Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:951/22.1BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:04/03/2025
Relator:FILIPE CARVALHO DAS NEVES
Descritores:OPOSIÇÃO
INTEMPESTIVIDADE
ART.º 37.º DO CPPT
Sumário:O regime previsto no art.º 37.º do CPPT não se configura como meio adequado para suprir eventuais irregularidades e deficiências do ato de citação no processo de execução fiscal, pelo que a apresentação do requerimento ali previsto não é suscetível de alterar a contagem do prazo processual para apresentação de defesa pelo executado.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO

I… Solutions Portugal, S.A., melhor identificada nos autos, veio apresentar recurso da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa em 29/08/2024, que julgou verificada a intempestividade da oposição à execução fiscal apresentada no processo de execução fiscal («PEF») n.º 3255201401408607, a correr termos no Serviço de Finanças de Lisboa 10, para cobrança coerciva de dívida proveniente de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas («IRC»), do exercício de 2013, no montante de € 859.365,12.
A Recorrente apresentou alegações, rematadas com as seguintes conclusões:

«A. O presente recurso vem interposto da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, no processo de Oposição à Execução no âmbito do qual se encontra em discussão a (i)legalidade da Execução e da Reversão da divida no Processo de Execução Fiscal (“PEF”) n.º 3255200140148607.
B. Independentemente do vertido na Douta Sentença, impunha-se à M. Juiz apreciar toda a vertente jurídica da nulidade da citação e início da contagem do prazo com base em facto superveniente.
C. A Oponente foi citada em 19-11-2019 (Facto n.º 3 do probatório);
D. O (“PEF”) n.º 3255200140148607 foi instaurado contra a sociedade “R…, S.A.” para cobrança de dívidas no âmbito do RETGS, de que esta era a sociedade dominante, relativamente a dividas de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) do exercício de 2013,
E. E, presentemente contra a Recorrente «revertida» na qualidade de responsável subsidiária.
F. Pelo que deve ser aditado ao Probatório, com relevância para a boa decisão da causa, que:
G. (º) “2. A Oponente no exercício de 2013 e até ao de 2015 era uma sociedade integrada no Grupo R… cf. art. 3.º da PI, não contestado pela AT”, e
H. (º) Em 19 de Novembro de 2019, a Oponente foi citada para o Processo de Execução fiscal, o qual foi instaurado com referência a uma dívida de IRC, relativa ao período de tributação de 2013, do RETGS dominado pela R….”
I. Pois, tal, decorre do facto assente em 1), o OEF instaurou em nome da sociedade devedora originária o PEF aqui em crise para cobrança de dívida de IRC do exercício de 2013, pelo que constituiu aquela na devedora (principal) no Processo.
J. Do artigo 22.º da Lei Geral Tributária (“LGT”) resulta que a Responsabilidade tributária “2 - Para além dos sujeitos passivos originários, a responsabilidade tributária pode abranger solidária ou subsidiariamente outras pessoas.”
K. E, de acordo com o previsto no n.º 4 daquela norma “A responsabilidade tributária por dívidas de outrem é, salvo determinação em contrário, apenas subsidiária.”
L. Apenas (a posteriori), vide artigo 50.º da PI, no caso concreto estamos em presença do apelo da AT à aplicação do disposto no artigo 115.º do CIRC ou seja:
M. Responsabilidade pelo pagamento no regime especial de tributação dos grupos de sociedades”, mas
N. o pagamento do IRC incumbe à sociedade dominante,
O. estando em presença de uma divida de outrem, nos termos do artigo 23.º da LGT a Responsabilidade tributária solidária é subsidiária e nesse caso “1 - A responsabilidade subsidiária efetiva-se por reversão do processo de execução fiscal.”
P. O qual, nos termos do n.º 4 deve ser precedida de audição:
“4 - A reversão, mesmo nos casos de presunção legal de culpa, é precedida de audição do responsável subsidiário (…) da declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação.”
Q. Pelo que, perante a Certidão emitida pelo 10 SF de Lisboa, verifica-se que ocorreu falta de audição prévia da responsável subsidiária anteriormente à citação pelo que
R. impunha-se à M.ª Juiz apreciar a vertente jurídica da invocada falta de fundamentação, geradora de Nulidade pois, dispõe a alínea a) do n.º 2 do artigo 2.º do CPTA (Tutela jurisdicional efetiva) como corolário, aliás, do imperativo constitucional previsto nos n.ºs 1 e 4 do artigo 20.º da CRP que consagra “Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão (…) mediante processo equitativo.”.
S. Ora, de acordo como n.º 1 do Artigo 98.º do CPPT 1 - São nulidades insanáveis em processo judicial tributário: a) (…); b) A falta de informações oficiais referentes a questões de conhecimento oficioso no processo;
T. Na verdade, quanto à data limite de pagamento nada consta dos autos tendo a citação da Executada, sem prévia notificação da Reversão, ocorrido em 19-11-2019;
U. Mais, no presente caso, a “(…) o Oponente prestou garantia bancária, nos termos provados com a junção do Doc. 5),” pelo que – embora não conste do probatório – ocorreu a suspensão da execução.
V. Atendendo a que o artigo 49.º da LGT é taxativo quanto às circunstâncias em que devem ser suspensos os autos, ou seja, quando: Tiver lugar oposição à execução quando determine a suspensão da cobrança da dívida;
W. Atendendo à omissão supra, pois, ocorreu a suspensão do Processo de Execução, deve aditar-se aos factos provados que: “A citação no âmbito do PEF em crise não foi precedida de Despacho de Reversão à devedora subsidiária”.
X. E, tendo sido integralmente atendido o peticionado, em 26-11-2019, através da emissão da certidão em 6/01/2020, decorre que o prazo para a dedução de Oposição se deve contar a partir da sanação da nulidade da falta de Despacho de Reversão, pelo que, deduzida esta em 04/02/2020, terá de concluir-se pelo seu exercício tempestivo.
Y. Na verdade, a contagem do prazo de Oposição à Execução Fiscal a partir da notificação dos elementos que suprem a nulidade da citação decorre do próprio regime da nulidade da citação.
Z. Ora, do texto do ofício, enviado pelo SF de Lisboa 10, resulta claramente que a nulidade arguida foi reconhecida pelo Órgão de Execução Fiscal- como decorre, desde logo, do envio de todos os elementos solicitados.
AA. A Oposição é tempestiva por se ter provado ter sido invocada, em tempo e perante a entidade própria, a nulidade do acto de citação e que esta tinha sido deferida, dando-se conhecimento dos factos,
BB. O que determina que o prazo de dedução da Oposição só se iniciara na data em que a nulidade ficou sanada (06-01-2020), a Oposição foi apresentada antes da caducidade do direito de ação, pelo que enfermando de Nulidade todo o Processado deve a tempestividade ser aferida ao abrigo do disposto no artigo 203.º n.º 1 alínea b) e n.º 3 do CPPT,
CC. Não se verificando a caducidade do direito de ação devem ser apreciadas as demais questões suscitadas nos autos pois não foram objeto de conhecimento na Sentença.
DD. Nesse sentido veja-se o Processo n.º 113/23.0BEVIS de 06-09-2023, 2.ª SECÇÃO, Relator FRANCISCO ROTHES “resulta do disposto no n.º 1 do art. 151.º do CPPT e é, desde há muito tempo, jurisprudência uniforme, o meio processual adequado para discutir as questões da responsabilidade do revertido – quer se pretenda discutir a legalidade do despacho de reversão, ainda que por falta de fundamentação, violação do direito de audiência prévia e preterição de formalidade essencial sendo subsumíveis à previsão da alínea b) ou i) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT.” E, prossegue:
EE. Ou seja “(…) o acto por que o órgão da execução fiscal procede à reversão da execução fiscal, em ordem a efectivar a responsabilidade subsidiária prevista no art. 24.º da LGT, não é uma decisão judicial e, por isso, não lhe é aplicável, directamente ou por remissão, o regime de nulidades previsto no art. 615.º do CPC. Esse acto, apesar de praticado num processo judicial (cfr. art. 103.º, n.º 1, da LGT), tem natureza de acto administrativo tributário e é praticado no âmbito do procedimento tributário autónomo para efectivação da responsabilidade subsidiária, enxertado naquele processo judicial e sobre o qual projecta os seus efeitos, constituindo um dos actos cuja prática a lei atribui à AT na execução fiscal e que, porque não se confinam à mera tramitação do processo, mantêm a natureza de actos materialmente administrativos em matéria tributária.” Conclui:
FF. É esta, aliás, a qualificação que o legislador lhes atribui no n.º 2 do art. 103.º da LGT, quando garante ao interessado o direito de reclamação para o juiz da execução dos actos materialmente administrativos praticados por órgãos da administração tributária no processo de execução fiscal.
GG. Incumbe à AT o ónus da prova de que se verificam os factos que integram o fundamento, previsto na lei, para que possa chamar à execução os responsáveis subsidiários e
HH. Nos presentes autos deve atender-se quer no que se refere à matéria de facto quer ao Direito, perante a prova produzida, que a decisão contem errónea qualificação dos factos, conforme supra exposto, de que resultou a apontada violação de Lei em errónea aplicação do Direito, quanto às disposições legais mencionadas e consequentemente erro de julgamento.
II. Assim se não entendendo, a interpretação das normas invocadas geradoras de Nulidade vide alínea a) do n.º 2 do artigo 2.º do CPTA (Tutela jurisdicional efectiva) violar-se-ia o imperativo constitucional previsto nos n.ºs 1 e 4 do artigo 20.º da CRP que consagra “Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo.”.
JJ. Pelo que a não apreciação da existência de Nulidades insanáveis em processo judicial tributário - Artigo 98.ºdo CPPT a cuja interpretação a Mª Juiz não atende designadamente aos elementos sistemático e teleológico de interpretação da lei ou seja saber se, concluindo-se, que não se deve atender às circunstâncias em que ocorre a citação para aferir do inicio da contagem do Prazo de Oposição, de acordo com o disposto no artigo 203º alínea b) e n.º 3 do CPPT, tal interpretação padece de inconstitucionalidade por desconforme com o princípio da equivalência, ínsito no artigo 13.º e da tributação pelo lucro real previsto no n.º 2 do artigo 104.º, ambos, da Constituição da República Portuguesa, o que se invoca para todos os devidos e legais efeitos.
*****
Por último, requer-se que o pagamento do remanescente da taxa de justiça, considerado na conta a final, atenta a especificidade da situação, diminuta complexidade da causa e a conduta processual das partes, seja dispensado por a atividade judiciaria ser limitada e o caso se não revelar de complexidade superior à média, nos termos da segunda parte do n.º 7 do art. 6.º do RCP.
NESTES TERMOS E NO DEMAIS DE DIREITO AO CASO APLICÁVEL, SEMPRE COM O DOUTO SUPRIMENTO DE V.EXAS., VENERANDOS DESEMBARGADORES, DEVE SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E, CONSEQUENTEMENTE, REVOGAR-SE A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA, SUBSTITUINDO-A POR ACÓRDÃO QUE CONSIDERE TOTALMENTE PROCEDENTE A PRESENTE OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA!

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Não foram apresentadas contra-alegações pela Recorrida.
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A Exma. Magistrada do Ministério Público («EMMP») pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.
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Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul para decisão.

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II – DO OBJECTO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações (cf. art.º 635.º, n.º 4 e art.º 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil - «CPC» - ex vi art.º 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário - «CPPT»), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente.

Assim, delimitado o objeto do recurso pelas conclusões das alegações da Recorrente, importa decidir se deve ser revogada a sentença proferida pelo Tribunal a quo com fundamento em erro de julgamento de direito, uma vez que a oposição foi tempestivamente apresentada.

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III. FUNDAMENTAÇÃO

III.A - De facto


A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:
«1. Em 30-09-2014 foi instaurado contra a R…SOC. GESTORA PARTICIPACOES SOCIAIS S.A. o PEF n.º 3255201401408607, para cobrança de dívidas provenientes de IRC de 2013, no montante de € 859.365,12. (cf. fl. 1 do PEF);
2. A Oponente é uma sociedade do grupo R…SOC. GESTORA PARTICIPACOES SOCIAIS S.A. (sociedade dominante). (cf. acordo);
3. A R… SOC. GESTORA PARTICIPACOES SOCIAIS S.A. não procedeu ao pagamento da dívida exequenda, na sequência do que em 19/11/2019 foi a Oponente citada para o PEF referido no ponto 1 (cf. fls. 21 e 26 do PEF);
4. Rem 26/11/2019, a Oponente apresentou um requerimento junto do Serviço de Finanças de Lisboa 10 solicitando a certidão do PEF (cf. fls. 35 e 36 do PEF).
5. Em 27/12/2019, a Oponente prestou garantia bancária no âmbito do PEF a que se refere o ponto 1, no montante de € 1.091.726,16. (cf. fl. 28 do PEF);
6. Em 04-02-2020 foi apresentada a presente oposição através de correio eletrónico. (cf. data do email constante do documento junto com a petição inicial).»
*
A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte:
«Inexistem factos não provados com interesse para a decisão da causa.».
*
Mais resulta consignado em termos de motivação da matéria de facto o seguinte:
«Conforme especificado nos diversos pontos do probatório, a decisão da matéria de facto efetuou-se com base na análise dos documentos constantes dos autos, não impugnados (cf. artigos 374.º e 376.º do Código Civil), e relativamente aos quais não existem razões para duvidar da respetiva veracidade, bem como na admissão por acordo das partes (cf. artigo 572.º, c), 2ª parte do CPC, ex vi do artigo 2.º, al. e) do CPPT).».
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Da impugnação da decisão da matéria de facto

A Recorrente, nas conclusões F., G. e H. das alegações de recurso, vem impugnar a matéria de facto dada como provada na sentença recorrida, defendendo, na essência, que deve ser dado como provado que «A Oponente no exercício de 2013 e até ao de 2015 era uma sociedade integrada no Grupo R…» e que «Em 19 de Novembro de 2019, a Oponente foi citada para o Processo de Execução fiscal, o qual foi instaurado com referência a uma dívida de IRC, relativa ao período de tributação de 2013, do RETGS dominado pela R…».

Mais alega a Recorrente na conclusão W. que «Atendendo à omissão supra, pois, ocorreu a suspensão do Processo de Execução, deve aditar-se aos factos provados que:A citação no âmbito do PEF em crise não foi precedida de Despacho de Reversão à devedora subsidiária”.»

Vejamos.

O art.º 662.º, n.º1 do CPC preceitua que «A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa».

A modificabilidade da decisão da matéria de facto tem, assim, como pressuposto necessário e lógico que os factos a aditar sejam relevantes e pertinentes para a decisão a proferir.


Ora, compulsada a sentença recorrida verificamos, sem esforço, que nos pontos 1., 2. e 3. da matéria de facto dada como assente consta já, na essência, a factualidade que a Recorrida pretende que seja aditada.

Donde podemos concluir que a pretendida modificação da decisão da matéria de facto pela Recorrente não se mostra pertinente, porquanto, como acima já se apontou, da factualidade assente na sentença recorrida já dimana provado que a execução fiscal foi instaurada em nome da R… Sociedade Gestora Participações Sociais S.A. para cobrança de dívida proveniente de IRC do exercício de 2013, no montante de € 859.365,12, que a Recorrente é uma sociedade do grupo R… Sociedade Gestora Participações Sociais S.A. (sociedade dominante) e que a sua citação ocorreu em 19/11/2019. E por ser assim, não há razão para proceder ao pretendido aditamento à factualidade assente na decisão recorrida.

De igual forma, também o afirmado na conclusão W. não merece provimento: pretende a Recorrente que fique consignado na factualidade assente que «A citação no âmbito do PEF em crise não foi precedida de Despacho de Reversão à devedora subsidiária», desconsiderando que, de acordo com o regime plasmado no art.º 115.º do Código do IRC, a responsabilidade pelo pagamento do IRC é solidária, razão pela qual o órgão de execução fiscal não está obrigado a utilizar o instituto da reversão para efeitos de cobrança coerciva do crédito de IRC exequendo.

Termos em que o recurso não pode deixar de estar condenado, nesta parte, ao insucesso, pelo que se indefere a pretendida modificação da decisão da matéria de facto.

*


III.B De Direito

Insurge-se a Recorrente contra a sentença proferida pelo Tribunal a quo por, alegadamente, padecer de erro de julgamento na interpretação e aplicação do direito, porquanto a oposição à execução fiscal foi tempestivamente apresentada.

Sustenta, por seu turno, o EMMP junto deste Tribunal que as conclusões recursivas devem ser julgadas improcedentes e, em consequência, ser mantida na ordem jurídica a sentença recorrida.

Apreciemos.

Adiantando, desde já, a nossa posição, entendemos que não tem razão a Recorrente.

Senão vejamos.

Comecemos por convocar a argumentação gizada na sentença recorrida para fundamentar a conclusão quanto à intempestividade da oposição à execução fiscal:

«In casu, a citação pessoal foi realizada por carta registada com aviso de receção, tendo a
Oponente sido citada em 19/11/2019 (cf. ponto 3 do probatório).
A presente oposição foi apresentada em 04/02/2020 (cf. ponto 5 do probatório).
Argumenta a Oponente que tendo solicitado certidão do PEF, o prazo para a propositura da oposição conta-se a partir da notificação dos elementos solicitados, nos termos do artigo 37.º do CPPT. Todavia, não lhe assiste razão.
Com efeito, constitui jurisprudência assente que “[o] regime previsto no artigo 37.º do CPPT não se configura como meio adequado para suprir eventuais irregularidades e deficiências do acto de citação no processo de execução fiscal, pelo que a apresentação do requerimento ali previsto não é susceptível de afectar a contagem do prazo processual da defesa do respectivo executado” (cf. acórdão do STA de 10/11/2021, proferido no processo n.º 0194/14.8BECTB).
(…)
Fazendo nossas as palavras dos arestos citados, tendo em vista a uniformização da aplicação do direito no ordenamento jurídico, em observância do artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil, não vemos necessidade de aduzir fundamentação adicional, e, na senda do exposto, concluímos que o prazo para deduzir a presente oposição deve contar-se desde a data da citação para a execução.
Ora, confrontando a data da citação (19/11/2019) com a data da propositura da ação (04-02-2020) é manifesto que o prazo de 30 dias para deduzir a oposição já havia há muito sido esgotado aquando da apresentação da petição inicial. É, pois, procedente a exceção da caducidade do direito de ação invocada pela Fazenda Pública, o que se julgará a final.».

E esta posição explanada no julgado em dissídio não padece do desacerto que lhe vem assacado nas alegações recursivas, pois decidiu de acordo com o direito aplicável e a posição consolidada do Tribunal de cúpula da jurisdição administrativa e fiscal.

Senão vejamos.

Quanto à tempestividade da petição inicial, a Recorrente limitou-se, em suma, a afirmar e a insistir repetidamente ao longo das alegações recursivas que a «Oposição é tempestiva por se ter provado ter sido invocada, em tempo e perante a entidade própria, a nulidade do acto de citação e que esta tinha sido deferida, dando-se conhecimento dos factos»

Mas sem razão.


É que como bem se deixou dito na sentença recorrida, o regime previsto no art.º 37.º do CPPT não se configura como meio adequado para suprir eventuais irregularidades e deficiências do ato de citação na execução fiscal, pelo que a apresentação do requerimento ali previsto não é suscetível de afetar a contagem do prazo processual da defesa do respetivo executado.

O mecanismo de correção de «notificações insuficientes» apenas é aplicável, como dimana do n.º1 do art.º 37.º do CPPT, nos casos em que esteja em causa o teor de «decisão em matéria tributária», em que o preceituado nesta norma almeja dar satisfação à pretensão do visado de conhecer cabalmente o iter percorrido pela Administração Tributária («AT»), para contra ela, querendo, poder reagir administrativamente ou judicialmente.

Sendo a execução fiscal um processo judicial (cf. art.º 103.º da Lei Geral Tributária - «LGT»), e estando em causa a responsabilidade tributária subsidiária da Recorrente (cf. art.º 115.º do Código do IRC) é manifesto que in casu a citação configura um ato processual, estando, por isso, excluída do âmbito de aplicação do estipulado no mencionado art.º 37.º do CPPT.

Neste sentido, vejam-se, entre outros, os seguintes acórdãos do STA:
(i) de 10/11/2021, processo n.º 0194/14.8BECTB, onde se pode ler que «II - O regime previsto no artigo 37.º do CPPT não se configura como meio adequado para suprir eventuais irregularidades e deficiências do acto de citação no processo de execução fiscal, pelo que a apresentação do requerimento ali previsto não é susceptível de afectar a contagem do prazo processual da defesa do respectivo executado.»;
(ii) de 07/06/2017, processo n.º 0557/14, no qual foi sumariado que «I - O processo de execução fiscal tem natureza judicial, e aos seus actos aplica-se o regime de notificação e de impugnação dos actos judiciais. II - O regime previsto no art. 37º do CPPT destina-se aos casos em que a notificação diz respeito a actos em matéria tributária que possam ser objecto de meio judicial de reacção contra a sua validade/existência, e não a suprir as deficiências de comunicação de outro tipo de actos, designadamente de actos processuais, cujas regras de cumprimento e validade estão, primordialmente, previstas no CPC (arts. 186º e ss).»;
(iii) de 13/10/2010, processo n.º 0493/10, onde ficou consignado que: «I - O artigo 37.º do CPPT destina-se aos casos em que a notificação diz respeito a actos em matéria tributária que possam ser objecto de meio judicial de reacção contra a sua validade/existência, e não a suprir as deficiências de comunicação de outro tipo de actos, designadamente de actos processuais, cujas regras de cumprimento e validade estão, primordialmente, previstas no Código de Processo Civil (artigos 193.º e seguintes). II - Tal como em qualquer processo judicial, o meio próprio para invocar a deficiência do acto de citação praticado no processo de execução fiscal, mormente por não ter sido acompanhado de todos os elementos que a lei impõe, e de obter a sua perfeição com as consequências daí advenientes em termos de contagem dos prazos processuais de defesa, só pode ser obtida através do reconhecimento judicial da nulidade desse acto por inobservância de formalidades prescritas na lei (artigo 198.º do CPC). III - Pelo que o regime previsto no n.º 2 do artigo 37.º do CPPT não alberga, em princípio, o deferimento do início do prazo para deduzir oposição à execução fiscal, salvo naqueles casos em que possa discutir-se nesse meio processual a legalidade do acto de liquidação de onde provém a dívida exequenda.» (disponíveis em www.dgsi.pt).

Assim sendo, para a contagem do prazo de apresentação de oposição à execução fiscal não se podem verificar os pretendidos efeitos interruptivos de prazo que se encontram previstos no n.º 2 do art.º 37.º do CPPT, contrariamente ao que pretende a Recorrente.



Cumpre, ainda, apontar que o executado pode sempre suscitar junto do órgão de execução fiscal a nulidade da citação por falta dos elementos legalmente exigíveis que integram a mesma, cabendo reclamação judicial, nos termos dos art.ºs 276.º e seguintes do CPPT, da eventual decisão desfavorável que venha a ser proferida. É, pois, esta a via legalmente admissível para discutir em sede de execução fiscal as eventuais insuficiências da citação.

Assim, confrontando a data em que ocorreu a citação (19/11/2019 – cf. ponto 3. do probatório) com a data da propositura da ação (04/02/2020 – cf. ponto 6. da factualidade assente) é manifesto que o prazo de 30 dias para deduzir a oposição (cf. art.º 203.º, n.º1, alínea a) do CPPT - este prazo tem natureza judicial, para efeitos do disposto no art.º 20.º, n.º 2 do CPPT, pelo que se aplica o preceituado no CPC, correndo, assim, continuamente, mas suspendendo-se em férias judiciais, transferindo-se o seu termo para o primeiro dia útil seguinte quando terminar em dia em que os tribunais estejam encerrados ou seja concedida tolerância de ponto), já havia há muito sido esgotado aquando da apresentação da petição inicial.

Quanto às alegações relativas à preterição do direito de audição para a execução fiscal e à inexistência de despacho de reversão, importa notar que não podem, nesta sede, ser conhecidas, uma vez que a conclusão retirada na sentença recorrida e na presente sede recursiva quanto à intempestividade da petição inicial prejudica esse exame. É que o decurso do prazo para apresentar oposição à execução fiscal, dado que extingue o respetivo direito de pedir judicialmente o reconhecimento de um certo direito, é um prazo de caducidade, determinando, por isso, a absolvição do pedido.


Com efeito, a caducidade do direito de ação obsta à produção do efeito jurídico pretendido pelo oponente – aqui Recorrente – com a apresentação da oposição, constituindo uma exceção perentória (cf. art.º 576.º, n.º3 do CPC ex vi do art.º 2.º, alínea e) do CPPT). A caducidade do direito de ação integra, pois, o elenco das exceções perentórias que «são as que se traduzem na invocação de factos ou causa impeditivas, modificativas ou extintivas do direito do Autor, por isso mesmo levando à improcedência total ou parcial da acção – a uma sentença material desfavorável (mais ou menos) a esse pleiteante.» (cf. Manuel de Andrade, Noções elementares de processo civil, Coimbra Editora, 1979, págs.130 e 131).

Neste sentido, tem vindo a decidir uniformemente o STA, como pode ver-se, além de muitos outros, pelos seguintes acórdãos: de 21/05/2008, processo n.º 293/08, de 03/12/2008, processo n.º 803/08, de 12/11/2009, processo n.º 802/08; de 25/03/2009, processo n.º 196/09, de 03/06/2009, processo n.º 142/09, todos disponíveis em www.dgsi.pt.

E por ser assim, não podem também nesta sede ser apreciadas as alegações em causa, dado que se quedam prejudicadas em razão da conclusão extraída quanto à extemporaneidade da oposição à execução fiscal

Face ao exposto, e sem necessidade de mais nos alongarmos, concluímos que improcedem as alegações recursivas, pelo que o recurso não merece provimento, sentido em que adiante se decidirá.
*

No que respeita ao remanescente da taxa de justiça, estabelece o n.º7 do art.º 6.º do Regulamento das Custas Processuais («RCP») que «nas causas de valor superior a € 275 000 o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento».

Conforme entendimento expresso no acórdão do STA de 07/05/2014, proferido no processo n.º 01953/13, a que aderimos sem reserva, «A norma constante do nº7 do art. 6º do RCP deve ser interpretada em termos de ao juiz, ser lícito, mesmo a título oficioso, dispensar o pagamento, quer da totalidade, quer de uma fracção ou percentagem do remanescente da taxa de justiça devida a final, pelo facto de o valor da causa exceder o patamar de €275.000, consoante o resultado da ponderação das especificidades da situação concreta (utilidade económica da causa, complexidade do processado e comportamento das partes), iluminada pelos princípios da proporcionalidade e da igualdade.».

In casu, considerando que o valor da presente ação ultrapassa o valor de 275.000 Euros (recorde-se que o valor da causa, não impugnado, foi fixado em 859.365,12 Euros) e que a mesma não assumiu especial complexidade, nem a conduta assumida pelas partes, em sede de recurso, se pode considerar reprovável, entende-se ser de dispensar do pagamento do remanescente da taxa de justiça.

Nestes termos, e pelos fundamentos apontados, impõe-se determinar a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no citado art.º 6.º, n.º7 do RCP.

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IV- DECISÃO

Termos em que acordam, em conferência, os Juízes da Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente, com dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida a final.

Registe e notifique.

Lisboa, 03 de abril de 2025

(Filipe Carvalho das Neves)

(Susana Barreto)

(Isabel Vaz Fernandes)