da LGT, pelo que, ao contrário do doutamente decidido, é de concluir que não são devidos juros indemnizatórios, com base na citada disposição legal.

I. Decidindo o Tribunal a quo como decidiu, determinando a procedência da ação, quando se impunha a improcedência, incorreu em de erro de julgamento na aplicação do direito.

Termina pedindo:

Termos em que, concedendo-se provimento ao presente recurso, deve a douta sentença, ora recorrida, ser revogada, assim se fazendo a costumada justiça!


***

A Recorrida apresentou contra-alegações, nas quais conclui como se segue:

CONCLUSÕES

A) O recurso da matéria de facto interposto pela AT deve ser liminarmente rejeitado por incumprimento do ónus de alegação previsto no artigo 640.º do CPC, aplicável ex vi artigo 281.º do CPPT, na medida em que a Recorrente não cumpre o ónus imposto naquele artigo.

B) A Recorrente invoca, em sede de recurso, dois fundamentos contra a sentença recorrida: (i) nulidade por omissão de pronúncia, quanto à questão da qualificação da H... Factoring para aferir da aplicação ou não da isenção estabelecida no despacho do Ministro das Finanças n.º 20183/99, de 13 de outubro; e (ii) erro de julgamento de direito na condenação da Recorrente no pagamento de juros indemnizatórios ao Recorrido.

C) Estes dois fundamentos de recurso são claramente improcedentes.

D) Em primeiro lugar, contrariamente ao afirmado pela Recorrente, a sentença recorrida não enferma de omissão de pronúncia, uma vez que o Tribunal a quo se pronunciou sobre todas as questões suscitadas pelas partes.

E) Mais, o Tribunal a quo expressamente refere que a qualificação dos intervenientes na operação enquanto “bancos” não é relevante, pois o que interessa é saber se a operação realizada entre o Recorrido e a H... Factoring havia sido realizada no MMI, tendo esse facto sido dado como provado (cfr. alínea D) da matéria de facto dada como provada na sentença).

F) Em segundo lugar, andou bem o Tribunal a quo ao condenar a Recorrente no pagamento de juros indemnizatórios ao Recorrido com fundamento em erro imputável aos serviços.

G) Isto porque, nos termos dos artigos 100.º e 43.º, n.º 1 da LGT, a AT encontra-se obrigada à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, o que compreende o pagamento de juros indemnizatórios.

H) A quanto acresce que constitui entendimento pacífico da jurisprudência que o direito a juros indemnizatórios previsto no artigo 43.º da LGT emerge do disposto nos artigos 266.º, n.º 2 da CRP e 55.º da LGT, pelo que concluindo-se pela ilegalidade de um ato de liquidação e não sendo tal ilegalidade imputável ao contribuinte, verifica-se a existência de erro imputável aos serviços e, consequentemente, a obrigação de pagamento de juros indemnizatórios (cfr. entre outros, acórdãos do STA de 19.11.2014, no processo n.º 0886/14 e de 14.03.2012, no processo n.º 1007/11, e do TCAS de 31.01.2019, no processo n.º 1058/10.0BELRS).

I) Ora, não sendo, manifestamente, imputável ao Recorrido a ilegalidade das liquidações adicionais de Imposto do Selo, andou bem o Tribunal a quo ao condenar a Recorrente no pagamento de juros indemnizatórios, quer sobre os montantes anulados em reclamação graciosa (35.978.230$00 – € 179.458,65 – de imposto e respetivos juros compensatórios) e em recurso hierárquico (525.740$00 – € 2.622,38 – de imposto e respetivos juros compensatórios), quer ainda sobre o montante anulado em sede de impugnação judicial (€ 24.939,89 e respetivos juros compensatórios).

J) Para além do exposto, nenhum outro vício poderia ser assacado à sentença recorrida pois, como bem refere o Tribunal a quo, o Despacho do Ministro das Finanças n.º 20183/99, de 13 de outubro não consagra qualquer Isenção de Imposto do Selo, limitando-se a esclarecer o que se entende por MMI para efeitos daquele imposto, de quanto resulta que o que determina a natureza de uma operação realizada no MMI é a efetiva aplicação dos excessos de liquidez de uma instituição de crédito noutra.

Termina pedindo:

Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se a sentença recorrida.


***

O Digno Magistrado do M.º Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

***

Questões a decidir no recurso

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, tal como decorre do disposto nos arts. 635.º nºs 4 e 5 e 639.º do Código de Processo Civil (CPC), disposições aplicáveis ex vi art. 281.º do CPPT.

Assim sendo, no caso em apreço, atentos os termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso, há que apurar se a sentença recorrida padece nulidade por omissão de pronúncia, ou de erro de julgamento de facto, por ter feito uma incorreta interpretação da prova, ou ainda, de erro de julgamento de direito por ter feito uma errada interpretação e aplicação ao caso concreto do disposto no n.º 1, do artigo 43.º da LGT.


II. Fundamentação

II.1. Fundamentação de facto

Na sentença prolatada em primeira instância consta a seguinte decisão da matéria de facto, que aqui se reproduz:

III FUNDAMENTAÇÃO

1. Dos Factos

Compulsados os autos e analisada a prova produzida, dão-se como provados, com interesse para a decisão, os factos infra indicados:

A) Em cumprimento da Ordem de Serviço nº 16/2000, de 20.01, os Serviços de Inspeção Tributária da DSPIT, levaram a cabo junto da Impugnante o procedimento de inspeção externa aos exercícios de 1997 e 1998, inspeção de âmbito geral efetuada com o objetivo de verificar o cumprimento da situação tributária global (acordo e cfr. fls. 184 dos autos).

B) Em 07.06.2000 foi elaborado o Relatório Final da Ação Inspetiva, do qual consta, de entre o mais, o seguinte:

“(…)

3 DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES À MATÉRIA COLECTÁVEL

(…)

3.2 - Exercício de 1998

(…)

3.2.4 – Correcções - Imposto do Selo

(…)

3.2.4.2 Outros Créditos

Da análise efectuada à conta “2209-Crédito Interno - Outros Créditos”, verificámos os registos contabilísticos de operações de crédito, cujos montantes se apresentavam elevados.

Estas operações de crédito, consubstanciam-se em aberturas de crédito nos termos em que são definidas no Artº. 1º, da Tabela Geral do Imposto do Selo.

Procedemos à elaboração de mapa com evidência dos financiamentos seleccionados (C/2209) (Anexo 50), com vista à determinação do imposto do selo devido, do apuramento do imposto do selo liquidado pelo Banco e do imposto do selo a corrigir.

Assim, para as operações de crédito que seleccionámos, que se configuram em aberturas de crédito nos termos do Artº. 1º., da TGIS, apurámos o total de imposto do selo devido, no montante de 56.888.712$00, ao qual subtraímos o imposto do selo liquidado pelo Banco, no montante de 16.100.000$00, donde resultou o total de imposto do selo a corrigir, nos termos do Artº. 1º., da TGIS, no valor de 40.788.712$00 (Anexo 50).

(…)

5. DIREITO DE AUDIÇÃO - FUNDAMENTAÇÃO

O D...de Investimento, SA foi, nos termos previstos nos Artºs. 60º da LGT e 60º do RCPIT, notificado para, no prazo de 10 dias, exercer o direito de audição, por escrito ou oralmente, sobre o projecto de conclusões do relatório de inspecção referente aos exercícios analisados. A data de recepção da referida notificação (conforme Aviso de Recepção), foi 22.Maio.2000.

Passado o prazo referido, o sujeito passivo não exerceu o direito que lhe assistia, pelo que as correcções descritas no projecto de conclusões, passaram a definitivas. Foi levantado o respectivo auto de notícia relativo às infracções verificadas nos dois exercícios e elaborados modelos 382 para Imposto sobre o Valor Acrescentado e DC 22 para IRC.”

(cfr. fls. 182 a 202 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).

C) O anexo 50 ao Relatório parcialmente transcrito na alínea antecedente, contém no seu teor, de entre o mais, a seguinte operação respeitante a “Clientes com extracto em falta”: Account Moeda Dez./1998 Câmbio Base Trib. Taxa Imp. falta 1901678 00014381-Lis PTE 1.000.000.000 1 1.000.000.000 0,005 5.000.000

(cfr. fls. 176 a 178 do PAT).

D) A operação referida na alínea antecedente foi realizada pela Impugnante no âmbito do Mercado Monetário Interbancário, através do qual cedeu em 30.12.1998, com vencimento em 29.01.1999, à sociedade “H..., S.A.” o montante de 1.000.000.000$00, tendo a operação sido realizada pelo Banco de Portugal através da liquidação financeira na conta de depósitos à ordem nº 430 (cfr. fls. 435 do PAT).

E) Em 03.07.1998 foi aprovado no “Credit Comitee” da Impugnante, o denominado “Credit Report” datado de 11.05.1998, do qual consta, de entre outras entidades, a sociedade H... Factoring, com os seguintes elementos:

5) H... Factoring

New:

i) PTE 1 bn (10.000) Money Market line; term, 1 year, commited for drawdowns up to 6 months, min. Margin: 0.125% p.a.; int. payment and reimbursement: at the end of each drawdown;

(…)” (cfr. fls. 455 do PAT).

F) Em concretização das correções constantes do Relatório da Ação Inspetiva parcialmente transcrito em B), foram notificadas à Impugnante por ofícios de 25.09.2000 do Serviço de Finanças de Lisboa 2, as liquidações de imposto do selo dos anos de 1997 e 1998, nos montantes de 21.213.609$00 e 53.523.276$00€, incluindo 4.830.091$00 e 6.788.965$00 de juros compensatórios, tudo respetivamente (cfr. fls. 41 e 43 dos autos).

G) As liquidações referidas na alínea antecedente foram pagas em 26.10.2000 (cfr. fls. 40 e 42 dos autos).

H) Notificada das liquidações de imposto do selo e de juros compensatórios referidas em F), a Impugnante apresentou em 25.01.2001 reclamação graciosa, que foi instaurada no Serviço de Finanças de Lisboa 2 sob o nº 324720010400043.9, e à qual juntou 27 documentos consubstanciados em documentos internos comprovativos de operações realizadas, contratos de abertura de crédito, notificações e guias de pagamento (cfr. fls. 1 a 118 do processo de reclamação graciosa apenso ao PAT, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

I) Em 18.07.2003 foi elaborado o projeto de decisão da reclamação graciosa no qual, de entre o mais, consta o seguinte:

“(…)

d) Juros Indemnizatórios

141. Nos termos do n.º 1 do art.º 43º da LGT, “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da divida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

142. Decorrem daqui 3 condições cumulativas para a reclamante ter direito aos juros indemnizatórios:

142.1. Que haja um erro imputável aos serviços num acto de liquidação de um tributo;

142.2. Que o meio processual onde este seja determinado seja a reclamação graciosa ou a impugnação judicial;

142.3. Que esse erro tenha originado um pagamento superior ao que seria devido.

143. Quanto à segunda condição não se levantam dúvidas em relação ao seu preenchimento, dado que o pedido de juros indemnizatórios foi efectuado no presente processo, ou seja onde se fez a sindicância da(s) ilegalidade(s) que é deles pressuposto.

144. Quanto à terceira condição temos a informar que a reclamante efectuou o pagamento do tributo exigido no dia 26/10/2000. conforme documento n.º 27 que junta à p.i. e informação do SF Lisboa 2 a fls. 121 dos autos.

145. Portanto a questão a decidir resume-se à existência ou não de erro imputável aos serviços nas anulações propostas na presente informação, ou seja à primeira das três condições antes identificadas para o reconhecimento do direito aos juros indemnizatórios.

146. A interpretação clássica do erro imputável aos serviços compreende o erro decorrente de uma culpa funcional, não existindo desde que os funcionários ou agentes do Estado ajam com diligência suficiente e normal. Portanto desde que estivesse ao alcance desses funcionários ou agentes evitar o erro, este seria imputável aos serviços. caso contrário não o seria.

147. De todas as anulações dos actos tributários de liquidação de IS/1997 e IS,1998. propostas neste projecto de decisão, só encontramos duas que preenchem esta exigência: as que vêm propostas nos pontos esta informação, ambas relativas ao cliente 112383. Verificam-se nestes dois casos uma falta na metodologia de controle e de apuramento do IS devido adoptada pela DSPIT. Já que estando o limite de crédito, acordado no respectivo contrato. expresso em moeda nacional, a análise de eventuais utilizações excessivas deveria ter sido efectuada após a conversão das mesmas para escudos, e não na moeda da respectiva utilização, que foi no caso concreto o iene japonês. E este pormenor não é inócuo. É que no caso de um decréscimo da taxa de câmbio, o cliente podia utilizar em cada momento uma maior quantidade de moeda estrangeira mantendo o mesmo nível de utilização de moeda nacional, não ultrapassando por conseguinte o limite de crédito contratado e tributado. Acontece que se o controle das utilizações se efectuar em moeda estrangeira, como aconteceu, as consecutivas utilizações de maior quantidade de moeda estrangeira conduzem sempre ao apuramento de um excesso de utilização face ao anteriormente contratado e/ou tributado, comportando assim liquidações adicionais indevidas. que seriam evitáveis pelos serviços. Assim, e apenas nesta parte, somos de opinião que seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios pela reclamante, nos termos do n.º do art.º 43º da LGT.

148. Em relação a todas as outras anulações propostas, verifica-se que o foram em virtude da apresentação de elementos de prova indispensáveis ao afastamento da tributação, nomeadamente dos documentos n.º 5, 10, 11, 12, 13, 15, 17, 19 e 20. Tratam-se de factos dos quais a reclamante detinha o monopólio da prova, sendo-lhe por conseguinte imputável em exclusivo o vício da liquidação que as anulações antes propostas pretendem sanar, sendo de negar em relação às mesmas o direito a juros indemnizatórios em virtude da ausência de erro imputável aos serviços, que nos termos do n.º1 do art.º 43º da LGT, como já se referiu, é condição sine qua non para a existência desse direito.

IV - PROPOSTA DE DECISÃO

149. Com os fundamentos antes aduzidos. bem como os constantes do relatório de inspecção, somos de parecer que a presente reclamação deve ser parcialmente deferida e reconhecido o direito aos juros indemnizatórios em parte, de acordo com o quadro seguinte:

J) Notificada para o exercício do direito de audição prévia, a Impugnante exerceu o mesmo em 04.09.2003 (cfr. fls. 97 a 108 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

K) Por despacho proferido pelo Diretor de Finanças Adjunto de Lisboa, em 19.04.2005, proferida decisão definitiva de deferimento parcial da reclamação graciosa, anulando parcialmente o montante de imposto do selo de 35.978.230$00 e correspondentes juros compensatórios (cfr. fls. 110 a 120 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

L) Notificada da decisão referida na alínea antecedente, a Impugnante interpôs recurso hierárquico em 20.05.2005, no qual formulou o seguinte pedido:

“Deste modo, pretende o Recorrente que seja revogada a decisão de deferimento parcial que ora se contesta no sentido de:

i) anular a parcela da correcção promovida em matéria de “outros créditos” com referência ao exercício de 1998, do cliente n.º 109033, no valor de € 2.622,38 (Esc. 525.740) e do cliente n.º 901678, no valor de 24.939,89 (Esc. 5.000.000);

ii. arbitrar ao Recorrente os juros indemnizatórios devidos em virtude da anulação das correcções efectuadas.”

(cfr. fls. 122 a 127 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

M) Por despacho de 24.11.2006, proferido pela Subdiretora-Geral dos Impostos, foi sancionada a informação nº 327/2006 da DSIMT, com o seguinte teor:

“I. DESCRIÇÃO DOS FACTOS

1. Na sequência de acção inspectiva realizada pela Direcção de Serviços de Prevenção e Inspecção Tributária (DSPIT), foi o Recorrente notificado por ofícios de 25.09.2000 de duas liquidações adicionais de Imposto do Selo a título de aberturas de crédito, descobertos em depósitos à ordem (art. 1º da Tabela Geral do Imposto do Selo - TGIS) e sobre operações financeiras (art. 120º-A da TGIS):

i. ofício n.º 18071, referente ao exercício de 1997, no valor total de 21.213.609$00 (16.383.518$00 a título de imposto do selo e o remanescente, no valor de 4.830.091$00, a título de juros compensatórios);

ii. ofício n.º 18072, referente ao exercício de 1998, no valor de 53.523.276$00 (46.734.311$00 a título de imposto do selo e o remanescente, no valor de 6.788.965$00, a título de juros compensatórios).

2. Em 25.01.2001 a ora Recorrente, então Reclamante, deduziu Reclamação Graciosa contra as referidas liquidações.

3. Na referida reclamação requeria que fosse totalmente anulada, por se revelar ilegal e até inconstitucional, a liquidação adicional de Imposto do Selo respeitante aos exercícios 1997 e 1998 que incidiu sobre as aberturas de crédito e sobre as operações financeira, acrescida dos respectivos juros compensatórios, no montante global de 74.736.885$00.

Caso assim não se entendesse, que fosse restituída ao Reclamante a quantia de 45.356.281$00 respeitante ao Imposto do Selo que este pagou e que demonstrou não ser devido, acrescida dos juros indemnizatórios correspondentes.

4. Por Despacho de 18.08.2003 do Director de Finanças Adjunto, e atendendo ao disposto no art. 60º da Lei Geral Tributária (LGT), foi o sujeito passivo notificado do projecto e decisão do processo de reclamação graciosa e para vir exercer o direito de audição prévia. No referido projecto propunhase o deferimento parcial da reclamação do sujeito passivo, nomeadamente a anulação de imposto liquidado no montante de 7.215.346$ e o direito a juros indemnizatórios respeitantes a imposto liquidado no valor de 537.282$00.

5. Exercido o direito de audiência prévia pelo então Reclamante e com base nos novos elementos apresentados, a Direcção de Finanças de Lisboa proferiu despacho em 19.04.2005, no sentido de (i) convolar em definitivo o projecto de decisão, no sentido do deferimento parcial do pedido, correspondente à anulação de imposto do selo no montante de 7.215.346$00, e (ii) anular ainda parte do imposto do selo liquidado, no valor de 28.762.884$00, em resultado da apresentação de meios de prova, em sede de audiência prévia, até então indisponíveis.

Assim, no seguimento da reclamação graciosa parcialmente deferida foi anulado imposto do selo no montante total de 35.978.230$00.

6. Notificado do despacho definitivo em 22.04.2005, o D...(Portugal, S.A.) interpôs recurso hierárquico do indeferimento parcial da reclamação graciosa em 20.05.2005.

7. A Direcção de Finanças propõe o deferimento parcial do recurso, nomeadamente no que respeita à anulação do montante de 525.740$00 liquidado em 04.02.1998 pelo cliente do Recorrente n.º 109033. Quanto às outras questões recorridas - anulação de uma liquidação do cliente da Recorrente n.º 901678, no valor de 5.000.000$00, e pedido de juros indemnizatórios - considerou a Direcção de Finanças que as mesmas deveriam ser objecto de indeferimento.

APRECIAÇÃO DO RECURSO

O recurso é tempestivo (artºs. 66º e 76º do CPPT) e o Recorrente é parte legítima (art. 9º do CPPT).

a. Exercício de 1998 — Cliente n.º 109033: € 2.622,38 (525.740$00)

Em 23.03.1996 foi celebrado um Contrato de Abertura de Crédito entre o Recorrente e o Cliente n.º 109033, no montante de 350.000.000$00, tendo sido liquidado o correspondente imposto do Selo, à taxa de 0,6%, no valor de 2.100.000$00.

Em 18.04.1996 houve um aditamento ao referido contrato, do qual resultou um aumento do crédito, no montante de 181.000.000$00, liquidando-se o Imposto do Selo devido, à taxa de 0,5%, no valor de 901.936$00. Assim, ficou quanto a este crédito por liquidar a quantia 3.064$00, o que o ora Recorrente reconheceu na sua Reclamação Graciosa.

Em 28.02.1997 teve lugar novo aditamento ao contrato, no valor de 51.000.000$00, do qual foi liquidado o respectivo imposto, à taxa de 0,5%, no montante de 255.000$00.

No que ao exercício de 1998 diz respeito, mais concretamente em 29.01.1998, foi efectuado um terceiro aditamento ao contrato, no valor de 105.000.000$00, pelo que haveria que liquidar o devido imposto à taxa de 0,5% — 525.740$00. É quanto a este aditamento que a Recorrente pretende reconhecimento da liquidação do imposto correspondente.

Aquando da Reclamação Graciosa a ora Recorrente juntou como prova de liquidação do referido montante — 525.740$00 — o Documento 21. A Direcção de Finanças de Lisboa considerou no seu projecto de decisão de 18.08.2003, e bem, que esse documento não comprovava a liquidação do imposto por não fazer prova do lançamento desse montante na conta 390260 do PCSB, como impunham as regras contabilísticas a que estava sujeito numa operação deste tipo.

Notificada deste Despacho, juntou a então Reclamante dois documentos - 8 e 12 - mas, mais uma vez, os mesmos não comprovavam a referida liquidação.

Já no Recurso Hierárquico vem a Recorrente juntar ao processo, como Documento 7, documento que, agora sim, comprova o lançamento a crédito na conta n.º 390260 do montante correspondente ao imposto liquidado, no valor de 2.622,38 (525.740$00).

Assim, e como informa a Direcção de Finanças de Lisboa, tendo agora o Recorrente feito prova da liquidação do referido imposto, deve anular-se o imposto do selo liquidado, no montante de € 2.622,38 (525.740$00).

b. Exercício de 1998 — Cliente n.º 901678: 24.939,89 (5.000.000$00)

Em 31.12.1998 a Recorrente celebrou um contrato de abertura de crédito com a empresa H..., S.A., número de identificação de pessoa colectiva 500723516, CAE 065222 (Sociedades de Factoring), no valor de 1.000.000.000$00.

O Recorrente não liquidou o correspondente imposto do selo, à taxa de 0,5% sobre o montante do crédito, no valor de 5.000.000$00. Para o efeito alega que o mesmo não era devido uma vez que esta operação estaria isenta de imposto do selo à luz da ratio do Despacho do Ministro das Finanças n.º 20183/99, de 13 de Outubro (Diário da República, II série, n.º 249, de 25.10.149), tanto mais que a referida isenção foi consagrada no actual Código do Imposto do Selo, mais concretamente no seu art. 7º, n.º 1, al. e). Assim, o referido contrato, celebrado em 1998, estaria isento de imposto do selo.

O referido Despacho, referente às operações no mercado monetário interbancário, estabelece no seu n.º 3 que se consideram como “realizadas no mercado monetário interbancário e, consequentemente, não tributáveis em imposto do selo as operações realizadas entre bancos desde que formalmente acordadas e confirmadas entre salas de mercados dos mesmos nas condições normalmente adoptadas naquele mercado”.

Ora, da leitura do preceito transcrito resulta que estão isentas de imposto do selo as operações realizadas entre bancos. Ora, a operação em análise realizou-se entre um banco e uma sociedade de factoring, pelo que, a contrario, esta é tributável em sede de imposto do selo - elemento literal.

Além do mais, acrescente-se que não tem razão a Recorrente quando chama à colação a ratio daquele Despacho para concluir pela isenção de imposto do selo nas operações realizadas entre bancos e sociedades de factoring. Da leitura do referido Despacho a conclusão é clara - só estão isentas as operações realizadas entre bancos. Assim, não é de fazer uso do elemento teleológico uma vez que, caso se concluísse que haveria lugar a isenção, estaríamos a efectuar uma interpretação sem o mínimo de correspondência com o disposto no Despacho do Ministro das Finanças. Tal já faria sentido caso estivéssemos perante uma disposição abrangente cujo elemento literal permitisse suscitar várias interpretações.

E acrescente-se ainda que o facto dessas operações passarem a estar isentas ao abrigo do actual Código, mais concretamente à luz do art. 7º, n.º 1, al. e) do CIS (na redacção original era o art. 6º, n.º 1, al. e), nada trás de novo às pretensões do Recorrente: a isenção só se aplica aos factos posteriores à sua entrada em vigor (art. 12º, n.º 1 da LGT), ou seja, 01.03.2000 (art. 6º, n.º 1 da lei n.º 150/99, de 11 de Setembro).

Assim, é de improceder o recurso da Recorrente quanto à anulação do imposto liquidado no seguimento desta operação, no valor de 5.000.000$00.

c. Juros indemnizatórios

No entendimento do Recorrente não deveriam ter sido efectuadas as duas liquidações adicionaisde Imposto do Selo a título de aberturas de crédito e sobre operações financeiras respeitantes aos anos de 1997 e 1998.

Nos termos do art. 43º, n.º 1 da LGT, “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulta pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

Alega então o Recorrente, quanto ao direito a juros indemnizatórios, que o erro será sempre imputável aos Serviços, comprovando-se essa imputabilidade sem necessidade de mais, pela procedência ainda que parcial da reclamação graciosa apresentada.

É citada a este propósito a obra do Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal Administrativo, Jorge Lopes de Sousa, de onde se retira que “(...) independentemente da prova da culpa de qualquer das pessoas ou entidades que a integram, qualquer ilegalidade não resultante de uma actuação do sujeito passivo será imputável a culpa dos próprios serviços” - sublinhado nosso.

Ora, esclarece o referido autor que, ao contrário do que é alegado pelo Recorrente, a prova da culpa da Administração não resulta imediatamente do deferimento de reclamação graciosa ou da procedência de impugnação judicial, ressalvando para o efeito as situações de vícios resultantes de uma actuação do sujeito passivo. Importa assim determinar se o erro é imputável aos serviços ou se, pelo contrário, resulta da actuação do sujeito passivo.

Os órgãos da Administração Tributária e os contribuintes estão sujeitos a um dever de colaboração recíproco, conforme o disposto no art. 59º, n.º 1 da LGT.

A Inspecção Tributária e os sujeitos passivos estão igualmente sujeitos a um dever de cooperação, art. 9º, n.º 1 do RCPIT.

Não é, desta forma, inequívoco que o erro seja sempre imputável aos serviços, uma vez que se ressalva a actuação do sujeito passivo.

Assim, “não basta que da decisão anulatória resulte inequívoca a qualificação do erro como erro de facto, para se concluir pela responsabilidade: faltaria ainda que dessa decisão resultasse igualmente líquida a comprovação de que esse erro era imputável aos serviços”, in Ciência e Técnica Fiscal, n.º 369, pág. 339 e ss. (Parecer n.º 144/92 do Centro de Estudos Fiscais).

Acrescente-se que “para que a Fazenda Nacional deva indemnizar o contribuinte é necessário que seja convencida, no processo, de que no acto tributário houve erro imputável aos serviços.

Ora este convencimento não cabe na lógica de um puro processo de anulação, que não deve limitar a formulação de um juízo acerca da ilegalidade do acto, e esta existirá quer o erro de facto seja imputável aos serviços quer não. O juízo acerca desta imputabilidade não respeita já a legalidade do acto, mas a sua licitude, integrando-se assim numa lógica de uma acção condenatória que visa exigir a prestação de uma coisa ou de um facto, pressupondo ou prevendo a violação de um direito”, Alberto Xavier, in Revista de Ciência e Técnica Fiscal n.º 369, pág. 340.

No caso em análise, cabia ao sujeito passivo disponibilizar todos os elementos necessários à correcta realização da inspecção tributária, nomeadamente a evidência contabilística dos registos dos compromissos assumidos pelo Banco e os justificativos da liquidação do imposto de selo devido pelo crédito concedido sob a forma de descobertos em D.O.

Não dispondo a Administração Tributária dos restantes elementos que permitiriam concluir pela correcta liquidação, uma vez que o Recorrente apenas disponibilizou os mesmos aquando da reclamação graciosa, da audição prévia e do recurso hierárquico, agiu esta em conformidade com as informações de que tinha conhecimento à data da inspecção.

A Administração reconhece, de resto, que se verificou efectivamente um erro imputável aos Serviços relativamente ao cliente n.º 112383, admitindo-se uma falta na metodologia de contrário e apuramento do imposto do selo devido adoptada pela Direcção de Serviços de Prevenção e Inspecção Tributária (DSPIT).

Ora, apenas faz sentido o alegado pelo Recorrente relativamente ao cliente supra referido, pois admitindo a Administração o erro em resposta à reclamação e comprovando-se desta forma a sua imputabilidade aos serviços, há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios pela procedência parcial da reclamação apresentada.

O mesmo já não acontece relativamente à restante liquidação anulada, em que apenas foi possível comprovar que não haveria lugar à liquidação de imposto do selo após a junção ao processo dos elementos em falta.

Todas as anulações resultam da apreciação da prova produzida pelo Recorrente nas fases de reclamação e do recurso hierárquico e não de erro de facto imputável à Inspecção Tributária.

Esta agiu correctamente quando, de acordo com a lei e com os elementos de que dispunha na fase de inspecção, procedeu às correcções que originaram as liquidações adicionais.

Face às circunstâncias, era este e não outro, o comportamento exigível à Inspecção Tributária.

Inexiste, deste modo, erro imputável à Administração Tributário e consequente direito do contribuinte aos juros indemnizatórios.

d. Conclusão

Com os fundamentos antes aduzidos, deverá (1) anular-se o imposto do selo liquidado ao Cliente n.º 109033, no montante de € 2.622,38 (525.740$00), (ii) ser julgado improcedente o pedido de anulação do imposto liquidado ao Cliente n.º 901678, no valor de € 24.939,89 (5.000.000$00) e (iii) negar-se o direito a juros indemnizatórios.

E, nos termos do art. 60º, n.º 1, al. b) da LGT, deverá o Recorrente ser notificado desta proposta de decisão para o exercício do direito de audição que lhe assiste.” (cfr. fls. 131 a 137 dos autos).

N) Após notificação para o exercício do direito de audição prévia, sem que o mesmo tenha sido exercido, por despacho de 03.01.2007 da Subdiretora-Geral dos Impostos, foi convolado em definitivo o projeto de decisão de deferimento parcial do recurso hierárquico (cfr. fls. 161 a 163 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

O) Notificada da decisão referida na alínea antecedente, a Impugnante apresentou a presente impugnação em 16.04.2007 (cfr. fls. 204 dos autos).

P) Em 30.10.1998 já o Banco de Portugal atestou a seguinte operação:

“Mercado Monetário Interbancário Operações Sem Garantia

Nos termos das normas em vigor foi efectuada entre as instituições 0043 – DBI – D...DE INVESTIMENTO, SA (cedente) e 0699 – HEL – H..., SA (adquirente) a seguinte operação de transferência de liquidez:

VENCIMENTO DATA-VALOR DIAS TAXA IMPORTÂNCIA 98/12/31 98/10/30 62 3,9500 1 000 (mil contos)

O Banco de Portugal movimenta a conta de Depósitos à Ordem da Instituição CEDENTE:

- Na data-valor, a DÉBITO, pela importância de 1 000 (mil contos)

- No vencimento, a CRÉDITO, pela importância de 1 006 709 589 $.” (cfr. fls. 171 dos autos).

Q) Em 25.10.1999 foi publicado no Diário da República – II Série, nº 249, o seguinte Despacho nº 20183/99 do Ministro das Finanças António de Sousa Franco:

Operações no mercado monetário interbancário

1. O enquadramento das operações realizadas no âmbito do mercado monetário interbancário em imposto do selo tem suscitado dúvidas, existindo actualmente diversos processos pendentes em cuja resolução deverão ser adoptados procedimentos uniformes e equitativos, consentâneos com o entendimento que, não sendo inovatório, veio a ser explicitado no novo modelo de tributação em selo.

2. Embora constitua entendimento pacífico que as operações efectuadas no âmbito do mercado monetário interbancário não são passíveis de tributação em imposto do selo, suscitam-se dúvidas quanto ao conceito de mercado monetário interbancário para efeitos deste imposto.

3. Com vista ao esclarecimento desta dúvida, determino que se considerem como realizadas no mercado monetário interbancário e, consequentemente, não tributáveis em imposto do selo as operações realizadas entre bancos desde que formalmente acordadas e confirmadas entre as salas de mercados dos mesmos nas condições normalmente adoptadas naquele mercado. 4. Não obsta ao disposto no número anterior o modo como sejam internamente processadas e contabilizadas as referidas operações, pois a natureza da operação resulta da efectiva aplicação dos excessos de liquidez de uma instituição em outra e não da forma como tenha sido processada, assegurando-se desta forma a correcta prevalência do conteúdo sobre a forma, como aliás explicitamente dispõe a Lei Geral Tributária no nº 3 do artigo 11º e no nº 4 do artigo 36º.

5. Este entendimento deverá ser aplicado a todos os processos pendentes, independentemente da fase processual em que se encontrem.” (cfr. fls. 170 dos autos).


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Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afetar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como

não provados.


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Quanto aos factos provados a convicção do Tribunal fundou-se na posição factual expressa pelas partes na p.i. e contestação, na prova documental junta aos autos e no processo administrativo em apenso, tudo conforme referido a propósito de cada alínea do probatório.

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II.2. Fundamentação de Direito

Tal como aqui já se referiu, em causa nos presentes autos está o recurso interposto pela Fazenda Pública da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou totalmente procedente a impugnação judicial interposta por D...(PORTUGAL), S.A., tendo por objeto o despacho de deferimento parcial do recurso hierárquico, proferido pelo Subdiretor-Geral dos Impostos em 03.01.2007, interposto contra a decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa nº 400043.9/01 do SF, referentes às liquidações de Imposto do Selo com os nºs 18071, no valor total de 21.213.609$00, respeitante ao exercício de 1997 e n.º 18072, no valor total de 53.523.276$00, relativa ao exercício de 1998.

Se bem se compreende o alegado pela Recorrente, pretende a mesma que o Tribunal não terá interpretado corretamente a prova produzida, concretamente, a fundamentação da decisão que recaiu sobre o recurso hierárquico, pois na sentença refere-se que a ATA errou ao considerar que no Despacho n.º 20183/88 de 13 de outubro de 1999 do Ministro das Finanças estava em causa uma isenção de imposto, quando “a Fazenda Pública não discute a aplicação do referido despacho, por entender que o mesmo só tem aplicação nas operações realizadas entre bancos, o que não ocorre no caso em apreço, já que, a operação foi realizada entre um banco e uma empresa de Factoring”.

Mais considera que a verdadeira questão em discussão no processo é a “qualidade da sociedade factoring H... S.A.” para atender à eventual aplicação ou não do supramencionado despacho, questão que no seu entender não foi apreciada na sentença, pelo que imputa à mesma a nulidade por omissão de pronúncia.

Não tem, no entanto, razão.

Com efeito, nem o Tribunal interpretou mal a decisão da ATA que sustentou as liquidações de IS contestadas, nem omitiu pronúncia sobre a questão da qualificação jurídica da sociedade “H... SA”.

Antes de mais, cumpre recordar que há muito que se encontra pacificado – na jurisprudência e na doutrina – o que se deve entender como constituindo omissão de pronúncia nos termos do disposto no art. 125.º do CPPT, que tem por norma paralela o art. 615.º do CPC, dizendo a mesma respeito, tão só, às situações em o tribunal de primeiro conhecimento da causa deixe de se pronunciar sobre as questões suscitadas pelo Recorrente.

É o que resulta, por exemplo, do Acórdão do STA proferido em 2020-04-20, no proc. 02145/12.5BEPRT 01190/17, no qual se sumaria “Nos termos do preceituado no citado art. 615, n.º 1, al. d), do C.P.Civil, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões (que não as meras “razões” ou “argumentos”) que devesse apreciar (seja por que foram alegadas pelas partes, seja por que são de conhecimento oficioso, nos termos da lei)”.

Com efeito, nesta matéria, a jurisprudência dos nossos tribunais superiores vem afirmando reiteradamente que “só pode ocorrer omissão de pronúncia quando o juiz não toma posição sobre questão colocada pelas partes, não emite decisão no sentido de não poder dela tomar conhecimento nem indica razões para justificar essa abstenção de conhecimento, e da sentença também não resulta, de forma expressa ou implícita, que esse conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio(cf. Acórdão do STA proferido em 2012-09-19, no proc 0862/12, disponível para consulta em www.dgsi.pt).

Por conseguinte, só haverá omissão de pronúncia “quando o tribunal deixa, em absoluto, de apreciar e decidir as questões que lhe são colocadas, e não quando deixa de apreciar argumentos, considerações, raciocínios, ou razões invocados pela parte em sustentação do seu ponto de vista quanto à apreciação e decisão dessas questões” (cf. Acórdão do STA proferido em 2014-05-28, no proc. 0514/14, disponível para consulta em www.dgsi.pt).

Ora, no extrato pertinente, resulta da fundamentação da sentença o seguinte (destacado nosso):

(…)

Notificado do despacho definitivo em 22.04.2005, o D...(Portugal, S.A.) interpôs recurso hierárquico do indeferimento parcial da reclamação graciosa em 20.05.2005, no qual pediu a anulação do montante de 525.740$00 liquidado em 04.02.1998 pelo cliente do Recorrente n.º 109033 e a anulação de uma liquidação do cliente da Recorrente n° 901678 (“H... Factoring Portugal, S.A.), no valor de 5.000.000$00, e pediu o pagamento de juros indemnizatórios sobre a totalidade dos valores de imposto já anulados em sede de reclamação graciosa.

No recurso hierárquico foi dada razão apenas ao primeiro pedido, indeferindo-se os demais, dizendo-se, em concreto quanto ao segundo pedido de anulação, que o mesmo seria de indeferir atendendo ao teor do Despacho n.º 20183/99 de 13.10.1999 do Ministro das Finanças, já que “da leitura do preceito transcrito resulta que estão isentas de imposto do selo as operações realizadas entre bancos. Ora, a operação em análise realizou-se entre um banco e uma sociedade de factoring, pelo que, a contrario, esta é tributável em sede de imposto do selo - elemento literal.

Além do mais, acrescente-se que não tem razão a Recorrente quando chama à colação a ratio daquele Despacho para concluir pela isenção de imposto do selo nas operações realizadas entre bancos e sociedades de factoring. Da leitura do referido Despacho a conclusão é clara - só estão isentas as operações realizadas entre bancos. Assim, não é de fazer uso do elemento teleológico uma vez que, caso se concluísse que haveria lugar a isenção, estaríamos a efectuar uma interpretação sem o mínimo de correspondência com o disposto no Despacho do Ministro das Finanças. Tal já faria sentido caso estivéssemos perante uma disposição abrangente cujo elemento literal permitisse suscitar várias interpretações.”.

Vejamos então quanto a esta questão.

Do probatório resulta de forma clara que quer a Impugnante, quer a sociedade “H..., S.A.” eram, em 1998, entidades autorizadas pelo Banco de Portugal a aceder ao Mercado Monetário Interbancário (doravante MMI), o que se retira, designadamente, das operações descritas nas alíneas C) e P) do probatório.

Como resulta da Instrução nº 51/98 do Banco de Portugal, o MMI é um mercado organizado no qual as instituições participantes permutam fundos representados por depósitos à ordem no Banco de Portugal denominados em euros, mediante operações sem exigência de garantia ou operações sobre títulos. O processamento e a liquidação das operações do MMI são realizadas através do Sistema de Transferências Electrónicas de Mercado (SITEME), podendo participar neste mercado as instituições autorizadas pelo Banco de Portugal que, tendo estabelecimento em território português, estejam sujeitas ao regime de reservas mínimas do Banco Central Europeu (BCE) e as que, pela natureza da sua atividade ou pelo volume de transações que realizam, assumam relevância no mercado monetário, salvo se a participação no MMI lhes estiver legalmente vedada.

As operações realizadas no MMI visam contribuir para equilibrar os excedentes e as necessidades de moeda primária das instituições residentes sujeitas ao regime de constituição de reservas mínimas do BCE, podendo ser de dois tipos, com ou sem garantia de títulos, sendo dominantes as operações sem garantia de títulos.

Nas operações sem garantia, as instituições podem ceder, sob confiança, fundos detidos nas suas contas de depósito à ordem no Banco de Portugal a outras instituições autorizadas a participar no mercado. As instituições intervenientes negoceiam livremente estas operações de permuta de fundos, no que respeita a montante (em múltiplos de um milhar de euros), taxa de juro (expressa até à décima milésima de ponto percentual), prazo (entre 1 dia e 1 ano) e data-valor (isto é, o momento de efetivação da operação, no próprio dia útil ou no primeiro ou no segundo dia útil imediatamente seguinte). A informação sobre cada operação é comunicada ao Banco de Portugal, que efetua os movimentos necessários à liquidação financeira e contabilização nas contas de depósito das instituições envolvidas. Na data de vencimento das operações, o Banco de Portugal procede automaticamente ao reembolso da operação e à liquidação dos respetivos juros, sem necessidade de intervenção das partes.

As operações com garantia de títulos assumem a forma de transações definitivas ou com acordo de recompra, envolvendo apenas títulos registados no sistema de registo e controlo de valores mobiliários de natureza monetária, cuja administração e funcionamento está a cargo do Banco de Portugal.

Como também resulta do probatório (alínea C)), a operação realizada pela Impugnante em 30.12.1998, pela qual cedeu fundos à “H..., S.A.”, foi realizada e concretizada pelo Banco de Portugal no âmbito do MMI, pelo que dúvidas não existem quanto à natureza da operação.

A Inspeção Tributária procedeu à liquidação do imposto do selo sobre a referida operação pelo facto da mesma constar, entre outras, na conta "2209-Crédito Interno - Outros Créditos”, consubstanciando-se em aberturas de crédito nos termos em que são definidas no artigo 1º, da Tabela Geral do Imposto do Selo.

Em sede de reclamação graciosa veio a Impugnante invocar a natureza da operação, juntando alguns documentos comprovativos da mesma, sendo que a partir desse momento a posição da AT passou a ser a de que não é aplicável a isenção de imposto do selo determinada pelo Despacho do Ministro das Finanças de 13.10.1999, porquanto não se trata de operação entre Bancos, posição que foi de modo claro reiterado em sede de recurso hierárquico.

Vejamos então.

Antes de mais importa evidenciar um evidente lapso em que quer a decisão da reclamação graciosa, quer a decisão do recurso hierárquico, incorrem: a de considerar que está em causa uma isenção de imposto do selo criada pelo Despacho nº 20183/88 de 13.10.1999 do Ministro das Finanças, quando assim não é. Com efeito, basta atentar no referido despacho para facilmente se concluir que o que aquele diz no seu número 2 é que “constitui entendimento pacífico que as operações efectuadas no mercado monetário interbancário não são passíveis de tributação em imposto do selo”, o que deixa claro que a não tributação daquelas operações resulta da circunstância de se encontrarem excluídos de tributação, ou seja, não constituem facto tributário em sede de imposto do selo.

Portanto, o que aquele despacho se limita a fazer é um esclarecimento administrativo, vinculativo para a então DGCI, sobre aquilo que se deve entender como MMI para efeitos do imposto do selo. E nesse esclarecimento o que, quanto a nós se realça, não é propriamente o facto de referir a palavra “bancos”, mas a parte seguinte em que se diz “desde que formalmente acordadas e confirmadas entre as salas de mercados dos mesmos nas condições normalmente adoptadas naquele mercado”, acrescentando ser irrelevante a forma de processamento e contabilização interna das referidas operações (ou seja, é indiferente que as mesmas sejam contabilizadas como abertura de crédito e contabilizadas em conta dessa natureza ou contabilizadas de qualquer outra forma), e isto porque o que confere a natureza da operação é a efetiva aplicação dos excessos de liquidez de uma instituição em outra. Aliás, veja-se que o facto de naquele despacho se falar num momento em “Bancos” (nº 2), e noutro em “instituições” (nº 4), é demonstrativo que o essencial, ou o objetivo daquele despacho não era produzir o entendimento de restringir a não tributação em imposto do selo às operações entre Bancos (caso em que necessariamente se teria dito que seriam não tributáveis em imposto do selo as operações realizadas apenas entre bancos), admitindo-se que a formulação constante do despacho resulta do facto de as operações mais comuns realizadas no âmbito do MMI ocorrerem entre Bancos. Antes o objetivo era o de formular o requisito “desde que formalmente acordadas e confirmadas entre as salas de mercados dos mesmos nas condições normalmente adoptadas naquele mercado”, e de determinar como irrelevante a forma de processamento e contabilização interna das referidas operações.

Por isso, todo o entendimento formulado pela AT em sede de reclamação graciosa e de recurso hierárquico se encontra viciado de erro, nunca tendo sido posta em causa a verificação dos efetivos requisitos constantes daquele despacho para a continuação do entendimento da não tributação (por falta de facto tributário) das operações realizadas no âmbito do MMI.

E assim sendo, há que entender assistir razão à Impugnante, devendo ser anulada a liquidação de imposto do selo do ano de 1998 pelo valor de 24.939,89€ e os respetivos juros compensatórios liquidados.

(…)

Do segmento transcrito resulta, com meridiana clareza, que o Tribunal a quo entendeu que a ATA errou quando na fundamentação das decisões de reclamação graciosa e recurso hierárquico entendeu que em causa estaria uma isenção de imposto do selo criada através do Despacho n.º 20183/88 de 13 de outubro de 1999 do Ministro das Finanças, quando do próprio despacho resultava que as operações efetuadas no mercado monetário interbancário (MMI) não são passíveis de tributação em imposto do selo, não constituindo facto tributário para esse efeito, e quando interpretou – erradamente – o referido despacho ao considerar que o esclarecimento administrativo constante do mesmo sobre o que se deveria entender como MMI para efeitos do imposto do selo se limitava às situações em que apenas estivessem em causa operações realizadas entre bancos, e como tal, conclui – e bem - pela ilegalidade da correção efetuada pela Administração tributária, por a mesma padecer de erro de direito nos respetivos pressupostos, por fazer uma incorreta interpretação e aplicação ao caso do Despacho 20183/88.

Ora, e defendendo o Tribunal a quo – e repete-se, que bem – que o referido Despacho deveria ser interpretado como tendo o “objetivo [...] de formular o requisito “desde que formalmente acordadas e confirmadas entre as salas de mercados dos mesmos nas condições normalmente adoptadas naquele mercado”, e de determinar como irrelevante a forma de processamento e contabilização interna das referidas operações”, resultando, por isso, do mesmo ser irrelevante que as operações realizadas no âmbito do MMI ocorressem entre bancos ou entre bancos e outras instituições de crédito, como é o caso de sociedade de factoring “H... SA” [cf. art. 6.º, n.º 1, alínea b), ponto iv, do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras], não tinha a sentença que se deter, como pretende a Recorrente, sobre a “qualidade da sociedade Factoring H... SA”.

Tanto é quanto basta para que se conclua que a sentença sob recurso não padece de qualquer omissão de pronúncia, nem reflete qualquer interpretação errónea da fundamentação das decisões da ATA.

Mais alega a Recorrente que a sentença padece de erro de julgamento na interpretação que faz do disposto no n.º 1 do art. 43.º da LGT.

Sucede que também quanto a esta questão não tem razão, pois perante a constatação de que as liquidações de imposto de selo em causa se fundam numa interpretação errada do direito aplicável, padecendo de um erro nos pressupostos de direito, encontra-se preenchido o requisito do erro imputável aos serviços, constante do n.º 1 do art. 43.º da LGT, devendo entender-se o erro imputável aos serviços como o erro sobre os pressupostos de direito, imputável à Administração fiscal, no caso, porque fundamentou as liquidações numa incorreta interpretação do direito (cf. neste sentido, designadamente, o Acórdão proferido pelo STA em 2023-12-13, no proc. 0338/16.5BEAVR, disponível para consulta em www.dgsi.pt).

Assim sendo, e em face do exposto, o presente recurso deve ser julgado integralmente improcedente.


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Atento o decaimento da Recorrente, é sua a responsabilidade pelas custas, nos termos do disposto no art. 527.º, n.º 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT.

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Conclusão:

Preparando a decisão, formulamos a seguinte síntese conclusiva:

I. No Despacho n.º 20183/88 de 13 de outubro de 1999 do Ministro das Finanças não é feita uma interpretação restritiva das situações de não tributação (por falta de facto tributário) das operações realizadas no âmbito do mercado monetário interbancário (MMI), não resultando do mesmo a sua limitação às operações realizadas entre bancos.

II. Perante a constatação de que as liquidações de imposto de selo em causa se fundam numa interpretação errada do direito aplicável, padecendo de um erro nos pressupostos de direito, encontra-se preenchido o requisito do erro imputável aos serviços, constante do n.º 1 do art. 43.º da LGT.

III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao presente recurso.

Custas pelo Recorrente.

Lisboa, 23 de janeiro de 2024 - Margarida Reis (relatora) – Patrícia Manuel Pires – Isabel Silva.