Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1340/19.0BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:04/04/2024
Relator:SUSANA BARRETO
Descritores:IRC
REPORTE DE PREJUÍZOS
Sumário:I - Na definição da matéria coletável são deduzíveis os montantes correspondentes a prejuízos fiscais, nos termos do artigo 52º CIRC.
II - Os prejuízos fiscais apurados em determinado período de tributação são deduzidos aos lucros tributáveis, havendo-os (art.º 52/1 CIRC).
III - Os prejuízos fiscais apurados no ano de 2009, podiam ser deduzidos na totalidade ao lucro tributável nos seis períodos de tributação posteriores.
IV - Com a redação que lhe foi dada ao artigo 52/1 CIRC pela Lei nº 3/B2010, de 28 de abril, os prejuízos fiscais apurados no exercício de 2010, só podiam ser deduzidos aos lucros tributáveis, até aos quatro exercícios posteriores.
V - No exercício de 2015, a dedução devia efetuar-se o mais rapidamente possível, não estando na disponibilidade do Contribuinte a escolha dos exercícios em que se faz o reporte e que este se torna obrigatório logo a partir do momento em que a empresa apresente lucro, devendo, no entanto, no caso de se verificarem prejuízos de vários exercícios a reportar, a dedução ser realizada em obediência a uma ordem cronológica de antiguidade.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais: Subsecção tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul:


I - Relatório

A Autoridade Tributária e Aduaneira, notificada da sentença proferida em 2023.03.28, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, que julgou procedente a impugnação deduzida por S… - S… De Resíduos, S.A., contra os atos de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) n.º 20198310003127, e dos juros e, consequentemente do ato de demonstração de acerto de contas, referentes ao ano de 2015, no valor global de € 95 985,66, dela veio recorrer para este Tribunal Central Administrativo Sul.

Nas alegações de recurso apresentadas, a Recorrente, Autoridade Tributária e Aduaneira, formulou as seguintes conclusões:

A. «A. Visa o presente recurso reagir contra a decisão proferida em 1.ª instância que julgou parcialmente procedente a presente impugnação judicial e, em consequência, determinou a anulação da liquidação adicional de IRC referente ao ano de 2015;

B. A regra habitualmente designada por “First In First Out” ou “FIFO”, relativa ao reporte dos prejuízos fiscais em sede de IRC, sempre foi acolhida no nosso ordenamento jurídico, mesmo antes da sua consagração expressa operada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, que aditou o aditou o n.º 15 ao artigo 52.º do CIRC.

C. Efetivamente, quer em termos doutrinais, quer em termos jurisprudenciais, sempre se considerou que a dedução dos prejuízos fiscais teria de efetuar-se logo no primeiro exercício em que se apurasse lucro tributável, por ordem cronológica de antiguidade, e respeitando o limite temporal definido legalmente.

D. Compreende-se tal unanimidade ou generalização do entendimento de que a dedução de prejuízos fiscais teria de obedecer a uma ordem cronológica de antiguidade.

E. Embora a atividade dos sujeitos passivos sujeitos a IRC decorra efetivamente num fluxo contínuo e, em bom rigor, o lucro ou prejuízo só seja calculável no termo da sua atividade, a periodização do lucro tributável é um dos pilares estruturais do IRC, traduzido no princípio da especialização dos exercícios.

F. Princípio este mitigado pelo princípio da solidariedade dos exercícios, que se traduz na possibilidade de dedução de prejuízos de anos anteriores, ainda que temporalmente limitado.

G. A dedução dos prejuízos fiscais o mais rapidamente possível após a respetiva verificação, pretende seguir os objetivos de aproximar a tributação tanto quanto possível da realidade económica e contabilística das empresas.

H. A norma introduzida pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, em concreto o n.º 15 do artigo 52.º do CIRC, veio consagrar uma solução que os tribunais poderiam ter adotado, e, conforme se referiu, adotaram efetivamente.

I. Pelo que, de certa forma, a norma constante do n.º 15 do artigo 52.º do CIRC Lei n.º 2/2014, revestiu natureza meramente interpretativa, sendo que, nos termos do artigo 13.º, n.º 1 do Código Civil, a mesma se integrará na lei interpretada.

J. O que parece, inclusivamente, ter sido opção do legislador, uma vez que, ao contrário da redação dada aos n.ºs 1, 2 e 4 do artigo 52.º do CIRC, não referiu expressamente qual o âmbito de aplicação temporal do n.º 15 do artigo 52.º do CIRC, conforme se afere da leitura do artigo 12.º da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, sob a epígrafe “Disposições finais e transitórias”.

K. Pelo exposto, conclui-se que terá sido intenção do legislador considerar que o n.º 15 do artigo 52.º do CIRC teria imediata aplicação, ou seja, seria aplicável à dedução a efetuar nos períodos de tributação dos anos de 2014 e seguintes, uma vez que, por um lado, já era esse o entendimento generalizado, e, por outro, essa imediata aplicação não implicaria uma proibida retroatividade da lei fiscal.

L. De igual modo se poderá considerar, ao contrário do que entendeu o Tribunal a quo, que a revogação do n.º 15 do artigo 52.º do CIRC operada pelo artigo 199.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março (O.E. para o ano de 2016) teve aplicação imediata, não se aplicando apenas aos prejuízos apurados em períodos de tributação que se iniciem em ou após 1 de janeiro de 2017, mas sim também à própria dedução de prejuízos fiscais a efetuar nos anos de 2017 e seguintes.

M. Porquanto, o artigo 136.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março (O.E. para o ano de 2016), limita-se a referir, no seu n.º 5, que “a redação dada pela presente lei ao n.º 1 do artigo 52.º do Código do IRC aplica-se aos prejuízos fiscais apurados em períodos de tributação que se iniciem em ou após 1 de janeiro de 2017.”, nada dispondo sobre a revogação do n.º 15 do artigo 52.º do CIRC.

N. Importa, no entanto, salientar que o facto do legislador ter procedido à revogação do n.º 2 do artigo 52.º do CIRC, em nada poderá afetar a validade dos atos impugnados, uma vez que essa revogação operou, conforme referido anteriormente, apenas para a dedução de prejuízos fiscais nos períodos iniciados em 2017.

O. Sendo válido questionar se essa revogação operou efetivamente o fim da aplicação no nosso ordenamento jurídico-tributária de uma hierarquia de prejuízos fiscais estabelecida pelo critério de antiguidade, certo é que a mesma não terá o condão de eliminar efeitos jurídicos já estabelecidos e consumados.

P. Por tudo o exposto, e salvo o devido e mui merecido respeito, entende-se que o Tribunal a quo, ao decidir como decidiu, incorreu em erro de julgamento, por errada interpretação e aplicação do disposto no 52.º, n.ºs 1 e 15 do CIRC, na redação dada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro.

Nestes termos e nos restantes de Direito que o distinto Tribunal entender por bem suprir, advoga a Representação da Fazenda Pública a procedência do presente recurso jurisdicional, determinando-se a revogação da sentença do Tribunal a quo, e, desse modo, julgando totalmente improcedente a impugnação judicial interposta pela Recorrida, com o que V. Exas. farão a almejada Justiça!»

A Recorrida S… - S… Resíduos, S.A., apresentou contra-alegações nas quais conclui:

A. «A. As presentes contra-alegações têm por objeto o recurso jurisdicional interposto pela Recorrente da sentença proferida no âmbito do Processo n.° 1340/19.0BELRA, que julgou totalmente procedente a impugnação judicial intentada pela Impugnante e determinou a anulação dos atos de Liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas n.° 2019 8310003127 e atos conexos, a saber, a liquidação de Juros n.° 2019 00015241604 e Demonstração de Acerto de Contas n.° 2019 0005489822.Lei n.° 55/2012, por referência ao ano de 2013.

B. A Recorrente fundamenta a sua oposição à sentença recorrida no entendimento de que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, por errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 52.°, n.° 1 e 15 do Código do IRC, na redação dada pela Lei n.° 2/2014, de 16 de janeiro.

C. Porém, e como se deixou inequivocamente demonstrado ao longo das presentes contra-alegações de recurso, a douta sentença recorrida não merece qualquer censura na medida em que ao analisar as alterações legislativas sucessivas aos períodos de reporte dos prejuízos fiscais acolheu a única interpretação compatível com os princípios da capacidade contributiva e da tributação do lucro real enquanto corolários do princípio da igualdade ínsito no artigo 103.° da Constituição da República Portuguesa.

D. Com efeito, nos presentes autos este Douto Tribunal será chamado a apreciar uma situação em que a sucessão de alterações legislativas ao Código do IRC privou a Impugnante de proceder ao reporte de prejuízos fiscais gerados no exercício de 2009 no exercício de 2015, precisamente pelo facto de em 2014, ter reportado prejuízos fiscais gerados no exercício de 2010.

E. Em concreto, será este douto Tribunal convocado a validar a tese da Recorrida, já validada na sentença recorrida, segundo a qual podia optar por deduzir em primeiro lugar, no ano de 2014, os prejuízos gerados no ano de 2010 e, apenas em 2015, os prejuízos apurados em 2009.

F. Sendo de destacar que a opção efetuada pela Recorrida resultou exclusivamente do facto de o prazo de reporte dos prejuízos fiscais gerados nos exercícios de 2010 e 2011, em resultado das alterações introduzidas pela Lei n.° 3.° B/2010, de 28 de abril (Lei do Orçamento de Estado para 2011), ter sido reduzido de 6 anos para 4 anos.

G. E, em resultado desta diminuição do número de anos de reporte de prejuízos fiscais, verificou-se, pela primeira vez, a caducidade dos prejuízos fiscais de 2010 antes de atingida a caducidade dos prejuízos fiscais de 2009.

H. E, nesse sentido, no exercício de 2014, sob pena de caducidade dos prejuízos fiscais gerados no exercício de 2010, a Recorrida, à semelhança de outros sujeitos passivos, viu-se confrontada com o silêncio da lei quanto à obrigatoriedade de reportar os prejuízos fiscais por ordem cronológica (i.e., os gerados há mais tempo) vs dedução dos prejuízos fiscais em função da sua caducidade.

I. Tendo optado por deduzir na declaração periódica Modelo 22 entregue por referência ao exercício de 2014 os prejuízos fiscais gerados no exercício de 2010 e, na declaração periódica Modelo 22 entregue por referência ao exercício de 2015 os prejuízos fiscais gerados no exercício de 2009.

J. Sucede que através da Lei n.° 2/2014 de 16 de janeiro, que procedeu à reforma da tributação das sociedades, foi aditado ao artigo 52.° do Código do IRC a regra n.° 15, segundo a qual devem ser deduzidos em primeiro lugar os prejuízos fiscais apurados há mais tempo.

K. Consequentemente, no exercício de 2015 foi negado à Recorrida o direito ao reporte dos prejuízos fiscais gerados em 2009, na medida em que no exercício imediatamente anterior (2014), havia reportado prejuízos fiscais gerados em 2010.

L. Certamente consciente da criação de situações de caducidade de prejuízos fiscais como a que se encontra em análise nos presentes autos, o n.° 15 do artigo 52.° do Código do IRC viria a ser revogado, permitindo-se aos sujeitos passivos deduzir os prejuízos que mais rapidamente vão caducar e não os apurados há mais tempo.

M. Acolhendo-se, assim, de forma expressa uma solução que repõe a justiça do sistema fiscal, sendo, aliás, a única solução compatível num sistema em que coexistem diversos prazos de reporte de prejuízos fiscais.

Termos em que deverá ser negado provimento ao recurso nos termos peticionados, mantendo-se a Douta Sentença Recorrida.»

O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Os autos foram com vista ao Ministério Público, que emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


II – Fundamentação

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, que fixam o objeto do recurso, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso, conforme previsto nos artigos 635/4 e 639/1.2 do Código de Processo Civil (CPC), sendo as de saber se a sentença padece erro de julgamento na aplicação do direito, em matéria de reporte de prejuízos, ou seja, se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento por errada interpretação e aplicação do disposto no 52.º, n.ºs 1 e 15 do CIRC, na redação dada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro.


II.1- Dos Factos

O Tribunal recorrido considerou como provada a seguinte factualidade:

1) «A coberto da ordem de serviço n.º OI201800668, de 17-07-2018, a Impugnante foi objeto de uma ação de inspeção de âmbito parcial ao IRC relativo ao exercício de 2015, motivada pelo facto do sujeito passivo ter sido alvo de procedimento inspetivo anterior, no decurso do qual foi detetada irregularidade ao nível do reporte dos prejuízos acumulados em anos anteriores abatidos ao seu lucro tributável do ano em questão – cfr. página 4 do relatório de inspeção tributária (RIT), correspondente ao documento n.º 11 junto com a p.i.;

2) Em 04-06-2019, foi elaborado o RIT relativo à ação de inspeção mencionada no ponto antecedente, constando do mesmo, designadamente, o seguinte:

“(…)




(…)




(…)


(…)


(…)”– cfr. RIT, correspondente ao documento n.º 11 junto com a p.i., que se dá aqui por integralmente reproduzido;

1) Em 01-07-2019, com base na fundamentação constante no RIT a que respeita o ponto antecedente, foi emitida a liquidação de IRC n.º 20196310003127, relativa ao ano de 2015, com o valor a pagar de 313.164,62 EUR – cfr. documento n.º 1 junto com a p.i.;

2) Em 02-07-2019, na sequência da emissão da liquidação mencionada no ponto antecedente, foi emitida a demonstração de liquidação de juros compensatórios, no valor de 15.531,18 EUR, e moratórios, no valor de 1451,52 EUR – cfr. documento n.º 2 junto com a petição inicial;

3) Em 02-07-2019, foi emitida a demonstração de acerto de contas com o n.º 201900005489622, com um saldo apurado de 95.985,66 EUR – cfr. documento n.º 3 junto com a petição inicial;»



Quanto a factos não provados, a sentença exarou o seguinte:

«Não existem factos a dar como não provados com interesse para a decisão a proferir.»


E quanto à motivação da decisão de facto, consignou-se:

«A decisão da matéria de facto efetuou-se com base no exame dos documentos constantes dos autos e do PAT apenso, conforme discriminado em cada um dos pontos do probatório, sendo, de resto, a questão a decidir exclusivamente de direito.»


Por se entender relevante à decisão a proferir, na medida em que documentalmente demonstrado, adita-se o seguinte:

4) Da liquidação nº 20196310003127, a que se refere a alínea 3 que antecede, transcreve-se:

«Imagem em texto no original»



5) Da demonstração e liquidação de juros referenciada na alínea 4 que antecede, transcreve-se:


«Imagem em texto no original»




6) Da demonstração e acerto de contas melhor identificada na alínea 5), transcreve-se:


«Imagem em texto no original»



«Imagem em texto no original»



II.2 Do Direito

A Impugnante e ora Recorrida foi alvo de procedimento inspetivo que incidiu sobre o exercício de 2015, na sequência do qual os Serviços de Inspeção Tributária corrigiram o prejuízo fiscal declarado pela contribuinte nesse exercício de 2015 de € 908 433,37 para € 738 354,73.

A Impugnante e ora Recorrida impugnou a liquidação adicional de IRC e juros respeitante ao exercício de 2015 resultante da correção efetuada.

E, a sentença recorrida deu-lhe razão.

Entretanto, não é facto controvertido que nos exercícios de 2010 e 2009, a Impugnante e ora Recorrida declarou prejuízos fiscais que deduziu ao lucro tributável nos exercícios de 2015 e 2014, respetivamente. Assim, no ano de 2014 reportou prejuízos fiscais constituídos no ano de 2010 (P2010) e no exercício ora em causa, relativo ao ano de 2015, deduziu prejuízos fiscais transitados do ano de 2009 (P2009).

Nas conclusões das alegações de recurso defende a ora Recorrente que a Impugnante, no ano em que se verificam resultados positivos, teria de seguir a regra usualmente designada por «first in first out» ou FIFO e deduzir e esgotar, em primeiro lugar os prejuízos mais antigos, ou seja, o reporte teria de efetuar-se pela ordem de constituição dos prejuízos.

Assim, defende a Recorrente que no ano em causa teria de ter sido deduzido o remanescente dos prejuízos verificados no ano de 2009, não sendo já possível a dedução de prejuízos verificados no ano de 2010 (P2010), por ter sido já atingido o limite temporal para a dedução dos mesmos.

E, é esta a única questão colocada pela Recorrente nas conclusões das alegações de recurso.

Vejamos, então:

Como é consabido, e não vem posto em causa, nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 15º CIRC a matéria tributável das pessoas coletivas e no que aqui interessa, obtém-se pela dedução ao lucro tributável do montante correspondente a prejuízos fiscais, nos termos do artigo 52º do mesmo Código.

O regime da dedução de prejuízos fiscais encontra-se, pois, previsto no artigo 52º do CIRC, cuja redação tem sofrido sucessivas alterações quanto aos limites temporais.

É pacífico e não vem posto em causa que os prejuízos fiscais apurados no ano de 2009 (P2009), podiam ser deduzidos na totalidade ao lucro tributável nos seis períodos de tributação posteriores.

Com a redação que lhe foi dada pela Lei nº 3/B2010, de 28 de abril, os prejuízos fiscais apurados no exercício de 2010 (P2010), só podiam ser deduzidos aos lucros tributáveis, até aos quatro exercícios posteriores, ou seja, tinham como limite o ano de 2014.

Posteriormente, a Lei nº 2/2014, de 16 de janeiro, que republicou o CIRC, aditou o nº 15 ao artigo 52º, nos termos do qual: «para efeitos do n.º 1, devem ser deduzidos em 1.º lugar os prejuízos fiscais apurados há mais tempo», consagrando a regra que vinha já a ser seguida sobre a ordem de dedução dos prejuízos, no sentido de que os prejuízos fiscais a deduzir tinham de ser os apurados há mais tempo (first in first out), seguindo a cronologia da sua constituição.

Desde já adiantaremos que no exercício aqui em causa, respeitante ao ano de 2015, a Impugnante e ora Recorrida apenas podia deduzir o remanescente dos prejuízos fiscais apurados no ano de 2009 (P2009), e que a sentença que assim não decidiu não se pode, pois, manter e irá ser revogada.

A Impugnante e ora Recorrida defendeu que até à alteração legislativa que aditou o nº 15 ao artigo 52º CIRC e que obriga à dedução em primeiro lugar dos prejuízos apurados há mais tempo, que tal regra não tinha aplicação nos exercícios anteriores. Entende assim que no exercício de 2014 podia deduzir, como fez, os prejuízos apurados no exercício de 2010 e que, como vimos supra, tinham como limite temporal precisamente esse ano de 2014.

Alega a Recorrente que mesmo antes de ser aditado o nº 15 ao artigo 52º CIRC, era já entendimento jurisprudencial que em matéria de prejuízos fiscais vigorava esta regra e que a mesma decorria do princípio da especialização de exercícios.

Assim era.

A título meramente exemplificativo, chamamos à colação os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo nos processos nº 0612/14, de 2014.12.17, e nº 059/10, de 2010.06.30, este último em que estava em causa o ato de liquidação de IRC relativo ao exercício de 2005:
(…)
«Como refere Rogério Fernandes Ferreira, in Tributação do Lucro Real, 2ª Edição, pág. 223, “as deduções dos prejuízos vão-se fazendo a partir do ano mais remoto para a frente…”, isto é, a dedução dos prejuízos fiscais tem de efectuar-se logo no primeiro exercício em que se apure lucro tributável, por ordem cronológica e respeitando obviamente o limite temporal legalmente definido.»
(…)

Também no Acórdão do STA de 2015.12.16, proferido no proc.º 01184/14, em que estavam em causa prejuízos fiscais registados no ano de 2004:
(…)
«O disposto no artº 47º, n.º 1 do CIRC, supra referido, que não atribui ao contribuinte qualquer faculdade de escolha do momento em que procederá à dedução. Bem certo que a dedução dos prejuízos fiscais poderá ocorrer num dos seis exercícios seguintes, mas tal dedução deve ocorrer imediatamente no exercício seguinte desde que haja lucros tributáveis a que possam ser deduzidos tais prejuízos. Se o prejuízo a deduzir excede o lucro tributável, na parte em que o exceder pode ser deduzido no exercício seguinte e assim sucessivamente, com o limite de 6 exercícios após aquele em que o prejuízo fiscal se verificou.
(…)
Assim, sem prejuízo do destaque que no imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas, tem assumido o princípio da especialização dos exercícios, com o estabelecimento de períodos anuais de apuramento de resultados para efeitos fiscais e definição de qual o exercício a que se imputa certo facto ou relação jurídica ou económica que tenha elementos de conexão com os vários exercícios, há muito que a lei vem aceitando critérios de imputação temporal mais flexíveis no apuramento de resultados e admitindo a compensação dos prejuízos em posteriores exercícios que evidenciem resultados positivos. Mas, nada permite concluir, como pretende a recorrente, que o legislador aceita que seja o contribuinte, seguindo exclusivamente o seu interesse a definir quando procederá à dedução de um prejuízo fiscal, como se o pudesse «guardar em carteira» para o utilizar num dos seis anos seguintes. A letra da lei aponta para que apenas a inexistência de lucro tributável permite a não dedução de um prejuízo fiscal no exercício imediatamente seguinte, excluindo qualquer outra razão para essa não dedução».
(…).”

E, ainda, do voto de vencida proferido neste mesmo Acórdão:
(…) há que ter em conta que tanto a doutrina como a jurisprudência consideram que a dedução deve efectuar-se o mais rapidamente possível, não estando na sua disponibilidade a escolha dos exercícios em que se faz o reporte e que este se torna obrigatório logo a partir do momento em que a empresa apresente lucro, devendo, no entanto, no caso de se verificarem prejuízos de vários exercícios a reportar, a dedução ser realizada em obediência a uma ordem cronológica de antiguidade (...)”

Como doutrina (1-Aut Cit, APONTAMENTOS AO IRC, Almedina, 2009, pág. 165) Rui Duarte Morais:
(…)
«Daí que o art.º 47.º, n.º 1, consagre o princípio da dedução dos prejuízos fiscais (reporte de prejuízos): o resultado (fiscal) negativo de um dado exercício pode ser subtraído ao lucro tributável do exercício ou exercícios seguintes, até um máximo de seis.
Ou seja, se o prejuízo de determinado exercício puder ser compensado pelo lucro do período seguinte, a “compensação” será feita integralmente nesse ano. Se não, no decurso dos exercícios subsequentes, dentro do referido limite temporal, findo o qual os prejuízos ainda não “compensados” não poderão, mais, ser deduzidos.»

A jurisprudência e doutrina que acabamos de transcrever é clara no sentido de a dedução ter de ser efetuada pela ordem de antiguidade da sua constituição, pelo que nos dispensamos de mais discorrer sobre o tema.

No exercício de 2015, a dedução devia efetuar-se o mais rapidamente possível, não estando na disponibilidade do Contribuinte a escolha dos exercícios em que se faz o reporte e que este se torna obrigatório logo a partir do momento em que a empresa apresente lucro, devendo, no entanto, no caso de se verificarem prejuízos de vários exercícios a reportar, a dedução ser realizada em obediência a uma ordem cronológica de antiguidade.

Em face do exposto, consideramos que, contrariamente ao decidido, esta regra «first in first out» ou FIFO era aplicável ao tempo dos factos em matéria de reporte de prejuízos fiscais, não colhendo a tese de que o Contribuinte poderia livremente escolher a ordem de dedução dos prejuízos, tendo antes de obedecer à ordem cronológica da sua constituição. Assim, e como defende a ora Recorrente, só após o esgotamento dos prejuízos apurados no exercício de 2009 é que a Impugnante e ora Recorrida poderia proceder à dedução dos prejuízos verificados no exercício de 2010.

Sendo ainda relevantes, mas não determinantes, os argumentos da Recorrente no sentido de não ter o Legislador instituído um regime de transição quando alterou os limites temporais da sua dedução e de que a declaração modelo 22 não contemplava um campo para identificar o ano em que tenham sido constituídos. Era essa a regra que imperava em matéria de reporte de prejuízos, pelo que não se tornava necessária a indicação do ano em que tinham sido apurados.

Termos em que procede o recurso interposto pela Fazenda Pública.

Sumário/Conclusões:

I - Na definição da matéria coletável são deduzíveis os montantes correspondentes a prejuízos fiscais, nos termos do artigo 52º CIRC.
II - Os prejuízos fiscais apurados em determinado período de tributação são deduzidos aos lucros tributáveis, havendo-os (art.º 52/1 CIRC).
III - Os prejuízos fiscais apurados no ano de 2009, podiam ser deduzidos na totalidade ao lucro tributável nos seis períodos de tributação posteriores.
IV - Com a redação que lhe foi dada ao artigo 52/1 CIRC pela Lei nº 3/B2010, de 28 de abril, os prejuízos fiscais apurados no exercício de 2010, só podiam ser deduzidos aos lucros tributáveis, até aos quatro exercícios posteriores.
V - No exercício de 2015, a dedução devia efetuar-se o mais rapidamente possível, não estando na disponibilidade do Contribuinte a escolha dos exercícios em que se faz o reporte e que este se torna obrigatório logo a partir do momento em que a empresa apresente lucro, devendo, no entanto, no caso de se verificarem prejuízos de vários exercícios a reportar, a dedução ser realizada em obediência a uma ordem cronológica de antiguidade.


III - Decisão

Termos em que, face ao exposto, acordam em conferência os Juízes da Subsecção Tributária Comum deste Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e em substituição julgar a impugnação improcedente.

Custas pela Recorrida em ambas as instâncias.

Lisboa, 4 de abril de 2024



Susana Barreto

Maria Isabel Ferreira da Silva

Tânia Meireles da Cunha