Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:553/07.2BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:02/20/2025
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:COMETIMENTO DE PROCESSOS TRIBUTÁRIOS PENDENTES PARA A ARBITRAGEM
RECURSO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
REFORMA DO ACÓRDÃO
Sumário:I-Tendo o Tribunal Constitucional, julgado não inconstitucional, a norma contida no artigo 11.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de outubro, segundo a qual os sujeitos passivos podem, até 31 de dezembro de 2019, submeter aos tribunais arbitrais tributários, dentro das respetivas competências, as pretensões que tenham formulado em processos de impugnação judicial que se encontrem pendentes de decisão em primeira instância nos tribunais tributários, e que nestes tenham dado entrada até 31 de dezembro de 2016,há que proceder à reforma do Acórdão, ao abrigo do consignado nº 2, do artigo 80.º, da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional.

II-O juízo negativo de inconstitucionalidade referido em I), implica que se encontre na esfera jurídica dos sujeitos passivos a possibilidade de opção- no caso vertente, até 31 de dezembro de 2019- donde no seu arbítrio, a submissão aos tribunais arbitrais tributários, dentro das respetivas competências, das pretensões que tenham formulado em processos de impugnação judicial que se encontrem pendentes de decisão em primeira instância nos tribunais tributários, e que nestes tenham dado entrada até 31 de dezembro de 2016.

Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: ACÓRDÃO

I-RELATÓRIO

MINISTÉRIO PÚBLICO (doravante Recorrente) veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou extinta a instância por cometimento à arbitragem tributária.

O Recorrente apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:

“1 - Decidiu a douta sentença recorrida que a impugnante pretendendo apresentar pedido de pronúncia arbitral sobre a matéria objeto dos presentes autos, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de outubro, veio apresentar requerimento promovendo a extinção da instância nos termos do n.º 3 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de outubro.

2 - (...) "Atendendo a que o pedido é tempestivo, que a ação foi proposta em data anterior a 31/12/2016 e que neles ainda não foi proferida decisão, bem como a que pelos presentes autos se impugnam liquidações adicionais de IVA, não se vislumbram motivos para indeferir o peticionado pela Impugnante. Nesta conformidade, defere-se o requerido e extingue-se a presente instância por cometimento ao tribunal arbitral, nos termos do artigo 11º do Decreto- Lei n.º 81/2018, de 15 de outubro."

3 - Resulta do artigo 11.º, n.º 1 do Decreto-Lei nº 81/2018, de 15 de outubro que os sujeitos passivos podem, até 31 de dezembro de 2019, submeter aos tribunais arbitrais tributários, dentro das respetivas competências, as pretensões que tenham formulado em processos de impugnação judicial que se encontrem pendentes de decisão em primeira instância nos tribunais tributários, e que nestes tenham dado entrada até 31 de dezembro de 2016.

4 - Ou seja, qualquer impugnante pode requerer que um processo de impugnação judicial intentado até ao final de 2016 passe a ser da competência da arbitragem (CAAD), tendo a AT que aceitar tal competência, designadamente que o litígio seja dirimido por decisão irrecorrível.

5 - Na verdade, o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAMT) consagra um direito potestativo do contribuinte para recorrer ao tribunal arbitral, não podendo a AT expressar qualquer posição a este respeito, designadamente não aceitar o recurso à arbitragem, pelo que dificilmente se pode antever a existência de uma verdadeira arbitragem voluntária.

6 - Mas, no aludido preceito, ainda se vai mais longe, uma vez que se dá a possibilidade ao contribuinte de requerer que a impugnação judicial intentada num tribunal tributário seja remetida para a arbitragem, quando ab início não fez tal opção.

7 - Mais, esse direito atribuído ao impugnante é facultado em processo, como é o caso dos autos, que se encontra em fase de prolação de sentença, ou seja, depois de se ter ultrapassado a fase dos articulados, da produção de prova, das alegações das partes e do parecer do Ministério Público.

8 - Contrariando o a letra e o espírito do artigo 5.º, n.º 1 do ETAF ao dispor que a competência dos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal se fixa no momento da propositura da causa, sendo irrelevantes as modificações de facto e de direito que ocorram posteriormente.

9 - Acresce que tal preceito, ao não estabelecer um valor máximo dos litígios, permite que possa haver migração de processos independentemente do seu valor, parecendo ignorar que a portaria n.º 112-A/2011, de 22.3 que define a vinculação da AT à sujeição à arbitragem tributária, estabelece um valor máximo de 10 milhões de euros.

10 - Assim, importa concluir pela inconstitucionalidade material da norma, por violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva consagrado no artigo 20.º, n.º 4 da CRP, considerando que à AT não pode ser denegado o direito a um processo judicial equitativo.

11 - Por outro lado, o Decreto-Lei n.º 81/2018 de 15.10 é publicado ao abrigo de (suposta) competência própria do Governo, nos termos do artigo 198.º, n. º 1, alínea a) da Constituição da República Portuguesa (CRP).

12 - O Governo decidiu dispor (positiva e negativamente) sobre competência de tribunais e de entidades não jurisdicionais de composição de litígios (retirando processos pendentes de tribunais e atribuindo competência a tais entidades), em matéria reservada à Assembleia da República (AR), sem a competente autorização legislativa.

13 - Olvidando, que o artigo 165.º, n.º 1, alínea p) da CRP consagra como reserva relativa da AR, a competência dos tribunais, bem como das entidades não jurisdicionais de composição de conflitos.

14 - Todavia, como tem decidido o Tribunal Constitucional, tal não é suficiente para se aferir da inconstitucionalidade orgânica da norma constante do artigo 11.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de outubro.

15 - O facto de o Governo aprovar atos normativos respeitantes a matérias inscritas no âmbito da reserva relativa de competência da Assembleia da República não determina, por si só e automaticamente, a invalidação das normas por vício de inconstitucionalidade orgânica.

16 - Desde que se demonstre que tais normas não criaram um ordenamento diverso do então vigente, limitando-se a retomar e a reproduzir substancialmente o que já constava de textos legais anteriores emanados do órgão de soberania competente.

17 - Mas tal não sucede com a norma em causa, já que se trata de texto legal de efeito temporal definido: aplica-se aos processos pendentes nos tribunais tributários, cuja entrada ocorreu até 31.12.2016.

18 - Para além de que se trata de norma que introduz uma alteração no ordenamento jurídico, dado que confere a possibilidade da regra de competência material do tribunal se alterar, em momento subsequente ao da propositura da ação.

19 - Parece-nos que dúvidas não subsistem quanto à verificação da inconstitucionalidade orgânica da norma constante do artigo 11.º, n.º 1 do 81/2018 de 15.10, publicado ao abrigo de (suposta) competência própria do Governo, nos termos do artigo 198.º, n.º 1, alínea a) da Constituição da República Portuguesa (CRP).

20 - Por violação do artigo 165.», n.» 1, alínea p) da CRP que consagra como reserva relativa da AR, a competência dos tribunais, bem como das entidades não jurisdicionais de composição de conflitos.

21 - É certo que a possibilidade de os contribuintes requererem a "migração" dos processos que se encontravam pendentes nos tribunais tributários para os tribunais arbitrais já havia sido consagrada no artigo 30.º, n.º 1 do RJAMT.

22 - Todavia, ao contrário do Decreto-Lei n.º 81/2018 de 15 de outubro, o diploma que regula o RJAMT, foi publicado no uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril.

23 - Tendo como norma habilitante o seu artigo 124.º, n.º 4, alínea q), o qual previa expressamente um regime transitório conferindo a possibilidade de os contribuintes submeterem ao tribunal arbitral a apreciação dos atos objeto de impugnação judicial que se encontrem pendentes de decisão, em primeira instância, nos tribunais judiciais tributários.

24 - Nestes termos, a douta sentença recorrida deve ser revogada e substituída por outra que, julgando inconstitucional a norma constante do artigo 11.º, n.º 1 do Decreto-Lei nº 81/2018 de 15.10, indefira o requerido pela impugnante de remessa dos autos ao tribunal arbitral, com a consequente manutenção da presente instância no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra.

25 - Dando provimento ao presente recurso Vossas Excelências farão a costumada JUSTIÇA!”


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A Recorrida, devidamente notificada, optou por não apresentar contra-alegações.

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O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul não emitiu parecer, na medida em que o Recorrente é, justamente, o DMMP, e ao abrigo do disposto no artigo 146.º, nº1, do CPTA, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea d), do CPPT.

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A 16 de maio de 2024, foi prolatado Acórdão por este TCAS, que desaplicou a norma ao caso em exame, consignando, assim, no seu dispositivo que: “[f]ace ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e ordenar a prossecução dos autos com vista à prolacção de sentença que conheça do fundo da causa, se nada mais obstar.”

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Atento o sentido decisório, foi interposto recurso jurisdicional obrigatório por parte do DMMP, ao abrigo do disposto nos artigos 70º, nº 1, al. a), 72º, nºs 1, al. a) e 3 e 75º-A, nºs 1, todos da Lei nº 28/82, de 15/11 (Lei Orgânica do Tribunal Constitucional), e artigo 4º, nº1, al. j), e nº2 do Estatuto do Ministério Público (Lei nº 68/2019, de 27/08), para o Tribunal Constitucional, tendo por objeto a norma [artigo 11.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de outubro] cuja aplicação foi recusada, por padecer de inconstitucionalidade orgânica e material.

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Em resultado da interposição do aludido recurso jurisdicional, a 17 de dezembro de 2024, foi prolatado Acórdão pelo Tribunal Constitucional nº 931/2024 (processo nº 713/2024), cujo dispositivo se transcreve infra:

“a) não julgar inconstitucional a norma contida no artigo 11.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de outubro, segundo a qual os sujeitos passivos podem, até 31 de dezembro de 2019, submeter aos tribunais arbitrais tributários, dentro das respetivas competências, as pretensões que tenham formulado em processos de impugnação judicial que se encontrem pendentes de decisão em primeira instância nos tribunais tributários, e que nestes tenham dado entrada até 31 de dezembro de 2016; e, consequentemente,

b) conceder provimento ao recurso e determinar a remessa dos autos ao Tribunal Central Administrativo Sul, a fim de que este reforme a decisão em conformidade com tal juízo negativo da questão de inconstitucionalidade.”


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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir, reformando a decisão em conformidade com o citado Acórdão do Tribunal Constitucional e com o juízo negativo de inconstitucionalidade.

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II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida não fixou qualquer factualidade atinente ao efeito, tendo, no entanto, o Acórdão deste TCAS fixado matéria de facto, a qual se reputa de relevante para a presente decisão, e se transcreve infra:

“Com interesse para a decisão a proferir, importa considerar as seguintes ocorrências processuais:

1. Os presentes autos de impugnação judicial deram entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra em 08.05.2007, conforme carimbo aposto no canto superior direito da p.i, - vide fls.1 e ss do sitaf.

2. Em requerimento datado de 27/12/20219, a impugnante veio, solicitar ao abrigo do disposto no artigo 11.º do Decreto-Lei nº 81/2018, de 15/10, a extinção da instância, tendo em conta a intenção de fazer a migração do processo para a seção tributária do Centro de Arbitragem Administrativa. – cfr. fls.107 e ss do sitaf .

3. Em novo requerimento entrado em juízo a 13/01/2020, a impugnante solicita, com caráter de urgência, a emissão da certidão judicial eletrónica comprovativa do requerimento de extinção da instância, bem como a restituição da taxa de justiça paga. – cfr. fls.107 e ss do sitaf .

4. A coberto do despacho datado de 20/02/2020, foi deferido o pedido referido em 3. - cfr. fls.117 do sitaf .

5. Em 31/03/2020 foi proferida sentença do seguinte teor:

“DO VALOR DA ACÇÃO

Atendendo ao disposto na al. a) do n.º 1 do art.º 97º-A do CPPT, quando seja impugnada a liquidação é atendível para efeitos de custas ou outros previstos na lei o valor da importância cuja anulação se pretende. // Nos presentes autos vêm impugnadas as liquidações adicionais de IVA correspondente aos exercícios de 2002, 2003, 2004 e 2005, no montante de €83.689,63 (oitenta e três mil seiscentos e oitenta e nove euros e sessenta e três cêntimos) que se fixa para a presente acção. // OPÇÃO ……………… - PRODUÇÃO ………………………., LDA., Impugnante nos autos à margem e acima melhor identificados, pretendendo apresentar pedido de pronúncia arbitral sobre a matéria objecto dos presentes autos, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 11.º, do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de Outubro, veio apresentar requerimento promovendo a extinção da instância nos termos do n.º 3 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de Outubro.

O n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de Outubro dispõe, sob a epígrafe “Cometimento de processos tributários pendentes para a arbitragem”, o seguinte: // 1 - Os sujeitos passivos podem, até 31 de dezembro de 2019, submeter aos tribunais arbitrais tributários, dentro das respetivas competências, as pretensões que tenham formulado em processos de impugnação judicial que se encontrem pendentes de decisão em primeira instância nos tribunais tributários, e que nestes tenham dado entrada até 31 de dezembro de 2016, com dispensa de pagamento de custas processuais. // Mais dispõe o n.º 2 do mesmo normativo que “As pretensões a submeter aos tribunais arbitrais devem coincidir com o pedido e a causa de pedir do processo a extinguir, apenas se admitindo a redução do pedido.” // Atendendo a que o pedido é tempestivo, que a acção foi proposta em data anterior a 31/12/2016 e que neles ainda não foi proferida decisão, bem como a que pelos presentes autos se impugnam liquidações adicionais de IVA, não se vislumbram motivos para indeferir o peticionado pela Impugnante. // Nesta conformidade, defere-se o requerido e extingue-se a presente instância por cometimento ao tribunal arbitral, nos termos do artigo 11º do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de Outubro. // RESPONSABILIDADE PELAS CUSTAS // O cometimento do processo a arbitragem de processos entrados até 31/12/2016 e que se encontrem pendentes de decisão importa a dispensa de pagamento de custas processuais prevista, conforme o estatuído no n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de Outubro. // DECISÃO // Em face da fundamentação supra, julgo extinta a presente instância por cometimento a arbitragem. // Com dispensa de custas, conforme fundamentação supra. (…)” – cfr. fls.120 e ss. –sitaf.”


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III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, o Recorrente DMMP não se conformou com a decisão proferida pelo Tributário Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou extinta a instância por cometimento ao tribunal arbitral, nos termos do artigo 11.º, do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de outubro.

Conforme já evidenciado anteriormente, foi primeiramente prolatado Acórdão por este TCAS que concedeu provimento ao recurso, tendo desaplicado o artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de outubro, por o reputar orgânica e materialmente inconstitucional, dele se extratando, designadamente, a seguinte fundamentação jurídica:

“[e]stá em causa medida legislativa, inserida em Decreto-Lei do Governo, que confere a uma das partes de um processo judicial tributário pendente num tribunal tributário a faculdade de optar entre o tribunal tributário onde a causa se encontra pendente e o tribunal tributário arbitral. Atendendo a que a competência dos tribunais administrativos e fiscais se fixa no momento da propositura da causa (artigo 5.º, n.º 1, do ETAF), verifica-se que a medida permite a uma das partes determinar o desaforamento da causa. Tal estatuição, na medida em que se apresenta desprovida da necessária autorização legislativa da Assembleia da República (artigo 165.º/1/p) e n.os 2 a 4, da CRP), contende com a reserva de competência do Parlamento para legislar sobre a matéria. Acresce que ao atribuir a uma das partes o poder de remeter a causa a tribunal diverso do considerado competente segundo as regras estabelecidas na lei, na data da propositura da acção, permite o desaforamento da causa, segundo critérios individuais e casuísticos, que o princípio do juiz natural, enquanto princípio da pré-determinação do juiz legal, segundo parâmetros transparentes e objectivos, não consente.

Cumpre adicionalmente notar que o Decreto-Lei n.º 81/2018, citado, não apresenta - nem no seu preâmbulo nem no articulado - justificação concreta para a adopção de tal medida (designadamente, quanto ao porquê do desaforamento para processos de um período específico e exacto de tempo, se e como assegura a tutela dos interesses da outra parte no processo, se e como se compatibiliza com o direito a um processo justo). Por consubstanciar derrogação do princípio constitucional em referência, a mesma precisa da necessária credencial constitucional, a qual, todavia, não é invocada (assim como precisa de passar no «teste» da jurisprudência do TEDH na matéria). Do exposto, resulta a necessidade da desaplicação da norma ao caso em exame (artigo 204.º da CRP).

Motivo porque se impõe prover o recurso, revogar a sentença recorrida e ordenar a baixa dos autos para proferimento de sentença sobre o fundo da causa se nada mais obstar.

Termos em que se julgam procedentes as presentes conclusões de recurso.”

Contudo, a 20 de maio de 2024, foi interposto recurso jurisdicional obrigatório para o Tribunal Constitucional, para que se “[a]precie da eventual incompatibilidade da citada norma constante do artigo 11.º nº 1 do Decreto-Lei nº81/2018, de 15/10 de 17 de dezembro, com o disposto nos artigos 20.º nº 4 e 165.º nº 1-p) e nº 2 a 4, todos da C.R.P., na medida em que na douta decisão recorrida se desaplicou o primeiro indicado preceito legal por se considerar o mesmo formal e materialmente inconstitucional.”

Nessa sequência, e em conformidade, mediante Aresto prolatado a 17 de dezembro de 2024, pelo Tribunal Constitucional o mesmo julgou não inconstitucional a norma contida no artigo 11.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de outubro, segundo a qual os sujeitos passivos podem, até 31 de dezembro de 2019, submeter aos tribunais arbitrais tributários, dentro das respetivas competências, as pretensões que tenham formulado em processos de impugnação judicial que se encontrem pendentes de decisão em primeira instância nos tribunais tributários, e que nestes tenham dado entrada até 31 de dezembro de 2016, e, consequentemente, concedeu provimento ao recurso, determinando a remessa dos autos a este TCAS, a fim de que se reforme a decisão em conformidade com o aludido juízo negativo de inconstitucionalidade.

Nesta conformidade, e ao abrigo do consignado nº 2, do artigo 80.º, da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (LTC), cumpre reformar a decisão em conformidade com o julgamento negativo de inconstitucionalidade da norma contida no artigo 11.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de outubro.

Face ao exposto, procede-se à aludida reforma, mediante apelo à fundamentação jurídica nele vertida, e que se extrata na parte que, ora, releva e infra se transcreve:

“2. Está em causa, nos presentes autos, a norma contida no artigo 11.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de outubro, segundo a qual os sujeitos passivos podem, até 31 de dezembro de 2019, submeter aos tribunais arbitrais tributários, dentro das respetivas competências, as pretensões que tenham formulado em processos de impugnação judicial que se encontrem pendentes de decisão em primeira instância nos tribunais tributários, e que nestes tenham dado entrada até 31 de dezembro de 2016.
O tribunal recorrido aponta duas razões para afirmar um juízo de inconstitucionalidade: (i) tratar-se de matéria prevista na alínea p) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição, sem que o Governo tenha legislado com a necessária autorização legislativa; e (ii) haver violação do princípio do juiz natural, acrescentando, quanto à segunda, que o diploma “[…] não apresenta – nem no seu preâmbulo nem no articulado – justificação concreta para a adoção de tal medida (designadamente, quanto ao porquê do desaforamento para processos de um período específico e exato de tempo, se e como assegura a tutela dos interesses da outra parte no processo, se e como se compatibiliza com o direito a um processo justo). Por consubstanciar derrogação do princípio constitucional em referência, a mesma precisa da necessária credencial constitucional, a qual, todavia, não é invocada (assim como precisa de passar no «teste» da jurisprudência do TEDH na matéria)”.
2.1. O Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de outubro, criou equipas de magistrados que têm por missão proceder à recuperação de pendências na jurisdição administrativa e tributária, e à implementação de outras medidas acessórias de caráter extraordinário. Entre estas medidas, encontra-se a previsão da possibilidade de desistência do pedido até 31/12/2019, em processos pendentes, com dispensa de custas, a possibilidade de revisão oficiosa de atos relativos a processos pendentes e – aqui diretamente relevante – a possibilidade de cometimento de processos tributários pendentes para a arbitragem, assim regulada no artigo 11.º do referido diploma:
1 – Os sujeitos passivos podem, até 31 de dezembro de 2019, submeter aos tribunais arbitrais tributários, dentro das respetivas competências, as pretensões que tenham formulado em processos de impugnação judicial que se encontrem pendentes de decisão em primeira instância nos tribunais tributários, e que nestes tenham dado entrada até 31 de dezembro de 2016, com dispensa de pagamento de custas processuais.
2 – As pretensões a submeter aos tribunais arbitrais devem coincidir com o pedido e a causa de pedir do processo a extinguir, apenas se admitindo a redução do pedido.
3 – O pedido de constituição de tribunal arbitral, a submeter ao Centro de Arbitragem Administrativa, é necessariamente acompanhado de certidão judicial eletrónica do requerimento apresentado para a extinção da instância judicial nos termos do presente artigo.
É, em síntese, esta possibilidade que o tribunal recorrido entende tratar-se de um desaforamento correspondente à matéria prevista na alínea p) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição, por um lado, e ser violador do princípio do juiz natural, por outro.
As razões do legislador para adotar tal medida constam do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de outubro: “[…]
De acordo com os elementos estatísticos disponibilizados pela Direção-Geral da Política de Justiça, o número de processos pendentes na jurisdição administrativa e fiscal ascendia, no final do ano de 2016, a 72.516, 49.820 dos quais pendentes nos tribunais tributários, e os restantes 22.696 nos tribunais administrativos de círculo.
A análise dos dados disponíveis confirma um crescimento da litigância registada na jurisdição administrativa e fiscal, ao qual está associado um aumento dos tempos de resposta dos tribunais e, consequentemente, uma tendência para a acumulação de pendências.
Ademais, e apesar de todos os esforços empreendidos, verifica-se a existência de processos entrados há muito, os quais, devido a vários fatores, em que avulta a complexidade, têm visto a sua resolução protelada.
Ora, a morosidade no funcionamento dos tribunais administrativos e fiscais obsta à realização plena da Justiça e tem também um impacto significativo na vida dos cidadãos e das empresas, afetando de forma determinante a competitividade da economia.
É, pois, crítico, melhorar a qualidade da resposta da jurisdição administrativa e fiscal – a sede, por excelência, onde são dirimidos os litígios que opõem o Estado aos cidadãos e onde se discute, muitas vezes, a defesa dos direitos fundamentais e, bem assim, a legalidade da atuação da Administração Pública.
Além da implementação de várias medidas estruturais, como as previstas no Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, no Código de Procedimento e de Processo Tributário e no Código de Processo nos Tribunais Administrativos, torna-se necessário, dada urgência e volume do problema, a implementação de medidas imediatas que consigam resultados expressivos num curto espaço de tempo.
Para ajudar a alcançar esse desiderato, o Governo decide proceder à criação de equipas de juízes para a recuperação de processos pendentes de decisão final nos tribunais administrativos de círculo e nos tribunais tributários, ainda que tenham sido realizadas diligências de prova, e que tenham dado entrada até 31 de dezembro de 2012, tramitando os processos mais antigos.[…]
Decide-se também implementar outras medidas acessórias de caráter extraordinário para a recuperação de pendências nos tribunais administrativos e fiscais, nomeadamente:
1) A isenção de custas processuais pela desistência de pedidos nos processos administrativos e tributários pendentes, até ao final de 2019;
2) A obrigação, para a Autoridade Tributária e Aduaneira, de revogar ou rever todos os atos tributários ou administrativos que sejam objeto de um processo pendente, quando ocorra ou tenha ocorrido alteração do entendimento administrativo em sentido favorável ao sujeito passivo, e bem assim quando tenha sido reiteradamente prolatada jurisprudência quanto à matéria objeto do processo em sentido favorável ao sujeito passivo;
3) A possibilidade [de os] sujeitos passivos poderem submeter as suas pretensões impugnatórias aos tribunais arbitrais em matéria tributária, com dispensa de pagamento de custas processuais, relativamente a processos tributários pendentes que tenham dado entrada nos tribunais tributários até 31 de dezembro de 2016.[…]”.
[Questão da violação da reserva de competência legislativa da Assembleia da República]
2.2. A tentativa de dar causa à migração de processos dos tribunais estaduais para os tribunais arbitrais não é nova [ela encontra-se, desde logo, nas normas transitórias do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro; doravante, RJAT) – concretamente no artigo 30.º, n.º 1 deste Diploma, no qual se previu que “[os] sujeitos passivos podem, a partir da entrada em vigor do presente decreto-lei e até ao termo do prazo de um ano, submeter à apreciação de tribunais arbitrais constituídos nos termos do n.º 1 e da alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º, pretensões que tenham por objeto atos tributários que se encontrem pendentes de decisão em primeira instância nos tribunais judiciais tributários há mais de dois anos, com dispensa de pagamento de custas judiciais” (que, todavia, não convocariam o problema em análise, por esta disposição estar expressamente prevista no artigo 124.º, n.º 4, alínea q), da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril), e, mais recentemente, no artigo 268.º da Lei n.º 82/2023, de 29 de dezembro, a Lei do Orçamento do Estado para 2024] e justifica-se, como vimos, pelo interesse em descongestionar os tribunais estaduais.
Nos termos do artigo 165.º, n.º 1, alínea p), da Constituição, é da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre matérias de organização e competência dos tribunais e do Ministério Público e estatuto dos respetivos magistrados, bem como das entidades não jurisdicionais de composição de conflitos, salvo autorização ao Governo.
Relativamente a este parâmetro, a decisão recorrida subscreveu, no essencial, a posição do Ministério Público no recurso interposto para o Tribunal Central Administrativo Sul [também refletida num texto de Carlos Lobato Ferreira, “A inconstitucionalidade da norma do DL 81/2018 que prevê a “migração” dos processos dos tribunais tributários para a arbitragem tributária”, na Revista do Ministério Público, n.º 163 (julho-setembro de 2020), pp. 229-249], no sentido de a norma em causa disciplinar matéria de organização e competência dos tribunais, sujeita à referida alínea p), gerando a violação desta uma inconstitucionalidade orgânica.
Impõe-se uma primeira observação – presente, aliás, nas alegações do Ministério Público no Tribunal Constitucional – para sublinhar que a norma em causa não altera as competências dos tribunais administrativos e fiscais, nem a competência dos tribunais arbitrais em matéria tributária. Efetivamente, quer os primeiros, quer os segundos, mantêm as suas competências, que em nada são afetadas pela norma do artigo 11.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de outubro. Ambos tinham – e têm – competência, em abstrato, para apreciar o pedido de impugnação, os primeiros nos termos do artigo 4.º, n.º 1, alínea b), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) e os segundos nos termos dos artigos 4.º do RJAT, e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, segundo o qual a Direção-Geral dos Impostos e a Direção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo se vinculam à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida.
Os preceitos acabados de referir permitem, ainda, compreender que, ao contrário do que foi sustentado em alegações da decisão de primeira instância, não se trata de atribuir ao sujeito passivo o poder unilateral de sujeitar a administração tributária à jurisdição arbitral. Na verdade, essa sujeição já decorre, do lado da administração tributária, dos artigos 4.º do RJAT e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, bastando ao sujeito passivo requerer a constituição do tribunal arbitral, assim manifestando a sua vontade. A inovação trazida pela norma em causa no presente recurso consiste, pois, apenas, em (i) alterar o prazo legalmente previsto para acionar a competência dos tribunais arbitrais, que deixa de ser o previsto no artigo 10.º, n.º 1, do RJAT e passa a corresponder a toda a duração dos processos pendentes nos tribunais administrativos e fiscais anterior à decisão final em primeira instância e, consequentemente, (ii) prever uma causa de extinção da instância desses processos.
É certo que o artigo 5.º, n.º 1, do ETAF estabelece que “[a] competência dos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal fixa-se no momento da propositura da causa, sendo irrelevantes as modificações de facto e de direito que ocorram posteriormente”. No entanto, esta norma não regula diretamente a competência – ou seja, não estabelece que tribunais têm competência para que matérias –, apenas determina o momento relevante para atender às normas que (essas sim) regulam a competência dos tribunais administrativos e fiscais. Ademais, a função do preceito é dirigida ao estabelecimento de um critério essencialmente dirigido à repartição da competência dentro da ordem dos tribunais administrativos e fiscais (estaduais) – como, aliás, o n.º 2 do mesmo artigo evidencia –, e não, propriamente, à fixação de um critério de competência entre os tribunais estaduais e os tribunais arbitrais.
Assim, e adaptando as palavras do Acórdão n.º 22/2010, podemos afirmar que o artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de outubro, “[…] não confere […] a [tribunais arbitrais] competências que pertençam a [tribunais administrativos e fiscais], nem vice-versa. Ou seja, […] não desloca, em termos inovatórios, a competência de uns tribunais para outros”. A norma sub judice não merece, pois, o mesmo tratamento jurídico-constitucional das normas que, com caráter inovador, aumentam ou diminuem o âmbito da competência de tribunais de certa jurisdição (cfr., por exemplo, os Acórdãos n.os 107/2004, 690/2006, 145/2009 e 859/2014).
O mesmo é dizer que não se mostra violadora do disposto no artigo 165.º, n.º 1, alínea p), da Constituição.
[Questão da violação do princípio do juiz natural]
2.3. No que toca à violação do princípio do juiz natural, importa, antes de mais, compreender o sentido em que este parâmetro vem sendo entendido, ou seja, em que consiste a correspondente garantia.
2.3.1. Nas palavras do Acórdão n.º 614/2003, que constitui uma das principais referências da jurisprudência constitucional na caracterização daquele princípio:
“[…] O princípio do “juiz natural”, ou do “juiz legal”, para além da sua ligação ao princípio da legalidade em matéria penal, encontra ainda o seu fundamento na garantia dos direitos das pessoas perante a justiça penal e no princípio do Estado de direito no domínio da administração da justiça. É, assim, uma garantia da independência e da imparcialidade dos tribunais (artigo 203º da Constituição).
Designadamente, a exigência de determinabilidade do tribunal a partir de regras legais (juiz legal, juiz predeterminado por lei, gesetzlicher Richter) visa evitar a intervenção de terceiros, não legitimados para tal, na administração da justiça, através da escolha individual, ou para um certo caso, do tribunal ou do(s) juízes chamados a dizer o Direito. Isto, quer tais influências provenham do poder executivo – em nome da raison d’État – quer provenham de outras pessoas (incluindo de dentro da organização judiciária). Tal exigência é vista como condição para a criação e manutenção da confiança da comunidade na administração dessa justiça, “em nome do povo” (artigo 202º, n.º 1, da Constituição), sendo certo que esta confiança não poderia deixar de ser abalada se o cidadão que recorre à justiça não pudesse ter a certeza de não ser confrontado com um tribunal designado em função das partes ou do caso concreto.
A garantia do “juiz natural” tem, assim, um âmbito de proteção que é, em larga medida, configurado ou conformado normativamente – isto é, pelas regras de determinação do juiz “natural”, ou “legal” (assim G. Britz, ob. cit, pág. 574, Bodo Pieroth/Bernhard Schlink, Grundrechte II, 14ª ed., Heidelberg, 1998, pág. 269).
E, independentemente da distinção no princípio do juiz legal de um verdadeiro direito fundamental subjetivo de dimensões objetivas de garantia, pode reconhecerse nesse princípio, desde logo, uma dimensão positiva, consistente no dever de criação de regras, suficientemente determinadas, que permitam a definição do tribunal competente segundo características gerais e abstratas.
Logo pela própria ratio do princípio, tais regras não podem, assim, limitar-se à determinação do órgão judiciário competente, mas estendem-se igualmente à definição, seja da formação judiciária interveniente (secção, juízo, etc.), seja dos concretos juízes que a compõem. E isto, quer na 1ª instância, quer nos tribunais superiores, e quer para o julgamento do processo penal, quer para a fase de instrução (referindo que o princípio se aplica igualmente ao juiz de instrução, v., além das decisões já citadas dos tribunais constitucionais alemão e italiano, entre nós, já Figueiredo Dias, Sobre o sentido…, cit., pág. 83, nota 3).
Assim, as regras de determinação do juiz, relevantes para efeitos da garantia do “juiz natural”, terão de incluir, não apenas regras constantes de diplomas legais, mas também outras regras que servem para determinar essa definição da concreta formação judiciária que julgará um processo – por exemplo, as relativas ao preenchimento de turnos de férias –, mesmo quando não constam da lei e antes de determinações internas aos tribunais (por exemplo, regulamentos ou outro tipo de normas internas). Trata-se, aqui, das referidas “determinações de procedimento referentes à divisão funcional interna (distribuição de processos)”, apontando, segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira, “para a fixação de um plano de distribuição de processos”, pois, “embora esta distribuição seja uma atividade materialmente administrativa, ela conexiona-se com o princípio da administração judicial”.
É, pois, ao conjunto das regras, gerais e abstratas mas suficientemente precisas (embora possivelmente com emprego de conceitos indeterminados), que permitem a identificação da concreta formação judiciária que vai apreciar o processo (embora não necessariamente a do relator, a não ser que, como acontece entre nós, da sua determinação possa depender a composição da formação judiciária em causa), que se refere a garantia do “juiz natural”, pois é esse o alcance que é requerido pela sua razão de ser, de evitar a arbitrariedade ou discricionariedade na atribuição de um concreto processo a determinado juiz ou a determinados juízes.
Para além desta dimensão positiva, incluindo o aspeto de organização interna dos tribunais, o princípio tem, igualmente, uma vertente negativa, consistente na proibição de afastamento das regras referidas, num caso individual – o que configuraria uma determinação ad hoc do tribunal. Afirma-se, assim, a ideia de perpetuatio jurisdictionis, com “proibição do desaforamento” depois da atribuição do processo a um tribunal, quer a proibição de tribunais ad hoc ou ex post facto, especiais ou excecionais – a qual deve, aliás, ser relacionada também com a proibição, constante do artigo 209º, n.º 4, da Constituição, de “existência de tribunais com competência exclusiva para o julgamento de certas categorias de crimes”, salvo os tribunais militares durante a vigência do estado de guerra (artigo 213º da Constituição).
Como tem sido salientado na nossa doutrina e resulta igualmente da jurisprudência constitucional referida, o princípio do juiz natural não pode, porém, proibir nem a alteração legal da organização judiciária – incluindo da competência para conhecer de determinados processos –, nem a possibilidade de aplicação imediata destas alterações, embora os processos concretos possam, assim, vir a ser apreciados por um tribunal diverso daquele que resultaria das regras em vigor no momento da prática do facto em questão. Esta alteração, quer de regras legais, quer de regras de procedimento para a divisão interna de processos, pode impor-se por acontecimentos ou circunstâncias que não podem ser descritas previamente de forma esgotante, podendo valer mesmo para processos já pendentes. Ponto é, porém, que o novo regime – ou a revogação, e não apenas derrogação, para um caso concreto, do anterior – valha em geral, abrangendo um número indeterminado de processos futuros, e não exprima razões discriminatórias ou arbitrárias, que permitam afirmar que se está perante uma constituição ou determinação ad hoc da formação judiciária em causa (neste sentido, além da citada jurisprudência constitucional alemã e italiana, por exemplo Chr. Degenhart, comentário 12 ao artigo 101º da Lei Fundamental, in Michael Sachs, Grundgesetz – Kommentar, 2ª ed., München, 1999, pág. 1822). Será o caso se tal alteração for justificada por imperativos de realização da justiça.[…]”.
Como também se pode ler no Acórdão n.º 365/2019 (retificado pelo Acórdão n.º 380/2019, de 25 de junho):“[…]
O princípio do juiz natural ou legal encontra-se consagrado no âmbito das «garantias de processo criminal» contempladas no artigo 32.º da Constituição, através da previsão segundo a qual «[n]enhuma causa pode ser subtraída ao tribunal cuja competência esteja fixada em lei anterior» (n.º 9).
Mais até do que uma emanação, ao nível processual, do princípio da legalidade em matéria penal — domínio no qual não deixa, ainda assim, de assumir uma relevância superlativa ou qualificada —, o princípio do juiz natural ou do juiz legal constitui um subprincípio concretizador do princípio do Estado de Direito democrático (artigo 2.º) no domínio da administração da justiça, inscrevendo-se assim, enquanto garante da independência e imparcialidade dos Tribunais (artigo 203.º), naquela categoria de princípios que conformam o modo de proceder dos poderes públicos, densificando a ideia da sua sujeição «a princípios e regras jurídicas» (cf. Gomes Canotilho e Vital Moreira Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, Coimbra, 2007, p. 205). É essa a razão pela qual, para efeitos de determinação do âmbito de proteção assegurado pelos artigos 32.º, n.º 9, e 203.º, da Constituição, por «juiz natural» ou «juiz legal» deverão entender-se, não apenas os tribunais ou os juízes criminais, mas «todos os juízes de todos os tribunais do Estado»; e, por regras de determinação do tribunal competente, todas aquelas que digam respeito quer «à determinação da jurisdição competente» (no caso presente, jurisdição comum ou administrativa), quer «à determinação do tribunal competente dentro [de certa] jurisdição» (determinação do tribunal competente em razão da matéria, hierarquia ou território), quer ainda «à determinação do juiz, ou juízes, [competentes] dentro da formação judiciária» que haja de intervir no julgamento da causa (tribunal singular ou coletivo) (cf. Miguel Nogueira de Brito, “O princípio do juiz natural e a nova organização judiciária”, Julgar, Coimbra, n.º 20, 2013, Coimbra Editora, p. 31).
Com este alcance, o princípio do juiz natural «esgota o seu conteúdo de sentido material na proibição da criação ad hoc, ou da determinação arbitrária ou discricionária ex post facto, de um juízo competente para a apreciação de uma certa causa penal». Do que se trata, sobretudo, «é de impedir que motivações de ordem política ou análoga – aquilo, em suma, que compreensivelmente se pode designar por raison d’État – conduzam a um tratamento jurisdicional discriminatório e, por isso mesmo, incompatível com o princípio do Estado de direito» (Figueiredo Dias, “Sobre o sentido do princípio jurídico-constitucional do «juiz-natural»”, Revista de Legislação e Jurisprudência, Coimbra, ano 111º, n.º 3615, p. 83).
É também esse o sentido em que o princípio do juiz natural, também designado por juiz “pré-determinado” ou “pré-constituído” por lei, vem sendo densificado na jurisprudência deste Tribunal.
Logo no Acórdão n.º 393/89 — que considerou compatível com a garantia do juiz legal o método de determinação concreta da competência ainda hoje previsto no artigo 16.º, n.º 3, do Código de Processo Penal — fez-se notar que, de acordo com a sua função de garante «da independência dos tribunais perante o poder político», o que princípio do juiz natural proíbe «é a criação (ou a determinação) de uma competência «ad hoc» (de exceção) de um certo tribunal para uma certa causa», isto é, e «em suma, os tribunais ad boc».
O mesmo entendimento foi subsequentemente reiterado no Acórdão n.º 212/91, aresto no qual se sublinhou uma vez mais a ideia de que o princípio do juiz natural ou do juiz legal, «tendo a ver com a independência dos tribunais perante o poder político», proíbe «“a criação (ou a determinação) de uma competência ad hoc (de exceção) de um certo tribunal para uma certa causa – em suma, os tribunais ad hoc)”».
No desenvolvimento de tal premissa, o Acórdão n.º 614/2003 levou o esforço de densificação da garantia do juiz natural um pouco mais além.
Independentemente da possibilidade de discernir no princípio do juiz natural «um verdadeiro direito fundamental subjetivo de dimensões objetivas de garantia», considerou-se, no referido aresto, que o conteúdo de tal princípio compreende duas dimensões, uma positiva e outra negativa, ambas vinculando o legislador ordinário na sua tarefa de conformação ou concretização normativa, através da edição de «regras de determinação do juiz “natural” ou “legal”», do âmbito de proteção da mencionada garantia.
À dimensão positiva corresponde o «dever de criação de regras, suficientemente determinadas, que permitam a definição do tribunal competente segundo características gerais e abstratas», por tribunal competente para este efeito se entendendo tanto «o órgão judiciário competente», como a «formação judiciária interveniente (secção, juízo, etc.)», como ainda «os concretos juízes que a compõem».
Já a dimensão negativa, expressa na ideia perpetuatio jurisdictionis, consiste — de acordo ainda o mencionado aresto — «na proibição de afastamento das regras referidas, num caso individual – o que configuraria uma determinação ad hoc do tribunal» —, compreendendo quer «“proibição do desaforamento” depois da atribuição do processo a um tribunal, quer a proibição de tribunais ad hoc ou ex post facto, especiais ou excecionais — a qual deve, aliás, ser relacionada também com a proibição, constante do artigo 209.º, n.º 4, da Constituição, de “existência de tribunais com competência exclusiva para o julgamento de certas categorias de crimes”, salvo os tribunais militares durante a vigência do estado de guerra (artigo 213.º da Constituição)».[…]”.
Traduz-se, enfim, na exigência de que “[…] as regras de atribuição de titularidade a processos para julgamento decorram de um quadro normativo, geral e abstrato, distanciado de qualquer instância específica, entendida esta como a peculiar relação jurídico-processual entre determinados sujeitos jurídicos subordinada ao poder judicial e dirigida à formulação de um juízo sobre uma providência judiciária. Proíbe-se assim, como refração da independência do poder jurisdicional e garantia de isenção e imparcialidade na administração de justiça, medidas que se traduzam na transferência ad hoc da titularidade de um processo específico entre magistrados judiciais ou que permitam o seu desaforamento nessas condições (v, sobre a matéria, Acórdãos do TC n.ºs 614/03, 7/2014, 808/2014, 255/2018; na doutrina, J. FIGUEIREDO DIAS, “Sobre o sentido do princípio jurídico-constitucional do juiz natural’”, Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 111.º, n.º 3615, p. 86 e J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4.ª Ed., Coimbra Ed., 2007, p. 525)” (Acórdão n.º 755/2022).
O princípio do juiz natural projeta-se para lá do processo penal, como se fez notar, designadamente, no Acórdão n.º 255/2018:“[…]
Com efeito, do n.º 9 do artigo 32.º, da Constituição, retira-se, desde logo, que o princípio do juiz natural (ou do juiz legal), pré-determinado e suficientemente determinado por lei, constitui uma importante projeção do princípio da legalidade penal. A este respeito, tenha-se ainda presente que esta dimensão «objetiva» do princípio do juiz natural não se mostra dissociada da vertente garantística do mesmo princípio, o qual constitui, como escreve Figueiredo Dias, «como emanação que é, ao nível processual, do princípio da legalidade em matéria penal - uma necessária garantia dos direitos das pessoas, ligada à ordenação da administração da justiça penal, à exigência de julgamentos independentes e imparciais e à confiança da comunidade naquela administração» (cfr. do Autor, “Sobre o sentido do princípio jurídico-constitucional do “juiz natural”, Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 111.º, n.º 3615, cit., p. 83).
Contudo, se tal relevo no domínio penal resulta com evidência da opção sistémica do legislador constituinte, ao integrar o princípio no preceito constitucional relativo às garantias de processo criminal (artigo 32.º, CRP), cumpre assinalar que não deixa o mesmo princípio – também nesta vertente garantística – de assumir uma mais vasta projeção, não confinada ao domínio penal, pois encontra o seu fundamento no princípio do Estado de direito consagrado no artigo 2.º da Constituição, configurando-se também como uma garantia da independência e imparcialidade dos Tribunais (artigo 203.º, CRP).
Pode deste modo afirmar-se que, para além da assinalada relevância do princípio do juiz natural no domínio da justiça penal, o mesmo princípio, enquanto emanação do princípio do Estado de direito e garante da independência e imparcialidade dos Tribunais, não deixa de se projetar em todos os tribunais, independentemente da natureza da causa que lhes é submetida.
Neste sentido, Gomes Canotilho considera o princípio do juiz legal como uma garantia geral do processo judicial e não apenas do processo penal (Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7.ª edição, Coimbra, 2003, p. 274; no mesmo sentido, cfr. Miguel Nogueira de Brito (O Princípio do Juiz Natural e a Nova Organização Judiciária, JULGAR, n.º 20, maio/agosto 2013, p. 30). Também assim a jurisprudência constitucional, tomando o princípio como parâmetro jurídico-constitucional relevante na aferição da constitucionalidade de normas processuais civis (Acórdão n.º 82/2014): «(…)
15. Este princípio encontra-se expressamente consagrado no âmbito das garantias em processo criminal, dispondo o artigo 32.º, n.º 9 que “[n]enhuma causa pode ser subtraída ao tribunal cuja competência esteja fixada em lei anterior”. Segundo Jorge de Figueiredo Dias, “o princípio do juiz legal ou natural esgota o seu conteúdo de sentido material na proibição da criação ad hoc, ou da determinação arbitrária ou discricionária ex post facto, de um juízo competente para a apreciação de uma certa causa penal” (v. Autor cit., “Sobre o sentido do princípio jurídico-constitucional do ‘juiz natural’”, in Revista de Legislação e Jurisprudência, 111.º ano – 1978/1979, págs. 83-88, pág. 83).
Mesmo entendendo o princípio do juiz natural como dimensão resultante do princípio geral da independência que vale para toda e qualquer instância judicial, independentemente da matéria em causa – nos termos do artigo 203.º da Constituição – o seu alcance não tem uma abrangência mais vasta do que a exigência do respeito pelo «juiz legal» que o legislador constituinte optou por consagrar especificamente no campo das garantias de defesa em matéria penal. Percebe-se que o tenha feito aí, uma vez que a teleologia do juiz natural se associa à ideia de “impedir que motivações de ordem política ou análoga – aquilo em suma, que compreensivamente se pode designar pela raison d’État – conduzam a um tratamento jurisdicional discriminatório e, por isso mesmo, incompatível com o princípio do Estado-de-direito” (cfr. Figueiredo Dias, ob. cit., pág. 84).» […]”.
Compreende-se, pois, que não se prefigure a violação do referido princípio quando as regras de competências abstraiam “da singularidade de qualquer causa” e, assim, não impliquem uma “deslocação ad hoc de processos entre juízes ou entre Tribunais” (Acórdão n.º 755/2022).
2.3.2. Regressando ao caso dos autos, constata-se que a norma objeto do recurso prevê que os sujeitos passivos podem, até 31 de dezembro de 2019, submeter aos tribunais arbitrais tributários, dentro das respetivas competências, as pretensões que tenham formulado em processos de impugnação judicial que se encontrem pendentes de decisão em primeira instância nos tribunais tributários, e que nestes tenham dado entrada até 31 de dezembro de 2016. Como refere Suzana Tavares da Silva, “O combate à morosidade da justiça tributária: do cometimento de pendências para a arbitragem tributária à criação de ADR”, in Arbitragem Tributária, Lisboa, n.º 10 (janeiro de 2019), p. 5, “[…] o que temos aqui realmente é uma medida alternativa à prossecução do processo para a emissão de uma decisão pela jurisdição administrativa”.
A norma abstrai das singularidades de cada litígio, estabelecendo critérios gerais e abstratos de que depende a competência dos tribunais arbitrais em matéria tributária. Embora tais critérios sejam supervenientes relativamente à pendência da causa nos tribunais estaduais – o que encontra evidente explicação no propósito de descongestionar estes – nenhum desses critérios permite, por si ou conjugado com os demais, uma deslocação ad hoc de processos entre tribunais. Acresce que, sendo a arbitragem tributária atualmente regulada pelo RJAT, a própria constituição do tribunal arbitral ficará sujeita às regras, também elas gerais e abstratas, dos artigos 5.º, 6.º e 11.º daquele regime, sendo certo que o tribunal arbitral é um verdadeiro tribunal (Suzana Tavares da Silva, ob. cit., p. 5, fala do reconhecimento de que “[…] a jurisdição tributária e a arbitragem tributária são verdadeiras instâncias ‘equivalentes’ ou ‘equiparáveis’ para a resolução de litígios que façam parte do leque dos litígios arbitráveis”), constitucionalmente previsto (artigo 209.º, n.º 2, da Lei Fundamental) e ele próprio sujeito às exigências do juiz natural (cfr. Miguel Nogueira de Brito, “O Princípio do Juiz Natural e a Nova Organização Judiciária”, Revista Julgar, n.º 20, maio-agosto de 2013, p. 31).
Se confrontarmos a norma sub judice com as exigências do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) referidas no acórdão citado na própria decisão recorrida [acórdão de 12/01/2016, caso Miracle Europe KFT c. Hungria, queixa n.º 57774/13 (não, como, por manifesto lapso, vem citado no acórdão recorrido, de 12/04/2016, sendo esta a data de trânsito em julgado), disponível em https://hudoc.echr.coe.int/eng?i=001-159926], facilmente verificamos que o legislador não ultrapassou nenhum dos limites ali referidos. Importa notar, designadamente, que o tribunal arbitral é estabelecido por lei, a atribuição do processo não é discricionária e a competência do tribunal arbitral é determinada antecipadamente. Não antes da pendência do processo no tribunal estadual, mas antes da sua pendência no tribunal arbitral – na verdade, foi a competência deste (e não daquele) que se pôs em causa, no acórdão recorrido, por apelo ao princípio do juiz natural. Não há qualquer relação objetiva que se possa estabelecer entre a norma em causa no recurso e qualquer “[…] elemento de discricionariedade na atribuição ou reatribuição de processos [que possa] ser utilizado de forma abusiva como meio de pressão sobre os juízes, por exemplo, sobrecarregando-os com processos ou atribuindo-lhes apenas processos de pouca importância” ou a intenção de “atribuir processos politicamente sensíveis a determinados juízes e evitar atribuí-los a outros”, como se exemplifica no referido acórdão do TEDH.
Convém sublinhar, a este propósito, que aquilo que se pretende com o princípio do juiz natural é “[…] impedir uma manipulação da composição do tribunal pelos poderes públicos suscetível de lhes permitir decidir caso a caso qual o juiz competente para apreciar uma causa. E «para atingir o objetivo de impedir manipulações na composição do tribunal, a fixação da competência dos juízes deve necessariamente revestir uma determinada consistência. Deve apresentar o grau mais elevado possível de precisão e consequentemente não dar azo a lacunas na competência dos juízes, nem a margens de livre decisão evitáveis na aplicação das normas de competência»” (Miguel Nogueira de Brito, “O Princípio do Juiz Natural e a Nova Organização Judiciária”, cit., pp. 29/30, por sua vez citando, no excerto final, Thomas Roth, Das Grundrecht auf den gesetzlichen Richter, Duncker & Humblot, Berlim, 2000, p. 70).
Mas, ainda que se perspetivasse uma qualquer “restrição” legislativa ao princípio do juiz natural, sempre haveria que ponderar que as mesmas podem ser “[…] estabelecidas com base nas exigências de uma tutela jurisdicional efetiva […]”, embora sempre avaliadas “[…] à luz do princípio da proporcionalidade enquanto critério aferidor da legitimidade constitucional daquelas mesmas restrições. Assim sucederá com medidas de aceleração processual, através da apensação de processos ou da transferência para o juiz singular da competência para apreciar uma causa” (Miguel Nogueira de Brito, ibidem, p. 35). O mesmo poderia (e pode) suceder com o constitucionalmente legítimo desígnio de, descongestionando o tribunal estadual, (ainda) proporcionar às partes uma alternativa de julgamento por tribunal arbitral, assim se obtendo uma decisão mais célere, sendo a celeridade, claro está, um valor acolhido no artigo 20.º da Lei Fundamental [e, pese embora o propósito de descongestionar os tribunais estaduais possa não ser completamente alcançado (cfr., em nota crítica, Suzana Tavares da Silva, ob. cit., p. 7) e, ademais, dependa da vontade das partes, não deixa de cumprir-se no essencial, sendo ele a dar a forma e o sentido da solução regulada pela norma em análise].
Deve, pois, entender-se que a norma sub judice não conflitua com o princípio do juiz natural.
2.4. Em face do exposto, conclui-se pela ausência de razões que fundem um juízo de censura jurídico-constitucional da norma contida no artigo 11.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de outubro, segundo a qual os sujeitos passivos podem, até 31 de dezembro de 2019, submeter aos tribunais arbitrais tributários, dentro das respetivas competências, as pretensões que tenham formulado em processos de impugnação judicial que se encontrem pendentes de decisão em primeira instância nos tribunais tributários, e que nestes tenham dado entrada até 31 de dezembro de 2016, com a consequente procedência do recurso, determinando-se a remessa dos autos ao tribunal recorrido, a fim de que este reforme a decisão em conformidade com o julgamento sobre a questão da inconstitucionalidade (artigo 80.º, n.º 2, da LTC).”

Destarte, a sentenciada ausência de quaisquer razões que fundem um juízo de censura jurídico-constitucional da norma contida no artigo 11.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de outubro, implica que se encontre, assim, na esfera jurídica dos sujeitos passivos a possibilidade de opção- no caso vertente, até 31 de dezembro de 2019- donde no seu arbítrio, a submissão aos tribunais arbitrais tributários, dentro das respetivas competências, das pretensões que tenham formulado em processos de impugnação judicial que se encontrem pendentes de decisão em primeira instância nos tribunais tributários, e que nestes tenham dado entrada até 31 de dezembro de 2016.

O que significa, portanto, que in casu, -nada tendo sido imputado à decisão recorrida relativamente ao concreto preenchimento dos pressupostos constantes no citado normativo, mas, tão-só, o seu juízo de conformação constitucional- nenhuma censura possa ser apontada à manutenção da decisão que decretou a extinção da instância face ao cometimento para os tribunais arbitrais tributários.

E por assim ser, inexistindo qualquer outra questão a apreciar, ou que tenha resultado prejudicada, há que negar provimento ao recurso, manter a sentença recorrida e a consequente manutenção da extinção da instância ao abrigo do artigo 11.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de outubro, com todas as legais consequências.


***

IV. DECISÃO
Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO, SUBSECÇÃO COMUM deste Tribunal Central Administrativo Sul em: Negar provimento ao recurso, Confirmar a sentença recorrida que decretou a extinção da instância, com todas as legais consequências.
Sem custas.
Registe. Notifique.

Lisboa, 20 de fevereiro de 2025

(Patrícia Manuel Pires)

(Vital Lopes)

(Isabel Silva)