Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 1409/17.6BELRS |
| Secção: | CT |
| Data do Acordão: | 10/24/2024 |
| Relator: | MARGARIDA REIS |
| Descritores: | AÇÃO PARA O RECONHECIMENTO DE UM DIREITO OU INTERESSE LEGALMENTE PROTEGIDO EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA ERRO NA FORMA DO PROCESSO |
| Sumário: | I - A ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legalmente protegido em matéria tributária será o meio processual próprio quando se prove tratar-se do mais adequado, e apenas para assegurar uma tutela plena, eficaz e efetiva do direito ou interesse legalmente protegido. II - Tal não é o caso quando o direito em questão dependa, em primeira linha, da emissão de um ato administrativo e a respetiva emissão não tenha sido previamente requerida, e quando, ainda assim, o contribuinte não prove que a ação para o reconhecimento de um direito seria o meio processual mais adequado para assegurar uma tutela plena, eficaz e efetiva do direito que invoca. |
| Votação: | COM DECLARAÇÃO DE VOTO DO 1º ADJUNTO |
| Indicações Eventuais: | Subsecção Tributária Comum |
| Aditamento: |
| 1 |
| Decisão Texto Integral: | I. Relatório C..., inconformada com a sentença proferida em 2021-10-29 pelo Tribunal Tributário de Lisboa, na qual se julgou verificada a nulidade de erro na forma do processo na ação que ali interpôs para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo e, em consequência, absolveu a Autoridade Tributária da instância, vem dela interpor o presente recurso. A Recorrente encerra as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões: CONCLUSÕES a) A Sentença recorrida julgou procedente a exceção de erro na forma de processo deduzida pela entidade demandada, e concluiu pela absolvição desta última. b) A este respeito decidiu o Tribunal Central Administrativo Norte, no processo 00847/17.9BEAVR, em douto Acórdão proferido em 26-04-2018 e disponível em www.dgsi.pt: «Na interpretação do pedido formulado deve usar-se de alguma flexibilidade não afastando o recurso à figura do pedido implícito, por desta forma se salvaguardar melhor o respeito pelos princípios da tutela jurisdicional efectiva e do princípio pro actione (…)» c) Com efeito, apenas dessa forma é respeitado o preceituado no art. 268.º n.º 4 da C.R.P., na redação dada pela Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de Setembro: “é garantida aos administrados a tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, o reconhecimento desses direitos ou interesses (...)”, à luz do qual deve ser interpretado o disposto no n.º 3 do art. 145.º do C.P.P.T: “as acções apenas podem ser propostas sempre que tal meio for o mais adequado para assegurar uma tutela plena, eficaz e efectiva do direito ou interesse legalmente protegido”. d) No caso dos presentes autos, o pedido formulado não se esgotou na apreciação da operação administrativa de processamento de eventuais declarações de IVA a apresentar pela recorrente, se e quando forem apresentadas, com a pronúncia do Tribunal sobre a existência do direito invocado por aquela. e) E também a doutrina se tem pronunciado sobre a admissibilidade do recurso à ação para reconhecimento de direito nos casos de atos futuros: cfr. Cons. Jorge Lopes de Sousa in Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, 6ª ed., 2011, Vol. I pp. 491/495: «(…) quando, apesar de existir um ou mais atos da administração tributária impugnáveis, o interessado pretender uma decisão judicial que vincule a administração tributária não só relativamente a esses determinados atos já praticados, mas também no futuro, relativamente a situações idênticas que se venham a gerar entre o interessado e a administração tributária que tenham subjacentes os mesmos pressupostos fácticos e jurídicos, situações estas que habitualmente surgem no domínio das relações tributárias dos impostos que não incidem sobre atos isolados (…)» f) Ou seja, é não apenas admissível como constitucionalmente protegida a pretensão de que o Tribunal se pronuncie sobre a admissibilidade do direito invocado fora do quadro limitado da impugnação de atos administrativos específicos. g) A Sentença recorrida violou, por erro de interpretação e aplicação, o disposto nos artigos 71.º, n.º 2, 95.º, n.º 5, ambos do CPTA, art. 145.º, n.º 3 do CPPT, e 268.º, n.º 4 da C.R.P. h) Deveria ter interpretado e aplicado corretamente tais preceitos, julgando improcedente a exceção deduzida e conhecendo do mérito da causa. Termina pedindo: i) Pelo que, com o douto suprimento de V. Exas., deverá ser revogada e substituída por douto Acórdão que faça a habitual JUSTIÇA! *** A Recorrida apresentou contra-alegações, nas quais conclui como se segue: CONCLUSÕES A) A Recorrente não se conformando com o teor da Sentença do Tribunal “a quo” na parte em que julgou improcedente a presente ação, por erro na forma do processo, vem dela interpor Recurso para o Tribunal Central Administrativo Sul, por considerar que a mesma violou, por erro de interpretação e aplicação, o disposto nos artigos 71.º, n.º 2, 95.º, n.º 5, ambos do CPTA, art. 145.º, n.º 3 do CPPT, e 268.º, n.º 4 da C.R.P.. Porém sem qualquer razão. B) Desde logo, porque a presente ação não é o meio adequado para o Autor poder fazer valer a sua pretensão em juízo. C) Bastando atentar no estabelece o n.º 3, do art.º 145.º do CPPT, que as ações para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária apenas podem ser propostas sempre que esse meio processual for o mais adequado para assegurar uma tutela plena, eficaz e efetiva do direito ou interesse legalmente protegido. D) E neste caso não é. E) Aliás, nem se quer se formou na esfera jurídica do A., qualquer direito à dedução, nos termos supra enunciados. F) É pacífico hoje que a todo o direito corresponde uma ação adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, ou a prevenir e reparar a sua violação - princípio geral decorrente do artº. 2.º do CPC, aplicável “ex vi” alínea e) do artº. 2.º do CPPT, igualmente enunciado no nº 2 do artº. 97° da LGT., - não estando a escolha da forma da ação na disponibilidade das partes. G) A ação de reconhecimento de direito prevista no art.º 145° do CPPT, pela sua moldura conceptual e finalidade, não pode ser intentada para fazer valer qualquer direito ou pretensão substantiva na sequência do presente processo pois que detém um mero carácter de complementaridade com relação aos outros meios contenciosos. H) A forma de Processo a empregar encontra-se subtraída à disponibilidade das partes - art.º 97.º/2, da LGT., e art.º 2.º do CPC. I) E o erro na forma do processo constitui exceção dilatória que determina a incompetência relativa do tribunal (art.º 89.º/1 e 4 do CPTA), sendo de conhecimento oficioso, pelo que deve ser conducente à absolvição da instância (art.º 89.º/2 e 3 CPTA). J) Aquilo que se procura tratar nos autos é de um direito que se constitui num momento e que opera integrado na obrigação de apuramento do imposto e ocorre por via da submissão da declaração periódica a que se refere o artigo 29.º do CIVA e não pode ser dissociado da verificação das demais obrigações. K) O A., pretende a emissão pelo Tribunal de uma decisão que se traduza num ato que, como se demonstrou, envolve a formulação de valorações próprias do exercício da função administrativa. L) A apreciação do caso concreto não permite identificar apenas uma solução como legalmente possível. M) Assim sendo, não poderá o Tribunal determinar o conteúdo do ato a praticar, como estabelece o art.º 71.º/2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos. N) Razão pela qual também não podem proceder as pretensões do A., o que será tido em conta com as devidas e legais consequências, designadamente, absolvição da Ré At., do Pedido. Com efeito, O) Como mui acertadamente pontual o Tribunal “a quo”: esta ação de reconhecimento de direito é um meio processual complementar ou imprescindível ao exercício de um direito, estas ações têm sido admitidas pelos Tribunais em casos muito circunstanciados e, em regra, para aplicação do princípio da justiça, por exemplo, em relação a atos que embora pudessem ser atacados através de impugnação judicial, por a causa de pedir se repetir no tempo, podem ser objeto de ação para reconhecimento de um direito; ou para o reconhecimento de juros indemnizatórios. P) Também entendeu o Tribunal recorrido ser de questionar a A., suscitando a sua vinda aos autos para esclarecer se recorreu aos meios legais previstos no DL., 186/2009, de 12 de agosto. Q) A Autora nada veio dizer. R) O pedido de reconhecimento do direito à dedução de IVA tem uma tramitação própria tendente à prolação de um ato final que procederá à definição do concreto quantum a ser reembolsado. S) No caso a Ré AT não apreciou o mérito do pedido, i.e., a AT não decidiu se o A. reunia os pressupostos legais para poder proceder à dedução do montante de IVA incorrido nas transações, pelo que, T) em primeira linha, no presente caso, o Tribunal não pode substituir-se à AT na sua pronúncia, cfr. art. 71°, nº 2 e 95°, nº 5, ambos do CPTA. No sentido sufragado. cf acórdão do TCA Sul, de 21/05/2020, proc. 727/14.0BCTB-A, disponível em www.dgsi.pt. U) Impunha-se à Autora formular, primeiramente, o seu pedido de reembolso junto da Autoridade Tributária e Aduaneira, e, posteriormente, perante um eventual indeferimento do pedido, discutir a sua legalidade junto dos Tribunais, em cumprimento do princípio da tutela jurisdicional efetiva. V) O que não aconteceu. W) Reitera-se a verificação de erro na forma de processo que, não sendo possível suprir por convolação, determina a procedência da exceção invocada pela A T.. X) Verificado o erro na forma de processo e, face à impossibilidade da convolação para a forma de processo adequada, deverá declarar-se nulo todo o processado. Y) A nulidade do processo constitui exceção dilatória com a consequente absolvição do Réu - art. 89.º, nºs. 1 e 4 do CPTA, aplicável ex vi art. 2.º al. c) do CPPT. Z) Obstando ao conhecimento do mérito do pedido. AA) Razões pelas quais deverá ser mantida vigente na Ordem Jurídica a Sentença aqui recorrida que não padece de qualquer vício nem incorre em nenhum erro de interpretação das normas jurídicas convocadas pelo A., nem, de qualquer outra. Termina pedindo: Nestes termos e nos melhores de Direito, sempre com o MUI douto suprimento de V. Ex.ªs, pugnamos por que se mantenha vigente na Ordem Jurídica a Decisão “a quo”, por não se encontrada eivada de qualquer erro o vício, absolvendo-se a Ré AT., tudo com custas a cargo da A., com o que se fará a Sã, Serena e Costumada JUSTIÇA. *** A Digna Magistrada do M.º Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso. *** Questões a decidir no recurso O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, tal como decorre do disposto nos arts. 635.º nºs 4 e 5 e 639.º do Código de Processo Civil (CPC), disposições aplicáveis ex vi art. 281.º do CPPT. Assim sendo, no caso em apreço, atentos os termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso, há que apurar se a sentença padece de erro de julgamento de direito, ao ter considerado que no caso se verificou um erro na forma de processo, por não estarem preenchidos os requisitos para a interposição da ação para obter o reconhecimento de um direito ou interesse legalmente protegido em matéria tributária, prevista e regulada no art. 145.º do CPPT.
II. Fundamentação II.1. Ocorrências processuais e factos relevantes São as seguintes as ocorrências processuais e factos pertinentes para a solução a dar ao presente recurso: 1. A Recorrente C... interpôs perante o Tribunal Tributário de Lisboa e contra a DSIVA – Direção de Serviços do Imposto sobre o Valor Acrescentado, “acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 145.º do CPPT”, na qual peticionou “deverá a presente acção ser considerada procedente por provada e, em consequência, ser reconhecido o direito da A. a recuperar o IVA suportado em Portugal na importação dos produtos a que se reportam operações de exportação realizadas entre 30 de Agosto de 2013 e 13 de Maio de 2014 (melhor identificadas nos documentos n.º 1 a 18, que se juntam e dão por reproduzidos), nos termos e com os efeitos legais” (cf. PI da ação, a fls. 1-7 dos autos, numeração do SITAF). 2. A PI da presente ação deu entrada no Tribunal em 10 de julho de 2017 (cf. comprovativo a fls. 315, numeração do SITAF). * Para a decisão a proferir no presente recurso releva ainda a circunstância de nos autos não se ter provado que a Recorrente tenha dado cumprimento ao disposto no artigo 1.º do Anexo ao Decreto-Lei n.º 186/2009, de 12 de Agosto, alterou o Código do IVA, o Regime do IVA nas Transações Intracomunitárias e criou o regime de reembolso do IVA a sujeitos passivos não estabelecidos no Estado membro de reembolso, publicado em anexo a esse decreto-lei e que dele faz parte integrante (cf. respetivo artigo 6.º). Tal incumprimento foi comunicado aos autos pela Recorrida, na respetiva contestação, e confirmado pelo silêncio da Recorrente que, notificada do teor do despacho proferido a fls. 364-365 dos autos (numeração do SITAF) instando-a a informar se teria dado cumprimento ao disposto na referida norma, nada veio dizer. * II.2. Fundamentação de Direito Alega a Recorrente, em síntese, que a sentença padece de erro de julgamento de direito, por ter feito uma errada interpretação e aplicação ao caso em apreço do disposto nos artigos 71.º, n.º 2, 95.º, n.º 5, ambos do CPTA, art. 145.º, n.º 3 do CPPT, e 268.º, n.º 4 da CRP, pois entende que não se verifica o erro na forma do processo declarado pelo Tribunal a quo. Vejamos então. Do disposto no n.º 3 do art. 145.º do CPPT resulta que “As ações apenas podem ser propostas sempre que esse meio processual for o mais adequado para assegurar uma tutela plena, eficaz e efetiva do direito ou interesse legalmente protegido”. Do n.º 1 desta disposição resulta ainda que “As ações para obter o reconhecimento de um direito ou interesse legalmente protegido em matéria tributária podem ser propostas por quem invoque a titularidade do direito ou interesse a reconhecer”, e do n.º 2 que “o prazo da instauração da ação é de 4 anos após a constituição do direito ou o conhecimento da lesão do interessado”. O Tribunal de primeiro conhecimento da causa entendeu que a ação para o reconhecimento de um direito não era o meio processual adequado para a apreciação do pedido formulado nos autos – a saber, que fosse “… reconhecido o direito da A. a recuperar o IVA suportado em Portugal na importação dos produtos a que se reportam operações de exportação realizadas entre 30 de Agosto de 2013 e 13 de Maio de 2014 (melhor identificadas nos documentos n.º 1 a 18, que se juntam e dão por reproduzidos), nos termos e com os efeitos legais” -, atendendo a que, e em síntese, a Autora, aqui Recorrente, não lançou mão do procedimento legal específico previsto no Decreto-Lei n.º 186/2009, de 12 de agosto para a recuperação do IVA em causa, que “não pode ser contornado através da utilização deste meio processual”. Vejamos então. Tal como resulta do disposto no supracitado n.º 3 do art. 145.º do CPPT, a ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legalmente protegido em matéria tributária será o meio processual próprio quando se prove tratar-se do mais adequado, e apenas para assegurar uma tutela plena, eficaz e efetiva do direito ou interesse legalmente protegido (cf. nesse sentido o Acórdão proferido pelo STA em 2020-06-03, no proc. 0204/17.7BECTB 01467/17, disponível para consulta em www.dgsi.pt). Na sua PI a aqui Recorrente alega que é uma sociedade comercial de direito francês que opera no setor do comércio por grosso e retalhista de soluções integradas de sistemas estruturados de cablagem, de distribuição de TV e IPTV, conexões áudio/vídeo, telefone, videovigilância, sistemas de cablagem solar e soluções de cablagem e conectividade, que âmbito dessa atividade enviou diversas peças para Portugal, para que aqui fossem transformadas pelas sociedades nacionais, tudo com vista ao seu posterior envio, como produto acabado, para o cliente final Canal + Afrique, e mais concretamente para as filiais deste último em vários países africanos, e que os produtos finais resultantes da transformação referida foram exportados a partir de Portugal para países fora da União Europeia (mais concretamente países africanos), pelo que tem direito a isenção de IVA desde que preencha as condições exigidas pela legislação portuguesa, designadamente a apresentação de um conjunto de documentos relativo a cada fornecimento de produtos finais que comprove a respetiva exportação, emitidos pelas Autoridades Aduaneiras. Sucede que, e ao contrário do que pretende, a ação para o reconhecimento de um direito não é o meio processual adequado para o conhecimento do pedido que ali formula. Com efeito, e desde logo, do número 2 do artigo 145.º do CPPT resulta que esta ação não é adequada para a situação em apreço, atendendo a que a Administração não se pronunciou, como devia, e como resulta da lei que deve fazer, sobre o pretendido reembolso do IVA. De facto, o que dali resulta é que o prazo de 4 anos diz respeito à defesa de direitos que se constituem na esfera jurídica do sujeito independentemente da prática de algum ato administrativo (cf. Acórdão proferido pelo STA em 2020-06-03, no proc. 0204/17.7BECTB 01467/17, disponível para consulta em www.dgsi.pt). Sucede que o que resulta, desde logo, do disposto no art. 7.º do Regime de reembolso do IVA a sujeitos passivos não estabelecidos no Estado membro de reembolso, constante do Anexo ao Decreto-Lei n.º 186/2009, de 12/08, é que a Recorrente deveria ter apresentado o seu pedido antes de mais à ATA, que sobre o mesmo se deveria ter pronunciado, estando por isso a pretensão da Recorrente dependente, em primeira linha, da emissão de um ato administrativo. Ora, dos autos não resulta provado que a Recorrente tenha formulado esse requerimento, não tendo, por isso, existido uma pronúncia prévia da ATA sobre o reembolso que pretende, pelo que não estava legitimada a recorrer à ação para o reconhecimento de um direito, antes devendo ter submetido a sua pretensão à Administração, e só depois, e perante um eventual indeferimento da mesma, ter recorrido ao meio processual adequado à respetiva impugnação. Nesse mesmo sentido, aliás, propugna a jurisprudência deste Tribunal, citada na sentença recorrida (cf. Acórdão proferido por este TCAS em 2020-05-21, no proc. 727/14.0BECTB-A, disponível para consulta em www.dgsi.pt). Com efeito, e como é referido no supracitado Acórdão do STA, “(…) [d]ecerto que tal direito de ação não pode ser admitido irrestritamente. E não é apenas porque a informalidade processual não é a regra ou porque as relações jurídicas processuais são tipicamente formais, devendo os modelos de ação conter-se nos seus limites regimentais. É também porque o legislador considera mais adequado à prossecução os interesses públicos que seja a administração a definir o Direito em primeira mão e a produzir efeitos jurídicos imediatos na esfera jurídica dos particulares, sem prejuízo do direito de impugnação. Como refere Mário Aroso de Almeida (in «Manual de Processo Administrativo», 3.ª edição, Almedina 2017, pág. 108), está subjacente ao nosso sistema jurídico-constitucional a necessidade de, à partida, proporcionar à Administração os meios necessários à mais eficaz prossecução dos interesses públicos colocados a seu cargo», que inclui a «possibilidade de definir o Direito através da emissão de declarações jurídicas capazes de projetarem unilateralmente na esfera jurídica dos seus destinatários, independentemente da vontade destes, de produzirem de imediato os efeitos jurídicos a que se dirigem e de, por regra, se consolidarem na ordem jurídica se não forem impugnadas dentro de prazos relativamente curtos». Por isso, o acesso a este meio de ação deve depender de um «interesse processual qualificado»” (cf. Acórdão proferido pelo STA em 2020-06-03, no proc. 0204/17.7BECTB 01467/17, disponível para consulta em www.dgsi.pt). Por outro lado, e ainda que assim não fosse, a Recorrente não alega convincentemente o motivo pelo qual a ação para o reconhecimento de um direito seria o meio processual mais adequado para assegurar uma tutela plena, eficaz e efetiva do direito que invoca, pois ainda que por hipótese a presente ação viesse a ser admita e julgada procedente, nada garantiria que futuros pedidos de reembolso viessem a ser aceites pela ATA, que sempre teria de apreciar cada um deles em função do correspondente circunstancialismo concreto e aferir da sua adequação à lei caso a caso, em nada adiantando em termos da tutela da Recorrente a eventual procedência desta ação. Diferente seria a situação se a Recorrente lançasse mão da ação para o reconhecimento de uma premissa perene, que por si só assegurasse o reconhecimento do seu direito perante a ATA em situações futuras, o que, como é bom de ver, não é aqui o caso. Donde se conclui que a ação para o reconhecimento de um direito em matéria tributária não era, efetivamente o meio processual adequado para dar resposta à pretensão formulada nos autos pela Recorrente. Por outro lado, também não tem razão a Recorrente quanto invoca a violação do disposto nos artigos 71.º, n.º 2, 95.º, n.º 5, ambos do CPTA, ou do seu direito à tutela jurisdicional efetiva, consagrado no n.º 4 do art. 268.º da CRP. Com efeito, e no que diz respeito ao disposto no n.º 2 do art. 71.º e do n.º 5 do art. 95.º, ambos do CPTA, nem a Recorrente alega em que é que consistiu a sua violação, nem este Tribunal vislumbra em que é que, no caso concreto, tais preceitos possam ter sido violados. Por outro lado, também o seu direito à tutela jurisdicional efetiva não é posto em causa pela decisão recorrida atendendo a que a circunstância de o presente meio processual não ser o adequado para a pretensão que formula não significa que a mesma fique sem tutela, mas apenas e só que a mesma deve ser procurada através do meio adequado. Assim sendo, e em face do exposto, o presente recurso deve ser julgado integralmente improcedente. *** Atento o decaimento do Recorrente, é sua a responsabilidade pelas custas, nos termos do disposto no art. 527.º, n.º 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT. *** Conclusão: Preparando a decisão, formulamos a seguinte síntese conclusiva: I. A ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legalmente protegido em matéria tributária será o meio processual próprio quando se prove tratar-se do mais adequado, e apenas para assegurar uma tutela plena, eficaz e efetiva do direito ou interesse legalmente protegido. II. Tal não é o caso quando o direito em questão dependa, em primeira linha, da emissão de um ato administrativo e a respetiva emissão não tenha sido previamente requerida, e quando, ainda assim, o contribuinte não prove que a ação para o reconhecimento de um direito seria o meio processual mais adequado para assegurar uma tutela plena, eficaz e efetiva do direito que invoca. III. DECISÃO Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao presente recurso. Custas pela Recorrente. Lisboa, 24 de outubro de 2024 - Margarida Reis (relatora) – Tiago Brandão de Pinho (declaração de voto*) – Maria da Luz Cardoso. * Declaração de Voto Voto a decisão, no sentido de negar provimento ao recurso e confirmar a sentença que absolveu a Autoridade Tributária da instância. Com efeito, considero que a Autora não pode, através da presente Ação para o Reconhecimento de um Direito, obter uma pronúncia de mérito sobre o efeito jurídico que pretende atingir: “ser reconhecido o direito da A. a recuperar o IVA suportado em Portugal na importação dos produtos a que se reportam as operações de exportação realizadas entre 30 de agosto de 2013 e 13 de maio de 2014” – cfr. a Petição Inicial. Todavia, não acompanho a fundamentação da decisão quando conclui que “a ação para o reconhecimento de um direito em matéria tributária não era, efetivamente, o meio processual adequado para dar resposta à pretensão formulada nos autos pela Recorrente” (cfr. p. 14 do acórdão) em consequência de “dos autos não resulta[r] provado que a Recorrente tenha formulado esse requerimento” (cfr. p. 12 da decisão) com o pedido de reembolso previsto no artigo 7.º do Regime de Reembolso do IVA a Sujeitos Passivos Não Estabelecidos no Estado-Membro de Reembolso, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 186/2009, de 12 de agosto, “não tendo, por isso, existido uma pronúncia prévia da ATA sobre o reembolso que pretende” (cfr. p. 12 do presente aresto). * Devendo aferir-se a idoneidade do meio processual pelo pedido – cfr., por exemplo, o acórdão do STA de 18-01-2017, processo n.º 1032/16 -, entendo que a Ação para o Reconhecimento de um Direito é, efetivamente, o meio processual eleito pelo legislador para o interessado obter a declaração de existência de um direito seu: em abstrato, este é o meio processual adequado – e, aliás, único de entre os que a lei põe ao dispor no artigo 97.º, n.º 1, do CPPT -, para obter o reconhecimento de um direito de que invoque ser titular. E por isso, entendo que não se está perante um erro na forma do processo. * Reconheço, não obstante, que o reconhecimento do direito a recuperar o IVA cuja existência a Autora pretende ver declarada está dependente da intermediação de um ato administrativo em matéria tributária (que pode, em caso de recusa, ser judicialmente fiscalizado, mediante pedido diferente do formulado nos presentes autos e a que corresponderá meio processual distinto da presente Ação para o Reconhecimento de um Direito) e pressupõe, como tal, uma prévia interpelação à Administração Tributária. Nas ações de simples apreciação, como a presente, o interesse processual “prende-se com um estado de objetiva incerteza acerca da existência de dada relação jurídica e do exato conteúdo dos direitos e das obrigações que dela emergem, que acarrete um prejuízo concreto e atual para o demandante, de forma a que a remoção do referido estado de incerteza constitua um resultado útil, juridicamente relevante e impossível de ser atingido sem a intervenção do juiz. (…) Objetividade e prejudicialidade do estado de incerteza e imprescindibilidade da intervenção jurisdicional são, assim, os requisitos que insuflam o interesse processual nas ações de mera apreciação. Não havendo qualquer estado de incerteza, ou não sendo este [estado de incerteza] objetivo nem apto a acarretar um prejuízo para o autor, o juiz deverá abster-se de conhecer do mérito da ação, proferindo antes decisão de absolvição do réu da instância” – cfr. Daniel Bessa de Melo, O interesse em Agir no Processo Cível. Em especial, nas ações de simples apreciação, «Julgar Online», dezembro de 2021, pp. 34-35. * Ora, apesar de a Ação para o Reconhecimento de um Direito ser o rito processual definido pelo legislador para o interessado obter a declaração de existência de um direito seu, não pode a Autora obter, no presente caso, uma pronúncia sobre o mérito porque lhe falta o interesse processual na utilização deste meio judicial, isto é, a necessidade de obtenção da tutela judicial concretamente solicitada, que, neste caso, dependeria da invocação de um estado de incerteza objetivo (sendo que não foram alegados na Petição Inicial quaisquer factos praticados pela Ré, nomeadamente factos que consubstanciassem uma conduta que colocasse em xeque o direito que a Autora ora pretende ver reconhecido e pudessem indiciar tal estado de incerteza), falhando assim também, consequentemente, os requisitos da prejudicialidade do estado de incerteza objetivo e a imprescindibilidade da intervenção jurisdicional para a respetiva tutela. Ou seja, a Autora não tem qualquer «interesse processual qualificado» (na expressão de Mário Aroso de Almeida citada no acórdão do STA referido na decisão que ora se vota, acórdão que, aliás, aprecia o requisito da imprescindibilidade da atuação jurisdicional numa Ação para o Reconhecimento de um Direito, considerando-a o meio processual adequado para os pedidos de reconhecimento formulados, mas entendendo que aquele requisito não se encontra verificado), ou, se se preferir a terminologia do artigo 39.º, n.º 1, do CPTA, qualquer «utilidade ou vantagem imediata, para si, na providência jurisdicional pretendida», o que, constituindo uma exceção dilatória inominada, obsta ao conhecimento do mérito. * Negaria, assim, provimento ao recurso e confirmaria a sentença que absolveu a Autoridade Tributária da instância, mas com fundamento nesta exceção dilatória inominada, que não na existência de erro na forma do processo. Tiago Brandão de Pinho |